sugestão
De olhos postos no novo ano
Uma dezena de propostas para 2025
O pano de fundo é Lisboa e o ano o de 2025. Cinema, dança, teatro, música, exposições e visitas pela cidade nas escolhas da redação da Agenda Cultural.
Ciclo Jacques Demy
Cinema Medeia Nimas
Até 26 de fevereiro
Quem já viveu um grande amor não poderá negar a comoção despertada na cena da despedida de Catherine Deneuve e Nino Castelnuovo debaixo de um nevão, ao som da música de Michel Legrand, no final de Os Chapéus de Chuva de Cherburgo. Por ocasião dos 60 anos do filme que o realizador Damien Chazelle considerou “o melhor de todos os tempos” (e tanto que ele o citou em La La Land), meticulosamente restaurado numa versão 4K estreada no festival Il Cinema Ritrovato, em Bolonha, a Leopardo Filmes apresenta um exaustivo ciclo dedicado a Jacques Demy. Durante os próximos dois meses, pela sala do Nimas, são exibidas obras-primas, como Lola e As Donzelas de Rochefort, pérolas incontornáveis, como A Baía dos Anjos e A Princesa com Pele de Burro, títulos menos conhecidos, alguns deles até inéditos no circuito de exibição português, como as curtas-metragens O Belo Indiferente (escrita por Jean Cocteau) e A Lúxuria, os musicais Um Quarto na Cidade e Parking, e até a única aventura americana do cineasta francês, Model Shop, filme em que Anouk Aimée volta a vestir o papel de Lola. Demy é considerado um dos cineastas que melhor combinou o musical e o melodrama, o escapismo e artificialismo da tradição do musical de Hollywood com um estilo próprio, simultaneamente fantasista e realista, estilisticamente muito marcado pela cor e pelas formas. Por tudo isso, parte considerável da sua obra permanece intemporal, continuando a conquistar gerações e a influenciar não apenas a sétima arte, mas também outras áreas artísticas, a moda e o design. FB
Banzo
de Margarida Cardoso
Estreia nos cinema a 23 de janeiro
Margarida Cardoso, realizadora que aborda frequentemente nos seus filmes questões pós-coloniais da história recente de Portugal, está de regresso ao continente africano para contar uma história ambientada no início do século passado. A narrativa, filmada em São Tomé e Príncipe e Portugal, relata a luta de Afonso, um médico português que parte do Congo para uma plantação de cacau numa ilha tropical africana, com o propósito de curar um grupo de serviçais “infetados” pelo Banzo, a nostalgia dos escravos, que os leva à morte por inanição ou suicídio. Consciente do horror e das condições de vida a que são submetidos, Afonso, tenta uma solução para a dor que os mata, mas com o tempo percebe que esta é impossível de concretizar. Nestas circunstâncias de desesperança e violência é revelado o lado cruel daqueles que mandam e a impotência daqueles que, embora não concordem com a realidade, pouco podem fazer. O elenco conta com Carloto Cotta, Hoji Fortuna, João Pedro Bénard, Gonçalo Waddington e Sara Carinhas. AF
Cenas do Fausto de Goethe
de Robert Schumann
Teatro Camões, a 25 de janeiro
Robert Schumann, grande compositor romântico alemão, viveu entra a genialidade e a loucura, assombrado por um longo historial de desequilíbrio emocional que culminaria numa doença mental incurável. Depois de uma tentativa de suicídio por afogamento no rio Reno, morre num asilo psiquiátrico em 1856, onde passa os dois derradeiros anos de vida. É compreensível o fascínio que Schumann sentia pelos debates internos de Fausto, pela luta entre o bem e o mal e pela redenção final. Em 1844, inicia a composição das suas Szenen aus Goethes Faust que combinam, com mestria inigualável, o intimismo do Lied, a solenidade da música sacra, a coloquialidade da conversa entre Fausto e Margarida, a grandiosidade e o dramatismo da ópera e o sublime da escrita coral ao serviço de um dos textos maiores da língua alemã, iluminando-o mesmo nas suas passagens mais sombrias. Ana Quintans, Leonel Pinheiro e André Baleiro interpretam o trio de protagonistas. A Orquestra Sinfónica Portuguesa é dirigida pelo maestro titular Giampaolo Vessella. LAE
No Yogurt for the Dead
de Tiago Rodrigues
Culturgest, de 19 a 23 fevereiro
