Perfume

Lidamos regularmente com o nosso corpo como se tratasse de um material moldável aos nossos ideais. Apesar da sua materialidade, intuímos a sua qualidade imaterial, a nossa essência. Procuramos com uma roupa, uma joia, um perfume, colmatar uma falta, evidenciar uma qualidade: preencher, completar, recriar, transformar. Ser um momento novo, renovarmo-nos. E momentos há em que o nosso corpo e nós se mesclam como os aromas num campo. Que caminhamos sem nos apercebermos que estamos nele: leves, distantes da nossa própria gravidade.

É quando essência e perfume, corpo e veste, joia e desejo, partilham a mesma definição, que são um só. Outros momentos há em que a identidade é pesada, e a articulação dos nossos passos, desfasada da nossa vontade. Então procuramos mudar de disposição. Voltamos ao adorno, perfumamo-nos, maquilhamo-nos com outra expressão, vestimos outro modelo. Queremos momentaneamente esquecer o peso próprio da nossa condição. Uma forma de resgate? Que nos transporta para o plano da idealização, ao mesmo tempo que nos firma numa realidade melhor? Um desejo certamente será.

Leonor Hipólito, 2022

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