teatro
Onde tudo será diferente…
"Lá", de José Luís Peixoto, é uma criação do Teatro Meridional com o Teatro de Montemuro

O Teatro Meridional, em Lisboa, e o Teatro de Montemuro, sediado no concelho de Castro Daire, apresentam um olhar delicado e poético sobre as migrações internas entre a ruralidade e o mundo urbano. Com texto original de José Luís Peixoto e encenação de Miguel Seabra.
Como pano de fundo para Lá, a mais recente encenação de Miguel Seabra, corre a realidade histórica da década de 60 do século passado, quando, vinda da Serra de Montemuro, chegava à zona do Poço do Bispo, em Lisboa, força de trabalho para as fábricas e armazéns que pontuavam esta zona da capital, onde hoje está instalado o Teatro Meridional.
Para escrever essa peça, a ser trabalhada pela companhia lisboeta e pelo Teatro de Montemuro, o encenador decidiu desafiar um autor que tão bem testemunhou “as particularidades das migrações internas”, José Luís Peixoto. “Sendo natural do Alto Alentejo, de Galveias, o José Luís, pela sua experiência pessoal e pela sua cumplicidade connosco [este é o terceiro texto dramático que o autor vê encenado pelo Teatro Meridional, depois de À Manhã e Vida Inversa], era a pessoa perfeita para traduzir aquilo que pretendíamos e abordar as migrações do espaço rural para a cidade e as desigualdades territoriais que ainda hoje persistem.”
À proposta do Meridional e de Montemuro, o escritor respondeu com “um texto desafiante a muitos níveis, mas que nos trocou as voltas”, realça Seabra. Lá é passado em dois tempos distintos – a década de 1960 e a atualidade -, tendo como personagens duas gerações distintas, interpretadas pelos mesmos atores: Abel Duarte, Cristiana Sousa e Eduardo Correia.
Assim, na década de 60, encontramos um pai, uma filha e um tio, em Campo Benfeito, pequena aldeia do concelho de Castro Daire, na Serra de Montemuro. A degradação das condições económicas levam a família a decidir procurar a sorte na grande cidade. Enquanto o tio se mostra entusiasmado com as promessas de uma vida melhor em Lisboa, o pai sustenta alguns temores por abandonar a casa e a terra, e a filha, Ana, teme perder para sempre o rapaz por quem se apaixonou.
60 anos depois, Annie, neta de Ana, prepara-se para deixar Lisboa e, na companhia do pai e do irmão, retornar à terra de origem da família. Na bagagem, a jovem leva o sonho de abrir uma escola de dança em Montemuro e prosperar longe da cidade turistificada e gentrificada na qual parece não reconhecer o direito de existir.
Encontramos assim duas gerações de uma mesma família a fazer migrações em sentido inverso: nos anos 1960, da serra para a cidade; em 2025, da cidade para o campo. Mas, mais do que as motivações materiais das migrações, em Lá torna-se fundamental a eterna procura pelo lugar onde tudo será diferente. Como salienta o encenador, “este descontentamento, o ir atrás do sonho, de melhores condições de vida é constante ao que somos”. “Lá” é portanto o lugar que projetamos e, de algum modo, o lugar onde nos procuramos cumprir. Mas, quando o “lá” se torna “cá”, não estaremos nós de novo à procura de “lá”?
Em Lá, a jornada migratória de duas gerações de uma família torna-se, assim, numa experiência interior. E é esse lugar que, independentemente da paisagem de Montemuro ou das ruas de Lisboa, fixa as personagens desta coprodução entre o Teatro Meridional e o Teatro de Montemuro. Como, no poema de Manoel de Barros, que no final de um ensaio nos cita Miguel Seabra, “do sítio onde estou já me fui embora”.
Lá estreia a 6 de março, permanecendo em cena, em Lisboa, até dia 30. A 4 de abril, o espetáculo tem uma apresentação única em Campo Benfeito, no concelho de Castro Daire, seguindo depois em itinerância por Coimbra, Bragança. Évora, Paredes, Lamego, Cinfães e Tondela.