Palco aos Musicais

Vem ai um mês cheio de teatro musical

Palco aos Musicais

Parece soar a celebração do teatro musical. Em março, em Lisboa, para além dos títulos já em cartaz, vão passar pelos palcos perto de uma dezena de produções, numa demonstração da vitalidade do género. Atentos ao fenómeno, visitámos os bastidores de cinco espetáculos que prometem en-'cantar' plateias.

Confirma-se: o teatro musical parece mesmo estar na moda! Depois de tempos em que assistir a um musical em Lisboa se circunscrevia a uma ida ao Teatro Politeama, hoje, este género teatral que combina o registo dramático com a música e a dança encontra cada vez mais espaço no cartaz dos teatros da cidade. Lisboa parece estar a tornar-se mais musical e, para além de receber com regularidade grandes produções internacionais, algumas provenientes da Broadway e do West End, são cada vez mais os artistas portugueses a apostar na recriação dos grandes sucessos ou a criar propostas artísticas inéditas.

Preparados para abrilhantar os palcos de Lisboa, fomos de Alvalade ao Parque Mayer, passando pelas avenidas novas e Chiado, visitar os bastidores de cinco espetáculos: três são musicais de sucesso internacional; os outros usam o cancioneiro português, colocando-o ao serviço de uma boa história.

Maria Inês Lopes, Mari Ribeiro, Leonor Estrela e Beatriz Terras

Foi muito fácil para mim construir

o imaginário deste espetáculo

através das canções do Sérgio Godinho.

Rita Lage

Rita, põe-te em guarda

Antes de colocar no papel a história cruzada de quatro mulheres nos tempos que antecederam a queda da ditadura, Rita Lage começou por se inspirar na história de amor dos seus avós. Para além de se definir como “uma pessoa muito politizada e interventiva”, a autora e encenadora é formada em teatro pela Evoé e pela EDSAE (Escola de Dança e Teatro Musical), e à história de amor que tinha como ponto de partida, não resistiu a “introduzir todo um conjunto de temáticas sociais e políticas”, que iriam ao encontro de canções de artistas que “ousaram enfrentar a censura”. Foi então que percebeu: “a larga maioria dos temas que pretendia usar continham um misto de intervenção, de luta e força, mas também de romantismo”.

Assim, foi na extensa discografia de Sérgio Godinho que descobriu que, “a um espetáculo que já estava montado na cabeça, só faltavam mesmo canções onde há imagens, há histórias, há pessoas reais, há uma teatralidade gigante…”

Na verdade, a relação de Sérgio Godinho com o teatro é longa e profícua, tendo começado na juventude onde, exilado em Paris, integrou o elenco do musical Hair. Se, como ator, trabalhou com encenadores como Ricardo Pais ou Jorge Silva Melo, como músico e letrista, a lista é extensa, destacando-se, já neste século, Portugal, uma comédia musical, encenado por António Feio, e Tropa-Fandanga, a revista à portuguesa do Teatro Praga.

Ao saber das intenções de Rita em usar canções suas nesta produção da companhia Ação Reação, o cantautor recebeu a encenadora – “A princípio ficou naturalmente confuso. Afinal, íamos fazer com as canções algo completamente diferente do seu propósito original, isto é, colocá-las num musical; depois, afirmou: afinal, as canções já não são só minhas, e desde aí tem sido um apoio extraordinário para nós.”

NO AUDITÓRIO CAMÕES A 1 E 2 DE MARÇO.

David Gomes, Miguel Cruz e Sara Madeira

É um espetáculo que fala da revolta dos artistas

e dos sonhos que procuram alcançar,

mas com muito pouco tempo para o fazer.”

Bernardo Raposo

Tick, Tick… Boom!

Nem todos os musicais de sucesso planetário se estreiam na grande meca do género, a Broadway. Peças como Hamilton, Avenida Q ou Rent começaram por ver o brilho das luzes off-Broadway, um circuito alternativo de teatros de Nova Iorque com lotações inferiores às das grandes salas, viveiro efervescente de novos talentos teatrais.

