Helena Lapas
Poética das Superfícies e Marcas do Tempo - Parte II
Em contraponto às peles sensíveis expostas simultaneamente na Galeria Ratton, as obras expostas na Sala dos Minerais do Museu Nacional de História Natural e da Ciência assumem uma dimensão objectual. Nas peças na Sala dos Minerais temos não uma pura superfície, mas presenças no espaço enquanto superfície. À leveza e tensão bidimensional do primeiro conjunto de obras, contrapõe-se agora uma sugestão de dureza, peso e massa. Em Helena Lapas a bidimensionalidade sempre se assumiu como 3ª dimensão, como objecto físico, mesmo quando se esticava em esforço de bidimensionalidade, porque as suas superfícies sempre foram assumidas como películas ou peles. Estas peles são um dos materiais privilegiados e têm implicações processuais. Antes de tudo, porque interferem directamente com uma superfície prévia sobre a qual se inscrevem, porque concorrem com ela. Não são uma linha ou mancha, uma inscrição sobre a superfície, porque são também a materialidade de uma superfície-pele que se lança sobre outra superfície que ao a receber se revela também como pele. Na sua obra é difícil ter uma superfície primeira, sobre a qual tudo o resto se sobrepõe.
No que consideramos ser uma miscigenada herança da collage e da tapeçaria, assume-se a materialidade tridimensional destas peles bidimensionais, de modo que a pele se conjuga com a pele, a superfície se lança à superfície. Contudo, se há uma tradição da collage cubista, não se trata no caso de uma collage a invadir a pintura porque o que se concebe enquanto imagem é um expressiva superfície exclusivamente concebida por esses materiais. Não se trata de riscar ou de colocar pigmentos sobre uma superfície, nem de superfícies sobre suportes tradicionais do desenho e da pintura, mas de superfícies sobre superfícies, peles sobre e com peles. Estas trazem consigo cores, texturas…. que são marcas ou cicatrizes, que assumem tempos e identidades próprios que tanto resistem como desafiam. As manchas não se inscrevem sobre a superfície, porque são já territórios, marcas de e em superfície que não querem assumir uma superfície primeira e original – porque todas já o são em todas as fases do trabalho de Helena Lapas. Há um gosto operativo de cobrir, de tapar o que já é superfície com outras superfícies. Neste trabalho de peles-superfície actua um gesto que não é o tradicional de inscrição sobre um suporte. É um gesto que age sobre essa dimensão de pele bidimensional, mas que se manipula com consciência tridimensional enquanto objecto bidimensional: porque estas peles estendem, esticam ou cobrem… sejam essas superfícies (que são já material objectual), sejam esses volumes (que são as superfícies que as envolvem definindo-as como corpo. Vamos assumir que, desde cedo, sempre houve em Helena Lapas uma simbiose entre dimensional e tridimensional – o que recentemente entrou em jogo foi o uso do volume físico, com as peles a começarem a envolver corpos que ocupam massa no espaço, sulcando concavidades e convexidades, como se as suas peles quisessem passar de uma actuação dentro da moldura para outra no interior do espaço, de um espaço severo que ela próprias vão modelar.
Fernando Rosa Dias
Terça a sexta, das 11h às 18h, sábado e domingo, das 15h às 19h
Visita guiada 25 janeiro, às 15h | Marcação: 213 460 948
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