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Acordes do desencanto
'O Homem da Guitarra' no Teatro Municipal São Luiz
Um desencantado músico de rua de meia-idade é o personagem do monólogo O Homem da Guitarra, de Jon Fosse, que, depois do Porto, chega ao palco do Teatro São Luiz, a 29 de janeiro. Um espetáculo de e com Manuel Wiborg, acompanhado em palco pelo músico e construtor de guitarras Adriano Sérgio.
Mudou-se para uma cidade estranha (fria e “tão ao norte do mundo”) por amor a uma mulher. Deixou-se ficar porque chegou um filho, e “um medo” que não consegue explicar. Agora, na meia-idade, canta e toca na rua e em subterrâneos “para ganhar umas coroas”. Em traços largos, está feita a apresentação do personagem que devolveu Manuel Wiborg ao teatro do norueguês Jon Fosse, de quem encenou, com Diogo Dória, o magnifico Sou o Vento, já lá vão quase cinco anos.
“O que mais gosto no Jon Fosse é uma escrita muito musical e minimal, como se os textos fossem canções. Isso dá-me uma imensa liberdade enquanto encenador e, ao mesmo tempo, concilia-me com a minha distante vontade de um dia ter sido músico”, confessa-nos Wiborg. Neste caso preciso, O Homem da Guitarra é “um monólogo de grande atualidade porque aborda o drama das pessoas com 40 e muitos, 50 anos, que, se confrontadas com o desemprego, por exemplo, sentem deixar de ter lugar neste mundo. É um belo texto sobre alguém para quem os sonhos ruíram, para quem julga que toda a vida falhou…”
Acompanhado de uma guitarra, que pontualmente o ator toca para interpretar os lamentos do personagem, Wiborg usufruiu da liberdade do texto para convidar um velho amigo, o músico e artesão Adriano Sérgio, a acompanhá-lo em cena. Replicando no palco a sua oficina de construção de guitarras, este músico, que é, atualmente, um dos mais requisitados construtores de guitarras do mundo, reproduz o seu ofício em contracena. “Porque o som que se produz a fazer guitarras é também música”, sublinha.
Como curiosidade, questionámos Adriano Sérgio sobre o que o levou a aceitar o convite de Wiborg para este O Homem da Guitarra: “identifico-me muito com o texto. Eu que deixei de ser músico de palco porque não podia fazer a música de que realmente gostava; eu que me tornei técnico de guitarras de alguns nomes sonantes do heavy metal, como o Ozzy Osbourne ou os Anthrax, e me cansei… A diferença que assumo perante o personagem do Manuel é nunca ter desistido”. Por isso mesmo, Adriano e a marca que criou, a Ergon, são hoje referências no meio musical.
O espetáculo está em cena na Sala Mário Viegas do Teatro São Luiz até 4 de fevereiro.