Entre autores que deram que falar está o nome de Jonathan Larson que, em 1990, estreava o solo que esteve na origem de Tick, Tick… Boom!, e que em 2001 seria adaptado a uma versão para três atores assinada pelo multipremiado David Auburn. Hoje, a peça do prematuramente falecido Larson é uma das referências do musical off-Broadway, estando na origem de um filme protagonizado por Andrew Garfield.

Pela mão do jovem encenador Bernardo Raposo e da sua Ultra Produções, Tick, Tick… Boom! vai ter agora uma versão em português da história de Jon, um compositor que lida com a ansiedade de fazer 30 anos e ainda não ter alcançado o sucesso profissional que almeja.

Depois de ter estudado teatro em Londres e Nova Iorque, onde participou em produções off-Broadway, Bernardo decidiu, como assume, aventurar-se “num musical que alinhasse os objetivos pessoais com os da [sua] produtora”. Deste modo, estrear esta peça em Portugal é como um statment: “Quando voltei, deparei-me com episódios onde os atores parecem estar a fazer um favor aos produtores para pertencer a um projeto. Isso é contrário à realidade que vivi lá fora, onde as coisas são milimetricamente desenhadas e pensadas e os atores são vistos como o auge do espetáculo”.

Por isso, fazer Tick, Tick… Boom! é a melhor maneira de pôr a soar a “revolta de uma geração de artistas”, sob a égide de “um compositor que adoro e traduz como ninguém a paixão de seguir os nossos sonhos.”

ESTREIA NO AUDITÓRIO SANTA JOANA PRINCESA A 7 DE MARÇO.

Raquel Tillo, Jorge Mourato, Ana Cloe e Inês Pires Tavares

A opção insólita e fora da caixa de tornar

um texto tão conhecido e icónico num musical

revelou-se desafiante e atrativa.

Diogo Infante

Sonho de uma Noite de Verão

Quantas vezes uma história já contada terá inspirado um musical? São incontáveis os casos, mas, a propósito de Shakespeare, entre comédias e tragédias, foram várias as peças que deram origem a musicais, contando-se entre os mais célebres The Boys of Syracuse, de Rodgers e Hart inspirados pel’A Comédia de Enganos, ou o inigualável West Side Story, composto por Bernstein a partir de Romeu e Julieta.

Curiosamente, neste Sonho de uma Noite de Verão, que volta ao Teatro da Trindade depois de uma temporada de sucesso, não foi Shakespeare, mas um popular jukebox musical que esteve na origem do espetáculo. Conta Diogo Infante que, numa ida a Londres para ver Moulin Rouge, se pôs a pensar “como seria fazer aquele espetáculo em Portugal e se a adaptação musical de temas pop muito conhecidos iria funcionar em português”.

O encenador, que já levou a cena musicais tão famosos como Cabaret e Chicago, reconhece que, “a partir daí, a mente viajou” até ao Sonho de uma Noite de Verão, peça que interpretou como ator há mais de 30 anos, no Teatro da Malaposta, dirigido por Rui Mendes. Sendo um texto que tão bem conhecia, e atendendo à vontade de “mergulhar naquele universo de fantasia e magia” que o marcara, Infante fez do cancioneiro pop/rock a base para criar “uma versão única e muito portuguesa” do clássico, onde Hérmia, Lisandro, Teseu, Helena ou o irresistível Puck entrelaçam as palavras de Shakespeare com canções de Amália, Paulo de Carvalho, Simone de Oliveira, Ornatos Violeta, Heróis do Mar, Catarina Deslandes, HMB, entre outros.

Tudo isto, combinado com uma talentosa equipa artística num dos palcos históricos da cidade, proporciona “uma viagem sensorial de prazer e bem-estar” que já encantou mais de 40 mil espectadores.

A PARTIR DE 5 DE MARÇO NO TEATRO DA TRINDADE.

Ruben Madureira, Joana Manuel, Brienne Keller e João Maria Cardoso

Embora todos conheçam

estas personagens da televisão ou do cinema,

aqui, estamos a fazer algo que também é nosso.”

