João Maurício Brás
Os Novos Bárbaros – A Moral de Supermercado
O leitor desengane-se que não encontrará este livro nas grandes superfícies. Doutorado em Filosofia, João Maurício Brás, é figura notada nas redes sociais, que incendeia com o seu sarcasmo e iconoclastia. Ao terceiro livro na Opera Omnia, após O Mundo às Avessas (2018) e Os Democratas que Destruíram a Democracia (2020), dá-nos nova obra séria e totalmente pessimista. Seguindo a linha de pensamento de Emil Cioran, Philippe Muray e Nelson Rodrigues, Maurício Brás não poupa nas mais duras palavras ao fazer o diagnóstico do fim da Civilização em curso. As nossa vidas, todas voltadas para o presente, para as hipérboles criadas pela comunicação social que se esvaziam à hipérbole seguinte; para a submissão ao politicamente correto, às políticas identitárias, e ao endeusamento do mercado livre, desembocam no supermercado em que se transformou o mundo, e segundo o autor, são indícios do enfraquecimento das relações humanas e de uma “existência que valorize a dignidade e a decência”. João Maurício Brás recomenda ainda que cada indivíduo se proteja deste tempo caótico. Opera Omnia
Manuel Alegre
Tentação do Norte
“Por um lado, parece-me que não é muito curial tentar perceber o que na obra de um autor é ou não ficção. Não digo verdade, nem realidade, já que, em meu entender, a ficção pode ir mais fundo que a realidade e ser mais verdadeira que a verdade, passe a expressão”. Tentação do Norte, a mais recente novela de Manuel Alegre, é uma variação, em prosa poética, sobre os temas da realidade e da ficção, da memória e da imaginação (“Esta é a verdade, se é que tudo não é ficção de ficção, fruto do muito imaginar”). A procura de algo que só existe no passado (“numa praia batida pelo vento ao norte do Norte”), numa história de separação amorosa, de luta e de resistência política. E a noção de que com esse passado se foi ”um tempo, uma cultura, um imaginário”. Uma prosa “que não passa de um esboço, uma tentação poética de encontrar-me contigo naquela praia que, já sabes é sempre ao norte do Norte”, mas que contém já a dolorosa consciência de que “os velhos que somos não podem abraçar os jovens que naquele dia se separavam.” Dom Quixote
Nuno Saraiva
Diário de uma quarentena em risco
Nuno Saraiva, ilustrador, cartunista e autor de banda desenhada, confinado devido à pandemia do coronavírus a partir de 10 de maio de 2020, decidiu dar-se ao luxo de fazer algo que há décadas não conseguia: desenhar “só pra si”. Resolveu desenhar um cartune por dia, partilhado apenas pelos seus seguidores do Facebook e Instagram. Este diário desenhado somou perto de 150 cartunes, dos quais, o autor, selecionou 100 para este livro. Alguns deles conseguiram notoriedade imediata e tornaram-se virais, outros deram origem à polémica – “incompreendidos pelos amigos, deturpados por desconhecidos, atacados por haters militantes, e até alvo do algoritmo censor”. A pandemia é o tema omnipresente nesta série de desenhos, mas o futebol, a religião ou a política (“Não serão alguns políticos os melhores ilusionistas? E não serão os cartunistas aqueles chatos que, em palco, se levantam para questionar o truque do ilusionista?”) não escapam ao olhar mordaz e ao traço inconfundível do cartunista. O talento, a presença de espírito, a inteligência e o humor de Saraiva põem a quarentena em risco! PIM! Edições
George Bernard Shaw
As Aventuras de uma Negrinha à Procura de Deus
Publicada aos 82 anos de idade, As Aventuras de uma Negrinha à Procura de Deus, novela fortemente inspirada no Candide de Voltaire, é o último grande êxito do dramaturgo George Bernard Shaw. A intenção inicial de Shaw era escrever uma peça, mas na impossibilidade de encontrar um palco onde mostrar a negrinha nua, “bela criatura de pele acetinada e músculos reluzentes que faziam a raça branca dos missionários parecer feita, por contraste, de acinzentados fantasmas”, optou por uma prosa ficcionada. A negrinha, convertida por uma missionária, aventura-se a percorrer a selva africana à procura de Deus, acompanhada por uma moca e guiada por uma Bíblia. Após uma sucessão de encontros divinos e profanos, resolve seguir o conselho de Voltaire, cultivando o seu jardim e cuidando dos seus filhotes, desistindo de obter a explicação total do universo. Shaw satiriza, de forma provocatória, a religião e “as várias etapas no desenvolvimento da conceção de Deus”, o colonialismo e o racismo dos ingleses, num cenário que sugere o da União Sul Africana, feroz no seu apartheid. Sistema Solar
Melanie Klein e Joan Riviere
Amor, Ódio e Reparação
Amor, Ódio e Reparação pretende transmitir em linguagem corrente alguns dos processos mentais mais profundos que estão na base das ações e dos sentimentos quotidianos de homens e mulheres normais. Considerando que a psicologia humana é determinada pela constante interação entre impulsos afetuosos e impulsos de ódio e agressão, as autoras fazem remontar muitas das particularidades do adulto às suas origens na infância e mostram muitas características do adulto que são prova da persistência de modos precoces de pensar. Obra em duas partes, na primeira Joan Riviere analisa o ódio, a avidez e a agressão; na segunda, Melanie Klein examina as forças do amor, da culpa e da reparação. As autoras mostram também que, ao longo da vida, o adulto engendra infindáveis modos de adaptação – subtis, complexos – para encontrar um equilíbrio entre as forças vivificantes e os elementos destruidores da natureza humana. Incursão inédita pelo campo da psicanálise à data da sua publicação original, 1937, este é um clássico que não foi ultrapassado nem na atualidade científica, nem na pertinência. IUI- Imprensa da Universidade de Lisboa
Leroi Jones (Amiri Baraka)
Música Negra
Leroi Jones (1934-2014), mais tarde Imamu Amiri Baraka (líder espiritual, príncipe abençoado), foi poeta, dramaturgo, crítico musical, ativista político, membro destacado do movimento beatnik e do Black Power. Redigiu inúmeros artigos sobre racismo, colonialismo e música afro-americana. Nesta coletânea de ensaios, originalmente publicada em 1967, descreve a cena do free jazz norte-americano dos anos 60. Num exercício radical de crítica musical, procura traduzir em palavras a liberdade de improvisação de um género que, em seu entender, deve ser percecionado enquanto expressão de uma atitude sobre o mundo, e não somente como uma forma de fazer música. Neste contexto, escreveu: “Já o músico negro, ele pega no seu instrumento e começa a tocar sons em que nunca antes havia pensado. Improvisa, cria, vem-lhe de dentro. (…) Logo, ele também consegue fazer o mesmo se lhe derem independência intelectual… Pode inventar uma sociedade, um sistema social, um sistema económico, um sistema político que seja diferente de tudo o que existe neste planeta. Vai improvisar, fazer nascê-lo de dentro de si.” Orfeu Negro
O Hospital Real de Todos Os Santos: Lisboa e a Saúde
O terramoto de 1755 foi fatal para o Hospital Real de Todos os Santos, um marco no centro da cidade que viria a ser completamente desativado vinte anos depois, pondo fim a uma história de quase três séculos. O icónico edifício e o papel que teve na sociedade lisboeta podem agora ser revisitados graças a uma obra de investigação e divulgação recentemente editada, produto de uma parceria entre a Câmara Municipal de Lisboa e a Santa Casa da Misericórdia. A obra congrega uma investigação multidisciplinar, recorrendo à arqueologia, arquitetura, farmacopeia e políticas de saúde pública, entre outras, para oferecer uma visão global e profunda daquele que foi um projeto de vanguarda à data da sua fundação, em 1492. O livro será lançado e disponibilizado brevemente. TCP Câmara Municipal de Lisboa/Santa Casa da Misericórdia
Carla Simões
A Origem do Cinema contada aos sobrinhos
Catarina e Vasco vão uma vez por mês a um cinema antigo, nos Restauradores, levados pelo tio André, cinéfilo convicto. No Salão Foz, já viram filmes mudos acompanhados ao piano, com um senhor de bigodinho muito engraçado, com um chapéu de coco e uma bengala. Foi lá que ficaram a saber que o cinema é feito de fotografias. Perante o espanto dos sobrinhos com tal informação, o tio André decidiu contar-lhes a história do cinema, e, juntos, embarcaram numa autêntica viagem no tempo. Este livro, ilustrado por Anna Bouza da Costa, é a mais recente edição da Cinemateca Portuguesa publicada no âmbito das atividades do serviço educativo da Cinemateca Júnior, onde a autora, Carla Simões, trabalha. A origem do cinema contada aos sobrinhos tem revisão científica de José Manuel Costa, diretor da Cinemateca. Cinemateca Portuguesa
Quando olha para o panorama das artes performativas de há 25 anos (1997, o ano da fundação das Produções Real Pelágio) e de hoje, que reflexões lhe surgem dessa comparação?
