teatro
Romeu e Julieta entre a queda e a ascese
A visão de John Romão do clássico de Shakespeare
Um mês depois de ter levado As Virgens Suicidas à Culturgest, John Romão apresenta, na Sala Garrett do Teatro Nacional D. Maria II, uma visão de Romeu e Julieta pautada pelo conceito de velocidade e pelo questionamento do lugar do corpo na contemporaneidade. João Cachola e Mariana Monteiro protagonizam o par romântico, suspensos e sem nunca se tocarem.
Assentes numa plataforma que forma um círculo giratório, aparentemente suspensos como se desafiassem a gravidade, estão Romeu, Julieta, Mercúcio, Teobaldo e Benvólio, as cinco personagens que na tragédia Romeu e Julieta, de William Shakespeare, encontram a morte.
Numa aparente inércia, que se parece situar “entre a queda e a ascese, entre a vida e a morte, entre a terra e o céu”, o encenador John Romão encontrou a metáfora para os colocar no “apogeu da velocidade”, à luz das teses do pensador francês Paul Virilio. Como se o lugar destes corpos refletisse “a tendência de caminhar cada vez mais rápido, caraterística dos nossos dias, tanto que, à distância, a aceleração do tempo e do corpo dá a sensação de não se sair do mesmo sítio.”
Neste Romeu e Julieta, as personagens “estão presentes e simultaneamente ausentes no tempo e no espaço”, como se “os corpos não tivessem lugar”. É como “se estivessem no Skype ou no WhatsUp”, estão e não estão, num qualquer lugar. Porque, sublinha Romão, nos dias de hoje, devido à tecnologia, “tornámos-nos como que omnipresentes, à semelhança dos deuses.”
Toda esta lógica incorpórea e à prova do tempo e do espaço estende-se também à ausência de toque entre as personagens nucleares. Como conceber um Romeu e Julieta em que o par arquétipo do amor romântico nem um beijo troca? Romão justifica como algo sintomático deste tempo em que “muitas das nossas relações, até amorosas, se consolidam à distância, sem contacto físico.”
As palavras de Shakespeare surgem assim como um dispositivo “para rescrever os corpos”, ou seja, nesta visão de Romeu e Julieta, a reflexão sobre o lugar do corpo pode ser entendida, por exemplo, no percurso de Romeu, “o corpo que entra em lugares aos quais não pertence, como o baile dos Capuletos ou o exílio em Mantua”, e isso só pode ser superado com “um não-lugar, que é a morte, aqui entendido como onde se concretizam todas as utopias, até a do amor eterno.”
Entendendo a peça de Shakespeare como “uma história de pulsão e transgressão, onde tudo, alimentado sempre pelo desejo, se passa muito rapidamente em direção à morte”, John Romão apresenta este olhar pouco convencional sobre o clássico, pretendendo questionar-nos sobre “a solidão e o isolamento” num tempo onde parece já não haver lugar para o amor romântico.
Para descobrir, no Teatro Nacional D. Maria, de 14 de fevereiro a 1 de março.