Ricardo Neves-Neves

A Família Addams

Macabros, excêntricos e com uma pitada de bom gosto aristocrático, os Addams habitam a cultura popular desde o final dos anos 30 do século XX, quando o cartoonista Charles Addams os apresentou através das páginas da revista The New Yorker. A partir dos anos 60, Gomez, Morticia, Wednesday, Pugsley e companhia chegaram à televisão, mas foi no início de 90, através do cinema, que esta versão irónica e negra, mas bem-humorada, da família americana chegou com estrondo ao imaginário de espectadores de todo o mundo.

Os Addams são recebidos na Broadway em 2010, através da peça premiada de Andrew Lippa – com Nathan Lane, no papel de Gomez, e Bebe Neuwirth no de Morticia -,  mantendo-se em cena nos Estados Unidos desde então. Surpreendentemente, Ricardo Neves-Neves desconhecia este musical até a Força de Produção o desafiar a encená-lo. Levando em conta o gosto pela música, pelo absurdo e pelo non sense, “pareceu-me um projeto até bastante óbvio que só me parece estranho nunca me ter passado pela cabeça”, confessa com humor o encenador.

Nesta comédia, o casal Addams fica desconcertado quando a filha, Wednesday, anuncia ter-se apaixonado por um jovem, digamos, convencional. Após uma série de peripécias, Gomez e Morticia decidem demonstrar boa vontade e convidam o noivo da filha e os pais deste para um jantar na mansão da família. Sem desvendar muito, “a dada altura, parece que a família Addams é mais ‘normal’ do que os convidados”, afiança Neves-Neves.

Neste regresso aos musicais de outras autorias, depois do grande sucesso de Mães, o encenador assume o quão estimulante do ponto de vista criativo pode ser dirigir “um musical que, embora tendo personagens tão reconhecidas pelo público, tem certamente a identidade dos artistas que o fazem.”

ESTREIA NO TEATRO MARIA MATOS A 6 DE MARÇO.

Marta Lys, Dennis Correia, Pedro Fontes e Bruno Huca

Este foi, talvez, o primeiro grande musical

a pôr em palco temáticas que habitualmente

não eram tratadas neste género de teatro.”

Martim Galamba

Rent

“Muita paixão e uma grande dose de loucura”. É deste modo que Martim Galamba, cofundador (com Sissi Martins e Ruben Madureira) da MTL – Musical Theater Lisbon começa por explicar a grande aventura de produzir em Portugal “a obra que revolucionou o teatro musical e se tornou um dos espetáculos mais conhecidos de sempre”: Rent, da autoria do malogrado Jonathan Larson.

“Quando a Câmara [Municipal] de Lisboa nos convidou para integrar a programação do primeiro ano do [renovado] Teatro Variedades, quisemos trazer algo marcante e que fosse importante para o teatro musical em Lisboa”, conta o produtor. Rent estreou off-Broadway em janeiro de 1996, na noite seguinte à morte súbita de Larson, mas depressa saltou para uma sala com mais de 1200 lugares na Broadway, onde permaneceu em cena durante 12 anos e fez mais de um milhar de apresentações.

Para além de um conjunto de grandes personagens e do retrato da vida boémia nova-iorquina dos anos 90, o segredo do sucesso de Rent, acredita Martim, foi “o modo como Larson tocou temas tão atuais como a homossexualidade, a epidemia do HIV, a igualdade de género, as drogas e até o problema da habitação nas grandes cidades”.

A versão portuguesa deste blockbuster dos musicais tem encenação de Sissi Martins, que também integra o elenco, e consultadoria artística do encenador original Michael Greif, o que leva Martim a afirmar que “isto é ter, literalmente, a Broadway em Portugal”. Segundo o produtor, a presença nos ensaios do encenador “que trabalhou diretamente com Jonathan Larson garante-nos um padrão de qualidade que nos permite ser o mais fiel e autêntico ao processo original de criação de Rent.”

ESTREIA NO TEATRO VARIEDADES A 26 DE MARÇO