Muitas coisas melhoraram, mas muitas continuam exatamente na mesma. Há 25 anos, andei com o coreógrafo Francisco Camacho porta a porta pelo país fora, a tentar convencer programadores e presidentes/vereadores de câmara a apresentarem os nossos espetáculos. Queríamos teimosamente provar que a dança que se fazia na altura em Portugal poderia ser vista por qualquer pessoa, de norte a sul, inclusive elaboramos um “dossier de circulação” que disponibilizámos depois à comunidade; um esforço enorme cuja repercussão ainda hoje a sentimos. Muitos dos nossos coprodutores dessa altura continuam a receber-nos.
Em Portugal, a dança tem um lugar evidente nas artes performativas, existem muitos mais coreógrafos jovens a trabalhar nesta área, existem muitos mais festivais, pequenas associações, estruturas de artistas que apoiam outros artistas, ou seja, a comunidade cresceu muito e isso é muito positivo. O que mudou muito pouco ou nada é que infelizmente os nossos políticos, independentemente dos partidos a que pertencem, continuam a não alterar o orçamento para a Cultura, continuamente subvalorizado, o que faz com que companhias e associações de artistas vejam os seus projetos acabar por falta de recursos, ou façam uma ginástica inadmissível para sobreviverem (e muitos não conseguem), para continuarem e para adaptarem os seus projetos à precariedade.
Muito sinceramente, acho que a falta de interesse nesta área é evidente! Quantas pessoas, ministras, ministros, deputados vimos nas salas de espetáculos? Lamento dizer, mas raramente, e isto prova realmente onde estamos ainda…
Outra dificuldade que encontramos e que persiste na área da educação pelas artes, e é evidente no projeto das Produções Real Pelágio, e certamente em muitas outras estruturas que trabalham paralelamente estas duas grandes áreas é, se por um lado o Ministério da Educação (ME) considera que o nosso trabalho, por sermos maioritariamente artistas, deveria ser mais apoiado pelo Ministério da Cultura (MC); o MC entende que o ME deveria apoiar-nos mais porque o nosso projeto inclui crianças, jovens e toda uma vertente mais pedagógica. Isto não faz sentido nenhum. A educação pelas artes acaba sempre por ser uma área por vezes invisível. O esforço em trabalhar com escolas, direções e crianças, é enorme, e nós acreditamos que é imprescindível este contacto e que deveria chegar a todas as escolas, mas sentimos que não é valorizado e apoiado de forma consistente.
Como perspetiva os próximos anos de atividade das Produções Real Pelágio (PRP)?
Neste momento, temos uma equipa extraordinária, e tudo o que fazemos deve-se a muito diálogo, muita reflexão constante entre todas e todos. O núcleo principal são seis pessoas, mais seis professores regulares que trabalham nas escolas A Voz do Operário (VO), nossa parceira há cerca de 10 anos, e a Escola Básica do Castelo, a que se juntam pontualmente vários artistas com quem trabalhamos projeto a projeto.
Este ano, pela primeira vez, conseguimos ter contratos de trabalho (três a tempo inteiro e três a part-time), o que é incrível. Estamos no Teatro da Voz (espaço cedido pela escola VO, uma parceria exemplar inédita entre artistas e uma escola), que é a nossa sede, onde para além dos nossos ensaios e de vários projetos e artistas que apoiamos, temos o Centro de Formação Artística, onde damos aulas extracurriculares para além das aulas que levamos às escolas.
Finalmente temos um site atualizado disponível… e muitos projetos na cabeça. O que espero sinceramente é que o MC compreenda que existem muitos projetos tal como o nosso, que não podem, nem devem deixar de ser apoiados quando elegíveis, por falta de visão e de investimento político e estratégico, mas é o que acontece. E acabam assim de um dia para o outro. As Produções Real Pelágio já estiveram para acabar várias vezes, para destruir a equipa porque o dinheiro não chega, mas graças a apoios de coprodutores e a apoios sustentados e continuados como o da Câmara de Lisboa e outros, continuamos a resistir, mas não sem grandes ansiedades. Temos um percurso, isso é garantido e é uma conquista feita à custa de muito esforço.
Quais dos protagonistas da Dança pertencentes à sua geração considera seus “companheiros de estrada”, e que tipos de ligação mantêm hoje uns com os outros?
Gosto muito de trabalhar em dupla, acho que penso melhor! Quando tenho a oportunidade, gosto de partilhar as minhas dúvidas constantes, pois duvido muito do que penso, da maneira como danço, daquilo que faz sentido apresentar num palco, constantemente. Esse diálogo para mim é imprescindível. Acho que pessoas muito importantes para mim foram, sem dúvida, o João Fiadeiro, a Vera Mantero e tantos outros.
No entanto, há três pessoas que destaco, meus parceiros indiscutíveis e que determinaram tudo o que fiz e faço, e me mudaram e me ajudaram a ser quem sou! Artisticamente, e não só. Uns pelos longos anos com que trabalhei e trabalho, mas também pela a intensidade que envolveu cada colaboração, a cumplicidade existente:
O Luís Filipe Quitas, dramaturgo, ator (1964-2016), coautor da encomenda para o espetáculo POUR BIEN. Eu tinha 23 anos, e este espetáculo foi o culminar de todos os meus devaneios e inquietações resultantes de uma adolescência muito intensa, sofrida, mas com momentos inesquecíveis e muito bons. Aos 15 anos fui viver sozinha para Londres, e foi regressar a Portugal e querer colocar tudo num mesmo espetáculo, quase como a minha apresentação a uma nova comunidade que começava a conhecer… Com o Filipe aprendi que tudo é possível colocar em palco, desde o mais foleiro ao mais erudito, desde que bem sustentado! O Filipe ensinou-me que tudo é possível, que a nossa imaginação não tem limites e essa liberdade marcou-me profundamente e para sempre.
Outro é o Sérgio Pelágio, cofundador das PRP, coautor e músico de vários espetáculos, parceiro numa digressão de cerca de 300 espetáculos durante 25 anos, entre os quais a trilogia da Sra. Domicília, personagem que ambos construímos quando estávamos a estudar em Nova Iorque e que durante cerca de 15 anos apresentámos em diferentes locais, de festivais de pequena e grande dimensão a espaços alternativos, aceitávamos tudo! Queríamos na altura provar que a dança portuguesa poderia circular! Muitas digressões em Portugal e no estrangeiro, éramos a certa altura quase uma “banda rock”, até conseguimos comprar uma carrinha para as nossas digressões. Neste momento, o nosso percurso é mais independente, mas aquilo que aprendi com o Sérgio está sempre em tudo o que faço! Durante muitos anos costumava dizer que as ideias, as grandes ideias dos vários espetáculos sempre foram do Sérgio, eu limitava-me a colocá-las na prática e sempre foi assim… o Sérgio era muito mais do que um músico, escrevia guiões, trabalhava a dramaturgia, dava ideias para ações, adereços, maneiras de me movimentar, etc…
E o Francisco Camacho, com quem há uma relação artística e de amizade de 30 anos. Foi a coreógrafa, bailarina e grande produtora (do Festival Danças na Cidade), a Mónica Lapa, que me apresentou ao Francisco quando regressei de Londres onde tinha estudado dança durante cinco anos, tinha 20 anos e não conhecia ninguém. As colaborações entre nós durante este 30 anos foram muitas: Bute-Bute (1992) onde o Francisco foi meu intérprete e seguidamente fui intérprete de vários espetáculos dele (Live-Evil, Andiamo!, Lost Ride, e recentemente VELHⒶS), para além disso coabitámos (EIRA e PRP) um mesmo espaço de trabalho durante cerca de oito anos. Ainda colaborámos ambos como intérpretes num espetáculo (Espiões) de Filipa Francisco. As afinidades são evidentes, artísticas, estéticas, mas também a outros níveis, que partilhamos regularmente, como por exemplo ao nível da produção do nosso trabalho. Com o Francisco, durante os ensaios há por vezes uma empatia muitas vezes quase telepática, ele comenta algo e era exatamente isso que eu queria dizer… Quando convidei o Francisco para coreografar um solo para mim, o Lost Ride, foi precisamente porque adorava e adoro a maneira como ele me dirige, diz-me as coisas que preciso ouvir, dando-me liberdade e ao mesmo tempo sempre exigindo grande rigor. Admiro profundamente o trabalho dele e o seu olhar exterior nas minhas últimas criações (A Laura quer!, e este Concerto n.º1 para Laura) determinam certamente o resultado.