Tiago Rodrigues, que desde 2021 dirige o Festival de Avignon, vem este ano a Lisboa apresentar dois espetáculos. Já em janeiro, de 10 a 12, estará no Centro Cultural de Belém com Hécuba, Não Hécuba, a sua primeira colaboração com a Comédie-Française, em que entrelaça a história da viúva de Príamo com a de uma atriz que, nos dias de hoje, interpreta essa personagem. Mas é em fevereiro que, logo depois da estreia em Ghent, na Bélgica, traz à Culturgest a sua nova criação, No Yogurt for the Dead. A ideia para este espetáculo surgiu quando Tiago se demorou a olhar para o caderno que o pai, o jornalista Rogério Rodrigues, preencheu nas últimas semanas de vida, quando esteve hospitalizado. Era suposto ter deixado ali as suas experiências no hospital e memórias de vida, mas havia apenas rabiscos. “Suponho que tenha tentado escrever, mas a sua mão estava demasiado frágil. Talvez pensasse que estava a escrever, numa espécie de estado de sono, mas nada saiu para o papel”, diz o encenador, “os gatafunhos eram o retrato da impotência, desenhos do fim”. Apenas o título desse último artigo estava anunciado pelo pai: No Yogurt for the Dead. Tiago decidiu criar uma peça sobre uma voluntária que ouve as histórias de um homem prestes a morrer e sobre o livro que ele nunca chegou a escrever. Chamou a esse homem “Longbeard, o correspondente no Hospital Amadora-Sintra”. Em palco, junta as atrizes Lisah Adeaga e Beatriz Brás, Manuela Azevedo e Hélder Gonçalves. GL
Parthenope
de Paolo Sorrentino
Estreia nos cinemas a 27 de fevereiro
Sorrentino filmou Parthenope para responder à questão do que seria para si o sagrado. O cineasta, onde a cada nova realização se procura sempre “a grande beleza” (título da sua obra mais celebrada, La grande bellezza de 2013), recorre a duas atrizes (a jovem Celeste Dalla Porta e a histórica Stefania Sandrelli) para filmar as memórias de uma mulher de 73 anos, cujas ressonâncias míticas do seu nome são como um passe de sedução para a tomarmos pela personificação de uma cidade: Nápoles, a cidade de Paolo Sorrentino. Uma mulher faz o balanço da sua vida, dos seus amores, das suas ilusões e desilusões, tal como o havia feito Jep Gambardella no outro filme citado de 2013. Sorrentino diz que, para ele, o sagrado é o que permanece na memória de cada um, mas os seguidores do seu cinema podem muito bem confundir sagrado e beleza, que estarão na mesma linha de raciocínio do autor napolitano. RG
Museu de Arte Contemporânea Armando Martins
Rua da Junqueira, 66
Inaugura a 22 de março
Sob o mote The House of Private Collections (A Casa das Coleções Privadas), o MACAM não mostrará apenas a coleção pessoal de arte do seu fundador, o empresário português Armando Martins, que inclui mais de 600 obras, desde o final do século XIX até aos dias de hoje, mas convidará também outros colecionadores privados a mostrar as suas coleções, reforçando a missão de as tornar visíveis ao público. Instalado no edifício histórico do Palácio Condes da Ribeira Grande, que remonta ao início do século XVIII, o projeto reunirá um museu e um hotel. A reabilitação do espaço, a cargo do estúdio de arquitetura português MetroUrbe, procurou uma relação harmoniosa entre o palácio e a extensão contemporânea que alberga o programa de exposições temporárias do museu. A fachada desta nova ala – premiada na edição deste ano dos Surface Design Awards, em Londres – é revestida por uma série de azulejos tridimensionais da autoria da artista e ceramista Maria Ana Vasco Costa. LAE
Jeff Wall
Curadoria de Sérgio Mah
No MAAT, a partir de abril
A primeira exposição individual em solo lisboeta do artista canadiano Jeff Wall (Vancouver, Canadá, 1946) chega ao MAAT – Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia, em abril. São 60 fotografias, produzidas ao longo de mais de quarenta anos, que ocuparão todo o espaço expositivo do MAAT Gallery, naquela que será uma das mostras mais vastas realizadas até hoje sobre o trabalho do consagrado fotógrafo e artista visual. A obra de Wall articula o essencial da fotografia com elementos de outras formas de arte – incluindo pintura, cinema, teatro e literatura – numa forma complexa que ele chama de “cinematografia”. As suas imagens vão desde reportagens clássicas até construções e montagens elaboradas, geralmente produzidas numa escala maior, tradicionalmente identificada com a pintura. Em 2002, o artista foi galardoado com o Prémio Hasselblad e várias revistas especializadas têm-no colocado na lista dos dez artistas mais importantes da atualidade. ARV
