Um ato de amor para uma grande atriz do nosso tempo

'Carmen' no Teatro da Trindade

Um ato de amor para uma grande atriz do nosso tempo

No dia em que a sala principal do Teatro da Trindade recebe o seu nome, Carmen Dolores é homenageada com um espetáculo concebido por Diogo Infante a partir das memórias da atriz. Natália Luiza, num saudoso regresso aos palcos, encarna na perfeição uma Carmen "tchekhoviana", emersa entre a fantasmagoria de uma vida dedicada à arte de representar e o recato de quem vive uma solidão bonita. Para ver, entre 11 e 29 de julho.

Há como que uma imensidão de palco a rodear a figura da atriz. Dos figurinos que deram forma às personagens aos objetos que povoaram espetáculos passados, ecoam vozes de outros tempos, essas Vozes dentro de mim que dão título ao terceiro livro de memórias de Carmen Dolores, e no qual Diogo Infante se inspirou diretamente para conceber este declarado “ato de amor” a uma das grandes atrizes portuguesas do século XX.

“Quis que este fosse um espetáculo muito subtil, feito da palavra, dos pequenos gestos e dos fragmentos que podemos encontrar nos livros de memórias que a Carmen foi escrevendo ao longo das últimas décadas”, refere o autor e encenador. Retirada dos palcos desde 2005, a atriz tem cultivado ao longo dos últimos anos o recato e “a solidão como ansia para auscultar os meus sentimentos”, segundo a própria no seu último livro e também aqui, no palco, com Natália Luiza a encarná-la como personagem.

“A minha Carmen é a que escreve, a tchekhoviana, a atriz retirada que optou por não ter público”, confessa Natália Luiza

 

Cabe, precisamente, a Natália interpretar Carmen. Mas, como sublinha a atriz, “a minha Carmen não é propriamente aquela que todos conhecemos”. É, antes, “uma voz dela, tal qual personagem tchekhoviana – talvez a Anna Petrovna, de Platonov, que a Carmen assume como uma das vozes que ainda lhe falam, talvez porque pensa não ter dado tudo o que podia quando a interpretou. E, são quase sempre essas personagens aquelas que nunca nos abandonam,” refere a atriz.

Afastada dos palcos há alguns anos, Natália Luiza tem-se dedicado mais recentemente à encenação. Porém, agora, e a convite de Diogo Infante, ela torna-se o coração deste espetáculo de homenagem à atriz que foi sua “madrinha no teatro”, na década de 1980. Afinal, “estou unida à Carmen pela admiração, mas também pelo prazer da palavra, pelo gosto de estar escondida e pela rejeição ao folclore social,” confessa a atriz, partilhando com humor que, na última vez que esteve com Carmen Dolores, chegaram ambas a pensar não estarem presentes na estreia do espetáculo.

Mas, tranquilize-se o leitor! No dia em que a principal sala do centenário Teatro da Trindade passa a chamar-se oficialmente Sala Carmen Dolores, vão soar palmas, e muitas, para esta maravilhosa Carmen de Natália (e de Diogo Infante) e, claro, para a homenageada. Afinal, não são todos os dias que se vive o privilégio de aplaudir, num mesmo momento, estas duas enormes atrizes do teatro português.