teatro
O borbulhar do champanhe e o amor a três
Jorge Silva Melo encena "Vida de Artistas"
Depois de Vidas Íntimas, Jorge Silva Melo estava de volta ao teatro de Noël Coward com Vida de Artistas, uma comédia protagonizada por um tempestuoso e provocante triângulo amoroso, composto por uma designer de interiores, um dramaturgo e um pintor. Cumprindo a vontade expressa pelo encenador, os Artistas Unidos sobem ao palco do Teatro São Luiz, a partir de 23 de março, com aquele que é o último espetáculo assinado por Jorge Silva Melo.
Em Vida de Artistas (Design for Living no original), Gilda ama Otto, Otto ama Gilda, Gilda ama Leo, Leo ama Gilda, Otto ama Leo, Leo ama Otto. Pode parecer confuso, mas a vontade de amar e perseguir o sucesso não encontra barreiras quando se trata deste trio, composto por Gilda, uma designer de interiores, e os seus dois amantes, o dramaturgo emergente Leo e o aspirante a pintor Otto.
Entre um estúdio em Paris e uma penthouse em Nova Iorque, passando por um elegante apartamento em Londres, a peça de Noël Coward, que tanto escândalo (e sucesso) causou há quase um século, acompanha, entre o humor e a ironia, uma relação a três que tende a oscilar entre o deslumbramento e o egoísmo, fazendo de cada um deles, segundo o próprio autor, “criaturas superficiais, sobre-articuladas e amorais movidas pelo impacto das suas personalidades uns sobre os outros.”
Era esta complexidade, balançada entre a luz e a sombra, que Coward, um autor tantas vezes menorizado e considerado superficial, emprestava às suas personagens. Característica que terá levado, nestes últimos anos, Jorge Silva Melo a dizer “presente” à sua obra, intercalando-o com autores ditos bem mais “sérios”, como Tennessee Williams ou Arthur Miller. Afinal, escreveu o encenador, num texto agora incluído na folha de sala do espetáculo, “quanto veneno, quanta maldade, quanto amor perdido” há em Coward e nesse seu “teatro de dinner jackets, champanhe, rosas, camélias e muita malícia.”
Impedido de prosseguir na fase final do trabalho, Silva Melo entregou aos seus atores a responsabilidade de levar Vida de Artistas ao palco. António Simão, um dos “veteranos” dos Artistas Unidos, lembra que, “embora mais complexa do que Vidas Íntimas [peça de Coward levada a cena em 2019], a base e a estrutura da peça e, de certo modo, os temas são semelhantes, o que permitiu que houvesse um desenrolar relativamente normal do trabalho. Excecional, foi só mesmo a doença e, infelizmente, a morte do Jorge”. Mas, sublinha, “ele conseguiu ensaiar da maneira que pôde, até quando pôde.”
O ator Américo Silva, que neste espetáculo interpreta um negociante de arte e amigo íntimo do trio protagonista, reforça a vontade “que o Jorge sempre teve de continuar a trabalhar até morrer. Por isso, “os próximos projetos da companhia são ainda todos desenhados por ele, e no final do ano teremos outro inglês, o [Harold] Pinter.”
Honrando o compromisso assumido perante Jorge Silva Melo “de não parar e continuar a fazer aquilo que sabemos”, os Artistas Unidos levam Vida de Artistas ao Teatro São Luiz, até 10 de abril. O espetáculo é protagonizado por Rita Brütt, Nuno Pardal e Pedro Caeiro, secundados pelo já referido Américo Silva e por Ana Amaral, Antónia Terrinha, Jefferson Oliveira, Pedro Cruzeiro, Raquel Montenegro e Tiago Matias. A cenografia e figurinos são de Rita Lopes Alves, o som de André Pires e o desenho de luz de Pedro Domingos. João Chicó assina a coordenação técnica e Nuno Gonçalo Rodrigues e Noeli Kikuchi foram os assistentes de Jorge Silva Melo no trabalho de encenação.