entrevista
The Black Mamba
"O blues, o funk e o soul são o elo de ligação entre todos os elementos da banda"
Os The Black Mamba regressam ao Coliseu dos Recreios, a 17 de janeiro, para apresentar o último álbum, Last night in Amsterdam. O novo trabalho surge após um hiato de seis anos, e é fortemente inspirado nas vivências na icónica cidade dos Países Baixos. O disco é marcado pela sonoridade soul, funk e blues a que a banda já nos habituou, e conta com a colaboração de Rão Kyao num dos temas. Last night in Amsterdam foi o mote para a conversa que a Agenda Cultural de Lisboa teve com o baterista Miguel Casais e com o frontman Tatanka.
2025 marca a celebração dos 15 anos de carreira. Que balanço fazem destes anos juntos?
Miguel Casais (MC): Um balanço muito positivo. Temos vindo a fazer um caminho muito bonito com alguns altos e baixos, obviamente, mas creio que os ‘altos’ superam largamente os ‘baixos’ e estamos muito orgulhosos do que temos alcançado.
Gerir um projeto com seis pessoas é um desafio?
MC: Na verdade, já não são seis pessoas. Temos um novo membro, o Gus, por isso passámos a ser sete. Queremos todos o mesmo e temos uma dinâmica de grupo que já está bem instalada. Respeitamo-nos, todos temos espaço para falar, não somos propriamente músicos freelancers a tocar com um artista em que existe alguma cerimónia para falar ou apresentar ideias. Falamos abertamente, toda a gente dá sugestões… no nosso caso, gerir pessoas é algo que se faz tranquilamente.
Soul, funk e blues são a base da vossa sonoridade. De onde vem o gosto por estes géneros musicais?
Tatanka: O blues, o funk e o soul são o elo de ligação entre todos os elementos da banda. É o ponto comum entre todos, onde nos encontramos. Cada um tem os seus gostos musicais, que divergem, mas a música afroamericana e o gospel são pontos que nos ligam a todos.
Há um piscar de olho aos anos 70 do século XX, quer na sonoridade, quer no lado visual. Na vossa ótica, o que tem essa década de tão especial?
Tatanka: Para nós, é uma década especial por razões culturais, sociais e também tecnológicas. Foi uma época em que houve uma grande evolução tecnológica nos processos de gravação que muito apreciamos.
Lançaram recentemente o quarto disco, Last Night in Amsterdam, chegado depois de um hiato de seis anos. Este intervalo de tempo foi propositado?
MC: Não foi propositado. Normalmente lançamos um disco de quatro em quatro anos. Este demorou um bocadinho mais por causa da pandemia. Durante essa fase não nos juntávamos tanto, apesar de, durante esse período, termos tido um acontecimento muito importante, que foi o Festival da Canção e, depois, a Eurovisão. Estarmos juntos para compor e gravar só voltou a acontecer depois da pandemia. Esse foi o principal motivo para este disco ter demorado mais tempo do que os anteriores.
Qual foi a maior inspiração para o álbum?
MC: Diria que foi mesmo a cidade de Amesterdão. Em 2018 tínhamos andado em tournée pelo Reino Unido e quando chegámos a Amesterdão vínhamos, literalmente, com os instrumentos às costas. Saímos da Estação Central e fomos a pé até ao Red Light District, que era onde estávamos hospedados e onde íamos tocar, e isso fez-nos lembrar um bocadinho a história do início da banda, quando tocávamos no Bairro Alto. O Red Light District é um bocadinho como o Bairro Alto (vezes cinco e mais intenso), mas fazia lembrar a mesma vibe, também pelo facto de não termos as ‘mordomias’ que atualmente acabamos por ter, como os roadies, que nos ajudam a montar os instrumentos e a afinar as guitarras. Ali, estávamos sozinhos com teclados às costas, e todo aquele ambiente de Amesterdão (que só quem conhece é que percebe o que estou a dizer) fez-nos recordar dessa altura. É um ambiente muito intenso, com personagens doidas [risos], é inspirador. Nessa altura, o Tatanka andava a ler o Hippie, de Paulo Coelho, que retrata Amesterdão no final dos anos 60 e início dos anos 70, época em que a cidade era considerada uma das capitais hippies do mundo. Juntámos estes ingredientes todos e resolvemos fazer um disco sobre a cidade.