No balanço a que se impôs durante a pandemia, passou-lhe pela cabeça largar tudo e dedicar-se a outra coisa?
Sim e não! Não sou uma desistente, nunca fui, sou muito teimosa, quando está tudo “a cair” sou daquelas que vê sempre ainda uma solução! Tive momentos muito trágicos na minha vida (pessoais e profissionais), mas quem não tem? Sinto-me sempre uma privilegiada e nos momentos piores tento sempre pensar que há pessoas em situações muito piores e são muitas.
No entanto no primeiro confinamento, tal como todo o mundo, andava perdida, pensava que a fazer outro projeto era urgente arriscar muito, era esta a altura, quis estar mais presente dentro da comunidade, porque acabamos por partilhar muitas vezes dentro de uma equipa, e deixar mais de lado uma comunidade incrível de artistas à nossa volta; juntei-me à ação cooperativista e quis ajudar outros que precisavam mais. Foi muito importante, e ainda é, este grupo informal que continua em voluntariado a ajudar… Mas passei momentos muito solitários, as PRP estavam nesta altura num impasse, o Grupo 23: silêncio! (uma digressão via-se obrigada a ser interrompida e por questões de falta financiamento tinha de ser extinto), mais uma vez não tínhamos sido apoiados pelo MC apesar de elegíveis e era altura de restaurar tudo novamente, despedir pessoas, etc… e com a pandemia tive uma onda de pessimismo enorme, salvou-me como me salva sempre ir para o estúdio e dançar, pesquisar, cantar, incentivar e isso acalmava-me. Ainda sem tudo certo, mas tentava retirar forças para continuar e uma coisa era certa, não queria ficar sentada no sofá a ver o mundo a colapsar, tinha de agir!
O que distingue a receção ao seu trabalho em Lisboa, no resto do país, e no estrangeiro?
Tenho tido experiências muito diferentes, festivais muito ecléticos e salas muito informais, escolas… e esse confronto interessa-me muito! O que é que as pessoas retiram que aos profissionais às vezes lhes escapa? As crianças e os jovens às vezes diziam pelo seu lado mais ingénuo, e até por vezes corrosivo, aquilo que precisava de ouvir para alterar algo, para compreender o que estava a fazer (um desenho de uma criança chegou a ter a chave para o final de um dos nossos espetáculos – o Tritone). Em relação ao estrangeiro, como raramente somos conhecidos, há um lado também muito original. Por exemplo, quando fomos ao Brasil (Festival Panorama, a convite da curadora e produtora Catarina Saraiva) ou um festival em Liubliana, onde apresentámos o Casio Tone há alguns anos. Foram momentos especiais e inesquecíveis.
Quem foi a pessoa que mais lhe abriu a cabeça para tudo o que é possível fazer num palco?
Há três pessoas, como disse anteriormente, mas se tiver de nomear uma só, foi o Sérgio Pelágio.
Concerto nº. 1 para Laura oscila entre a melancolia, a energia xamânica que parece desejar um qualquer exorcismo, e um registo paródico que desconstrói estereótipos da cultura popular. Concorda com esta leitura?
Gosto da sua interpretação e fico contente pela sua visão sobre este Concerto. Sempre gostei de abordar questões sérias de uma forma por vezes brincalhona! Neste espetáculo, revejo momentos trágicos e muito hilariantes do meu percurso… mas, para não tornar este espetáculo demasiado autobiográfico (nunca foi essa a intenção), o facto de trabalhar com dois intérpretes mais jovens que nunca viram os espetáculos anteriores da Real Pelágio, espero ter conseguido retirar alguma melancolia inevitável.
Gosto de misturar materiais improváveis num mesmo contexto, por exemplo, citações musicais de Erik Satie e Igor Stravisnsky, juntamente com canções como Set the world on fire, (The Ink Spots) ou You dont know what love is (Don Raye/Gene DePaul) ou ainda canções originais de Sérgio Pelágio como é o caso de Pour Bien (Pour Bien/1995) e Ahora No (Road Movie/1996). Baralhar, rir e chorar ao mesmo tempo…
Não sendo música nem cantora, a música sempre teve um papel fundamental na minha vida, ouvia muito música punk na minha adolescência, mas também rock, jazz, música clássica, contemporânea, mas também alguma música foleira abraçava diferentes géneros musicais. Considero-me uma pessoa foleira. Gosto de sentir a liberdade de poder misturar materiais improváveis e, eventualmente, pouco coerentes vindos de uma mesma pessoa. Sim, desejo mudança, desejo que o que faço transpire essa vontade de agir e de querer transformar… se isso for evidente, fico muito contente!
O que procura transmitir aos bailarinos mais jovens, como a Beatriz Valentim e o Magnum Soares, que consigo colaboram neste espetáculo?
Procuro dar-lhes toda a confiança para não desistirem, que na idade deles é possível passarem momentos mais precários e financeiramente questionarem a profissão, mas com o talento que ambos têm, não devem desistir! Dizer-lhes sempre que nunca devemos colocar nada em palco que não tenhamos certeza de que chegamos ao melhor possível… não ter demasiadas certezas! A dúvida é saudável. E falar de coisas sérias a brincar também é fundamental! Nunca se levarem demasiado a sério! Nas suas ideias e na vida em geral.
Quem é Laura, nome por mais de uma vez citado nas suas criações?
Esta reposta não posso dar. É um enigma. Cada espetador retirará as suas conclusões, mas para isso terá de ir ver! É uma espécie de MacGuffin, uma ideia que veio também de todo o nosso fascínio (meu e do Francisco) pelo cinema em geral, e muitos realizadores que ambos admiramos profundamente, a exemplo Ingmar Bergman, Hitchcock, Tarkovsky, Kubrick, Cassavetes, e tantos outros. No início dos nossos processos começamos sempre por ver muitos filmes e levamos, de alguma forma, estes imaginários para dentro dos ensaios e das improvisações. E é a segunda vez que este nome surge no título de um trabalho nosso.
A Agenda Cultural de Lisboa esteve à conversa com responsáveis por cinco galerias – das mais clássicas às mais alternativas -, por uma associação e por uma instituição, que nos falam dos seus espaços e da relação que estabelecem com os artistas que promovem.
Francisco Pereira Coutinho
Galeria de São Mamede
A Galeria de São Mamede abriu portas há 53 anos, pela mão de Francisco Pereira Coutinho (pai). Por ali passaram, entretanto, praticamente todos os nomes da pintura moderna e, sobretudo, contemporânea portuguesa, como Maria Helena Vieira da Silva, tendo também contado com exposições pontuais de artistas estrangeiros, como o grupo COBRA.
Atualmente, o responsável pela galeria é Francisco Pereira Coutinho (filho), que considera o serviço destes espaços como “fundamental para levar a arte contemporânea às pessoas. É, sobretudo, nas galerias que se podem ver coisas novas, trabalhos interessantes que vão aparecendo. E elas servem também para ajudar a lançar novos artistas, para quem é muito difícil chegar a um museu”, acrescenta.
“Aqui na São Mamede expomos obras de artistas históricos, que sempre trabalharam com a galeria, como o Nadir Afonso ou o Cruzeiro Seixas, por exemplo, mas também expomos artistas novos, que temos procurado lançar e acompanhar”, diz o galerista. “Além disso, a par da pintura, também apostamos muito na escultura. Devemos ser a galeria de Lisboa com mais escultura. Penso que, dentro do modernismo e da contemporaneidade, somos uma galeria mais clássica, sediada num espaço de grande beleza que impressiona todos os que a visitam”.
Arlete Silva
Galeria 111
Fundada em 1963 por Manuel de Brito, começou a sua atividade como uma livraria onde se realizavam encontros regulares com artistas emergentes. Arlete Silva, que ficou responsável pela Galeria após o falecimento do marido, em 2005, recorda que “aqueles eram tempos muito duros, onde se vivia uma grande repressão salazarista, mas, ainda assim, muito estimulantes”.
A Galeria 111 foi, na altura, “uma lufada de ar fresco, pois não havia mais nenhuma de portas abertas na cidade”, recorda. “No início, apesar de a Galeria não vender nada, tornou-se um foco de interesse para a comunidade. Era um local de encontros, tanto de artistas como de críticos de arte. Além disso, acabava por ser responsável pela formação de públicos ligados à universidade”, adianta Arlete Silva.
