entrevista
“A parvoíce em nós é uma coisa natural”
Três perguntas a André Letria e Ricardo Henriques a propósito de “Foxy & Meg encontram um Mas-Mas”
![“A parvoíce em nós é uma coisa natural”](https://www.agendalx.pt/content/uploads/2025/01/2_MRL9888-scaled.jpg)
São os autores de uma das mais recentes novidades da Pato Lógico, o livro Foxy & Meg encontram um Mas-Mas, um daqueles pensados para crianças a que os adultos dificilmente resistem. Falámos com o ilustrador André Letria e o escritor Ricardo Henriques sobre esta história divertida que dá início a uma nova coleção na editora.
“Mas, mas?”, dizem Foxy e Meg, de olhos esbugalhados, como se perguntassem “o que vem a ser isto?”. Pelas páginas fora, a dupla de amigas improváveis (uma raposa e uma galinha) há de tentar descobrir o que é aquela “coisa”, azul e cinzenta, nem redonda nem oval. A Pato Lógico traz de volta as personagens criadas por André Letria em 2004 para uma série de livros editados pela Ambar. Foxy e Meg já foram até protagonistas de episódios para televisão e de um filme animado, com guião de Catarina Sobral e Ricardo Henriques.
Agora, André e Ricardo juntam-se para lhes dar novas aventuras. Este é o quinto livro que fazem juntos e o primeiro de uma coleção com estas duas personagens. Em Foxy & Meg encontram um Mas-Mas, exploram a natural curiosidade das crianças, com muito humor pelo meio, numa história que vale pelo que se encontra no final, mas também pelo caminho para lá chegar. Afinal, o que vem exatamente a ser um Mas-Mas? E será que queremos mesmo saber?
1. Quem são Foxy e Meg?
André Letria (A.L.): São duas amigas improváveis, porque normalmente não se espera que uma raposa e uma galinha sejam amigas, mas neste caso a coisa corre bem. Convidei o Ricardo para escrever a história inaugural desta coleção, que fala de uma coisa misteriosa… A ideia já andava a ser amadurecida há muito tempo, porque fiquei sempre com pena de ver a Foxy e Meg esquecidas. Depois daquelas experiências iniciais, primeiro com os livros que foram editados pela Ambar e depois com a série que foi feita poucos anos depois com a Animamostra. Desde a série, fiquei sempre a pensar que era interessante reabilitar as duas amigas. Não tinha ainda a editora Pato Lógico nessa altura, portanto não havia meios para fazer isso. E, entretanto, elas foram também as protagonistas de um filme, escrito pelo Ricardo e a Catarina Sobral.
Ricardo Henriques (R.H.): Sim, escrevemos um argumento fez-se o filme Isto não é um chapéu, que foi coproduzido pela RTP. Fomos buscar o início da amizade delas: a Foxy roubava galinhas e, um dia, está pôr a Meg no forno e esta diz-lhe “olá” e ela fica espantada: “Não sabia que as galinhas falavam!”. E decide ser vegetariana e fica amiga da Meg. Tem piada porque, no ano em que nasci, a minha mãe escreveu um livro chamado A Raposa Vegetariana… mas essa era só porque estava mal disposta de comer tanta carne.
A.L.: No filme, as personagens são direcionadas para um público mais velho, já não para bebés ou crianças pequenas, como acontecia nos primeiros livros. Agora, encontrámos um público intermédio, que, na verdade, diria que é mais jovem do que aquele para que normalmente trabalhamos na Pato Lógico. Além de recuperar estas personagens e de lhes dar uma vida nova, com um aspeto mais contemporâneo, agrada-me a ideia de este livro ser o início de uma coleção, isso entusiasma-me como editor, e de ocupar um espaço no catálogo que não estava muito preenchido: o dos livros para crianças mais novas, embora não gostemos muito da ideia de limitar o público, porque acreditamos que um livro destes também é para adultos.
R.H.: Pelo menos, para os adultos que não têm vergonha de ler livros para crianças.
