artes
Pequeno arquivo de frustrações
Wasted Rita expõe nos Coruchéus
works from before hang out with works from now and works from between before and now, in the same room é o nome da exposição que Wasted Rita inaugura nos Coruchéus a 9 de novembro, dia de celebração do primeiro aniversário deste espaço da rede municipal Um Teatro em Cada Bairro.
“Sempre que um nómada digital chega a Portugal 2 golfinhos saltam do oceano para fazer a forma de um coração.” A frase, em inglês, é acompanhada por uma imagem a condizer e está num dos autocolantes espalhados pelas paredes dos Coruchéus – Um Teatro em cada Bairro. São reproduções daqueles que Wasted Rita criou em 2022 e que batizou assim: I don’t know how to manifest, so passive aggressiveness and cynicism are my favorite forms of living [Não me sei manifestar, por isso, a agressividade passiva e o cinismo são as minhas formas de vida favoritas]. O título podia servir de resumo à sua obra e à exposição que inaugura este sábado, a que deu o nome de works from before hang out with works from now and works from between before and now, in the same room [trabalhos de antes juntam-se a trabalhos de agora e a trabalhos de entre antes e agora, na mesma sala].
No dia em que se celebra o primeiro aniversário dos Coruchéus, abrem-se as portas, às 16 horas, desta pequena exposição onde a artista reúne 37 peças (“algumas nem lhes chamaria peças, são só escritos que costumo ter na parede do meu ateliê”) e um vídeo. Um arquivo de trabalhos criados entre 2012 e 2024, que achou pertinentes para esta exposição. De fora, ficaram alguns mais antigos, sobretudo sobre relações interpessoais, que Rita Gomes considerou já não serem “apropriados”, e também “as peças boas, porque foram todas vendidas”, acrescenta, a rir.
Em cada uma, reconhecemos o seu tom característico, inundado de sarcasmo, de ironia, de niilismo e de acidez. Tal como tinha acontecido na exposição na galeria Underdogs, no ano passado, Wasted Rita volta a sublinhar a crise da habitação em Lisboa. “Penso que acaba por ser uma mostra da frustração de viver numa cidade com tanta especulação imobiliária. Mas aconteceu sem querer, sem eu pensar nisso. E até tem graça porque estão aqui trabalhos da época em que me mudei para Lisboa e em que ainda estava encantada. Pelos vistos, nunca me consigo ver livre da minha acidez!”, diz. “É o revisitar do meu processo de desencantamento com Lisboa. Neste momento, o que me liga à cidade é apenas o meu ateliê”, nota, congratulando-se por ter um espaço, que lhe foi atribuído, há quatro anos, no Complexo Municipal dos Coruchéus, o conjunto de edifícios em Alvalade, criado em 1970 para artistas plásticos.
Da angústia ao escapismo
misfortune messages (mensagens de infortúnio) foi a primeira peça que escolheu para expor agora: dois mupis cor de laranja, feitos a convite da GAU – Galeria de Arte Urbana há quase 10 anos, para um projeto que não chegou a avançar. Nunca foram mostradas neste suporte, apesar de terem feito parte da sua primeira exposição, impressas em pequenos papéis guardados dentro de bolas de plástico que se tiravam de uma máquina a troco de uma moeda: “Always be yourself unless you want to have some friends, then always be someone else” [Sê sempre tu próprio a não ser que queiras ter alguns amigos, se não, sê sempre outra pessoa]; “All you need is a nice-loooking ass and a cool pair of sneakers” [Tudo o que precisas é um rabo bem-parecido e um par de ténis cool].
Quase nenhum dos trabalhos é inédito, aponta Rita, uma vez que vai mostrando as novas peças no Instagram. No entanto, apenas três delas estiveram expostas antes. A tela T.I.R.E.D. – “All my friends are tired and underpaid” [Todos os meus amigos estão cansados e mal pagos] –, por exemplo, foi criada este ano e muito partilhada nas redes (por esta altura, o post soma mais de 15 mil gostos). Já o desenho de Gil, a mascote da Expo 98, em cima de um golfinho, sobre um fundo amarelo néon, com a frase “There’s nothing left to romanticize here [Não resta nada para romantizar aqui] esteve na galeria AINORI, em Lisboa, em 2023.
Numa vitrine, estão muitos dos “escritos” vindos das paredes do seu ateliê. “São coisas que tenho lá porque me fazem sentir mais sana e que quis trazer para aqui”, conta. Alguns são apenas rascunhos de ideias reunidas durante os processos de criação, folhas de vários tamanhos e de vários cadernos diferentes, uma delas pisada, outras rasgadas – mas todas com mensagens que não nos deixam indiferentes, sempre entre o riso e o amargo de boca.
Da angústia literal à “vontade de escapismo e de procurar outras oportunidades e outros caminhos”, Wasted Rita instalou num canto dos Coruchéus, pintado a amarelo, um ecrã onde passa, em contínuo, um vídeo da instalação cure my SAD, apresentada em Eindhoven, nos Países Baixos, no ano passado. Duas espreguiçadeiras e dois chapéus de sol num pedaço de areia era o cenário para um dispositivo de realidade virtual onde se via um outro areal só com toalhas de praia e vibradores. Aqui, retemos o vídeo dentro do vídeo de um pôr do sol sobre o mar onde corre um texto com reflexões existenciais sobre golfinhos e cachalotes. Este trabalho, descrevia na altura, “convida toda a gente a relaxar em relação ao presente e a preocupar-se com o futuro”. A acompanhar, um desenho “a pensar nos dias bons, de praia com os amigos, a beber água de coco”.
‘Do It Yourself’
Sempre ácida, como se reconhece, Rita Gomes vai fazendo das frustrações incentivos de criação – da aflição de se aperceber sem casa numa cidade cada vez mais gentrificada às estranhas realidades que vê em volta ou aos comentários que ouve na rua. Na vitrine dos Coruchéus expõe uma das peças mais causticas: um anúncio em forma de banda desenhada que inventou depois de, em Nova Iorque, ter sido seguida ao longo da rua por um homem que, do carro, lhe repetia que devia ter deixado o rabo em casa por ser demasiado distrativo e poder causar acidentes. “É isso que vou tentando fazer: transformar todos esses sentimentos em estímulos”, conclui.
works from before hang out with works from now and works from between before and now, in the same room não está numa grande galeria, como aquelas por onde têm passado as obras de Wasted Rita, no entanto, isso não a inibiu. “Comecei em modo Do It Yourself e em espaços pequenos e agora voltei a aceitar expor num lugar que, para mim, faz todo o sentido existir”, afirma. É quase um regresso ao início, mas cheio de bagagem, esta mostra de arquivo, que tem entrada livre e pode ser visitada até 25 de janeiro de 2025, de terça a sábado, das 13 horas às 19 horas. No dia 7 de dezembro, a artista faz ainda uma oficina de desenho para crianças dos cinco aos nove anos, e estão marcadas três visitas guiadas por Lénia Loureiro, da Divisão de Ação Cultural da Câmara Municipal de Lisboa, a 30 de novembro, 21 de dezembro e 11 de janeiro (tudo requer marcação prévia).