sugestão
Os livros de novembro
Sete janelas para a evasão
Segundo o grande escritor norte-americano de expressão francesa, Julien Green, “um livro é uma janela pela qual nos evadimos”. Para o mês de novembro propomos sete leituras: a longa entrevista de Amália ao escritor Manuel da Fonseca, finalmente editada; o Atlas da Almirante Reis; o desgraçadamente atual Diário do Ano da Peste, de Daniel Defoe; a poesia reunida de Leonor de Almeida; o mais recente romance de Mia Couto; o catálogo Pé d’Orelha sobre a magnífica exposição que reúne a obra cerâmica de Rafael Bordalo Pinheiro e Querubim Lapa; o delicado álbum infantil, Espera, Miyuki, sobre a importância de saber esperar. Sete janelas para a evasão!
Manuel da Fonseca (Entrevista)
Amália Nas Suas Palavras
Em 1973, Manuel da Fonseca, nome cimeiro do neorrealismo português, poeta e autor dos romances Seara de Vento e Cerromaior, grava horas de conversa com Amália Rodrigues com o objetivo de escrever a sua biografia. O projecto foi abandonado, mas surge finalmente a transcrição inédita dessas gravações. A longa entrevista oscila entra a cumplicidade (quando se aborda a natureza do fado, se evocam as belezas da campina alentejana ou se partilham gostos literários) e a posição defensiva de Amália (sobretudo nas questões de índole política), levando-a a exclamar: “As coisas que este senhor me pergunta!” A publicação dessas conversas constitui, segundo o musicólogo Rui Vieira Nery, uma das contribuições mais inovadoras para a bibliografia amaliana neste ano em que iniciamos as comemorações do centenário do nascimento da artista”. Artista incomparável que traduz desta forma a sua profunda identificação com o povo: “É como quando uma pessoa vai por um caminho e vê uma erva que dá um cheiro que se reconhece. Acho que as pessoas quando me ouvem cantar, veem realmente que sou um produto de cá, sou uma portuguesa e, portanto, faço parte do que no fundo eles são.” Edições Nelson de Matos/Porto Editora
Atlas da Almirante Reis
A avenida Almirante Reis, que homenageia a figura do revolucionário republicano Carlos Cândido dos Reis, é uma das mais extensas artérias da cidade de Lisboa. Caracteriza-se por ser uma das principais vias de ligação entre a cidade da segunda metade do século XX e a Baixa de Lisboa, tratando‑se de uma avenida com características singulares, onde numa única linha de expansão são visíveis as várias épocas do crescimento urbano da capital. Atualmente, é uma das zonas mais multiculturais da capital. Curiosamente, é também uma das menos estudadas. Este estudo pretende colmatar essa lacuna abarcando toda a sua extensão e densidade. O presente atlas, estruturado em quatro partes que se dividem fisicamente por plantas desdobráveis, constitui um recenseamento dos diversos aspectos (urbanos e urbanísticos) desta icónica Avenida, congregando perspectivas históricas e geográficas, dados inéditos, análise arquitectónica e até, olhando mais à frente, uma abordagem projetual. Tinta-da-china
Daniel Defoe
Diário do Ano da Peste
Daniel Defoe escreveu este livro em 1720, mais de meio século após a peste de 1665. A obra surge na sequência do novo afloramento da epidemia em Marselha e do receio de que ela se pudesse voltar espalhar pela Europa e chegar a Inglaterra. João Gaspar Simões, tradutor da obra, na brilhante introdução, afirma que Diário do Ano da Peste é da mesma índole de Robinson Crusoe, obra-prima do autor, fundadora do romance moderno inglês: “Enquanto nesta um homem vencia todas as dificuldades de vida numa ilha deserta (…), na nova obra a própria cidade de Londres é que assumia a posição do náufrago naquela. Como iria Londres triunfar das dificuldades tremendas que o cataclismo provocaria na urbe imensa?” Esta obra que pretendia documentar um acontecimento verdadeiro, e que funciona quase como um manual de sobrevivência, surpreende hoje pelas semelhanças entre as circunstâncias que descreve e a situação de pandemia global que vivemos. Este facto permite a criação de um elo entre o leitor, o protagonista e os seus próximos, impensável antes da pandemia de 2020. PIM! Edições
Leonor de Almeida
Poesia Reunida
