entrevista
Benjamim & Samuel Úria
"Este concerto não é só uma conversa, mas sim um diálogo musical assente numa colaboração concreta"
Samuel Úria e Benjamim (nome artístico de Luís Nunes) são, para além de dois distintos nomes da música portuguesa, também grandes amigos. Dessa amizade nasceu uma cumplicidade musical que, em janeiro deste ano, esgotou a sala do Teatro Maria Matos no ciclo de concertos Conta-me uma Canção. Recentemente, os dois músicos mostraram ao mundo a sua primeira colaboração artística com a canção Os Raros. Agora, voltam a juntar-se em palco num concerto único a 4 de novembro, no Teatro Tivoli BBVA.
Há quantos anos se conhecem?
Samuel Úria (SU): Há mais de 15 anos. Conhecemo-nos por intermédio de amigos. Na altura eu estava a viver em Évora e trabalhava numa agência de marketing e comunicação. Tinha uma colega de Braga que tinha sido namorada do B Fachada, que sabia que eu fazia música e pôs-nos em contacto. O B Fachada era amigo do Luís e falou-me nele. Encontrei-o no MySpace, essa rede social extinta…
Benjamim (B): Na altura, o Samuel mandou-me a canção Barbarella e Barba Rala. Foi logo amor à primeira audição e mandei-lhe uma mensagem de fã pelo MySpace [risos].
SU: Na verdade, fomo-nos encontrando porque acabámos por frequentar os mesmos sítios, como o Cabaret Maxime, que era um sítio muito agregador, dávamos muitos concertos por lá. Mesmo não tocando juntos, éramos próximos de pessoas com quem um e outro tocava.
B: Fazíamos parte do mesmo ecossistema…
Em janeiro deste ano, atuaram no Maria Matos no ciclo de concertos Conta-me uma Canção. Foi o primeiro que deram juntos?
SU: Enquanto dupla sim, foi a primeira vez…
B: Embora já tivéssemos feito uma perninha nos concertos um do outro.
Esse espetáculo tinha um formato muito próprio, em que tocavam músicas um do outro e conversavam sobre elas. Foi aí que surgiu a ideia para este concerto que agora levam ao Tivoli?
B: Há uns dois ou três anos enviei um email ao Samuel com uma ideia musical básica, ao piano, a trautear uma melodia sem letra. Perguntei se ele não queria fazer uma letra para aquela canção mas, como não havia urgência o assunto ficou adormecido. Quando estávamos a ensaiar para o Conta-me uma Canção, perguntei se ele não queria fazer a letra para a canção que lhe tinha enviado e ele respondeu que já a tinha escrito. Andei quatro semanas a chateá-lo para me enviar a letra e isso acabou por ser o mote para sairmos do registo do Conta-me uma Canção, que era um formato que servia para várias duplas, e para assumirmos um concerto que não é só uma conversa, mas sim um diálogo musical assente numa colaboração concreta.
SU: Apesar de tudo, no Conta-me uma Canção, embora colaborássemos em algumas canções, o formato era mais segmentado. Ora tocávamos uma canção do Luís, ora uma minha. Agora a ideia é estarmos ambos a tocar as canções quase como se fossemos uma banda com dois autores.
Estão a referir-se ao tema Os Raros. Como foi o processo de criação?
B: Eu já tinha a base musical desta canção há muito tempo… para mim, foi libertadora a experiência de ter alguém a trabalhar a letra de uma canção – que é uma coisa tão íntima –, apropriar-se dela e atribuir-lhe um significado concreto. Achei isso muito interessante, nunca o tinha feito.
SU: É um trabalho que faço com alguma regularidade, mas as parcerias que tenho são de escrever letras para outras pessoas. Também já fiz o inverso, mas não gosto tanto. Custa-me mais musicar uma letra pré-existente até porque às vezes as métricas não são muito regulares ou então são regulares demais… Por exemplo, com os Clã, a minha colaboração nos últimos anos tem sido eles enviarem-me canções com a Manuela [Azevedo] a trautear ou a cantar versões de músicas em inglês já existentes, e eu depois a fazer uma versão em português. Com o Luís não foi difícil – assim que arranjei um conceito – porque ele tinha-me enviado a canção trauteada já com uma métrica muito certinha, por isso foi fácil pensar nas sílabas que encaixariam naquela canção. Não foi um exercício complicado. Quando escrevi a canção, as sílabas até batiam muito com a interpretação original do Luís. Depois, a partir do momento que a canção foi interpretada e ensaiada, ganhou outra vida e mais liberdade.
Como foi decidido o alinhamento para este concerto?