“Também desde cedo tivemos a preocupação de apoiar jovens artistas. Mas, a grande mais-valia da 111 é o facto de não ser apenas uma galeria. Temos uma grande coleção, é certo, mas temos também um arquivo inacreditável, não só dos artistas que passaram por aqui, mas também com as assinaturas dos jornais e revistas que fomos fazendo ao longo do tempo e que tem servido de base documental a várias teses académicas”, salienta Arlete, para quem a 111 é uma galeria “um bocadinho fora do baralho”.
Carlos Carvalho
Carlos Carvalho Arte Contemporânea
“Ser galerista é uma atividade comercial e cultural. Nunca podemos deixar de vincar que tem essas duas vertentes”, começa Carlos Carvalho, diretor da Carlos Carvalho Arte Contemporânea que, ao longo de 15 anos, tem focado o seu trabalho no apoio e divulgação, não apenas de uma bem-sucedida geração de jovens artistas, mas também de artistas já consagrados.
“Contribuir para a cidade e para o país com grandes exposições, apresentando novos artistas e trazendo artistas internacionais a Lisboa é o nosso principal objetivo como galeria”, acrescenta. “Gostamos muito de trabalhar com artistas de várias nacionalidades, assim como também gostamos muito de descobrir novos valores e apoiá-los; mas apoiá-los de maneira substantiva, não só apresentando exposições individuais dos seus trabalhos, mas também publicando livros de artista, e levando-os a feiras internacionais, porque é nesse fórum internacional que podemos ver os nossos artistas em confronto com outros”, adianta.
“Importa salientar que a vertente comercial também é de extrema importância para uma galeria, uma vez que, sem ela, não poderíamos subsistir. Mas também é importante frisar que o nosso trabalho não é apenas uma troca de dinheiros: há muito mais em jogo, nomeadamente a relação que temos com os artistas com quem trabalhamos”, conclui.
Vera Cortês
Galeria Vera Cortês
A Galeria Vera Cortês abriu há exatamente 18 anos, pela mão de Vera Cortês. Tendo começado por ser uma agência dedicada a projetos específicos de artistas emergentes, Vera decidiu expandir o programa e criar uma galeria de forma a estabelecer uma colaboração duradoura e contínua com cada artista.
Até porque, como a galerista faz questão de sublinhar, “os artistas são, de facto, o mais importante nesta equação. Sem eles, não haveria galerias. Aqui na Vera Cortês acreditamos que pomos à disposição da cidade, do público e do mundo – quando vamos para fora -, uma oferta cultural que é, na minha opinião, uma visão de olhar para o mundo, para coisas tão básicas como a vida, a morte, a cidade, a geometria ou a paisagem,
porque é isso que os artistas fazem. E eu quero acreditar que a nossa galeria teve a sua quota-parte na divulgação da arte contemporânea portuguesa no mundo. Pelo menos eu esforcei-me para isso e, por isso, desde o início, sempre tivemos a ideia da internacionalização, de fazer feiras no estrangeiro”, acrescenta.
Sem nunca descurar a importância da relação que se desenvolve com o artista, Vera Cortês considera que a sua galeria tem “um grupo muito estável de artistas”. “Há artistas que trabalham comigo desde o dia 1. Por isso digo que é importante criar essa relação. Quando assim é, há sempre uma compreensão e uma tentativa de ver o que se pode fazer melhor”, conclui.
Pauline Foessel
Underdogs Gallery
A Underdogs é uma plataforma cultural fundada por Alexandre Farto e Pauline Foessel que trabalha com um leque diversificado de artistas portugueses e internacionais ligados ao universo da arte contemporânea de inspiração urbana, fomentando o desenvolvimento de relações estreitas entre os criadores, o público e a cidade.
Para Pauline, a Underdogs preocupa-se em “dar aos seus artistas os meios para poderem trabalhar. Quando se é artista emergente e se tem ideias, mas não se tem meios para dar corpo a essas ideias, nós podemos dar-lhe isso. Por vezes é apenas dinheiro, mas faz toda a diferença”, sublinha a cofundadora.
Acreditando que o papel de uma galeria “é dar o seu melhor para ajudar os artistas a vender os seus trabalhos e a encontrar a melhor forma de os mostrar”, Pauline frisa a importância de se repensar este tema: “Atualmente, com as redes sociais, muito artistas têm acesso direto ao seu público e, por isso, conseguem divulgar bem os seus trabalhos. Agora, o nosso papel é pensar em formas de continuar a valorizar o artista, tentar encontrar colaborações e novas oportunidades para eles através de instituições, por exemplo, a que os artistas não têm acesso direto”.
Mas Pauline vai ainda mais longe: “Para mim, é muito mais importante acompanhar o artista, vê-lo crescer e desenvolver-se, do que divulgar o seu trabalho ou vender as suas obras”.
José Chaves e Gemma Noris
Zaratan – Arte Contemporânea
A Zaratan, fundada há sete anos por um grupo de artistas, funciona como uma estrutura de criação, produção e disseminação da arte contemporânea em Lisboa.
“Devido à ausência de espaços na cidade para que os novos artistas pudessem iniciar a sua carreira, e de forma a dar-lhes a possibilidade de fazerem as suas primeiras exposições individuais ou coletivas, decidimos abrir a Zaratan”, explica José, um dos fundadores.
“Foi muito claro para nós, logo desde o início, que não queríamos ser apenas uma galeria, mas sim um espaço multidisciplinar. Aqui, para além das exposições, também organizamos concertos, performances, eventos multimédia e editamos publicações”, acrescenta Gemma, outra das fundadoras do espaço.
“A ideia é misturar públicos. Quem vem ver um concerto vê a exposição, e vice-versa, e, assim, estamos, de forma indireta, a educar públicos. É muito bom perceber que há pessoas que nunca entraram numa galeria a terem conversas sobre arte”, diz José.
Em relação aos artistas com quem trabalham, José adianta que não fazem representação. “Eles são livres para expor onde quiserem e nós, uma vez que o nosso intuito não é a promoção de vendas, queremos ter a máxima variedade de artistas em início de carreira, para que, depois, eles possam ser “agarrados” por galerias com poder económico”, esclarece.
Luís Silva
Kunsthalle Lissabon
A Kunsthalle Lissabon é uma experiência institucional que foi criada há 12 anos, por Luís Silva e João Mourão. Para Luís Silva, “interessava pensar um modelo de instituição que pudesse dar melhor resposta ao contexto artístico e crítico em que nos encontrávamos. Decidimos que queríamos fazer sobretudo exposições individuais e publicações.”
“Nas exposições queríamos dar a ver em Lisboa aquilo que de outra forma nunca seria visto. Mostrar artistas estrangeiros de outras geografias e artistas locais sem acesso a recursos institucionais para fazer exposições. A escolha dos artistas corresponde a um processo de investigação e pesquisa; viajar, ver exposições, ler, estar atento ao que se passa no mundo e em Portugal. Os livros para nós são muito importantes, são uma produção de conhecimento. As exposições desaparecem ao fim de três meses, os livros duram para sempre”, acrescenta.
“Não somos uma galeria, nunca tivemos interesse em nos relacionarmos com o objeto artístico através do seu valor económico. Não significa que esse aspeto não seja relevante. As galerias fazem bem esse trabalho, o nosso é artístico discursivo e crítico. Ambos os formatos são importantes e cumprem uma função específica”, remata.
No próximo dia 14, Catarina Requeijo estreia no LU.CA-Teatro Luís de Camões a peça Não há duas sem três, terceira parte de uma trilogia iniciada com A Grande Corrida e Muita Tralha Pouca Tralha, espetáculos que continuam a rodar pelo país. Nestas peças, Catarina é responsável pelos textos, a par de Inês Barahona, pela encenação e pela interpretação.
“São espetáculos portáteis, com poucos recursos técnicos, de forma a serem passíveis de transportar para todo o lado”, diz a criadora. “Eu gosto muito de rodar espetáculos, de os levar a locais onde, normalmente, os objetos artísticos não chegam. Já fiz espetáculos em adros de igrejas, conventos, praças e bibliotecas, por exemplo. O importante é criar uma relação de proximidade com o público”, sublinha.
E é o que se vai passar no LU.CA onde estará, não no palco, mas na plateia, com os mais pequenos bem pertinho dela.
