Best Youth

"Tem crescido em nós o desejo de nos expressarmos na nossa própria língua"

Best Youth

Ed Rocha Gonçalves e Catarina Salinas são os Best Youth, um duo portuense cuja sonoridade se cruza algures entre a eletrónica e a indie pop. Os álbuns Highway Moon (2015) e Cherry Domino (2018) vieram confirmar o seu estatuto único na música portuguesa. Este mês, lançam o aguardado terceiro disco, Everywhen. A 23 de janeiro, a dupla ruma a sul para apresentar o novo álbum no palco do Teatro Maria Matos e matar saudades do público alfacinha.

A vossa amizade já é antiga. Como é que se transformou numa parceria musical?

Ed Rocha Gonçalves: Tive a oportunidade de fazer um concerto que era uma noite temática. Para isso, precisava de uma diva, e na Catarina encontrei a minha diva. Quem diria que iria ser para a vida… Já éramos amigos e gostávamos os dois de música.

Catarina Salinas: Tínhamos esse gosto partilhado. Uma coisa levou à outra e, por força das circunstâncias, o Ed ia tocar nessa noite de divas e precisava de uma vocalista e nenhum dos nossos amigos quis assumir esse papel, por isso, coube-me a mim tentar a sorte.

O vosso som mistura eletrónica com indie pop, mas há um lado muito retro, muito anos 80 (especialmente no Cherry Domino). Como chegaram a esta sonoridade?

ERG: Sempre que nos juntamos para trabalhar, queremos fazer música que apele a nós. Em primeiro lugar, emocionalmente; depois, se tudo correr bem, a mais algumas pessoas [risos]. Eu e a Kate temos influências musicais assumidamente diferentes, mas temos uma característica comum: gostamos do lado nostálgico que a música tem capacidade para transmitir. Seja por serem músicas que ouvimos em certas alturas das nossas vidas, ou por causa da sonoridade do que ouvíamos quando éramos mais novos, ou até, por causa da própria instrumentação. Na nossa procura de encontrar uma sonoridade, esses elementos foram determinantes. Está no nosso ADN. Nascemos os dois nos anos 80, a música dessa altura esteve sempre presente nas nossas vidas e temos muitas memórias associadas a isso.

CS: Não só dessa altura, também de outras épocas. O álbum que sai este mês também vai buscar nostalgias de outros tempos.

ERG: Somos uma banda independente e autoproduzida e parte da nossa viagem como produtores tem a ver com investigação, experimentação, ter curiosidade de perceber porque é que as coisas soam de determinada forma… No Cheery Domino usamos uma drum machine que foi usada nos grandes hits dos anos 80. O que é este som, porque é que isto soa assim? Fomos investigar o que era. Usámos esse elemento na nossa música e sentimos que conseguimos também trazer um bocadinho dessa nostalgia porque o instrumento usado era este. O som usado era este.

Pode dizer-se que criam a música que gostariam de ouvir?

CS: Acho que fazemos música que tenha, inevitavelmente, uma memória imprimida. No nosso caso, são as nossas memórias que estão impressas nessa abordagem, quer na instrumentalização, quer na abordagem rítmica, quer nas interpretações. Essa questão é aquilo que nós queremos ver na nossa música. Depois, as pessoas também associam as suas memórias àquilo que lhes está a ser apresentado. A premissa é precisamente essa. Ficamos mesmo felizes quando as pessoas nos dizem que a nossa música é nostálgica, que lhes traz determinadas memórias. Obviamente que isso é transversal na arte e principalmente na música, mas nós temos esse objetivo concreto quando estamos a conceber as canções.

ERG: Já tinha ouvido isso em relação a filmes. Um conselho para os realizadores, que é: “faz o filme que querias ver no cinema”. E acho que é verdade. Acho que, de certa forma, nós fazemos ou tentamos fazer o disco que queremos ouvir.

E nesse processo não se chegam a cansar? Se estiver a dar uma música vossa no rádio, ficam a ouvir?

CS: Eu fico. Mas passo por esse processo de enjoo. Quando acabamos um disco, a última coisa que quero é ouvir o raio do disco [risos]. Quero é estar a milhas dele, até mesmo para ganhar perspetiva. Fazer um álbum a dois e não com uma banda é literalmente uma experiência imersiva. No fim do processo de gravação, o que mais queremos é sair dessa imersividade, voltar à realidade, para depois percebermos como é que o vamos apresentar ao público.

