Rita Nunes

'O melhor dos mundos' é um filme para refletir "sobre a dificuldade de lidar com situações extremas."

Rita Nunes

Partindo de uma premissa científica real, O melhor dos mundos, segunda longa-metragem de Rita Nunes, aborda a possibilidade de Lisboa voltar a ser abalada por um grande terramoto. A colocação, em 2025, de novos cabos de comunicação submarinos, que servirão para monitorizar, em tempo real, o ambiente, as alterações climáticas, a oceanografia, a geofísica e a sismologia, servem uma ficção protagonizada por Sara Barros Leitão e Miguel Nunes. A propósito deste novo trabalho, que chega às salas a 10 de outubro, estivemos à conversa com a realizadora.

Lisboa voltar a ser abalada por um grande terramoto é algo plausível. Há apenas uma questão: quando? De que forma esta ‘inevitabilidade’ se transformou num filme?

Sou de Lisboa e desde miúda que ouço esta história. A nossa maior referência em Lisboa, em termos deste tipo de eventos, é o grande Terramoto [de 1755]. Foi sempre uma coisa que me inquietou a todos os níveis, não só para o cinema, mas também para o planeamento de uma cidade. Isto fez com que, desde há muitos anos, quisesse realizar um filme baseado nesta premissa: “E se acontecer outra vez?”. Não é tanto fazer um filme catástrofe, porque isso não me interessa, nem é o tipo de cinema que me importa explorar, mas fazer uma coisa baseada na possibilidade de voltar a acontecer. E a verdade é que, falando com uma série de cientistas, a certeza é de que vai acontecer outra vez, só não sabemos quando. Esse é o tagline da campanha do filme: “se voltar a acontecer”. Decidi então explorar esta ideia neste filme.

Mas, houve uma informação real que a impulsionou…

O que aconteceu foi que, na altura em que voltei a pegar na ideia, surgiu a notícia de que um grupo de cientistas ia efetivamente trabalhar com o Governo na instalação de novos cabos submarinos com uma série de sensores que permitem o estudo do fundo do mar em tempo real. Resolvi trabalhar com esse grupo de cientistas para desenvolver a ideia.

Este não é um filme catástrofe, mas sim, um filme presságio?

(Risos) Sim, pode ser. Talvez não no nosso tempo de vida, não sabemos.

Porquê o título O Melhor dos Mundos?

O Melhor dos Mundos vem de uma frase da Teodiceia de Leibniz, aliás, é a citação com que o filme começa, em que o filósofo diz que vivemos no melhor dos mundos possíveis. Isto acaba por ter uma ligação, ainda mais interessante, ao Voltaire que pega nessa ideia e a desconstrói no conto filosófico Cândido, criando a personagem de Cândido, o otimista, que, por mais tragédias que aconteçam, acredita que vivemos no melhor dos mundos, porque na realidade é o único que existe. Ou seja, para nós, terráqueos, não existe outra possibilidade senão a de viver neste mundo. E, nesse sentido, este é sempre o melhor dos mundos. O livro foi escrito no rescaldo do Terramoto de 1755. Depois disso, tudo foi posto em causa. Era a época do iluminismo, e Voltaire acabou por satirizar a teoria de Leibniz na sua famosa narrativa.

Atualmente ainda não conseguimos prever sismos e estes acontecem, independentemente, das nossas ações. No entanto, temos muita informação sobre o impacto humano nas alterações climáticas, mas continuamos a viver de forma muita egoísta. O filme também procura refletir sobre esta ambivalência?

Nós como espécie não estamos preparados para fazer uma grande mudança, seria preciso uma mudança radical. Ninguém está preparado, são coisas que demoram séculos. Assim como demorámos séculos, ou milénios, para chegar onde chegámos, também vamos demorar milénios a voltar a outra coisa. O filme não trata só deste caso concreto do terramoto, mas também serve para refletir sobre outro tipo de questões, nomeadamente, como é que as pessoas lidam com situações extremas. Por outro lado, também são abordadas questões mais profundas da humanidade que refletem a divisão entre os que querem realmente fazer alguma coisa e os outros, os que estão sempre a protelar.

A questão do aleatório, do acaso, é algo presente neste filme, mas também já o era na sua primeira longa-metragem, Linhas Tortas. Esta é uma questão sobre a qual gosta de refletir?

Sim, é uma das grandes questões que me interessam e que gosto de explorar. O acaso, a dúvida, o não estar nas nossas mãos o que pode acontecer. Isto acontece quer a uma escala maior como é o caso de um terramoto, mas também a um nível mais pessoal, nos encontros e desencontros do dia-a-dia.

Parece haver um paralelismo entre a história do terramoto, o processo de investigação científica, as incertezas, as dúvidas e a relação amorosa dos protagonistas. Concorda?

Sim, o processo de estudo científico do terramoto acaba por espelhar esse lado amoroso. Reflete a relação de encontro e desencontro dos protagonistas.

A dúvida sobre como melhor agir, o que é ético fazer e a possibilidade das previsões não se cumprirem, levam a uma discussão no seio do grupo de trabalho dos cientistas. Vivemos em constante alarmismo, numa sociedade que não permite falhas. Quis também abordar esta questão?

Sim, no filme há a questão concreta do terramoto, da possibilidade de este acontecer, mas na verdade estamos a falar de todas as questões que se levantam com a informação científica que temos. Como aconteceu, por exemplo, na pandemia. Se calhar o alerta que foi dado a partir da China foi tardio. Quando estava a acontecer, pode ter havido uma reunião parecida com a que acontece no filme, onde se questionou: avisamos ou não avisamos? Se calhar avisaram tarde demais. E quando avisaram, a pandemia já estava fora de controle.  Mas isto pode acontecer noutras situações. Quando as pessoas têm uma informação tão grande nas mãos, o que é que fazem? Mesmo em situações de intimidade, no seio familiar ou entre amigos, pode surgir essa dúvida. Tais questões éticas surgem quando se está perante uma situação muito grave e isso pode acontecer quer na intimidade, quer a nível global.

Como foi feito o casting? Já tinha em mente os atores que interpretariam os cientistas Marta e Miguel?

Tanto trabalho com convites diretos a atores, como opto por um processo tradicional de casting. Neste filme quando comecei a desenvolver a ideia, pensei na materialização do argumento e da história e comecei logo a idealizar os atores, sobretudo o par protagonista. Quem será esta Marta, quem será este Miguel? Pensei na Sara Barros Leitão e essa ideia foi-se consolidando, porque conhecia o trabalho dela e por saber que, como pessoa, tinha também uma série de características que se colavam bem à personagem. Para mim, ela era a Marta. Tive a sorte de a convidar e dela aceitar e por isso não precisei de pensar num plano B. O Miguel Nunes já conhecia, já tinha trabalhado com ele. A parte complicada é conciliar agendas, mas correu bem. Já as personagens secundárias passaram por um processo de casting e, no fim, conseguimos ter um bom grupo de atores.

Existe um gap de cinco anos entre os dois trabalhos que fez para cinema. Pretende continuar a fazer cinema?

Fiz muito publicidade. E fiz a série televisa Madre Paula que foi pensada com uma premissa mais ligada ao cinema. Neste momento tenho vários projetos em desenvolvimento, em diversos formatos, ainda não financiados, em processos de candidatura. Para se conseguir fazer um filme há um longo caminho, é um procedimento difícil, mas inevitável. Mas sim, o cinema faz parte do trabalho futuro. Foi com a ficção que comecei, a primeira curta é de 1997. Sempre tive um pé no cinema, um pé na publicidade e considero todos os formatos igualmente interessantes.