Também este mês, Catarina apresenta no Teatro Nacional D. Maria II (TNDMII) Quem vai ao mar, e, em fevereiro, Quem espera, duas peças integradas no Boca Aberta, programa que coordena desde 2015. Trata-se de um projeto de continuidade, o “que não é muito frequente neste tipo de trabalho”, onde se criam espetáculos para a infância com base em textos que integram o Plano Nacional de Leitura, clássicos da literatura e obras de autores portugueses e estrangeiros de vários géneros: romance, conto, teatro e poesia.
Com o apoio da Câmara Municipal de Lisboa, os espetáculos são apresentados ao público pré-escolar da rede pública da cidade, ora nas escolas, ora no TNDMII, para além das apresentações para famílias e público em geral.
O segundo espetáculo deste ano, Quem Espera, não tem encenação de Catarina, mas sim de Luís Godinho: “Gosto muito deste projeto, tenho imenso orgulho do serviço público que se faz com ele, mas também acredito ser importante envolver outras pessoas e dar-lhes a oportunidade de criar os seus próprios objetos”
Gostaríamos de começar por lhe pedir que se apresentasse sucintamente aos leitores menos familiarizados com o universo da Dança.
Chamo-me Carlos Prado e tenho 59 anos. Nasci em Palmela. Comecei a estudar Dança anormalmente tarde (tinha 17 anos). Fiz a minha formação na Academia de Dança Contemporânea onde trabalhei com dois mestres maravilhosos, a quem devo tudo: a Maria Bessa e o António Rodrigues. Em 1984, fui convidado pelo Armando Jorge, então diretor da CNB a ingressar na Companhia, onde estive até 1990. Nesse ano, Jorge Salaviza, diretor do Ballet Gulbenkian (BG), convidou-me. Estive lá até à data da sua extinção, em 2005. Nesse ano deixei de dançar e fui convidado para ser professor e mestre de bailado numa companhia em Itália, dirigida pelo coreógrafo Mauro Bigonzetti. Estive lá sete anos. Voltei a Portugal porque tinha saudades e comecei a fazer trabalhos como freelancer. Dava aulas em várias companhias no mundo e remontava trabalhos do Mauro Bigonzetti. Um ano depois convidaram-me para ser assistente e mestre de bailado em Antuérpia, no Ballet Real da Flandres. Fiquei quatro anos e tive oportunidade de trabalhar com o Sidi Larbi Cherkaoui. O trabalho era maravilhoso, gostava bastante de estar em Antuérpia, mas tinha muitas saudades de Lisboa.
Em praticamente três meses no cargo teve tempo de delinear os principais eixos da sua nova função?
Tenho bastante definido o resto desta temporada e a próxima. Estão praticamente fechadas. E tenho também ideias para a terceira temporada. A CNB tem algumas obrigações, como a de fazer o repertório clássico. Tem que fazê-lo e tem de o fazer a um grande nível, o que significa que não pode fazer apenas uma produção clássica por ano, tem de fazer duas ou até mesmo três. Muito importante também é misturar repertório contemporâneo. É aquilo que todas as companhias da dimensão da CNB na Europa estão a fazer, desde a Ópera de Paris ao Royal Ballet. Todas essas companhias têm uma componente clássica e uma componente contemporânea. Os bailarinos devem ser, e são, versáteis. A escolha de repertório deve dar alimento para a sua evolução artística e técnica.
O que nos pode dizer acerca do programa de espetáculos a apresentar em 2022?
Em janeiro, vamos ao Porto com o programa Noite Branca [com coreografias de Luís Marrafa, Yannick Boquin, George Balanchine]. Em março estreamos um novo programa: uma obra de um coreógrafo emergente português (Miguel Ramalho, também bailarino da CNB), reposição de uma obra que ele fez já no período da pandemia [Symphony of Sorrows, com música de Henryk Górecki], e uma peça do Sidi Larbi Cherkaoui nunca vista em Portugal: Fall, com música de Arvo Pärt, que ele anuiu em remontar para nós. Em abril, no Dia Mundial da Dança, estreamos outra peça clássica, La Sylphide, com coreografia de August Bournonville e música de Herman Löwenskjold. E para junho, como estamos em ano de centenário de José Saramago, convidei a Olga Roriz para fazer uma criação à volta do universo do escritor [Deste mundo e do outro]. Acabamos a temporada em julho, como é hábito no Festival ao Largo, com a apresentação, uma vez mais, da Noite Branca.
Como é programar no contexto de instabilidade de uma pandemia feita de recuos e avanços?
Limita imenso, ou seja, pode limitar. O que penso é que se tem de programar, independentemente da pandemia. Depois, à medida que a situação se for alterando, vão-se fazendo os ajustes necessários. Todo este tempo decorrido, temos de ter uma visão de futuro e de abertura, e de programar sem restrições. Na eventualidade de vir a ser necessário, vamos ter de adaptar ou de adiar. Temos de pensar a CNB independentemente da pandemia. Claro que é um cenário muito presente e vamos ter que viver com isso. Mas não posso programar a pensar nesta situação, ou então não se faz nada.
Quais foram os principais ensinamentos que recolheu na sua experiência profissional no estrangeiro?
Um deles foi, sem dúvida, o contacto com muitos coreógrafos, muitos bailarinos, muitos diretores de vários teatros no mundo inteiro. Tive imensa sorte porque trabalhei em sítios onde se faz desde o mais contemporâneo ao mais clássico. Fui ao Bolshoi várias vezes remontar peças, fui assistente de um coreógrafo no New York City Ballet, estive em companhias mínimas. Em Itália, por exemplo, era uma companhia de tournée e fazia-se muita coisa fora do teatro, na rua, e outro tipo de projetos mais contemporâneos, mais vanguardistas. Ou seja, isto é a minha bagagem. Aquilo que posso utilizar agora resulta das diversas experiências que vivi nestes últimos 20 anos. Saber como é que funciona um teatro, como se faz uma produção, o que está envolvido nisso…
A sua preferência enquanto coreógrafo, entre o ballet clássico e o contemporâneo, vai refletir-se nas suas decisões de diretor?
Não tenho preferência por clássico ou por contemporâneo. Tenho preferência por boa dança. Boa dança quando é feita ao mais alto nível, seja clássico ou contemporâneo, seja moderno ou seja neoclássico… seja o que for. Quando é bem feito gosto de tudo. Além disso, acredito mesmo que, retirando da minha experiência como bailarino e de ter trabalhado diversos repertórios, foi o que me enriqueceu tanto tecnicamente como artisticamente, a capacidade de afrontar novas linguagens. Essa ductilidade de poder fazer isto e aquilo. Quanto mais se experimenta, mais fácil é dançar. O público espera ver não só clássico e não só contemporâneo. A CNB é uma grande companhia, tem muitos artistas (cerca de 60); um dos investimentos necessários é no repertório em que muitos bailarinos estejam envolvidos.
O que lhe ficou da disciplina requerida pelos seus tempos de bailarino, e o que faz ainda para se manter em forma?
Nesse aspeto tenho a sorte de nunca ter tido lesões. Mas, se de repente tenho um trabalho em que estou a ensinar alguma coisa e me mexo um bocado mais, fico uma desgraça. Essa já não é a minha função agora, já dancei o suficiente. A frequência de ginásios é algo que não me atrai. Deixo que o tempo faça agora o seu trabalho de escultor no meu corpo, e seja o que Deus quiser.
Pedro Proença encontra na Biblioteca Nacional de Portugal o lugar perfeito para celebrar o vasto universo referencial e ficcional de uma obra artística fundada nos livros, nas bibliotecas e assente na prática delirante da heteronímia. O resultado é uma espécie de “meta-mundo-artístico-literário” revelador da sua criatividade inesgotável, numa multiplicidade de domínios.
O artista acompanhou a Agenda Cultural de Lisboa na visita à exposição Mestres e Monstros e, com um humor contagiante, comentou alguns dos seus trabalhos.
Kasimir no Kashemir
Este é um dos signos do [heterónimo] Jorge Judas, mas têm a ver com uma coisa que já faço desde os anos 1985/86. Uma brincadeira com algumas marotices. Fundam-se em imagens abstratas ligadas à tradição do suprematismo de [Kasimir] Malevich e aos diagramas tântricos. Aliás, chama-se ‘Kasimir no Kashemir’ por causa do tantrismo de Caxemira e do mais filosófico dos grandes autores, Abhinava Gupta. É um trabalho um bocado clandestino na minha obra, mas que tenho vindo a desenvolver de vez em quando, às vezes de cinco em cinco anos, outras vezes mais continuamente ou com saltos maiores. São peças que funcionam como conjuntos e até gostava de as ter exposto em maior número. E são um bocadinho bombons, como uma criança lhes chamou, formas apetecíveis que criam empatia. Algumas são eróticas, mas isso é inevitável.