ERG: É uma espécie de teste do algodão também, porque nós demoramos bastante tempo a fazer canções e a estar satisfeitos com elas e depois, por causa disso, vivemos muito tempo com elas e depois temos de as ensaiar e preparar para os concertos. É um processo muito longo. Claro que há essa fase de estarmos fartos, já ouvimos as músicas centenas de vezes e ainda nem sequer chegaram ao público, mas a verdade é que há momentos espontâneos em que as ouvimos e ainda conseguimos gostar bastante delas. Há dias, pus-me a ouvir uma das músicas do nosso disco novo que não ouvia para aí há duas semanas e consegui apreciá-la, o que quer dizer que alguma coisa fizemos bem.

Ainda se conseguem surpreender, é isso?

ERG: Sim, só que isso depois começa a elevar a fasquia para todas as músicas que fazemos: isto aguenta cinco mil audições? É que, se não aguentar, se calhar não é interessante o suficiente.

CS: Podemos não conseguir fazê-lo, mas tentamos que as nossas músicas sejam intemporais.

Como é que trabalham juntos o processo de composição?

ERG: Nós somos um bocadinho banda operária, vamos todos os dias para o estúdio trabalhar juntos. A parte instrumental da percussão propriamente dita sou mais eu que faço, mas estamos sempre os dois. Ou seja, eu sou o operacional em campo, mas estamos juntos a fazer o trabalho.

CS: Normalmente vamos fazendo melodias e criamos um dialeto fonético. Nesse processo, conseguimos perceber que há palavras e sons que vamos querer transmitir em termos de letra. Ou seja, há coisas que se conseguem ir delineando a partir da questão melódica. Há alturas em que isso é partilhado, outras alturas em que é mais o Ed a fazer as letras. Noutros álbuns já aconteceu ser eu a fazer umas letras e o Ed a fazer outras. Funcionamos muito com base na necessidade do momento. Não há uma receita, não é uma coisa estanque. E acho que isso é uma mais-valia… À medida que vamos evoluindo, vamos tendo outras formas de pensar e outras formas de reagir. Nesse sentido, gostei muito do processo imersivo deste álbum.

Qual a ideia por trás do novo single, Back With A Bang?

ERG: Às vezes há uma espécie de cansaço e de marasmo que se instala. Sinto que há uma espécie de inércia, por diversos motivos, mesmo para coisas tão simples como ir sair com amigos. E de repente sinto um impulso, uma espécie de raiva que me diz “Sai do lugar, faz alguma coisa, mexe-te!” Tentámos passar esta ideia para a música.

E a ideia do vídeo, com os dois a jogarem o mítico ‘jogo das cadeiras’?

ERG: Gostamos muito de trabalhar com o André [Tentúgal, realizador] porque somos cúmplices há muitos anos, juntamo-nos para atirar ideias para cima da mesa. Sem querer partimos de um sítio e, de repente, fomos parar ao ‘jogo das cadeiras’…

CS: A música é muito imediata, muito curta, muito incisiva. É esta ideia que o Ed estava a dizer de “acorda para a vida! Não esperes mais! É agora!” O jogo das cadeiras também é muito imediato, acaba o tempo e tens de te sentar, não podes pensar, só agir. É a ideia de ação/reação.

ERG: Essa questão da letra, nós passamo-la como uma espécie de confronto interno entre nós, com a atividade ou a passividade. Quisemos também ilustrar a parte do confronto e essa parte somos nós a competir. Quem é que ganha?

“Tentamos fazer o disco que queremos ouvir”.

Têm feito algumas parcerias com outros músicos, como em New Love, com The Legendary Tigerman. Como surgiu essa colaboração?

ERG: Já tínhamos feito algumas colaborações com o Paulo [Furtado]. Há uns anos convidámo-lo para tocar num concerto no Lux. Era um concerto com convidados, que é uma coisa rara, não fizemos muitos assim. Fizemos o concerto com ele e com o Moullinex. Na altura já tínhamos alguma afinidade e começámos a criar uma relação. Gostamos muito do trabalho do Tigerman. Tem algumas ligações com o nosso, seja a nível estético ou de referências. Há uma parte dos nossos universos que é completamente partilhada. Para além disso, felizmente, também existe uma afinidade pessoal. É uma pessoa impecável. Neste disco que fez, lembrou-se de nos convidar.

CS: Este disco também tem uma particularidade, é que é um disco extremamente cinematográfico, e se há coisa que nós também gostamos muito e que faz parte da nossa cultura e do nosso processo musical é cinema. Gostamos muito da questão da banda sonora e da ideia de descontextualizar um momento com determinados sons e o disco dele foi muito nesse sentido. Fez sentido fazermos esta canção juntos.

