Descolonizar os imaginários

"Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário. O Colonialismo Português em África: Mitos e Realidades" no Museu Nacional de Etnologia

Descolonizar os imaginários

Uma exposição para descolonizar os imaginários portugueses e desconstruir os mitos criados pela ideologia colonial. Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário. O Colonialismo Português em África: Mitos e Realidades está patente, no Museu Nacional de Etnologia, até 2 de novembro.

A exposição Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário. O Colonialismo Português em África: Mitos e Realidades, concebida e coordenada pela historiadora Isabel Castro Henriques, parte do fundamento de que na “sociedade portuguesa, caracterizada pela existência de um racismo sistémico, verifica-se a existência de correntes de negação do racismo resultantes de mitos associados ao colonialismo português como o lusotropicalismo e a ideia de um ‘bom’ colonialismo português”.

A mostra, que visa apresentar as linhas de força do colonialismo português em África nos séculos XIX e XX, tem, consequentemente, para além dos propósitos de descolonizar os imaginários portugueses e contribuir para uma renovação do conhecimento sobre a questão colonial portuguesa, o objetivo de desconstruir os mitos criados pela ideologia colonial, destruindo a sua natureza falsificadora.

Uma organização expositiva semicircular apresenta esses mitos e ideias fundamentais em sete núcleos:

I – Estamos em África há 500 anos

A ideia de que Portugal possuía direitos históricos em África pois tinha descoberto o Continente negro e mantido relações com os povos africanos desde o século XV.

II – Missão colonizadora e Progresso

O mito da “missão civilizadora” baseado na ideia de superioridade biológica e civilizacional do homem branco, associada ao progresso das ações europeias que permitiam iluminar e transformar a África “selvagem”.

III – Vocação colonial e Missão histórica

Recurso à ciência para construir os mitos da “vocação colonial”, característica da “raça” portuguesa” e da “missão histórica”, para justificar a ocupação dos territórios africanos e consagrar a singularidade do colonialismo português.

IV – Os outros (Selvagens) e Nós (Civilizados)

A ideia construída sobre a oposição “primitivo ou selvagem”/ “civilizado ou evoluído” que legitimava as relações luso-africanas de superioridade branca e inferioridade negra, bem como a dureza das práticas destinadas a assegurar a dominação portuguesa sobre os povos colonizados.

V – A África portuguesa

Mito que põe em evidência um vasto espaço que é Portugal em África constituído pelas suas colónias, mas também a sua “portugalização”, onde impera a presença de uma identidade portuguesa que se pretende assente na língua, na cultura, na organização e nas práticas quotidianas.

VI – A Grandeza da Nação e a Luta Armada

A ideia de que “Portugal não é pequeno”, assente na ciência cartográfica que mostrava a grandeza da nação portuguesa que se estendia do Minho a Timor, apresentando uma dimensão semelhante à da Europa ao englobar todas as colónias do império português designadas, a partir dos anos 50, de províncias ultramarinas.

VII – Descolonização, Independências e Legados do Colonialismo

Por fim, abordam-se os 13 anos de luta armada, destruição física e cultural que terminaram no dia 25 de abril de 1974, a complexidade dos processos de descolonização, os fenómenos de violência militar e social, o regresso de milhares de retornados e a construção de novas relações políticas, culturais e económicas com os novos Estados independentes.

Dois eixos centrais estruturam a narrativa da exposição. O primeiro organiza-se em painéis temáticos, nos quais texto e imagem se articulam, dando a palavra ao conhecimento histórico. O segundo eixo pretende “fazer falar” as obras de arte africanas, como evidências materiais do pensamento e da cultura africanas, evidenciando a complexidade organizativa dos sistemas sociais e culturais destas sociedades.

“As produções artísticas africanas, em particular as formas esculpidas e pintadas, traduções materiais do pensamento e das culturas das populações, integradas em todos os seus quotidianos, das práticas domésticas aos mais diversos rituais religiosos e festivos, não só ‘dizem’ a África, como também põem em evidência a capacidade criativa, a sabedoria, a racionalidade institucional e social e a riqueza cultural dos africanos, contribuindo poderosamente para afirmar identidades e práticas civilizacionais africanas”, salienta Isabel Castro Henriques.

Este segundo eixo da exposição é constituído por uma seleção de 139 obras, repartidas entre seis temas: símbolos de autoridade; sacralização da vida; quotidianos: trabalho, produção, comércio; culturas, artes e técnicas; família, relações socias, identidade; África Europa; sínteses culturais. As obras são provenientes das coleções do Museu Nacional de Etnologia, incluindo algumas peças em depósito da Fundação Calouste Gulbenkian e do colecionador Francisco Capelo, e obras de arte africana contemporânea dos artistas Lívio de Morais, Hilaire Balu Kuyangiko e Mónica de Miranda.

No âmbito do programa paralelo que complementa a exposição, patente até 11 de novembro de 2025, decorre no ISEG e no Museu Nacional de Etnologia o ciclo Cinema e Descolonização, com projeções de filmes relacionados com a realidade pós-colonial, além da realização de outras ações de caráter científico, nomeadamente conferências e colóquios.

Françoise Vergès, politóloga, historiadora, e especialista em estudos pós-coloniais francesa, escreveu no livro Decolonizar o Museu (Orfeu Negro, 2024) “decolonizar verdadeiramente o museu é pôr em prática um ‘programa de desordem absoluta’, é fazer um esforço de imaginação e criar outras formas de narrar e compreender o mundo, que nutram a criatividade coletiva e tragam justiça e dignidade às populações que delas foram desapossadas”.

Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário. O Colonialismo Português em África: Mitos e Realidades é uma importante exposição que dá um passo firme nesse longo caminho a percorrer.