entrevista
Madalena Palmeirim
'Right as Rain' é "um objeto caleidoscópico, com diferentes vozes, cores e ritmos"
Madalena Palmeirim é uma cantautora e multi-instrumentista lisboeta. A artista, que já integrou projetos como L Mantra ou Nome Comum, lançou recentemente o disco de estreia a solo, Right as Rain. A 7 de novembro, o álbum é apresentado em concerto, no Teatro São Luiz, repleto de convidados especiais, como os atores Sara Carinhas e Miguel Bonneville.
Right as Rain é o teu álbum de estreia a solo. Porque este título?
Há qualquer coisa de melancólico e de tranquilizante na chuva, uma sensação que me pareceu dar um bom enquadramento a este disco. Mas também gostei da multiplicidade de sentidos que esta aliteração simples e bonita contém. É uma expressão idiomática em inglês que significa que as coisas estão perfeitamente bem, mas numa tradução mais literal é talvez interpretado como algo que é certo como a chuva. Gosto dessa confusão de sentidos, de expressões, de linguagens – como se pode perceber pelo próprio disco.
Fizeste parte de bandas como L Mantra ou Nome Comum. Em que altura percebeste que estava na altura de voares sozinha?
Sempre fui pensando nisso num segundo plano, mas como tenho um carácter mais colaborativo e fui tendo vários projetos pelo caminho, nunca senti uma verdadeira urgência em ter esse espaço. E se calhar ainda bem porque aprendi muito com quem estava à minha volta. A partir do momento em que decidi trabalhar exclusivamente na música fui compondo mais e mais. E, então, foi um processo natural de triagem e de organização de canções que estavam a acumular-se na gaveta e – importante – o facto de ter conseguido o Apoio Fonográfico da Fundação GDA, sem o qual não teria gravado este disco.
Trabalhas em sonoplastia para espetáculos e compões bandas sonoras para filmes. Essa experiência inspira, de alguma forma, as tuas canções?
Sim, sem dúvida. A canção Limbo que está no disco e que canto com a Sara Carinhas é exemplo disso. Compus este tema para a equipa que trabalhou comigo no espetáculo Limbo (encenado pela Sara), como presente no dia da nossa estreia. E obviamente aborda temáticas que estávamos a trabalhar no espetáculo. Mas há vários tipos de contaminação, não só ao nível de conteúdo mas da forma também. No trabalho de sonoplastia normalmente utilizo um vocabulário sonoro mais vasto, o que por sua vez influencia a forma como componho e penso os arranjos para cada canção. Especialmente porque também gosto de gravar e misturar em casa. Mas parece-me inevitável essa confluência, sendo que faz tudo parte do mesmo campo sonoro, quer se trate de música, palavra, ruído ou silêncio.
Este disco inclui colaborações variadas, com personalidades de áreas artísticas muito diferentes, como Francisca Cortesão, Miguel Bonneville, MOMO. ou Sara Carinhas, entre outros. Por que motivo decidiste convidar tantas pessoas para o teu disco de estreia?
São pessoas com as quais fui trabalhando e que admiro. Mas também porque me interessa muito a combinação de diferentes mundos. Precisava de refrescar este álbum e a minha visão sobre ele, que já o andava a cozinhar em lume brando há bastante tempo. É um exercício que te obriga a ganhar alguma distância e a escutar as tuas próprias canções de outra maneira. Esse espaço de encontro ajudou-me a repensar e a produzir este disco com alguma novidade e frescura, o que é difícil de manter nestes processos longos, como o de fazer um disco.
O álbum é uma mistura de rock, folk, morna, samba, cantado em português, inglês e crioulo. Com tantas sonoridades é difícil manter o foco?
Quis fazer um objeto propositadamente caleidoscópico, com diferentes vozes, cores, ritmos, mas também como desafio para uma escuta mais plural e abrangente. Penso que apesar das diferentes formas de expressão existe uma linguagem, uma linhagem comum. Mas o foco do disco talvez passe por um sentido de viagem, uma toada mais livre que se passeia por diferentes paisagens.
Durante o confinamento gravaste ‘No Jardim com’, uma série de duetos disponibilizados no teu canal de YouTube. Como surgiu esta ideia?
Foi depois daqueles primeiros meses em quarentena em que nos entregámos aos lives, aos diretos e aos festivais online, e a dada altura dei conta de tudo o que estava a perder no meio disso. Às tantas estávamos a trabalhar sozinhos a partir de casa, a fazer de técnicos de som e de imagem, a criar e a interpretar em directo para o mundo – tudo gratuitamente. Foi isso que me moveu: tentar recuperar algum sentido de normalidade na nossa profissão e procurar o reencontro com outros intérpretes e com uma equipa técnica – dentro das medidas de segurança na altura impostas.
Muitos artistas aproveitaram a quarentena para compor. Consideras que este período tão atípico foi particularmente inspirador?
Inspirador sim, mas não necessariamente fácil. As circunstâncias eram até bastante propícias, em termos de tempo para introspeção, mas o confinamento não foi propriamente libertador. Houve alturas de euforia ou se calhar de fúria artística e outras de niilismo absoluto. Foi bastante violento, uma montanha-russa que ainda estamos a viver. A quarentena fez gritar a minha necessidade de fazer música, mas nem sempre senti o foco necessário e a vontade aguçada para concretizar as ideias. Ou seja, muito rascunho para ainda trabalhar.
Foi também durante a quarentena que surgiram As Rainhas do Autoengano (com Natalia Green e Zoe Dorey). Como definirias este projeto?
É um projeto bastante improvável, para começar. Conhecemo-nos num jantar mesmo antes da quarentena e no fim dessa noite sobrámos as três e começamos logo a compor juntas. Foi tudo demasiado imediato, mesmo apesar das nossas diferenças. Durante a quarentena fomos fazendo mais canções e alimentando este trio transatlântico de três mulheres cantautoras e multi-instrumentistas, com um som, diria, despretensioso e leve e num formato acústico e intimista.
Vais dividir o palco do São Luiz com alguns dos convidados do teu disco?
Sim, para se fazer a merecida festa no dia 7 de novembro, às 18h30. Não poderão estar todos, todos os convidados do disco mas terei comigo, para além da minha banda, com o David Santos no contrabaixo, o Manuel Dordio na guitarra elétrica e o Nuno Morão na bateria, a participação especial de: Ana Luísa Valdeira (violino), Bernardo Palmeirim (voz e guitarra), Giulia Gallina (concertina), Gonçalo Castro (baixo eléctrico), Inês Pimenta (voz), João Teotónio (voz e guitarra), Miguel Bonneville (voz) e Sara Carinhas (voz).