entrevista
Sean Riley
"A ideia era viajar, montar um estúdio, gravar música e tentar ser o mais espontâneo possível"
Afonso Rodrigues (Sean Riley) e Paulo Furtado (The Legendary Tigerman) estão ligados um ao outro não só pela música, mas também pela amizade. Em 2018, embarcaram numa road trip pela Califórnia que deu origem ao primeiro disco a solo de Sean Riley. Em 2021, depois de esperarem que a pandemia desse tréguas, rumaram ao sul de Espanha onde, numa cabana de pescadores, montaram um estúdio. Desta viagem nasceu o EP Andaluzia, que sobe ao palco da ZDB a 26 de maio.
Comecemos pelo título do primeiro single deste EP, Good Kids. Refere-se a esta parceria entre ti e o Paulo Furtado ou é uma coincidência?
É uma coincidência. Sendo uma música lançada por duas pessoas e sendo nós amigos, já tinha pensado nessa associação, mas é mera coincidência já que a letra nada tem nada a ver connosco e com a nossa relação.
O vídeo de Good Kids é quase uma espécie de diário em vídeo. Querias passar essa ideia de autenticidade?
A ideia veio no seguimento do que já tínhamos feito no Califórnia: viajar até algum lado, montar um estúdio, gravar música e tentar ser o mais espontâneo possível. O objetivo, com o vídeo, era documentar esse processo, desde a viagem à casa onde ficámos, ao estúdio improvisado, àquilo que eram os nossos dias entre tocar e passear pela praia. A ideia era ser quase um documentário para que as pessoas conseguissem perceber exatamente como foi feito.
Esta parceria musical remonta a 2018, à road trip que fizeram pela Califórnia. Recordas-te como tudo começou?
O Califórnia surgiu porque o Furtado ia gravar o Misfit, no [estúdio] Rancho de La Luna, em Joshua Tree. Uns dias antes estávamos a beber um copo na ZDB e eu disse-lhe “ainda bem que vais, estou muito feliz por ti. Vou aproveitar para te visitar quando estiveres em estúdio porque gostava de fazer parte do processo, de estar lá contigo”. Já tínhamos tido uma longa conversa sobre um disco meu a solo, era um assunto que já vinha de há uns anos, mas que ia sendo sempre adiado. Às tantas ele diz-me: “esta é a altura perfeita. Vais ter comigo aos Estados Unidos, fazemos uma road trip, trazes a guitarra e gravamos o teu disco”. E assim foi, não pensámos muito mais sobre isso.
Em novembro do ano passado voltaram a fazer as malas…
Fazendo fast forward para 2020: estávamos em plena pandemia e eu comecei a pensar em coisas que gostava de fazer e desafiei o Furtado a fazer outro capítulo. Já tínhamos falado sobre várias hipóteses para dar continuidade a este trabalho. De repente comecei a elaborar uma ideia. Inicialmente, o previsto era irmos para Tânger porque o primeiro disco tinha sido muito à volta da beat generation e há uma ligação forte de Tânger à beat generation. A ideia era dar continuidade histórica e de contexto. Só que, entretanto, a viagem começou a transformar-se num pesadelo logístico por causa da pandemia, vistos, material de gravação… Cansámo-nos de estar à espera. Em novembro do ano passado metemo-nos no carro e fomos até ao sul de Espanha. Tínhamos visto umas fotografias da casa onde acabámos por ficar, apaixonámo-nos por ela e resolvemos não pensar nem adiar mais. Simplesmente fomos…
Como geriram a parte logística?
Dessa parte quem tratou foi o Furtado. Eu faço as canções e ele trata do estúdio. Estou muito mais verde nessas questões [risos]. Ele tem um estúdio montado em casa e consegue ter sempre um set up mais simplista, que é basicamente um estúdio que dá para montar em qualquer lado. Levámos a carrinha cheia de material. Quando chegámos foi só montar o estúdio. Estivemos três dias na casa a trabalhar…
Este ambiente foi bem diferente do que viveram na Califórnia. Mais melancólico e chuvoso…
Em relação ao clima não conseguimos antever. Marcámos a casa e, passados uns dias, o dono mandou uma mensagem a avisar que o tempo ia estar horrível. Até perguntou se queríamos adiar para outra altura. Andávamos há imenso tempo a querer fazer esta viagem, as nossas agendas não são fáceis e já tínhamos aquelas datas trancadas. Decidimos manter a viagem e eu disse ao dono da casa que, para nós, o clima era indiferente. Íamos estar num sítio bonito em frente ao mar. Mesmo que estivesse a nevar iríamos [risos]. Abraçámos as condições que tínhamos. Estava bastante vento e chuvoso, mas isso acabou por trazer essa atmosfera para o disco. Quando editámos o vídeo do Good Kids, achei que a música casava perfeitamente com a imagem. A canção em si – e a forma como foi arranjada e produzida – casa muito bem com essa melancolia do próprio clima.
