entrevista
Nuno Calado
O radialista apresenta a segunda edição do Indiegente Live!
Nuno Calado é radialista na Antena3, autor do programa Indiegente que, ao longo de 22 anos, tem dado a conhecer nova música alternativa. O ano passado, o programa saltou da rádio para o palco do Lisboa ao Vivo (LAV) e, apesar de ter coincido com a passagem do Leslie (um dos furacões mais agressivos que atingiu o território nacional), foi um sucesso. Com ouvintes a virem de todos os lados do país, e da boa vibração partilhada entre artistas e público, uma segunda edição impunha-se. Apesar de todas as reticências do radialista, que tinha pensado num evento de uma vez só, no dia 19 de outubro o Indiegente vai mesmo regressar ao LAV, para mais um desfile do que melhor se faz na música alternativa nacional.
De onde vem o teu gosto por conhecer música nova?
Tenho várias pessoas da família ligadas à música enquanto executantes, numa vertente clássica. Não sei dizer se este gosto é algo genético ou não. Em minha casa não havia muitos discos, o que havia era o rádio quase sempre ligado. Lembro-me que o meu pai tinha o hábito de ligar o rádio à hora de almoço e era assim que eu ouvia música. Talvez por ter alguns elementos da família ligados à música, os meus pais puseram-me a aprender um instrumento. Ao fim de alguns anos percebi que era melhor a escolher discos do que propriamente a tocar. Isso aconteceu em 1986, na altura em que comecei a trabalhar numa rádio pirata. Eu era daqueles miúdos que andava na escola sempre com discos ou cassetes debaixo do braço.
A paixão pela rádio surgiu depois?
Aconteceu por acaso, nunca pensei fazer rádio na vida. Sempre gostei muito de ouvir rádio, não tanto pelos locutores, mas sim pela música. Até uma certa idade ouvia tanto os programas do Luís Filipe Barros como do António Sérgio, ou do Rui Morrison… Em relação à música não tinha muito critério, ouvia um bocado de tudo: Jimi Hendrix, Doors, U2 ou mesmo o Rod Stewart. Um dos primeiros discos que comprei foi o Ship Arriving Too Late to Save a Drowning Witch (1982), do Frank Zappa, devia ter uns 14 anos. Nessa fase tinha sede de ouvir coisas novas, só mais tarde é que comecei a ter algum critério nas minhas escolhas.
Gastavas muito dinheiro em discos, portanto…
O meu pai dava-me dinheiro para lanchar na escola e eu guardava esse dinheiro porque sabia que se juntasse durante uns dias ia ter o suficiente para comprar um disco. Durante uns tempos, a minha mãe questionava-me porque é que eu gastava dinheiro em discos. O meu pai percebeu cedo o caminho que eu estava a fazer. Da mesma forma que ele procurava estar atualizado em relação à medicina, que era a sua área profissional, eu tentava atualizar-me na área da música.
Deves ter uma coleção imensa…
Tenho. Com as mudanças de casa às vezes as coisas são complicadas… Já os tive todos em casa, numa casa grande. Agora tenho-os todos em casa, numa casa pequena. Estou novamente em fase de mudança e estou com alguma dificuldade em transportar os discos outra vez.
Um melómano como tu compra música digital?
Deixei de comprar CDs mas continuo a comprar vinil e música digital. A música digital (e eu trabalho muito com esse formato) tem uma grande desvantagem: não se estabelece relação com um ficheiro, ao contrário do que acontece com o objeto físico, em que se cria uma relação emocional. Porém, aderi muito cedo a esse formato, em parte pela minha sede de urgência, de querer ter acesso o mais rápido possível. A música ficava disponível à noite e eu podia usá-la na emissão do dia seguinte.
Graças ao avanço da tecnologia e à criação de plataformas de streaming como o Spotify, as gerações mais novas acabam por ter uma relação mais desprendida com a música. Como olhas para isso?
Quando sinto o lado nostágico de “no meu tempo é que era bom”, penso que estou a agir como os meus pais e não quero ser um “Velho do Restelo”. De facto, nós consumíamos bandas e estilos de música. Uma pessoa que nascesse na era punk ou pós-punk, consumia muito esse tipo de música e renegava a eletrónica, o metal, etc. Hoje, estas gerações consomem música de uma forma completamente diferente: consomem mais singles de várias bandas diferentes. Também têm outra noção de tempo. Estão próximos desta sonoridade da segunda década do século XXI, mas as coisas que estão para trás também ouvem com muita facilidade (ao ouvir música no Youtube ou no Spotify aparecem sempre músicas relacionadas). Quando íamos à procura dos discos na loja havia coisas que púnhamos de parte automaticamente, sem sequer dar uma hipótese. Acho que esta geração é mais ligada a canções do que propriamente às bandas. Hoje consome-se música com muito mais velocidade e um disco com três meses já é considerado um disco velho, ao contrário do que acontecia há alguns anos, em que ao fim de três meses é que o disco começava a ganhar vida.
