Reencontro de amantes

Marco Medeiros encena "Telhados de Vidro", de David Hare, no Teatro da Trindade

Reencontro de amantes

Depois do grande sucesso de O diário de Anne Frank, o encenador Marco Medeiros regressa ao Teatro da Trindade INATEL para encenar Telhados de Vidro, aclamada peça do dramaturgo britânico David Hare. Diogo Infante e Benedita Pereira interpretam um casal de ex-amantes que se reencontra anos depois do fim abrupto da relação. O jovem ator Tomás Taborda completa o elenco.

O desafio de encenar Telhados de Vidro (Skylight, no original) partiu de Diogo Infante que, enquanto diretor artístico do Teatro da Trindade INATEL, “enviou vários textos” a Marco Medeiros no sentido de ambos avançarem com um novo projeto criativo, depois de colaborações bem sucedidas em Ricardo III e O diário de Anne Frank.

“Entre eles estava a peça de David Hare, na qual, quando a li, não me revi”, confessa o encenador. Contudo, numa segunda leitura, Medeiros percebeu haver ali “muita coisa” que lhe interessava, “muita matéria que importa debater na sociedade”, ou não fosse a peça “sobre a essência humana”, e não só sobre a relação amorosa tumultuosa entre um homem e uma mulher.

Embora escrita em 1995, ainda na ressaca da longa vigência de Margaret Thatcher enquanto primeira ministra britânica, Telhados de Vidro mantém-se uma peça extremamente atual, mesmo quando assume um traço mais politizado. Porque, para além de não corresponder às convenções do drama romântico ao qual o grande público está habituado, o texto de Hare transforma o reencontro entre os dois amantes numa batalha ideológica entre o pragmatismo e a frieza liberal do empresário bem-sucedido e a sensibilidade social de uma professora destacada numa escola dos arrabaldes da grande cidade.

Uma reflexão sobre a culpa

“Ao fugir a códigos, barreiras e regras estabelecidas”, a peça de Hare vai revelando camadas que subtilmente se vão destapando. E é nesta complexidade do relacionamento entre dois amantes que o autor acaba por propor uma grande reflexão sobre a expiação da culpa.

Telhados de Vidro passa-se ao longo de uma noite, no apartamento suburbano e mal aquecido de Clara (Benedita Pereira). Ali, a professora começa por receber a visita inesperada de Eduardo (Tomás Taborda), o filho adolescente de Tomás (Diogo Infante), um importante empresário da restauração para quem Clara trabalhou no passado e, ir-se-á revelar um pouco mais tarde, com quem manteve uma intensa relação amorosa.

A visita do jovem mostra, porém, uma forte cumplicidade entre ambos, uma vez que Clara foi, durante anos, aperfilhada pela família, uma cuidadora de Eduardo enquanto criança e uma amiga de Alice, a mulher de Tomás. Desvenda-se, portanto, a rutura com Tomás causada pelo sentimento insustentável de culpa que se abate, a dado momento, sobre Clara.

Depois de Eduardo a deixar e ter anunciado que a mãe falecera há mais de um ano com uma doença oncológica, a professora é de novo surpreendida, desta vez pela visita de Tomás. O reencontro do qual tanto fugiu está prestes a acontecer e a mostrar como nunca é fácil lidar com as pontas mal resolvidas do passado.

Entre o confronto e a inevitabilidade do amor e do desejo, este reencontro coloca-os perante o modo como cada um lidou com a culpa. O aparentemente intocável Tomás submerso na mais profunda das infelicidades e Clara entregue a uma vida quase sacrificial, onde se trocou o conforto do privilégio por uma existência quase ascetista.

Com tradução de Ana Sampaio e a participação em cena do pianista Jorge A. Silva, Telhados de Vidro estreia a 12 de setembro, e permanece em cena até 17 de novembro na Sala Carmen Dolores do Teatro da Trindade.