Uma viagem contra todas as crises

Beatriz Batarda dirige "A Conquista do Pólo Sul"

Uma viagem contra todas as crises

Num diálogo entre sonho e realidade, Beatriz Batarda encena a tragicomédia A Conquista do Pólo Sul, de Manfred Karge. Bruno Nogueira, Miguel Damião, Nuno Lopes e Romeu Costa interpretam os quatro desempregados que lideram a expedição.

Apesar de escrito no final dos anos de 1980, numa Alemanha ainda dividida, existe uma perturbadora atualidade no texto do grande autor, encenador e ator germânico Manfred Karge. A Conquista do Pólo Sul é um mural sobre o sonho e realidade, sobre a solidariedade, sobre a constante oposição entre o coletivo e o individual, sobre um tempo sem futuro. Mas é também uma belíssima peça sobre a esperança no combate a todas as crises. Bem precisamos, “nas circunstâncias atuais da nossa querida Europa”, como sublinha a encenadora Beatriz Batarda.

Num bairro de uma qualquer cidade operária da Alemanha (ou de um outro qualquer país deste continente), quatro jovens desempregados embrenham-se no tédio de uma vida que parece ter perdido o sentido. Há as drogas, os pequenos golpes, a violência latente no relacionamento entre eles e os outros. E pouco mais alimenta os dias que uma televisão ligada em fundo, servindo de compasso a estes tempos bárbaros.

Até que, contra todas as expetativas, um deles descobre um livro sobre o grande explorador Roald Amundsen, o primeiro a liderar uma expedição bem-sucedida ao remoto Pólo Sul. Levados pela necessidade de ilusão – no fundo esta é “uma história sobre quatro desgraçados à procura da fé”, refere Batarda –, os quatro amigos encarnam a equipa de exploradores que, sem sair do sótão onde até aqui levavam uma existência letárgica, partem numa aventura sem limites, à descoberta de um mundo onde ainda é possível vencer as adversidades e encontrar um caminho, duro e de desfecho incerto, para a esperança.

De uma riqueza surpreendente, combinando a anarquia da linguagem comum com a beleza de um poema, a peça de Karge tem a graça “de revelar-nos a nossa própria alma, indo para lá do drama social e da própria metáfora”. É, acrescenta a encenadora, “escrita por um autor brechtiano até à medula que não hesita em fazer uma reflexão sobre o teatro, na sua capacidade de transformação, de ilusão e de desconstrução dessa mesma ilusão”. Por isso, num diálogo propositadamente ambíguo entre o sonho e realidade, mediado a partir do palco, A Conquista do Pólo Sul é um elogio à utopia feito em “estado de guerra”.

Para além de Bruno Nogueira, Miguel Damião, Nuno Lopes e Romeu Costa, o espetáculo conta com interpretações de Ana Brandão, Flávia Gusmão e Nuno Nunes, estando em cena até 24 de abril, no Teatro Municipal São Luiz, antes de seguir para digressão nacional.