sugestão
Os livros de novembro
Através da literatura, das suas populares comédias teatrais, António José da Silva, “o judeu,” procurou corajosamente, em plena época da Inquisição, afastar o ódio e o preconceito. A primeira sugestão de leitura para o mês de novembro é, justamente, O Judeu, de Bernardo Santareno, obra cimeira da dramaturgia nacional dedicada ao escritor setecentista queimado na fogueira da iniquidade. Bispos e Arcebispos de Lisboa configura um estudo monumental que apresenta 47 biografias de patriarcas, entre 1147 e o início do século XVIII. No seu romance mais recente, O Caso Sparsholt, Alan Hollinghurst dá uma vez mais provas do seu virtuosismo narrativo e da densidade do seu universo ficcional. No estimulante Breve Notas Sobre a Literatura-Bloom, Gonçalo M. Tavares cultiva, de forma brilhante, o seu gosto pelo paradoxo. 12 Regras para a Vida, do professor catedrático de Psicologia Jordan B. Peterson, sugere comportamentos que despertam no leitor o sentido da responsabilidade. Portugal Contemporâneo, de J.P. Oliveira Martins, sobre as Guerras Liberais, é uma obra-chave da historiografia portuguesa. Por fim, Impossível, da multipremiada autora e ilustradora Catarina Sobral, conta a origem do universo aos pequenos leitores, uma espantosa aventura que parece mesmo… impossível.
Bernardo Santareno
O Judeu
“Ninguém é completamente inocente”. Esta deixa proferida pela personagem do Inquisidor-mor na peça o Judeu, de Bernardo Santareno, podia facilmente ser atribuída à polícia política do Estado Novo. Este texto, um dos mais notáveis da dramaturgia portuguesa, cria um paralelo entre as práticas da Inquisição e as do Regime salazarista. Para tal, serve-se da personagem de Cavaleiro de Oliveira, escritor português de setecentos, defensor da liberdade, convertido ao protestantismo e exilado em Inglaterra, que narra e comenta a acção e interpela directamente os espectadores do século XX. Em 1966, Bernardo Santareno parte do romance homónimo de Camilo Castelo Branco e narra a vida do dramaturgo António José da Silva, mais conhecido como “o judeu”, condenado à fogueira pela Inquisição. O protagonista surge representado como o modelo do artista que diz a verdade contra tudo e todos. E, tal como as comédias do “judeu”, mas num estilo muito diferente, também esta obra notável de Santareno “cavalgou sobre o medo, sacudiu ancestrais fantasmas, poeirou o ódio”.
E-Primatur
Bispos e Arcebispos de Lisboa
Bispos e arcebispos de Lisboa apresenta 47 biografias de prelados entre 1147 e o início do século XVIII; os patriarcas a partir de 1716, não incluídos no presente volume, já foram objeto de estudos biográficos. Dirigida pelo investigador do Centro de Estudos de História Religiosa (CEHR) da Universidade Católica Portuguesa, João Luís Inglês Fontes, esta obra monumental propõe uma nova perspectiva sobre a biografia dos bispos que presidiram à diocese de Lisboa, estudando-os na sua relação com o contexto de onde chegaram, origens familiares, percurso de formação, relação com as esferas da administração política e jogos de poder, para além da sua dimensão pastoral, do modo como intervieram nas dioceses. Resultado de quase quatro anos de trabalho de 55 colaboradores, com a coordenação de António Camões Gouveia, Maria Filomena Andrade e Mário Farelo, inclui também a forma como os prelados se fizeram representar ou foram representados: heráldica, tumulária, selos, retratos, os livros que leram, escreveram ou patrocinaram, as obras artísticas de que foram mecenas.
Livros Horizonte
Alan Hollinghurst
O Caso Sparsholt
O jovem e atlético David Sparsholt chega a Oxford, em 1940, e a sua presença afeta de forma decisiva os que o rodeiam. Ao longo de três gerações, do início da Segunda Guerra Mundial aos dias de hoje, o presente romance segue a existência desta personagem e a influência pública e privada que exerceu, através de um denso labirinto de histórias cruzadas que unem o seu grupo de amigos da universidade ao seu filho e neta. Mas este romance é muito mais do que isso. Os livros de Hollinghurst remetem para uma certa tradição literária inglesa (Henry James, E.M. Forster, Evelyn Waugh) e constituem, invariavelmente, uma experiência estética inesquecível: o romancista reflete sobre as relações entre passado e presente, memória e realidade, arte e vida, e escreve com requintada erudição sobre pintura, arquitetura, design, decoração e antiguidades, música e literatura. E, tal como nos romances anteriores, também o tema da sexualidade ocupa um lugar central nesta obra, tema a que o autor associa a tragédia do envelhecimento: a beleza passa, o corpo definha, mas o desejo permanece.