Fazes o Indiegente na Antena3 há 22 anos. Durante este período ajudaste a lançar muitas bandas…
O mérito principal é dos artistas. Posso ter ajudado muitas bandas e se calhar houve outras que me passaram ao lado, mas continuo a fazer rádio com a mesma intenção do início: partilhar os discos de que gosto, que é um bocado aquilo que fazia na escola, com a diferença de que neste meio chega-se a mais gente. A ideia é ajudar os artistas a crescer porque ganham mais adeptos, mas também ajudar as pessoas a enriquecerem-se com a descoberta de música nova. Enche-me a alma quando alguém vem ter comigo e diz coisas como: “aprendi a ouvir música contigo”. O ano passado, na primeira edição ao vivo do Indiegente, vieram pessoas de Bragança e do Algarve para o evento, ainda por cima no dia do furacão, o que me deixou muito feliz.
Como é que surgiu a ideia de passar o programa para o formato ao vivo?
No segundo ou terceiro ano do Reverence Festival, falei com a organização para criar um palco Indiegente. Alguns dos artistas em que tinha pensado já tinham sido sondados para irem lá tocar, mas tinham recusado porque não concordavam com os cachets. Quando fui eu a fazer o convite, eles responderam “sim”. Nessa altura, disseram-me: “estás a fazer trabalho sujo porque a ti não conseguimos dizer que não. Se calhar devias pensar em organizar uma coisa tua em vez de organizares para os outros”. A ideia ficou, e pensei em avançar na altura dos 20 anos do programa, mas por razões logísticas não aconteceu. Acabou por ser o ano passado, nos 21 anos. Basicamente precisava de uma sala e de sentir que não estava a comprometer o meu futuro financeiro.
Como foi o processo de seleção das bandas para esta nova edição?
Este cartaz é mais arriscado que o do ano passado, que tinha mais nomes sonantes. O encadeamento estava todo na minha cabeça há muito tempo, até porque tinha sido pensado para o ano anterior. Este ano as coisas não aconteceram assim, até porque fui o último a ser convencido de que devia haver outra edição.
Porquê?
Tinha muitas dúvidas. O ano passado pensei que ia ser um evento único, de uma data só, mas o feedback que tive foi muito positivo, quer do público, quer dos artistas, quer do Pedro Valente (stage manager) da Azáfama Produções. Saí de lá com a sensação de que tinha sido uma festa de Natal antecipada. Para mim só fazia sentido voltar a fazer o Indiegente Live se fosse novamente no Lisboa ao Vivo, e se conseguisse ter as mesmas pessoas a organizar isto comigo.
Isso quer dizer que está tudo em aberto para uma terceira edição?
Vou deixar ao sabor do vento, já não vou voltar a dizer que não, a não ser que este ano me desgrace financeiramente [risos]. A questão é perceber se faz sentido fazer mais uma edição, se é pertinente ou não. Este ano convidei algumas pessoas que tinha pensado para o ano passado, mas a lista já era tão extensa que não deu para incluir no alinhamento…
O conceito está pensado para que haja interação entre os artistas. O que se pode esperar desta edição?
Este ano há nomes menos conhecidos mas que estão a emergir, como Algumacena (Alex D’alva Teixeira e Ricardo Martins), Deadclub, Knot3 (Selma Uamusse e Toni Fortuna), Nancy Knox, Violeta… São artistas à volta dos quais há algum barulho mas ninguém sabe concretamente o que vai sair dali… As Anarchicks também vão atuar e é engraçado, porque o primeiro concerto delas foi no Seixal há uns anos, num evento organizado por mim. Faz todo o sentido reencontrar pessoas com quem me cruzei há muitos anos, ainda para mais naquela que eu acho que é a melhor fase delas.
Expectativas para o dia 19 de outubro?
A minha ideia era juntar artistas com experiência (como os Bizarra Locomotiva ou os Parkinsons) com pessoal novo. Estou muito curioso para assistir àquilo que estão a preparar. Estou curioso para ver, por exemplo, o que é que o Rui Maia vai fazer com as Anarchicks. O ano passado os nomes dos artistas estavam todos no cartaz. Este ano acho que vai haver surpresas [risos]. Uma das bandas deu mesmo uma sugestão engraçada: ter a Manu De La Roche [artista de burlesco] a atuar ao mesmo tempo.
Há planos para levar o Indiegente Live a outras cidades?
Não está fora de questão… A fazer uma terceira edição acho que faria todo o sentido ser no Porto, até porque é uma zona do país onde há uma grande quantidade de bandas que faz parte da família do Indiegente, mas que logisticamente é difícil trazer para Lisboa. Claro que se tivesse patrocinadores seria mais fácil. [risos]