Com que outro artista (nacional ou internacional) gostariam muito de colaborar?

ERG: Gostava muito de trabalhar com o Nigel Godrich, é o meu produtor fetiche.

CS: Eu tenho dois: Jack Antonoff e Rick Rubbin. Se pudéssemos trabalhar com os três seria perfeito.

Em 2019, fizeram uma versão de Primavera, da Amália. Isso não vos deu vontade de compor em português?

ERG: É uma porta que nunca esteve fechada. Quando começámos a fazer música não houve uma reunião para decidir em que língua é que íamos cantar. Foi uma coisa instintiva. Aprendemos inglês desde muito cedo, para nós foi uma coisa natural e imediata. Nessa canção em concreto havia um contexto que fazia sentido, e provavelmente haverá outros… Agora, se será um disco, um EP ou um single não sabemos.

CS: Acho que tem crescido em nós o desejo de nos expressarmos na nossa própria língua, até porque já temos alguns anos de abordagem no inglês e a dada altura, como em qualquer coisa, queremos mudar um bocado. E porque não abordar a nossa língua, que é lindíssima?

Estiveram recentemente nas Maldivas, a participar no Chefs on Fire. Como correu essa experiência?

CS: Já tínhamos participado antes no Chefs on Fire, mas nunca tínhamos estado nas Maldivas e se não fosse esta experiência provavelmente nunca iríamos fazer esta viagem. Foi uma experiência sui generis, no bom sentido da palavra…

ERG: Fomos passar uns dias num hotel com um estilo de vida muito alto digamos assim [risos]. Somos fãs do festival, já participámos várias vezes. O conceito é muito giro, a ilha é muito pequenina, dá-se a volta em cinco minutos. Foi muito engraçada a experiência de irmos com uma equipa de Portugal, pessoas determinadas a dar uma boa impressão num festival com condições logísticas difíceis.

CS: Tivemos um concerto exterior e de repente começou a chover. Sim, estivemos de férias [risos], mas estávamos preocupados em saber se iria ou não resultar, ou se alguém ia apanhar um choque elétrico [risos]… O saldo foi altamente positivo. Ninguém apanhou um choque, ninguém faleceu [risos].

Everywhen será o vosso terceiro álbum, sucessor de Cherry Domino (2018) e Highway Moon (2015). O que sentem que mudou na vossa sonoridade ao longo destes anos?

ERG: No primeiro disco, estávamos muito verdes. Tivemos o privilégio de trabalhar com profissionais e músicos muito bons, e fomos montando o nosso projeto da forma que era possível. Nos primeiros concertos atuámos praticamente de improviso. Lançámos um EP e duas semanas depois já tínhamos uma tournée marcada e não tínhamos músicas ainda. Depois passámos para configurações de três, quatro e cinco pessoas e fomos saltando assim até percebermos que a banda somos só nós dois. Isso obrigou-nos, de certa forma, a depurar, tanto em disco como em concerto, uma banda e um projeto com os objetivos sónicos que nós tivemos nos últimos discos, mas só com duas pessoas. Sem querer, isso revelou-se um desafio espetacular. Este terceiro disco é uma espécie de culminar desse processo em que finalmente sabemos mais ou menos o que estamos a fazer. Até agora estivemos, de certa forma, a lutar um bocadinho entre os nossos objetivos e as capacidades que tínhamos para os concretizar. O processo de terminar este disco deu-nos a capacidade de dizer que finalmente estamos num momento em que conseguimos imaginar uma coisa e concretizá-la a 100% como queremos.

E agora uma pergunta politicamente incorreta: quais são as maiores diferenças entre o público do Porto e de Lisboa?

CS: Em Lisboa, o público é muito mais recetivo na sua expansividade. Em casa, acho que é a síndrome de sermos uma banda de lá… o público nortenho tem uma mentalidade relativamente diferente do público a sul. Lá em cima gostamos de avaliar e vamos cedendo aos poucos. Cá não é assim, essa cedência é muito mais livre. É tudo mais explosivo e é muito bom ter esses dois lados diferentes porque a forma como nos apresentamos nos concertos e como trabalhamos o público é diferente. Isso dá-nos experiência e outra forma de vermos a nossa própria música.

ERG: Ou seja, quando vimos tocar a Lisboa somos os Best Youth, quando tocamos no Porto somos o Ed e a Kate.

Em janeiro, o que é que o público lisboeta pode esperar do concerto no Teatro Maria Matos?

ERG: Estamos a tentar preparar o melhor concerto do mundo só com duas pessoas em palco. É esse o nosso compromisso [risos].