A Volta ao Mundo em 80 Amores
A Sandralexandra e a Sóniantónia são duas personagens intensas que surgiram como forma de trabalhar a minha vida amorosa interior e de a explorar literariamente. A certa altura tive que inventar obras para elas e surgiram os postais. A Sandralexandra faz uma espécie de “fake mail art” porque as coisas são todas ao contrário: escreve na parte da frente, onde não se deve escrever, está sempre a subverter as regras da comunicação e explora a obra de arte como paixão. A Sóniantónia também tem aqui umas frasezinhas, mas são coisas mais dolorosas. As pessoas divertem-se imenso a ler estes postais e eu a escrevê-los. E a ideia desta volta ao mundo, não em 80 dias mas em 80 amores, é uma ideia de universalidade amorosa.
Pan
O meu pai lia-me, aos seis, sete anos, os mitos. Aos nove anos sabia praticamente tudo sobre o assunto e ficou-me o gosto por estas histórias. Durante o confinamento peguei num texto sobre mitologia que comecei a desenvolver. Depois, na sequência duma exposição que fiz na Galeria Valbom, decidi ironicamente tornar-me num mestre da aguarela. Comecei a trabalhar imenso tendo os mitos como tema central. Fiz muitas naturezas-mortas na tradição dos meus desenhos, que no fundo são objetos que se juntam num palco a teatralizarem-se. Só que aqui aparece a cor e apeteceu-me transportar a escala na aguarela, que geralmente é uma coisa intimista, para algo maior. A cor, que habitualmente na aguarela é ténue, aqui surge quase explosiva e consegue formar os volumes. Os insetos derivam de tradição das naturezas-mortas barrocas, que quase desaparecem naqueles fundos muito cheios. Eu aumentei-os porque quis dar maior enfase à vida que está presente nesta relação entre plantas, objetos e coisas, como algo que faz cócegas. Porque a vida é uma grande coceira!
Depois de A Raça Forte, este é o regresso do Griot ao teatro de Wole Soyinka. Porquê esta peça, a primeira e uma das mais famosas do autor?
A peça tem um universo extraordinário, povoada de personagens que estão vivas e, ao mesmo tempo, mortas, em que uns são espíritos da floresta, outros deuses ou orixás. De alguma forma, tudo isso lhe confere um sentido fantasioso, mas também um humor muito diferente daquilo que tem sido habitual no trabalho do Teatro Griot. O voltar ao Soyinka foi, precisamente, por vermos neste texto hipóteses para propor e explorar múltiplas leituras. Uma Dança das Florestas é um texto que questiona as relações de poder de forma muito inteligente e criativa. E, também muito simbólica, que é um território que a mim enquanto artista me interessa especialmente.
Segundo a história, a peça está rodeada de uma controvérsia relacionada com o facto de ter desagradado bastante à classe dirigente pós-colonial da Nigéria, em 1960.
Convém lembrar que a peça foi uma encomenda do governo pós-colonial para celebrar a independência do país. Na verdade, Uma Dança das Florestas encerra imensas críticas, que passam pela África colonizada e vão até às independências e à base em que elas foram construídas. Toda esta temática é muito profícua para criar, para explorar espaços menos evidentes e mais lacunares destas narrativas. E esta peça oferece-nos, como poucas, essa possibilidade.
No espetáculo, à peça junta textos seus. É a sua condição de africana, tal como o autor, que a inspira a fazê-lo?
Não consigo, ou melhor, não quero trabalhar sem pensar os espetáculos através das minhas palavras. Por isso mesmo, às palavras do Soyinka juntei as minhas como se, em momentos pontuais, convergíssemos. O Soyinka é um homem africano, mais velho do que eu, negro, também com formação fora de África, mas que, pelo menos nos últimos anos, vive sobretudo na Nigéria. Eu sou uma mulher negra, nascida em Angola, mas que cresceu, estudou e vive na Europa, embora agora procure estar cada vez mais em África… Parece um sacrilégio estar a “conspurcar” com palavras minhas o texto do grande professor Wole Soyinka, Prémio Nobel da Literatura. Mas ele não sabe, e espero que não venha a ler esta entrevista! [risos]
Enquanto angolana, e tendo em conta o processo de descolonização que aconteceu no seu país, reconhece as críticas que Soyinka, na peça, aponta àquela Nigéria que acaba de conquistar a independência?
Acho que se podem encontrar pontos comuns. Em primeiro, foram países que estiveram durante séculos sobre o domínio de outro e, quando conquistaram as suas independências, passaram pela incógnita de como se organizar política e socialmente. Logo, questiona-se como é que uma herança do colonialismo pode funcionar num país que é agora independente? Na peça, surge o exemplo de um totem que é erigido para a celebração da independência, mas a base em que é construído é toda ela bastante questionável. Ora, essa é uma reflexão que se pode aplicar a todos os países africanos que passaram pelo processo.
Independentemente de ser uma das vozes mais notáveis e influentes da África pós-colonial, a obra de Soyinka é universal…
Esta peça, por exemplo, pode ser lida para além do contexto africano. Ela fala sobre o poder, sobre quem o detém e como o usa, as relações determinadas pelos jogos e intrigas, a manipulação… Ou seja, são temas presentes nas nossas vidas e em qualquer lugar. Contudo, há um a que dou especial importância neste texto: o do pensamento crítico. Num sistema necropolítico, quem o possui é o primeiro a ser aniquilado. Em Uma Dança das Florestas, o personagem que o representa está morta, mas é convocado por um deus num dia de ritual. Ao voltar à vida, regressa também ao passado, ao dia em que é condenado à morte, e diz: “parece que comecei o contágio de uma nova doença.” Estranhamente, hoje, na altura em que vivemos uma pandemia, seria bom que o contágio a que estivéssemos sujeitos fosse, tão só, o que ele anuncia – o do pensamento crítico.
Este espetáculo era para ter sido encenado por uma figura iminente do nosso teatro, e habitualíssimo colaborador do Griot, Rogério de Carvalho…
Quando pensei o espetáculo para a companhia era, de facto, para ser o Rogério a encená-lo. Porém, houve um percalço de saúde e também tendo em conta todo este contexto de pandemia, mais a mais com a idade avançada que tem, decidimos que seria conveniente ele abandonar o projeto. Mas, chegámos ainda a trabalhar os dois na dramaturgia, embora a que ficou seja completamente diferente.
Como funciona o processo de criação quando trabalha um texto já publicado, conhecido e tão debatido como este?
Devo dizer que trabalho pouco o texto porque não é daí que parto. Trabalho muito mais com as imagens, os gestos e os movimentos, e por isso os meus espetáculos têm de envolver sempre pessoas das artes visuais, da dança ou da música. Curiosamente, são universos que me conseguem potencializar muito mais artisticamente e, daí permitem que mergulhe num formato ou num pensamento de teatro mais formal. Embora, como é o caso deste espetáculo, o texto tenha de ter uma temática que me interesse, me inquiete e me dê vontade de traduzir em cena.
Mas, numa companhia como o Teatro Griot, que já encenou outros mestres da palavra como Pepetela, Shakespeare, Al Berto ou Genet, essa secundarização do texto pode surpreender…
Claro que me interessa ter um bom texto, ter uma boa autora ou autor, com um universo poético e filosófico interessante. Mas, o texto é aquilo que aparece no fim, depois de trabalhar com os performers o corpo, a voz, a sonoridade, o gestuário e outros aspetos mais plásticos. E faço-o sempre em colaboração com a Neuza Trovoada enquanto artista visual; ou com o Chullage, o músico e compositor da companhia; ou, no caso particular deste espetáculo, com a coreógrafa Vânia Doutel Vaz, que está a colaborar connosco pela primeira vez.
Mais de uma década depois da sua formação, que reflexão lhe merece um projeto tão singular no teatro português como é o Griot, fundado e constituído por artistas angolanos negros?
