Os livros de outubro

Oito leituras para o início do outono

Os livros de outubro

Segundo Stephen King, o popular autor de literatura de terror, cuja leitura este mês sugerimos, “os livros são uma magia singularmente portátil”. No mês de outubro, antevendo dias outonais, destacamos oito livros recentemente editados ou, dito de outro modo, oito objetos mágicos portáteis acabados de chegar às livrarias.

Jorge Mangorrinha e Abel Soares da Costa

Canções de Liberdade

Com o subtítulo A Política Cantada em Portugal e no Mundo (1964-1974), o presente livro, à semelhança dos discos de vinil, divide-se num Lado A e num Lado B. Na primeira parte, Jorge Mangorrinha produz uma ampla análise da produção musical e fonográfica deste período, culminando com uma abordagem do seu legado nos dias de hoje. Na segunda parte, Abel Soares da Costa apresenta uma criteriosa seleção de 50 canções e 50 discos ilustrativos da temática em diversas culturas e diferentes géneros musicais. A opção pelo termo canções de liberdade, ao invés de outros mais comuns, como canções revolucionárias, políticas, de autor, de texto, de resistência ou de protesto, por exemplo, parte da busca de uma expressão que melhor possa definir “uma canção que perpassa diferentes géneros musicais. Não pertence apenas a um movimento intelectual, nem a uma expressão exclusivamente política”. Produto de uma investigação vasta e inédita que não se confina às geografias habituais, mas que se atreve a desbravar novos territórios como os Países de Leste, a Escandinávia, o Médio e o Extremo Oriente, a União Indiana, a Oceânia ou o Continente Africano, este é um livro para “ouvir” repetidas vezes: do Lado A e do Lado B. Caminho

Héctor Abad Faciolince

Salvo o meu coração, tudo está bem

O padre Luis Córdoba (o “Gordo”), amável e culto, necessita de um transplante cardíaco para sobreviver. Hospedado em casa de uma italiana, mãe de dois filhos, servida por uma mulata colombiana, aguarda um dador compatível. Obrigado a prescindir dos prazeres da cozinha, sujeito a uma rigorosa dieta, mantém a paixão pela música clássica e pelo cinema como forma de ligação à vida. Durante a longa espera, rende-se aos encantos da vida familiar e apaixona-se pelas duas mulheres: a italiana provoca-lhe um profundo amor espiritual; a colombiana, um vigoroso amor carnal. Sonha então, quando receber o novo coração, em mudar de vida, renunciar ao celibato e casar com as duas que “somadas representam o amor completo”. Este parece um tema algo improvável para um romance ambientado nas últimas décadas do seculo XX, na violenta e problemática cidade de Medellín. O narrador justifica-o com a pretensão de “estabelecer um contraste que servisse de parábola da vida colombiana. (…) Tínhamo-nos acostumado a viver num matadouro de sicários, ladrões, mafiosos, guerrilheiros, paramilitares, políticos corruptos, soldados e policias sem entranhas nem escrúpulos. (…) O que era verdadeiramente estranho, era a bondade, e o Gordo era um caso insólito e exemplar disso, de um homem bom no meio do terror e da maldade.”  Alfaguara

Paul Valéry

O Governo da Máquina

Paul Valéry (1871-1945), um dos grandes intelectuais do século XX, amigo de Mallarmé e de Gide, foi ensaísta, filosofo e poeta – o último grande poeta simbolista. Um desgosto amoroso levou-o a abandonar a poesia e a dedicar-se ao estudo da matemática, da filosofia, da linguagem e da música, investigando aprofundadamente as ligações entre ciência e literatura. Incentivado por Gide, regressa à poesia e publica a partir de 1917 a sua melhor obra poética: La Jeune Parque (1917), Le Cimetière Marin e Album de Vers Anciens (1920) e Charmes (1922). “Das inteligências vivas, umas gastam-se a servir a máquina, outra a construí-la, outras ainda a planear ou prepara uma mais potente; uma última categoria de espíritos gasta-se a tentar escapar ao domínio da máquina”, escreveu Valéry em 1925.  A pedido da publicação La Revue de France, Paul Valéry escreveu um artigo no qual expunha as suas reflexões sobre uma eventual crise da inteligência face à progressiva mecanização da sociedade. O ensaio O Governo da Máquina resulta dessa reflexão visionária que, um século depois, quando a revolução digital é já imparável e a inteligência artificial suscita um profundo debate ético e legal, mantém intacta a sua espantosa oportunidade. Orfeu Negro

Tove Ditlevsen

Os Rostos

Tove Ditlevsen, uma das vozes mais originais e importantes da literatura dinamarquesa, nasceu em Copenhaga e cresceu no bairro operário de Vesterbro. As experiências de infância, os quatro casamentos seguidos de divórcio, a tensão entre a vocação de escritora e os papéis de filha, esposa e mãe, a luta contra o abuso de álcool e drogas, os problemas de saúde mental e os vários internamentos em hospitais psiquiátricos, são temas recorrentes nos seus livros, que vão do romance ao conto, passando pela poesia e pelo género autobiográfico. Tove Ditlevsen acabaria por se suicidar em 1976, aos 58 anos. Em Os Rostos (1968), Lise, escritora de livros infantis, casada e mãe de três filhos, vê-se progressivamente dominada por terríveis assombrações em forma de vozes e de visões que lhe desestabilizam a vida quotidiana. Os rostos que a rodeiam, até aí familiares, surgem-lhe “sempre a alterar-se, como se ela os visse refletidos em águas agitadas”, “num número infinito de variações”, “como máscaras de carnaval feitas de um cartão que se rasgava e humedecia”.  O romance reproduz admiravelmente as mudanças de perceção de Lise e, à medida que esta se sujeita aos tratamentos hospitalares e à medicação, desenvolve uma perturbante interrogação sobre o potencial efeito libertador da loucura. Dom Quixote

