sugestão
Os livros de março
Cinco sugestões de leitura
Com o início da primavera, os dias convidam a passar mais tempo ao ar livre. Portanto, entre uma "história para crianças grandes", a uma obra que é um misto de livro de viagens, relato autobiográfico e reflexão sobre a expansão imperialista, ou a uma antologia erótica, conheça as nossas sugestões de leitura para o mês em que se assinala o Dia Mundial da Poesia, e saia para a rua na melhor companhia.
Poemas Eróticos da Antiguidade Clássica
O poeta grego Hesíodo, escreve na sua teogonia, que no começo do mundo foram criados o caos, depois a terra e em seguida o amor (Eros), vendo nele uma das forças inaugurais do universo. O termo Erótico provém da palavra grega eros (desejo amoroso) designando o amor e a sexualidade. O erotismo joga com a imaginação e a criatividade e tem sido uma fonte de inspiração na arte e literatura. Nesta antologia estão presentes todos os grandes poetas da Antiguidade Clássica – Safo, Homero, Sófocles, Eurípedes, Catulo, Horácio, Virgílio ou Ouvídio – numa seleção de mais de 40 autores e 200 poemas que revelam o modo como o erotismo era vivido na Grécia e Roma antigas, as suas diferentes manifestações e a forma como era cantado enquanto tema central da poesia. Victor Correia, organizador, prefaciador e autor das notas da presente edição, conclui deste conjunto de poemas que “a sexualidade e as suas mais variadas formas, tendo como objetivo o gozo e o prazer, é algo que existe e é exaltado desde sempre”. Como cantou Sulpícia, poetisa que viveu durante o reinado de Augusto e ficou ignorada: “Conheci finalmente o amor! / Mais vergonha teria de o esconder, que de revelá-lo a toda a gente.” Guerra & Paz
Exterminem Todas as Bestas
Sven Lindqvist
“O cerne do pensamento europeu? Sim, há uma frase, uma frase curta e simples, somente algumas palavras, que resume a história do nosso continente, da nossa humanidade (…). Nada diz sobre a Europa como local de origem do humanismo, democracia e solidariedade social na Terra. Nada diz de tudo aquilo de que nos orgulhamos com razão, simplesmente conta a verdade que preferimos esquecer”. Esta obra fascinante, misto de livro de viagens, relato autobiográfico e reflexão sobre a teoria e prática da expansão imperialista, é a crónica de um homem que percorre de autocarro o deserto do Saara e, paralelamente, pesquisa no computador a história do conceito de extermínio. O viajante do deserto concentra-se numa frase de O Coração das Trevas de Joseph Conrad: “Exterminem todas as bestas”. Conrad surge-lhe como um autor profético que previu todos os horrores vindouros. Este processo fá-lo descobrir que a destruição das “raças inferiores” dos quatro continentes por parte da Europa, acompanhada por uma defesa impúdica do extermínio, criou hábitos de pensamento e precedentes políticos que abriram caminho para atos terríveis, culminando no Holocausto. Caminho
Manual de Auto Defesa
Luci Gutiérrez
Basta folhear as primeiras páginas deste livro para perceber que se trata de um objeto singular do qual emana uma estranha sedução. Luci Gutiérrez, a autora, é uma ilustradora que nasceu em Barcelona em 1977. Os seus desenhos, claros e cheios de ironia, têm sido publicados nos jornais e revistas mais importantes do mundo, tais como o New York Times, o Washington Post, o Wall Street Journal ou a revista New Yorker (a ilustradora viveu em Nova Iorque, onde regressa sempre que pode). Luci diz que a sua “verdadeira vocação é observar aquilo que a rodeia, incluindo a própria pele”. Ora, este livro revela, justamente, um olhar acutilante sobre os outros, pondo a nu o ridículo e a mesquinhez que atravessam os nossos tempos mas, em contrapartida, não hesita em revelar os medos mais íntimos da autora. Tudo num expressivo desenho a preto e branco e com um humor negro que, por vezes, se aproxima do surrealismo. Escreve Luci Gutiérrez sobre os seus desenhos: “Seja como for, esta é a minha forma de digerir a realidade, de dar um rosto ao monstro em que a fealdade humana se pode transformar, de o tornar animal de companhia. Mesmo que da digestão nasça outra monstruosidade.” Orfeu Negro
O Príncipe com Orelhas de Burro
José Régio
O escritor, poeta, dramaturgo, romancista e ensaísta, José Régio, fundador da revista literária Presença que marcou o segundo modernismo português, definiu a sua obra de ficção O Príncipe com Orelhas de Burro, publicado em 1942, como uma “história para crianças grandes”. Deslumbrante fábula moral, a narrativa do príncipe Leonel evolui através de uma extraordinária estrutura dialética, jogo de espelhos que a cada imagem (ou tema) devolve o seu reverso: à perfeição, a monstruosidade; ao sonho, a realidade; ao bem, o mal; ao mistério, a ciência; à felicidade, a dor; à normalidade, a transgressão; ao luxo, a miséria; à luz, as trevas. Obra que é uma narrativa “sem tempo” para o nosso tempo, num lugar imaginário (o reino da Traslândia) que é, afinal, também o nosso. Sátira ao poder político, crítica de costumes, mas, sobretudo, reflexão profunda sobre a condição humana, protagonizada pela nobre e comovente figura do príncipe Leonel: aquele que fugiu “à tentação das aparências” e viu o “terrível avesso da superfície bela”. Um livro magnífico e singular na literatura portuguesa que urge (re)descobrir. Agora numa belíssima edição de grande apuro gráfico. Opera Omnia
Dicionário de Artistas
Gonçalo M. Tavares
“O mundo foi riscado por uma criança e ainda não recuperou”, escreveu Gonçalo M. Tavares sobre a obra de Jean-Michel Basquiat. Desde outubro de 2020, o escritor criou pequenos textos sobre artistas contemporâneos que foram sendo publicados semanalmente nas plataformas digitais do Centro Cultural de Belém, no ciclo Dicionário de Artistas. Obras de artistas como Bill Viola, Christian Boltanski, Christo, Cindy Sherman, Damien Hirst, Joseph Beuys, Louise Bougeois, Lucien Freud, Sol LeWitt ou Nan Goldin surgem como ponto de partida destes textos, como “indício visual para a linguagem se pôr a caminho”. Escritos reunidos no presente volume, com imagens d´Os Espacialistas. Os leitores familiarizados com a prática literária do autor não esperam textos descritivos, didáticos ou explicativos. E acertam em cheio! Partindo de um pormenor, detalhe ínfimo ou centro centralíssimo da obra de um artista, estes textos vão para outro local qualquer. “Como um animal que tem fome parte do ninho para um ponto onde pressente o alimento, assim parte o texto à sua vida. Os textos deste Dicionário são seres autónomos que saem à rua livres e bem sozinhos depois da meia-noite.” Relógio D´Água