O “novo” Teatro Variedades

Teatro do Parque Mayer volta a abrir portas à cidade

O “novo” Teatro Variedades

Quase três décadas depois, o Teatro Variedades, no Parque Mayer, volta a abrir portas. A 5 de outubro, o encenador e dramaturgo Ricardo Neves-Neves estreia dois novos espetáculos – as comédias Entraria nesta sala e The Swimming Pool Party –, antecipando uma programação que procura privilegiar o teatro (baseada na heterogeneidade das propostas, ao incluir nomes como os de Rita Ribeiro ou Florbela Queiroz, mas também os Artistas Unidos, Pedro Penim e a Companhia de Ópera do Castelo) e apostar em temporadas mais extensas do que as que vêm sendo usuais nas principais instituições culturais da cidade.

Há quase cem anos, a 8 de julho de 1926, uma nova sala inaugurava no Parque Mayer tornando-se, com o Teatro Maria Vitória, o segundo edifício de espetáculos do recinto localizado nas traseiras do Palácio Lima Mayer (atual Consulado de Espanha em Lisboa). O Variedades, projetado pelo arquiteto José Urbano de Castro, abria portas com a revista Pó de Arroz, estrelada pelo muito “popular” Carlos Leal, pela “gentil divette” Annita Salambô e pelo então jovem ator e argumentista Vasco Santana.

O edifício atual está muito longe daquilo que seria na altura, uma vez que entre 1934 e 1940 foi sujeito a um conjunto de obras de melhoria e ampliação, sendo que as mais determinantes passaram pela substituição da cobertura em madeira por uma metálica e a criação de um grande balcão e geral. Até 1966, altura em que sofre um incêndio que destruiu a caixa de palco, o Variedades foi sendo ampliado e até modernizado, afirmando-se, a par dos outros teatros do Parque Mayer (o Maria Matos, o Capitólio e o ABC), um dos principais palcos da comédia e da revista à portuguesa.

O projeto de reabilitação do edifício, da autoria de Manuel Aires Mateus, procurou preservar alguns elementos característicos do “velho” Variedades, como o pórtico, o foyer e o próprio auditório. ©H. Mouco/CML-ACL

Embora no início da década de 1990 tenha havido uma nova intervenção arquitetónica, sobretudo ao nível do palco, de modo a adaptá-lo às necessidades da televisão (Filipe La Féria ali gravou o programa Grande Noite para a RTP), o declínio do Parque Mayer e a perda de popularidade do teatro de revista ditou o encerramento do Variedades e a sua desativação.

Já neste século, a vontade de devolver à cidade o Parque Mayer (onde em ato de resistência já só o Teatro Maria Vitória se mantinha em funcionamento) tornou-se um desígnio de edilidades e lisboetas. Apesar de tantas conturbações, a maior parte delas dignas de inspirar quadros bem ácidos de teatro de revista, a Câmara Municipal de Lisboa conseguiu recuperar o Capitólio e, agora, o Variedades, voltando a colocar a outrora chamada “Broadway lisboeta” no mapa da oferta cultural da cidade.

Um teatro para todos os tipos de público

A reabilitação do Teatro Variedades tem a assinatura do arquiteto Manuel Aires Mateus e dota o espaço de “novas estruturas funcionais adequadas às necessidades dos recintos de espetáculos modernos “, como se pode ler na página oficial da Lisboa Cultura, empresa municipal que gere o “novo” teatro. Espaços como os do auditório, do palco e do foyer, foram mantidos, “limpando a construção de todos os elementos apósitos e em estado de conservação irrecuperável.”

A atual sala terá uma lotação variável com cerca de 300 lugares. ©H. Mouco/CML-ACL

Enquanto equipamento cultural, “o Teatro Variedades vai funcionar numa lógica de acolhimento, sendo o objetivo ter, sobretudo, espetáculos a fazer carreira até seis semanas, contrariando um pouco aquilo que se vem passando noutras instituições da cidade”, anuncia Joaquim René, diretor do Variedades, e também do “vizinho” Capitólio. “Queremos que companhias que estrearam os seus espetáculos numa sala, mas que tiveram poucos dias de apresentação, possam fazer aqui uma temporada mais extensa”, numa lógica semelhante à adotada, ainda no tempo da direção de Tiago Rodrigues, pelo Teatro Nacional D. Maria II (TNDM II) com o Teatro Maria Matos, atualmente gerido pela Força de Produção.