A.L.: Já andávamos a falar em fazer um livro com a Foxy e a Meg desde 2018, acho. No ano seguinte, lembro-me que fomos à Feira do Livro Infantil de Bolonha e, quando terminou, alugámos um carro e fizemos uma viagem passando por Parma e Modena. Estávamos em Parma a comer um gelado e a falar de ideias que podiam tornar-se livros no futuro e foi nessa altura que nos entusiasmámos mais com isto. O que me deu mais gozo foi poder atualizar as ilustrações, recuperar estas personagens para criar uma nova coleção na editora e também voltar a trabalhar com o Ricardo.
2. Como é trabalhar um livro a quatro mãos e como foi a criação deste em particular?
R.H.: Neste caso, fui bombardeando o André com várias histórias da Foxy e da Meg e acabou por ficar esta.
A.L.: Já existem várias ideias para histórias da Foxy e da Meg e a próxima já está escrita. O nosso processo de trabalho é: o Ricardo escreve a história em bruto, que tem bastante mais diálogo do que depois aparece no livro e depois é feita uma adaptação tendo em conta o formato e a limitação do número de páginas – os livros desta coleção terão sempre o mesmo formato e o mesmo número de páginas. Neste caso, quisemos uma cadência das frases mais curtas, por isso, fui fazendo uma limpeza de algumas coisas escritas pelo Ricardo. Se vou trabalhar num livro como ilustrador, é uma autoria partilhada e, portanto, aquilo que o texto propõe pode gerar respostas que implicam alguma alteração. Penso que o texto original deste livro seria quatro ou cinco vezes maior do que o final.
R.H.: Não sei como é que são as outras “duplas sertanejas”, mas no nosso caso funciona assim: eu tenho ideias de texto, mas também tenho ideias muito visuais e com o André estou completamente à vontade para as propor. E o André, ao contrário de muitos ilustradores que ficam só no seu cantinho, também lê muito e está sempre a fazer propostas. Acho que acabamos por nos completar bem. Desde que fizemos juntos o livro Mar que costumo usar uma expressão: depois da ilustração ser feita, tens de abanar o livro para caírem as palavras que estão a mais. Porque há sempre coisas a mais, que ficam redundantes depois das ilustrações feitas.
A.L.: Penso que se nota que nos divertimos bastante a fazer livros. E, muitas vezes, a nossa vida pessoal e profissional mistura-se e estamos a falar dos livros que vamos fazer como podíamos estar a combinar outra coisa qualquer, não é? Por exemplo, o título deste livro foi decidido na esplanada no Jardim da Estrela, num dia em que fomos passear o Ricotta, que é o cão do Ricardo.
3. Afinal, o que é um Mas-Mas (sem spoiler)?
R.H.: Penso que este é um livro que explora a curiosidade. Quando algo de diferente ou de estranho aparece nas nossas vidas, podemos ter duas atitudes: ter medo e afastar-nos ou avançar e tentar perceber o que é que está à nossa frente. Isto é tão natural numa criança de quatro ou cinco anos como num adulto. Diria que, nesta história, se existe moral, coisa que odeio, é que medo, mas não muito, e coragem, mas não muita…
A.L.: Esta história não tinha este título originalmente. Na verdade, esta ideia do Mas-Mas apareceu numa conversa em que achámos isto podia ser um bocadinho mais parvo do que tínhamos pensado. O Mas-Mas seria uma coisa misteriosa, mas também podia ser uma coisa disparatada.
R.H.: E a parvoíce em nós é uma coisa natural…
A.L.: Gostamos de imaginar que, qualquer dia, os miúdos passam a dizer ‘olha um Mas-Mas’ para se referirem a alguma coisa grande, estranha e misteriosa. Na verdade, acabámos por ter de explicar mais do que queríamos, por causa das traduções para outras línguas… mas gosto da ideia de que não é necessário explicar nada. Uma das coisas que dei por mim a valorizar na história é aquela parte em que a Foxy e a Meg se viram para o leitor e perguntam, depois daquelas tentativas para perceber o que é o Mas-Mas: “Será melhor não sabermos o que é?” É aquela dúvida que fica. É um momento que pode ser mais filosófico e que nos põe a pensar… O que é que interessa realmente? Ou será que resistimos à curiosidade? E vamos continuar a viver o dia a dia sem nunca saber uma coisa que poderia ter sido muito boa? Mas se formos lá pode ser muito má também… Na verdade, o Mas-Mas nem é a descoberta e aquilo que sai do ovo, é o mistério, não é? É o caminho que elas fizeram até lá, não é?