O Teatro depois?

Um artigo de João Lourenço

O Teatro depois?

Foi ator, cofundador, ainda na década de 1960, do Grupo 4, que mais tarde, em 1974, inaugura o Teatro Aberto, na Praça de Espanha e é um dos mais reputados encenadores portugueses. Em 1982 criou o Novo Grupo, companhia residente, desde esse ano, naquele teatro lisboeta. João Lourenço foi uma das personalidades, desafiadas pela Agenda Cultural de Lisboa, para refletir sobre o teatro que dirige em tempos de pandemia e a enorme incógnita do futuro.

O teatro, tal como o víamos e sentíamos há uns dias, irá com certeza voltar aos poucos, mas nunca será exactamente igual, pois conheceu uma “paragem” que nunca tinha acontecido na sua história. O teatro nunca tinha parado a uma escala global e de uma maneira tão imprevista e repentina. Como será o teatro uma vez superados os perigos e os abalos desta situação? Haverá sempre um antes e um depois, creio eu. 

O Teatro Aberto foi dos primeiros teatros a pôr alguns dos seus espectáculos em streaming. Entendemos essa iniciativa como um gesto cívico e simbólico, como uma forma de o teatro continuar a existir na vida das pessoas e também de ser lembrado como aquilo que era e é verdadeiramente. O verdadeiro teatro é um espaço de encontro e partilha, onde a comunicação se estabelece ao vivo entre os actores e os espectadores. O teatro precisa da proximidade do outro. É feito e acontece à vista do outro. É essa a sua essência. Quando o verdadeiro teatro voltar, como é que o público irá vê-lo? Com mais estima, pelo redobrar da alegria de se poder voltar a juntar para assistir a um espectáculo ao vivo? Ou, pelo contrário, com desconfiança, por não estar suficientemente separado? Quando e como é que os teatros vão voltar a abrir as suas portas?

Quanto tempo mais vamos estar parados? Semanas? Meses?

Nos últimos dias, tem-se ouvido falar de uma luz ao fundo do túnel. Talvez seja verdade, talvez haja essa luz. Por mais que queira, não observo só esperança nessa luz. Vejo também o comboio, com classes ainda mais desiguais e uma nova terceira classe, onde nem sequer há bancos para as pessoas se sentarem.

Quando afasto estes pensamentos sombrios, imagino que a viagem neste “Interpaíses” talvez nos leve a um bom destino e os apeadeiros sejam lugares aprazíveis. Enquanto espero vou reler um livro de Beckett que tenho ali na minha estante.

 

[O autor escreve de acordo com a antiga ortografia]