As músicas já estavam pensadas antes da viagem?
Tinha as músicas escritas, ou seja, em termos dos acordes de guitarra e de letras estava tudo bastante alinhado. A única música que acabei de escrever lá foi o Randomly, em que parte da letra foi escrita em Espanha. Não tínhamos era nada do ponto de vista dos arranjos. Só tinha as canções à guitarra acústica e as letras. Tudo o que está gravado nas músicas e que vai para além disso foi feito lá, e basicamente por impulso, ou seja, eu gravava a guitarra e a voz, e a seguir o Furtado agarrava nos teclados e começava a fazer os arranjos. Era uma coisa muito espontânea, uma resposta muito direta àquilo que ele tinha acabado de ouvir. Íamos trocando ideias e fomos avançando assim, música a música.
Nestas aventuras a meias com o Paulo Furtado, como dividem os papéis?
Eu faço as músicas e as letras. No Califórnia, o Furtado montou a parte de estúdio e gravou o som. Neste disco já teve um papel mais preponderante, ou seja, além de gravar fez todos os arranjos. Tocou todos os instrumentos adicionais que não são a guitarra e a voz lead. Eu gravei só a guitarra acústica e a voz e ele gravou todos os outros instrumentos. Além de engenheiro de som e de produtor, aqui também foi arranjador e instrumentista.
O vídeo também foi feito por vocês…
Sim, foi filmado pelos dois e depois editado pela Ana Viotti. Chegámos cá com as imagens em digital e em super 8 e a Ana montou o vídeo. As fotografias também foram todas tiradas pelo Furtado. Isto é basicamente um microcosmos auto subsistente [risos].
California e Andaluzia: duas viagens, dois EPs. Qual o destino que se segue?
Temos várias coisas na manga, mas não sei quando é que isto pode voltar a acontecer. Para já não vou adiantar muita coisa, mas há pelo menos dois ou três destinos possíveis onde gostávamos de ir. Vamos ver se a vida nos permite ter tempo para nos dedicarmos a esses projetos. Mas isto é algo que pode perfeitamente existir em capítulos espaçados, sem ser algo muito planeado, como por norma são as carreiras dos artistas e das bandas. É um projeto que podemos ir levando avante cada vez que haja oportunidade e vontade de irmos para um sítio criar música num estúdio improvisado. Há aqui duas premissas: viajarmos juntos e criarmos música em sítios inesperados que não sejam estúdios profissionais.
Para além do formato digital e do CD, haverá também uma edição muito limitada em vinil. Porquê esta aposta no vinil?
Primeiro porque somos fãs do vinil, e depois por uma questão de continuidade, porque também lançámos o Califórnia em vinil. A única diferença é que agora o processo foi muito mais manual e, portanto, temos uma edição ultra limitada de 30 discos, que estarão à venda exclusivamente na Casa Tigre, nos Anjos. Cada disco vai ter uma fotografia assinada por nós, é um objeto de coleção. Vai haver também uma edição em CD e em formato digital.
Em maio, apresentas este EP na ZDB. Tens saudades dos palcos?
Gosto muito de fazer concertos a solo porque é uma experiência radicalmente diferente. Por um lado tem-se muito mais liberdade, mas também se está muito mais em perigo. Não há rede de suporte, estás completamente entregue à tua capacidade (ou não) de puxar o concerto para a frente. Quando se toca com banda há sempre alguém que segura as pontas. A solo estás completamente sem rede. Por outro lado, dá-te liberdade de levares as coisas como queres – se queres abrandar numa canção abrandas, se queres acelerar aceleras, se te apetece saltar para outra música podes fazê-lo. Há uma liberdade absoluta de fazeres o que queres a todo o momento, o que é muito entusiasmante.
Para além deste projeto a solo, tens também os Sean Riley & the Slowriders e os Keep Razors Sharp. Como geres tudo?
Há ainda a Casa Tigre, uma loja que tenho com o Paulo Furtado e com o Rai [Keep Razors Sharp, Poppers]. São vários projetos que se gerem com algum esforço e vontade, mas também com algumas privações. Às vezes temos menos tempo útil a nível pessoal, mas costuma dizer-se que quem corre por gosto não cansa. Não acho que seja exatamente assim, acho que cansa, mas é um cansaço bom.