O Salvado
de Olga Roriz
São Luiz Teatro Municipal, de 9 a 12 julho
Em 2013, Olga Roriz estreou A Sagração da Primavera – foi o seu último solo, que dançou nesse ano e no seguinte, antes de uma doença a ter impedido de continuar a dançar. Quase 11 anos depois, voltará a pisar o palco sozinha. Há muito que o queria fazer e, durante esta década, nunca deixou de pensar no que poderia fazer como intérprete, enquanto foi criando cenografias para os seus bailarinos. Imaginou um solo que fosse uma “autópsia de uma bailarina após a morte” ou um “espetáculo sobre a impossibilidade de uma bailarina se mexer”. “É inesgotável, o olharmos para nós próprios”, acredita. Será em julho de 2025, no Teatro São Luiz, que dará finalmente (o seu) corpo a esta ideia de se pôr, de novo, no centro da criação. Chamou-lhe O Salvado, prometendo “um novo impacto consigo mesma” e predispondo-se a procurar respostas para uma imensidão de perguntas: “Agarrando na vida como um naufrágio, o que se consegue salvar desta catástrofe? Que objetos, que coisas se livraram do perigo? O que consegue uma vida de sete décadas, ainda preservar? O que traz agarrado que se consiga ainda desprender e tornar matéria? O que não morreu ainda nela? Do que se conseguiu libertar? A sua coleção de sapatos… Os seus vestidos… O seu humor… Que corpo é agora o seu? Que histórias terá ainda para contar? Tudo suspenso tudo no ar…. Tudo suspenso tudo na memória… Na nuvem… in the cloud. Ouve-se a abertura das suas músicas preferidas. Será que se ouve a sua voz?” Uma pesquisa interior, que é sempre uma luta partilhada, como diz. GL
Audição
Teatro Praga
Sala Estúdio Valentim de Barros/ Jardins do Bombarda, de 11 a 20 julho
Pedro Penim, diretor do Teatro Nacional D. Maria II e fundador e ex-diretor do Teatro Praga, fez a piada na apresentação da programação: sim, estava a programar a sua antiga companhia de teatro; e, sim, não tinha como não o fazer nestes redondos e importantes 30 anos da Praga. A estreia do novo espetáculo faz-se na também novíssima (a inaugurar em março) Sala Estúdio Valentim de Barros, nos Jardins do Bombarda, que o Nacional se prepara para ocupar durante 2025 – um armazém que serviu de sala de ensaios aos Praga durante anos, até terem sido obrigados a sair. Audição apresenta-se como aquilo que o nome indica: “um casting onde só pode haver engano, porque o que se procura não existe”. O coletivo, dirigido hoje por Cláudia Jardim, André e. Teodósio, Diogo Bento e José Maria Vieira Mendes, sabe que o espaço que encontrará não é o mesmo que deixou há quase duas décadas, sabe que nem tempos nem contextos são também os mesmos, que tudo hoje já não é como era – nem mesmo o Teatro Praga. “Este regresso sem retorno é o mote”, escrevem, garantindo que entrarão sempre no espetáculo errado. “Nesta criação, o Teatro Praga faz-se ouvir pelo que foi e pelo que é: um coletivo simultaneamente dentro e fora de uma ideia de teatro, procurando uma relação de resistência específica com os lugares, os corpos e as disciplinas”, sublinha-se na apresentação da peça, “sem limite de idade, exigências físicas ou profissão, esta audição tem tudo para correr mal, uma vez que é isso mesmo que se quer. É no desencontro entre a expectativa e o presente, entre passado e futuro que se constrói esta Audição. E porque audição é também fazer-se ouvir, nesta criação encontra-se o eco das vozes como fantasmas. É que em 30 anos também se esculpem os tímpanos.” GL
Percorrer Lisboa
Museu de Lisboa (Palácio Pimenta, Casa dos Bicos, Santo António, Teatro Romano, Torreão Poente)
De janeiro a dezembro
Ao longo de todo o ano, o Museu de Lisboa promove um conjunto de percursos orientados e temáticos que dão a conhecer a cidade. Memórias, histórias, épocas, arquitetura, arte e urbanismo são os temas que ajudam a compreender e a descobrir diferentes locais e vivências da capital. Em 2025, o programa começa, a 12 de janeiro, com o percurso A Cidade Romana, e prolonga-se até 13 de dezembro. No primeiro mês do ano realizam-se ainda os percursos Lisboa Africana (25 de janeiro), que revela um território marcado pela invisibilidade da presença africana, e A Cidade de São Vicente (26 de janeiro), onde se descobrem as vicissitudes por que passaram as sepulturas e as relíquias do Santo. AF