Em 1965, Natália Correia inclui um poema de Leonor de Almeida na Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica, escrevendo: “A sua Linguagem exprime calidamente uma visão panerótica do Universo”. Leonor publicou entre 1947 e 1960, quatro livros de poesia saudados por João Gaspar Simões, Alberto de Serpa, Jacinto do Prado Coelho, Artur Portela ou E. M. de Mello e Castro. Depois não publicaria mais nada, eclipsando-se numa aura de mistério, vivendo incógnita em Lisboa onde morre sozinha em dia incerto de maio de 1983. A sua obra, uma das mais singulares da poesia portuguesa do seculo XX, é de difícil filiação: segundo Ana Luísa Amaral, autora do prefácio à presente edição, a poesia de Leonor de Almeida partilha das preocupações neorrealistas, da poética surrealista e do presencismo, em simultâneo de outras tendências como o simbolismo. Sem esquecer o profundo erotismo de muitos dos seus poemas que Natália Correia realçou. Este precioso volume põe termo ao silêncio que se abateu sobre a poeta que queria “multiplicar o Espaço e enchê-lo de Amor / procurar os homens que não tiveram vida / e salvá-los!” Ponto de Fuga
Mia Couto
O Mapeador de Ausências
Um dos ficcionistas mais conhecidos das literaturas de língua portuguesa Mia Couto nasce em Moçambique em 1955 e escreve “pelo prazer de desarrumar a língua”. O seu estilo desenvolve-se num permanente processo de contaminação entre prosa e poesia. Inventor de palavras, recorre aos cruzamentos e à mestiçagem de que o idioma português é alvo em Moçambique para captar “o lado menos visível do mundo”, que o fascinava na infância, procurando estabelecer uma relação profunda entre o homem e a terra. No seu mais recente romance privilegia o tema do regresso ao passado. Diogo Santiago, professor universitário em Maputo, poeta, desloca-se pela primeira vez em muitos anos à sua terra natal, a cidade da Beira, nas vésperas do ciclone que a arrasou em 2019, para receber uma homenagem que os seus concidadãos lhe querem prestar. Diogo recorda sua infância e juventude, quando ainda Moçambique era uma colónia portuguesa; a mãe, toda sentido prático e completamente terra-a-terra, e o pai, amante de poesia, perseguido e preso pela PIDE, relembrando duas viagens que fez com ele ao local de terríveis massacres cometidos pela tropa colonial. Entre os ausentes que evoca, sobressai o régulo Capitine que via uma mulher a voar e que inspira a bela capa de Rui Garrido. Caminho
Pé d’Orelha
Conversas entre Bordalo e Querubim
Rafael Bordalo Pinheiro (1846-1905) e Querubim Lapa (1925-2016), dois dos maiores ceramistas portugueses, pertencem a gerações diferentes, porém os seus percursos artísticos apresentam múltiplas conexões. A exposição Pé d’Orelha – Conversas entre Bordalo e Querubim explora as relações entre as obras dos dois artistas através de um roteiro imaginário assente em seis temas: o humor e a sátira; as afinidades; as citações e as heranças; e, finalmente, as confidências e o erotismo. Face ao ilustre antecessor, Querubim Lapa revela as qualidades essenciais da sua extraordinária produção artística no domínio da cerâmica: um profundo entendimento da tradição aliado a um inesgotável ímpeto renovador. O presente catálogo, profusamente ilustrado, e com reveladores textos de João Alpuim Botelho, Rita Gomes Ferrão, Pedro Bebiano Braga e Sofia Nunes, constitui um testemunho eloquente deste magnífico encontro, materializado numa exposição imperdível, patente no Museu Bordalo Pinheiro até ao próximo dia 28 de Fevereiro de 2021. Museu Bordalo Pinheiro
Roxane Marie Galliez & Seng Soun Ratanavanh
Espera, Miyuki
Espera, Miyuki é o primeiro livo de uma trilogia que acompanha uma menina em várias aventuras com o seu avô. No primeiro dia de primavera, Miyuki está impaciente. Tem pressa de ir ao jardim, onde tudo floresce. Tudo menos uma pequena flor, ainda em botão. A menina, ansiosa por despertá-la, parte em busca da água mais pura. O avô diz-lhe: “Espera!”, mas Miyuki só consegue pensar na sua flor que não desabrocha… Com ilustrações delicadas de Seng Soun Ratanavanh, influenciadas pela arte e cultura japonesas, este belíssimo álbum combate a impaciência e convida-nos a parar e a respeitar a valsa lenta de cada momento. O Texto de Roxane Marie Galliez, escritora de livros para a infância, jornalista e investigadora de História das Civilizações, fala-nos com elevado sentido poético da arte de saber esperar. Orfeu Negro