Dom Quixote
Gonçalo M. Tavares
Breve Notas Sobre a Literatura-Bloom
Este livro fascinante assume-se como “dicionário literário”. Porém, na entrada correspondente a dicionário lê-se a seguinte definição: “Toda a literatura-Bloom é feita contra os dicionários. (…) Qualquer palavra poderá sempre significar uma outra coisa”. O autor também escreve que é “no espaço vazio entre as palavras e as letras que a realidade-Bloom existe”. Segundo Borja Bagunyà, escritor e ensaísta catalão que assina o posfácio desta edição, “a ética-Bloom implica tanto o escritor como o leitor (…) Daí que tenha de assumir necessariamente, se quer ser consequente, a forma de dicionário: os conceitos estão aí, mas sob a ordem arbitrária do alfabeto. É a nós que cabe pô-los em relação, submetê-los a uma sintaxe, responderes-lhes. Se tudo correr bem, cada uma destas constelações – cada uma destas frases, destes lançamentos de dados – conformará um livro-Bloom”. Lembremos a definição de livro de Gonçalo M. Tavares: “O livro deverá ser um perigo encadernado. Paginar o perigo não implica organização, é apenas delicadeza”.
Relógio D’Água
Jordan B. Peterson
12 Regras para a Vida
Jordan B. Peterson cresceu na dureza dos desertos gelados da Alberta do Norte (Canadá) e terá sido também daí que vem o seu pragmatismo aplicado a todas as situações. Começou por se notabilizar em grupos de discussão na internet e de uma popularidade crescente decorreu o convite para escrever este livro. Professor catedrático de Psicologia, desenvolveu alguns dos tópicos que lhe tinham trazido mais comentários e elaborou 12 Regras Para a Vida – Um Antídoto Para o Caos. Baseando-se por vezes em exemplos da Bíblia ou do mundo natural, Jordan B. Peterson refere-se a atitudes corporais e comportamentais que despertam no leitor o sentido da responsabilidade firme, primeiro dirigido a si próprio, mas que produzirá igualmente efeitos ao redor. Conta ainda episódios da sua vida, dá exemplos que testemunhou directamente (em situações familiares, por exemplo), sem conceitos elaborados ou exposições esotéricas. Muitas práticas são baseadas no que tradicionalmente se aplicava e hoje é posto em causa com a relativização do conceito moral de ordem. Jordan B. Peterson recentra a nossa atenção no essencial à medida que a leitura avança. RG
Lua de Papel
Portugal Contemporâneo
J.P. Oliveira Martins
Oliveira Martins traça, nesta obra que culmina no período da Regeneração (1851-1868), um retrato da guerra civil que dilacerou o país na sequência da morte de D. João VI, conflito que passou à História com o nome mais conhecido de Guerras Liberais, que opuseram absolutistas (os partidários de D. Miguel) a liberais (os partidários de seu irmão, D. Pedro, antigo imperador do Brasil e que em 1826 se aclamou rei de Portugal, como D. Pedro IV). O conflitou lavrou durante 6 anos, mas teve sequelas que resultaram em mais algumas décadas de lutas intermitentes, de golpes e contragolpes, com consequências terríveis para o país, devastado (na sua agricultura e na economia), dividido e endividado (devido aos sucessivos empréstimos pedidos para financiar o reino). Oliveira Martins, figura-chave da historiografia portuguesa, termina a presente obra com uma conclusão que se podia aplicar, mutatis mutandis, a tantos outros períodos históricos nacionais anteriores e também, desgraçadamente, posteriores: “Assim estão as classes que nos governam; e até hoje, força é dizer que o povo não descobriu ainda meio de se libertar delas. Nem descobriu o meio nem demonstrou a vontade. Dorme e sonha? Ser-lhe-á dado acordar ainda a tempo?” Esta edição conta com várias notas e apêndices que ajudam a contextualizar o leitor contemporâneo.
Bookbuilders
Catarina Sobral
Impossível
Antes de nós existirmos, há quase catorze mil milhões de anos, o Universo estava contido num minúsculo ponto final. (como este) – Pois é, parece impossível mas foi mesmo assim que tudo começou. Não se sabe como apareceu, mas sabe-se que o Universo teve origem num espaço mais pequeno que a ponta do lápis mais afiado do mundo! Em Impossível, o mais recente livro de Catarina Sobral, explica-se o nascimento do Universo aos mais pequeninos, desde o Big Bang ao aparecimento do homem, através de uma longa viagem entre partículas, estrelas e dinossauros. A autora e ilustradora, que também faz cinema de animação e tem participado em vários festivais, exposições e feiras nacionais e internacionais, já recebeu múltiplos prémios, nomeadamente o Prémio Internacional de Ilustração da Feira do Livro de Bolonha, em 2014, com o livro O meu avô. Agora, Catarina Sobral presenteia os miúdos – e graúdos – com Impossível, criado a partir do espetáculo com o mesmo nome. Dá mesmo para acreditar que tudo começou quando tudo estava no mesmo sítio? Parece impossível! ARV