Conceição Abreu
Backyard | Jardim/Horta
Há uma geografia entre o estúdio e o jardim que a exposição Backyard de Conceição Abreu desenha. Mas seria um equívoco querer ver, nestes dois espaços, áreas geograficamente estáveis na obra de Conceição Abreu. O mesmo aconteceria se entendêssemos o desenho e o entretecimento – práticas que Conceição Abreu condensa numa só, cruzando-as com o vídeo e a performance – como práticas sedentárias confinadas aos limites destes lugares.
Primeiro, os lugares: estúdio e jardim são os espaços que, num plano físico, se insinuam nas imagens e gestos destes trabalhos como uma geografia relacional. As silhuetas de folhas de costela-de-Adão — uma planta tropical que cobre o muro ao fundo da sua casa — e os desenhos técnicos e fotografias do jardim por si desenhado, coexistem com estruturas entretecidas de fios com as quais Conceição Abreu mobiliza um imaginário espacial singular. Como uma fita de Möbius, a exposição repensa a construção da subjetividade e o espaço, numa série de torções e reviravoltas entre a intimidade externa do lugar e a exterioridade íntima dos movimentos de andar, desenhar e tecer. Se, historicamente, estúdio e jardim eram os topos da intimidade, Conceição Abreu desdobra-os numa extimidade, o termo com que Jacques Lacan condensou exterioridade e intimidade numa forma de apreensão em que um objeto exterior não se distingue de uma sensação íntima que nos é estranha. Extimidade é o movimento pelo qual a experiência mais íntima é radicalmente exteriorizada para os espaços e objetos que estão além de nós.
Depois, os gestos: os gestos do desenho e do entretecimento são, em Conceição Abreu, variantes do mesmo impulso. Ambos revelam um ato de presença, uma maneira de estar com… Estes gestos não reproduzem o movimento do corpo. Eles produzem performativamente o corpo, transformando-o num efeito. Por isso as práticas do desenho e do entretecimento estão mais próximas da metonímia do que da metáfora. Revelam histórias de contacto mais do que imagens e analogias; são a reencenação de uma relação ou o prazer de uma relação, que Jean Luc-Nancy traduziu como trânsito ou deslocamento entre nós de algo, uma força ou forma que nos afeta e nos modifica. Desenhar e tecer são gestos que conectam. É sintomático que, na obra de Conceição Abreu, os dois se confundam com frequência. Desenhar é um ato de proximidade e está por isso dependente do toque e do contacto, como uma espécie de visão sem a distância. O mesmo ocorre com o gesto de tecer-e-destecer, que transporta para a prática artística os mitemas de Penélope. Para Conceição Abreu, este gesto não se inscreve numa cadeia de procedimentos, mas numa partilha do sensível. É ele mesmo um gesto duplo, simultaneamente material e relacional. Ambos os gestos, desenho e entretecimento, revelam-se numa relação particular com o tempo: não o tempo intrínseco da produção — o tempo do estúdio, da fábrica ou do expediente — onde cada gesto se torna um ecrã e se faz visível, mas um interstício temporal, onde se origina uma nova forma de interação que altera o ritmo da vida de todos os dias. A prática artística, recordava Jacques Ranciére, não é o que se opõe ao trabalho; é o trabalho na sua forma de visibilidade deslocada. É neste deslocamento que o poder dos gestos simples se revela.
Paulo Luís Almeida
Segunda a domingo, das 10h às 20h
Local: