reportagem
Mercados do Vinil
Sete propostas para comprar discos em Lisboa
Quando nos anos 1980 surge o CD e os sistemas de som pequenos e discretos, julgava-se que o vinil caminharia a passos largos para a extinção. As editoras tratavam de impor esta hierarquia e o vinil fazia o seu caminho de resistência num circuito paralelo de lojas de rua. Nos últimos anos o consumo massificado da música converteu-se ao streaming e as pessoas armazenam quantidades infinitas de canções em drives, boxes, clouds e pens, abdicando do culto do objecto para reunir mais e mais informação por menor valor. É aqui que aos resistentes do vinil se junta um novo tipo de comprador de discos, vulgo hipster, a dar renovada força e uma segunda vida ao vinil. Fora da realidade megastore, as lojas alternativas parecem ter-se organizado em rede (Lisbon Records Shops). Foi por aí que seguimos, recolhendo impressões junto de sete responsáveis de loja, entendidos no assunto.
LOUIE LOUIE (Escadinhas do Santo Espírito da Pedreira 3)
A loja de Lisboa surge em 2007. Já existia uma Louie Louie no Porto. Jorge Dias era sócio dessa loja e também tivera quota na Carbono. A Louie Louie considera-se uma alternativa às megastores. O vinil veio representar uma salvação para as lojas do género. O substancial aumento do turismo em Lisboa também. Os estrangeiros compram mais, mesmo que em quantidades que levam em conta a viagem de regresso. Jorge Dias distingue três tipos de cliente: o que só compra discos novos, o que só compra usados, e aquele que procura um disco em particular e está-se nas tintas se é novo ou usado. Enquanto falávamos tocaram na loja o Homogenic de Björk e o primeiro álbum homónimo de Caetano Veloso. Da música editada em 2018, a casa recomenda a banda-sonora de Thom Yorke para o remake de Suspiria e o surf-pop com boa onda dos Khruangbin (Com Todo el Mundo).
FLUR (Avenida Infante D. Henrique, Armazém B, loja 4)
A Flur existe desde 2001 e mantém a mesma morada próximo da discoteca Lux Frágil. A loja valoriza a familiaridade que criou com os clientes que nunca trocaram a compra de discos na Flur pelo comércio online. A Flur tem também um site que funciona sobretudo como montra e que juntamente com a newsletter semanal é a única promoção que fazem. Os discos de vinil representam o dobro da faturação relativamente ao CD. Novos custam sensivelmente o dobro do preço também. A música que se escutava na loja naquele momento pertencia ao disco Izlamic Songs, de Muslimgauze. Na altura de escolher discos importantes editados em 2018, Zé Moura, responsável da Flur, referiu o álbum Belzebu, dos Telectu, e Taipei Disco, com inéditos do projecto DWART, ambos com o selo Holuzam, editora muito recente que pertence aos três atuais sócios da Flur.
VINIL EXPERIENCE (Rua do Loreto 65)
O espaço corresponde à designação de sobreloja: “pavimento, geralmente de pé-direito baixo, que fica entre a loja ou rés-do-chão e o primeiro andar”. Na prática é como se José João (Jota) nos recebesse numa divisão da própria casa. Os discos encontram-se de algum modo ordenados mas de certeza que só o responsável consegue localizar algo em específico. Fecham dois dias na semana (3.as e 4.as), além dos domingos. Escutámos durante a conversa uma banda de tributo a Jimi Hendrix, The Purple Fox, e os modernos psicadélicos King Gizzard & the Lizard Wizard. Jota também puxou a brasa à sua sardinha no momento de escolher um disco recente que o tenha marcado: é que o EP 909DemocrashDrug dos portugueses Democrash é edição com selo partilhado pela Raging Planet e pela Vinil Experience.
GLAM-O-RAMA (Rua do Viriato 12)
A Glam-O-Rama foi a porta de entrada de Luís Lamelas em Lisboa. Há 4 anos isso tornou-se realidade. Há menos tempo conseguiu negociar com o proprietário do espaço um valor realista para a renda e a Glam-O-Rama mudou-se para onde antes tinha sido a VGM. A loja promove ainda a apresentação de discos, sessões de autógrafos e concertos acústicos. Conversámos com ele no começo do trabalho e a loja estava em silêncio. Momentos depois já se escutava o surf-rock instrumental de Head Shrinkin’ Fun dos Bomboras. A Glam-O-Rama fatura aproximadamente o mesmo entre CD e vinil; o CD usado está a recuperar terreno por ser mais barato. A conversa termina com a escolha da reedição do álbum A Wind of Knives dos Zygote como um disco importante de entre os muitos que Luís Lamelas ouviu recentemente.
CARBONO (Rua do Telhal 6B)
A Carbono foi a primeira loja de discos usados a surgir em Portugal, corria o ano de 1993. Aquilo que logo impressiona quem entra no espaço da Rua do Telhal é a sua dimensão. Podemos circular à vontade embora estejamos cercados por discos a cada canto e no centro da loja. E há mais material para ver e comprar no rés-do-chão. Para o responsável da Carbono, o vinil está na moda. Os particulares que guardam as boas edições não querem vender e o mercado é cada vez mais atravessado por reedições que não têm o mesmo valor. Também nos diz que qualquer loja por regra vende mais CD que vinil. O preço tem um papel decisivo na equação. A música que se ouvia pertencia ao “bootleg” With your host Bob Dylan 2007/2008. O disco de 2018 que João Moreira escolheu para nós foi Knock Knock, de DJ Koze.
TABATÔ (Rua Andrade 8A)
Entra-se na cooperativa Crew Hassan, desce-se umas escadinhas e damos com a Tabatô. O responsável é o francês Bastien que visitou Portugal em 2010, para fazer uns trabalhos como DJ (world music, reggae), e voltou para ficar. A loja abre em 2015. Os clientes procuram discos raros, música africana, dos PALOP, e recebe muita gente de França, Alemanha e Holanda. A Tabatô fecha aos fins-de-semana e isso talvez explique que segundas e sextas-feiras sejam os dias de maior afluência. Quando falámos com Bastien a loja estava a minutos de abrir e a música chegava do andar de cima onde uma rádio passava The War on Drugs. Bastien escolheu para nós, entre as suas descobertas mais recentes, os álbuns A Regra do Fogo, de Luís Cília, e o maxi-single muito raro do cabo-verdiano Vera Cruz Pinto (funaná).
DISCOLECÇÃO (Calçada do Duque 53)
Após permanência em três outros espaços da cidade, a Discolecção fixou-se na Calçada do Duque. O espaço estava cheio. Escutava-se “a plenos pulmões” The Bracknell Connection, do Stan Tracey Octet, jazz britânico dos anos 1970. Vítor teve sempre e exclusivamente vinil, mas agora podemos encontrar numa área nobre da Discolecção dezenas de CD que em nada divergem do critério geral. É cada vez mais difícil encontrar material desta qualidade em particulares. Vítor continua a deslocar-se à feira de Utrecht que diz ser a maior e mais importante para este mercado. Confia no material exposto, no efeito surpresa e na capacidade de fazer regressar os que ali passam e compram. Escolhe de entre as últimas coisas que o surpreenderam, A Meditation Mass (1974) dos germânicos Yatha Sidra, e Your Daily Gift (1971) dos dinamarqueses Savage Rose. Ambos no género que Vítor Nunes mais aprecia, o rock clássico e suas variantes.