E, por falar em TNDM II, o ano de 2025 do Variedades vai ser marcado por cinco produções do teatro atualmente dirigido por Pedro Penim. “Devido ao atraso nas obras do edifício do Rossio, o Nacional vai estar aqui, já em fevereiro, com A Farsa de Inês Pereira. Nos meses seguintes, passará por cá um Hamlet, coproduzido com o Teatro São João do Porto; o novo projeto do Marco Mendonça; e outros dois espetáculos que ainda não podemos anunciar”. Em jeito de curiosidade, René lembra que a relação entre o TNDM II e o Variedades não é nova: “quando o Nacional ardeu [1964], a Companhia [Rey Colaço-Robles Monteiro] chegou a estar aqui.”

O diretor do Teatro Variedades, Joaquim René, garante ter a programação fechada até final de 2025. ©H. Mouco/CML-ACL

Para além do acolhimento do TNDM II, o ano que vem trará o festival FIMFA e uma produção do Musical Theatre Lisbon, os Lisbon Players e a Companhia de Ópera do Castelo. Já em janeiro, Três é a conta que Deus fez, um espetáculo que junta em palco três históricos do Parque Mayer: Florbela Queiroz, Natalina José e António Calvário. “Será um ano muito representativo da programação heterogénea que se pretende para o Variedades, de modo a trazer públicos diversos, ao mesmo tempo que se procura honrar a memória do Parque Mayer trazendo-o, simultaneamente, para a contemporaneidade.”

O Elétrico a abrir e Rita Ribeiro e Jon Fosse a fechar 2024

Quando a 5 de outubro, o renovado Variedades abrir de novo as suas portas, caberá ao Teatro do Eléctrico e Ricardo Neves-Neves as honras de apresentar os dois espetáculos inaugurais, que cumprirão temporada em simultâneo. “Inaugurar um teatro é uma sensação boa, mas também faz muito medo. Somos nós que vamos testar tudo”, aponta o dramaturgo e encenador a meras duas semanas de estrear Entraria nesta sala e The Swimming Pool Party, dois espetáculos que partem de textos escritos há uns anos mas nunca encenados por Neves-Neves.

Sílvia Rizzo, Manuel Marques, Sissi Martis e Ivo Alexandre em Entraria nesta sala ©H. Mouco/CML-ACL

“Quando [a Lisboa Cultura] nos convidou tinha em vista uma comédia ou um musical. Com a ajuda da Sissi Martins e do Ruben Madureira, ainda procurei uma peça musical que se adequasse não só à dimensão do orçamento como do palco, mas não encontrei. Foi quando me lembrei destas duas que escrevi há uns anos e nunca encenei”, conta Neves-Neves, sublinhando a vontade de apresentar “duas comédias com música ao vivo”, sendo que uma, Entraria nesta sala, evoca a memória do teatro português e de quatro das suas maiores personalidades: António Silva, Beatriz Costa, Maria Matos e Vasco Santana.

Depois de um mês com o Teatro do Eléctrico – e, atenção, com uma exposição no foyer do teatro que reúne uma coleção de fotografias do Parque Mayer do crítico e cineasta Lauro António –, em novembro há o regresso de Rita Ribeiro aos palcos e dos Artistas Unidos ao centro da cidade, depois do encerramento do Teatro da Politécnica.

Logo a dia 6, estreia Rita, um espetáculo encenado por João Ascenso, com texto de Sandra José, onde Rita Ribeiro, a solo, revisita a sua vida e carreira de cinco décadas no teatro e no cinema. Mesmo no final do mês, os Artistas Unidos regressam a Jon Fosse, o autor norueguês galardoado com o Prémio Nobel da Literatura em 2023, com Vento Forte, espetáculo que entrará por dezembro e fecha o primeiro trimestre da nova vida do Teatro Variedades.