SU: Fizemos uma espécie de apresentação no festival Chefs on Fire, que foi um formato que congregava mais do que no Conta-me uma Canção, onde havia muita conversa pelo meio e uma mudança de foco, embora participássemos os dois. O concerto no Tivoli terá essa energia de funcionarmos quase como uma banda que tem dois autores, mas que tocam as canções um do outro, com um formato que somos nós a criar. Não nos estamos a adaptar a um palco, estamos a adaptar o palco àquilo que queremos fazer. Já temos uma ideia bem definida do que queremos. Há muitos momentos, há partes individuais, mas vai ser um concerto muito coeso no sentido de estarmos os dois em palco, será homogéneo.
Vai também haver conversa durante o concerto e vão partilhar histórias das vossas canções?
B: Antes de entrarmos em palco no Conta-me uma Canção, o Paulo Salgado – que foi a pessoa que pensou no formato – disse-nos: “atenção que isto não é um concerto!”. Aqui será um concerto, mas é inevitável que conversemos em palco, até porque o Samuel é a pessoa mais bem-falante da música portuguesa [risos], seria um desperdício de recursos não o pôr a falar… Penso que o público também estará à espera dessa dinâmica.
SU: Acaba por se tornar um chavão quando duas pessoas se juntam para fazer um concerto e dizem: “isto é uma celebração da nossa amizade”. Nós queremos fazer um concerto, mas é inevitável, temos uma relação que não se confina à música, e quando estamos em palco não somos impermeáveis a isso.
Têm planos para fazer um disco juntos ou nunca pensaram nisso?
SU: Se a oportunidade surgir estarei recetivo a isso.
B: As coisas têm acontecido naturalmente e gosto de acreditar que acontecem por uma razão que não seja forçada. Tivemos aquele encontro em palco no Conta-me uma Canção, depois surgiu esta canção que fizemos os dois e que, por sua vez, deu azo a este encontro de dia 4 no Tivoli. Mesmo que estejamos dois anos sem tocar juntos, se calhar nessa altura teremos ideias para fazer outra coisa…
SU: A não ser que aconteça algo que destrua a nossa relação… [risos]
Que canção um do outro gostariam de ter escrito?
B: Há muitas músicas que poderia dizer. É raro e é bom quando trabalhamos com alguém que admiramos de tal maneira que essa pessoa estabelece um standard para aquilo que queremos fazer. Quando comecei a escrever em português, um dos meus standards era o Samuel Úria, portanto há muitas canções dele que eu gostaria de ter escrito. Por outro lado, era impossível eu ter escrito a maior parte delas [risos]. Mas, se tivesse de escolher, se calhar seria Barbarella e Barba Rala, porque foi a primeira canção dele que ouvi e que me influenciou muito. Marcou muito a maneira como escrevo.
SU: Vou escolher uma canção que seria impossível para mim conseguir escrever. Gostava de a ter escrito, para já porque ganhava uma data de recursos técnicos que não tenho, e porque acho que é uma das melhores canções portuguesas da última década: Vias de Extinção. Já disse isto várias vezes, o meu apreço por essa canção é uma opinião que é bastante pública.
O último disco do Benjamim, Vias de Extinção, foi lançado em 2020. No mesmo ano, o Samuel lançou Canções do Pós Guerra. Para quando novos discos?
SU: Acho que estamos os dois a pensar em 2024, só que há aqui uma grande diferença, é que o Luís tem o disco quase pronto e eu não tenho quase nada… o excesso de tempo, por não ter havido muita urgência nos últimos dois anos, fez com que eu acumulasse muitas canções e isso às vezes não é bom. Quando o tempo é restrito, dentro daquelas cantigas que me surgem há um imediatismo que faz com que eu queira muito pô-las em disco. Tendo tempo e não tendo obrigação, começo a duvidar muito das canções que tenho. Tenho este espírito um bocado conservador de continuar a pensar nas músicas como um conjunto. Tenho canções que acho que até podem ter algum potencial, mas que não fazem sentido estarem no mesmo disco. Tive de fazer umas “escolhas de Sofia”…
B: O meu deve sair no início do próximo ano.
Depois de Lisboa e Porto, há planos para uma digressão nacional?
SU: Muitas vezes esses planos surgem da vontade das salas em programar. Não podemos arriscar fazer produção própria pelo país fora sem termos a certeza que irá resultar. Penso que o concerto vai correr bem, estou muito confiante no que estamos a preparar, mas a nossa expectativa está limitada àquilo que sabemos que vamos fazer. Às vezes há aquele equívoco de que quando não vamos tocar a um sítio, as pessoas acham que é porque não queremos e isso muito raramente depende dos artistas. Sobretudo num país pequeno, estas produções ainda estão muito centralizadas.
B: Neste concerto estamos a criar um palco novo, um formato novo. O nosso limite para arriscar foi pensar nestes dois concertos. Nós queremos fazer isto. Mesmo que as salas estivessem vazias íamos querer fazer na mesma porque faz sentido para nós. Tudo o que vier a seguir será consequência disso.