É muito difícil fazê-lo, até porque essa reflexão é constante, é quotidiana, e não se esgota. Mas é importante apontar o lugar instável em que esta companhia se encontra a vários níveis. Desde logo o financeiro, enquadrado no panorama geral do setor; mas também esse lado de sermos uma companhia com artistas negros. Hoje, dentro do possível, tento perceber este percurso com um outro rigor e consciência que, provavelmente, não teria quando fizemos o primeiro espetáculo…
O qual cumpre, em abril, dez anos que estreou…
No Institut Français du Portugal. É interessante que o Faz Escuro nos Olhos foi um espetáculo todo ele pensado não só tendo em conta o universo do encenador, o Rogério de Carvalho, e os textos de múltiplos autores, como foi conscientemente assente na imobilidade – éramos um conjunto de atores que passavam grande parte do tempo imóveis, a interpretar monólogos de dez a 15 minutos. Olhando hoje para esse espetáculo, lembro como isso surpreendeu o público, um público muito pouco habituado a sentar-se numa plateia e ver pessoas negras. Acho que aquilo que esperavam era ver-nos, atores negros, a movimentarem-se muito, a dançarem, e não a falar, falar, falar…
Mas respiram-se tempos de mudança, e vocês notam-nos, ou não?
Quando esse espetáculo estreou digamos que a plateia era composta por uns 98% de pessoas não negras. E os dois por cento de negros eram nossos familiares ou amigos. Recentemente, quando há uns meses estivemos na Culturgest com O Riso dos Necrófagos, estou muito à vontade para afirmar que a esmagadora maioria da plateia era negra, e uns 60% seriam mulheres. Isto é maravilhoso…
E é uma forte demonstração de mudança…
Há de facto mudança, mas seria falso eu dizer que essa mudança tem reflexo imediato na vida das pessoas, sobretudo na da população negra. O que me parece ser verdadeiro é haver uma possibilidade real de mudança, e isso decorre de uma crescente abertura por parte das pessoas para alterar alguma coisa. Se estamos a fazer uma reflexão profunda sobre tudo isto, diria que não. Acho que andamos ainda sobre a superfície, e isso prende-se também com essa tendência tão humana de ao surgir a novidade a agarrarmos, normalmente, pelo lado mais fácil e visível. Claro que é importante falar de episódios de racismo quotidiano, mas a mudança efetiva chegará quando atingirmos o cerne da questão, que é bastante mais profunda e complexa.
De que modo é que o Teatro Griot contribui para o aprofundar da questão?
O modo como o fazemos é, provavelmente, mais abstrato; porém, é real. O visível é impossível esconder, e não serei eu a dar-me ao trabalho de o mostrar a quem não o quer ver. Interessa-nos trabalhar sobre aquilo que não está falado, não está refletido, não está discutido. As artes, nomeadamente as performativas, têm o papel vanguardista de começar a refletir sobre as questões primeiro do que as outras áreas da sociedade. E o Griot tem contribuído, desde o modo como apresentamos as nossas criações à relação que estabelecemos com as comunidades negras. Tanto nos apresentamos na Culturgest ou no São Luiz como no Vale da Amoreira ou na Quinta do Mocho. E isso é ainda um lugar singular, embora se escute já, nas artes e na sociedade, um murmúrio anunciando que algo está efetivamente a mudar.
Fernando Namora
Deuses e Demónios da Medicina
Quando o diretor da empresa farmacêutica Pfizer perguntou a Alexander Fleming porque não tinha feito as coisas de maneira a obter direitos que lhe permitissem viver como merece um homem que prestou tal serviço à humanidade, o “pai da penicilina” limitou-se a responder: – “Nunca pensei nisso”. Contudo, nesta obra monumental que reúne 22 biografias de figuras marcantes da medicina, nem tudo são exemplos de abnegação pessoal e desinteresse material. Como escreve Manuel Sobrinho Simões no prefácio à presente edição: “Nem sequer é preciso escabichar demasiado as biografias desde Hipócrates, Galeno e Avicena até ao seculo XX, para se perceber que tanto se pode fazer muito bem como muito mal à custa da Medicina. (…) Não é estranho, por tudo isto, que Fernando Namora haja chamado aos médicos, Deuses e Demónios”. A vasta experiência do autor como médico concorre para tornar claros e acessíveis os conteúdos científicos inerentes a um projeto desta natureza; o seu talento de escritor contribui para transformar dados biográficos em fascinantes narrativas de perícia consumada. Caminho
Virginie Despentes
Teoria King Kong
“É daqui que escrevo, enquanto mulher não sedutora, mas ambiciosa, atraída pelo dinheiro que eu própria ganho, atraída pelo poder de fazer e de recusar, atraída pela cidade e não pelo interior, sempre excitada pelas experiências e incapaz de me satisfazer com o relato que me hão-de fazer delas”. Virginie Despentes, escritora e cineasta, publicou o seu primeiro romance Baise-moi (1993), que mais tarde adaptou ao cinema. Tanto o livro como o filme exploram a experiência fundadora da violação (“ao mesmo tempo o que me desfigura e me constitui”) na sua vida e obra. Sobre a violação escreve: “é um programa político preciso: esqueleto do capitalismo, é a representação crua e directa do exercício do poder”. Teoria King Kong opõe à retórica tradicional dominante, um discurso pessoal, iconoclasta e subversivo sobre a violação, a prostituição e a pornografia, “desconstruindo os modos de apropriação do corpo feminino que levam à subordinação social, económica e sexual”. A autora, membro da Academia Goncourt desde 2016, tomou a peito a máxima de Virginia Woolf, segundo a qual: ”O primeiro dever de uma mulher escritora é matar a fada do lar.” Orfeu Negro
Tiago Salazar
O Pirata das Flores
“Uma coisa é certa. Tudo o que se queira de grandioso na vida há-de partir de uma obsessão”. O Pirata das Flores conta, justamente, a história de uma obsessão: António de Freitas, aluno do seminário de Hangra, natural da Ilha das Flores, foge da vida monástica e, em 1810, embarca numa viagem rumo aos mares da China, onde sonha alcançar riqueza. Acompanha-o um jovem que com ele estudava, igualmente sem vocação religiosa, mas com gosto pelas letras e que, “mesmo sem saber ainda se para tanto me ajeitava com mais ou menos mestria”, vai passar a escrito as aventuras daquele que virá a ser “o mais façanhudo dos piratas desta ilha perdida no mar”. Ao longo de inúmeras peripécias, António lança-se no ramo do jogo, “sem descuidar do tráfico de ópio, os raptos e extorsões, a compra e venda de crianças pagãs e os assaltos de circunstância” nos mares e aldeias por onde passava o seu bando. Com O Pirata das Flores, Tiago Salazar consuma a transição de escritor de viagens para romancista de pleno direito. A obra agradará por certo, quer aos que se regozijam com uma boa narrativa repleta de aventuras, quer aos que se enlevam com um exercício de escrita exigente e criativo. Oficina do Livro
John Gray
Filosofia Felina: Os Gatos e o Sentido da Vida
“Os humanos, julgando conseguir conceber o fim da sua vida, acreditam saber mais da morte que outros animais. Mas o que sabem da sua morte vindoura é uma imagem gerada pelo espírito graças à consciência da passagem do tempo. Os gatos, sabendo da vida apenas o que vivem, são imortais mortais que só pensam na morte quando estão prestes a morrer. É fácil perceber porque acabaram por ser venerados.” O filósofo John Gray vive com gatos há muito e disso ficamos apenas a saber nos agradecimentos finais. O livro é composto com exemplos da convivência de outros pensadores ou escritores que observaram os seus felinos (Michel de Montaigne, John Laurence), ou biógrafos de escritores que tiveram gatos por companhia (de Colette, Patricia Highsmith ou Mary Gaitskill). Filosofia Felina vai equilibrando o seu pendor filosófico com histórias ternurentas protagonizadas por estes patudos em grande parte insondáveis. Quando observamos um gato a comer, a dormir ou remetido à sua existência solitária, percebemos que tudo nele é da ordem do tempo presente, do qual não fazem parte a ansiedade ou a depressão. Editorial Presença
Samuel Beckett
Teatro Completo
Samuel Beckett (1906/1989), Prémio Nobel da Literatura em 1969, nasce em Dublin mas abandona a Irlanda no início da década de 1930. Em Paris torna-se secretário e amigo de James Joyce que influencia a sua obra. Entre 1938 e 1953 publica algumas novelas e poemas que não encontram grande recetividade pública, nem reconhecimento crítico. Porém, a estreia, em Paris, da sua primeira obra teatral À Espera de Godot (1953) causa um profundo impacto. Aí se condensam todos os temas recorrentes da sua obra – a obsessão com a passagem do tempo, a morte, o vazio e a futilidade da condição humana – que o estabelecem, desde logo, como um dos expoentes do “teatro do absurdo”. Pela primeira vez em Portugal, é reunida a obra teatral de Samuel Beckett. O presente volume compila todas as suas peças de teatro, incluindo as peças para rádio e televisão, e um argumento para filme, textos que exploram de forma cada vez mais radical os limites da linguagem e da comunicação. Inclui traduções de Miguel Esteves Cardoso, Luís Miguel Cintra, Jorge Silva Melo ou Margarida Vale de Gato. Edições 70