Victor Correia

Sexualidade e Erotismo na Bíblia Sagrada

“Há mandamentos sexuais na Bíblia, mas na prática quase todos esses mandamentos são quebrados. Heróis bíblicos como Abrão, Moisés, David, Sansão, entre muitos outros, violam os mandamentos dos livros do Êxodo, do Deuteronómio e do Levítico sobre sexualidade”, escreve Victor Correia, doutorado e Filosofia Política e Jurídica pela Universidade Sorbonne, em Paris. O autor acrescenta: “(…) a bíblia tem muitas e diferentes versões de ética sexual, contraditórias entre si”, salientando ainda: “(…) é um livro que foi escrito por seres humanos, com as suas fraquezas, os seus desejos, as suas visões e as suas formas de ver o mundo, condicionadas pelo seu tempo e pelo seu país (…)”. De facto, a Bíblia não é, como muitas vezes se pensa, um livro assexuado. Só no Livro do Genesis, por exemplo, existem cerca de trinta e cinco histórias com temas sexuais. Este livro oferece-nos uma ampla seleção de histórias sexuais vividas por patriarcas, profetas, reis de Israel, sacerdotes e outras grandes personagens da Bíblia, que envolvem poligamia, incesto, prostituição, adultério e homossexualidade. Uma pormenorizada investigação sobre a Bíblia que convida o leitor a descobrir um conjunto de histórias sobre sexo e erotismo quase desconhecidas, depois de séculos a serem camufladas pela Igreja. Guerra & Paz

Stephen King

Carrie

Há 50 anos, Stephen King começou a escrever um texto para uma revista masculina. Insatisfeito, atirou as páginas para o caixote do lixo. Mas, a sua mulher repescou-as, leu-as e convenceu-o a continuar: Carrie ganhou forma de livro e lançou a carreira do autor, vendendo milhões de exemplares e inspirando quatro filmes. A obra narra a história de isolamento de uma jovem subjugada por uma mãe dominadora e fanática religiosa, atormentada pelos colegas da secundária e humilhada na noite do baile de finalistas. Progressivamente, vai-se apercebendo de que possui singulares poderes telecinéticos, aos quais aprende a recorrer para se vingar dos que a maltratam. O relato, vibrante e original é narrado a várias vozes, incluindo a da protagonista, uma vizinha e uma colega de escola, e inclui artigos de jornal, entradas de dicionário e até um artigo científico. Esta edição especial do 50.º aniversário da publicação de Carrie conta com um prefácio de Margaret Atwood. A grande escritora canadense salienta que, mais do que o terror sobrenatural típico de King, na base deste livro “está sempre o verdadeiro terror: a pobreza, a negligência, a fome e o abuso demasiado reais que existem hoje na América.” Bertrand

Ed Conway

Mundo Material

Basta acompanhar a maioria da comunicação social mainstream para compreender que os temas que mais ocupam as consciências e os tempos de antena atuais centram-se principalmente nos conflitos sociais e políticos, na crise climática e na ideia de sustentabilidade e numa certa crença que a tecnologia avançada nos irá ajudar a ultrapassar muitos dos nossos problemas. Em Mundo Material, Ed Conway, editor de economia da Sky News, colunista do The Times e autor de vários livros, vem relembrar-nos, com um grande senso comum, que ‘’apesar de ouvirmos dizer que vivemos num mundo de desmaterialização crescente, que atribui cada vez mais valor a artigos intangíveis como apps, redes e serviços online, o mundo físico continua a ser o nosso sustentáculo.’’ E também como somos dependentes de materiais ‘‘triviais, enfadonhos e amiúde baratos’’ que o nosso planeta proporciona e que tomamos como garantidos. Esta desconstrução pragmática do mundo moderno, através duma análise profunda da relação da humanidade com um conjunto de materiais fundamentais, valeu a Mundo Material e ao seu autor a consagração de Livro do Ano e Livro de Ciência do Ano para órgãos de informação como o Times, Financial Times e The Economist. [Tomás Colares Pereira] Temas & Debates

Tiago Rebelo

O passado vem já a seguir

Maria Ana tem uma galeria de arte na Rua da Boavista. [onde a Agenda Cultural também tem a sua sede.] Casou muito cedo, com um homem 16 anos mais velho, hoje ministro da Administração Interna. Aos 32 anos, e a viver um casamento que era um tormento de prepotência e agressividade, Maria Ana entra pela primeira vez no bar em frente à sua galeria. Aí trava amizade com o dono do bar, Quinto, um italiano bastante discreto e pouco dado a aventuras, que se deixa cativar pela marchand d’art. Esta aparente acalmia sofre um revés quando Maria Ana começa a ser ameaçada por Vadim Sidorov, um oligarca russo com investimentos em Portugal e ligações a Putin, a quem foi atribuído um Visto Gold, num esquema pouco lícito que envolvia o seu marido, o irascível Pedro Macário. Mas não é só o ministro que tem algo do seu passado que precisa esconder a todo o custo, também Quinto, um homem de rigorosas rotinas e hábitos frugais, deixou para trás uma vida de violência e morte ligada à máfia calabresa, e é quando aparece numa foto num jornal ao lado de Maria Ana que tudo se precipita. Um thriller tenso que se passa a um ritmo alucinante, percorrendo locais emblemáticos da nossa cidade, como a Avenida da República, Campo de Ourique ou a Avenida António Augusto de Aguiar. [Sara Simões] ASA