Kathmandu conta com a participação de Rão Kyao. Como surgiu a ideia desta colaboração?
MC: Kathmandu era uma viagem que os hippies faziam desde Amesterdão até ao Nepal (alguns seguiam depois até à Índia). No final da canção, que representa a chegada a Kathmandu, precisávamos de uma flauta especial e lembrámo-nos do Rão Kyao. Um dos membros da banda, o Chico Fernandes, toca com ele e, como havia essa proximidade, lembrámo-nos de o convidar e ele aceitou. Adorou, e nós também adorámos, ficou espetacular. Esta música inclui outro convidado, o Jorge Pardo, que entra a meio do tema com um solo de flauta fantástico.
O disco inclui uma nova versão de Love is on my side. Porquê esta mudança em relação à música original?
Tatanka: Fizemos uma versão diferente do Love is on my side porque a versão original, que a maior parte das pessoas conhece, adapta-se mais ao contexto do Festival da Canção, com um arranjo e uma produção mais adequada àquele certame. Dentro do universo e do conceito do Last night in Amsterdam, esta é uma música de despedida, uma retrospetiva de vida de alguém já às portas da morte, e tem este arranjo mais triste, mais profundo, mais despido, para dar aos ouvintes precisamente essa sensação de reflexão de uma vida inteira. Acaba por trazer mais ênfase e destaque à letra em si.
Esta canção garantiu-vos um lugar no Festival da Eurovisão em 2021. Como avaliam essa experiência? Sentem que vos abriu portas a nível internacional?
MC: Foi uma experiência incrível, fomos com a equipa da RTP, que foi espetacular. Foi um bocadinho difícil pelo facto de ter sido durante a pandemia: era suposto ser muito divertido, com farra e muitas festas… foi divertido para nós, que somos um grupo de pessoas otimistas que querem brincadeira e diversão, mas também foi chato porque praticamente não podíamos sair do hotel, a não ser para os ensaios ou tudo o que estivesse relacionado com o Festival. Tirando isso, não podíamos andar na rua a tirar selfies porque corríamos o risco de sermos desclassificados. Também não queríamos correr o risco de apanhar covid e contaminar outras pessoas. Nesse aspeto, foi um bocadinho complicado, mas tudo o resto foi incrível. Como quase não podíamos sair do hotel, usámos isso a nosso favor e aproveitámos para gravar o videoclipe do Crazy Nando. Aquilo realmente é outro mundo: uma coisa é acompanhar a Eurovisão pelo sofá, outra é viver a experiência. Nunca na vida demos tantas entrevistas e, a nível internacional, o impacto deu-se no número de audições nas plataformas digitais, como o Spotify. Tivemos números muito interessantes, maioritariamente de ouvintes estrangeiros. Também tivemos contacto com um agente estrangeiro, com quem trabalhámos anos mais tarde numa tournée nos Países Baixos. Como estávamos a meio da pandemia, essa tournée não aconteceu logo a seguir à Eurovisão, o que fez com que aquele hype se dissipasse um bocadinho. Mas continuamos a lutar para que a nossa presença internacional seja cada vez mais assídua.
Dia 17 regressam ao Coliseu. O que podem antecipar deste concerto?
MC: Vai ser muito especial. Será a terceira vez que pisamos o palco do Coliseu dos Recreios e estamos a preparar algo muito especial. Será a primeira vez que tocamos o Last Night in Amsterdam na íntegra. Não vamos só tocar esse disco, vamos também fazer uma espécie de best of de todos os outros álbuns, embora as atenções estejam muito centradas no novo trabalho. Vamos também apresentar um novo stage plot, um novo desenho de luz, arranjos novos. Vai ser um concerto a não perder.