João Seixas
Lisboa em Metamorfose
Entre centro e periferia, cosmopolitismo e localismo, desenvolvimento e crise, a cidade de Lisboa teve um posicionamento histórico sempre oscilante. O plano de reconstrução após o terramoto constituiu uma das primeiras manifestações mundiais do Iluminismo, contudo tal não garantiu uma modernização constante da cidade. O metropolitano de Lisboa, por exemplo, será inaugurado com cem anos de atraso em relação ao primeiro, em Londres. Em meados dos anos 1970, perto de um quarto da população da capital vivia sem condições mínimas de conforto e salubridade habitacionais. Após cinco décadas de explosão metropolitana, Lisboa chega agora ao fim de uma década de transição. Embora a metrópole se tenha tornado mais cosmopolita e integrada social e economicamente em múltiplas tendências globais, mantém simultaneamente amplas estruturas de precaridade e desigualdade. Observando o passado e o presente, este ensaio produz uma ampla reflexão sobre a evolução contemporânea da cidade e os múltiplos desafios colocados: uma economia produtiva, social, redistributiva e circular, comunidades coesas e solidárias, habitats e mobilidades acessíveis, qualificados e ecológicos. FFMS
Mia Couto
O Caçador de Elefantes Invisíveis
Um dos ficcionistas mais conhecidos das literaturas de língua portuguesa, Mia Couto nasceu em Moçambique em 1955 e escreve “pelo prazer de desarrumar a língua”. O seu estilo desenvolve-se num permanente processo de contaminação entre prosa e poesia. Inventor de palavras, recorre aos cruzamentos e à mestiçagem de que o idioma português é alvo em Moçambique para captar “o lado menos visível do mundo”, que o fascinava na infância, procurando estabelecer uma relação profunda entre o homem e a terra. O Caçador de Elefantes Invisíveis recolhe sob este título, que é também o de um dos textos antologiados, os contos publicados ao longo dos dois últimos anos na revista Visão. O autor aproveitou a oportunidade para lhes dar uma demão, mais ou menos intensa aqui e ali, reescrevendo estas belas histórias tão diversas e variadas. Tal como Bernardo, um dos personagens destas breves narrativas, também Mia Couto através das suas ficções “recusa estar perante a derradeira versão da realidade.” Caminho
Thibaut Villanova
Os Banquetes de Astérix
Não é preciso ser apreciador de banda desenhada para saber que, em pequeno, Obélix caiu no caldeirão da poção mágica, razão da sua força e apetite descomunais. Esta obra ilustrada com desenhos e fotografias, reúne 40 receitas inspiradas nas viagens dos gauleses mais populares da literatura mundial: Astérix e Obélix. Dividido em quatro partes – Banquetes Gauleses, Banquetes dos Povos Vizinhos, Banquetes Romanos e Banquetes das Terras Longínquas – apresenta sugestões irrecusáveis como o suculento javali, o salmão caledónio, o rancho legionário, o caril vegetariano, a compota e os brioches bretões ou a suprema tentação do menir de chocolate. Para além destas magníficas especialidades gastronómicas regionais e internacionais revisitadas à moda da Gália, o livro contém um sugestivo herbário do druída Panoramix que dá a conhecer ao leitor uma assinalável variedade de ervas aromáticas. Divirta-se a preparar e degustar estas receitas, mas com moderação. Imite a coragem dos famosos heróis gauleses, não a gulodice! Asa
O teu último disco, 2019: Rumo ao Eclipse saiu em outubro de 2020, em plena pandemia. Que histórias conta este disco?
As minhas músicas não contam histórias. São fotografias. Não sou nada bom a contar histórias, não há nenhum enredo nas minhas canções. É quase como se fossem fotografias a momentos pausados. Fora as canções de amor, que são típicas de qualquer era da Humanidade, elas são fotografias a determinadas tensões que já se sentiam em 2019 e que ficaram ainda mais óbvias em 2020 e em 2021.
As tuas letras são quase encriptadas, difíceis de decifrar. É propositado?
Hoje em dia a música pop está demasiado óbvia e muito pouco exigente. Aprendi a escrever com os artistas que sempre ouvi, quer internacionais, quer a ouvir muito fado ou a ler escritores portugueses, e aprendi a poesia nesse sentido, ou seja, que não é suposto as coisas serem literais. Não é suposto estares a contar o que se passa na tua vida e as pessoas irem ouvir porque querem saber o que aconteceu entre ti e a tua namorada e de que forma estás a lidar com isso. A minha escrita tem sempre um gatilho real e depois há outras coisas que acrescento, algumas até premonitórias e que acontecem mesmo, e outras coisas que escondo, que acho que são muito mais bonitas ditas dessa maneira. Acho que é feio ser-se muito literal. É possível ser-se literal de uma maneira bonita, mas tem de ser feito de uma forma muito inocente. Os brasileiros conseguem fazer isso na bossa nova, encontrar essa simplicidade e essa inocência. O Carlos Tê também faz isso, quando diz que “um sargo assa no braseiro”. São uns pormenores muito literais, mas não se sabe muito bem o que acontece no resto da história. A maneira como escrevo é produto dos professores que tive.
O que também permite que cada um interprete à sua maneira…
Faz com que a música resista ao tempo. Se a ouvires hoje ela diz-te uma coisa, e se a ouvires daqui a uns anos ela diz outra coisa…
O disco conta com várias participações especiais, entre elas Mariza, Cláudia Pascoal ou Ivo Canelas. Como surgiram estes nomes?
Em relação à Mariza, eu precisava de uma voz que soubesse dizer “está tudo bem” de uma maneira potente, ou seja, uma voz que sabemos que pode dar muito mais do que está ali a dar. Acho isso muito engraçado. Hoje em dia, por causa da quantidade de concursos de talentos, está muito na moda a ideia de que se deve dar tudo. Acho muito bonito ver uma interpretação de um artista e perceber que ele consegue dar muito mais, mas que a canção não pede isso. Eu queria uma voz como a da Mariza, que é girante e que pode dar muito mais, mas que ficasse ali num registo grave a dizer que vai ficar tudo bem. A ideia era essa, passar a serenidade de quem tem um talento muito grande dentro de si. Em relação ao Ivo Canelas, precisava de um melhor amigo para uma personagem que surgiu durante a gravação deste álbum, e achei que ele tinha veneno suficiente para ser o melhor amigo venenoso deste alter-ego [risos]. A Cláudia Pascoal usei-a como coro, como usei também a Mariana Norton. Elas tinham cantado comigo no último Coliseu que fiz e encaixaram tão bem que, quando precisei de duas vozes femininas, chamei-as e ficou muito bonito. O Fred Ferreira [baterista] também participou, entra em todos os meus álbuns. Quando preciso de uma bateria mais rock, ele é imbatível.
Como foi lançar um disco neste contexto?
Foi um bocadinho duro. O álbum era para ter saído em março ou abril de 2020. Achei piada à ideia do disco se chamar 2019: Rumo ao Eclipse, mas tive de esperar uns meses para o lançar. Mal nós sabíamos que ainda ia haver outro confinamento. Acabámos por lançá-lo em novembro, a tournée de lançamento foi adiada duas ou três vezes até que desistimos, e só conseguimos fazê-la depois do fim do segundo confinamento. É muito estranho ter na mão um álbum que é novo, mas que já tem um ano e que ainda tocámos muito pouco ao vivo. Temos de ser criativos e arranjar novas maneiras de o promover. E tentar perceber que outras músicas conseguimos ir lançando para dizer que o álbum ainda é relativamente novo. O concerto ao vivo está a ser ultra emotivo de tocar. Está muito forte, acho que as pessoas estão a gostar muito, mesmo em termos cenográficos.
Voltar a pisar o palco foi como sair de uma longa ressaca?
Com o Tiago na Toca acabei por trabalhar mais durante o confinamento do que antes. Todas as semanas tinha de dar concertos, e tinha de ensaiar imenso. Como sou um bocadinho perfecionista queria sempre fazer versões complicadas, por isso trabalhei muito durante o confinamento, e acabei por não sentir tanto essa falta. Ficava muito mais nervoso antes dos lives do que antes de qualquer concerto, até porque era eu que tratava de tudo, incluindo da parte técnica. Nos concertos estou mais descansado porque estou a tocar com a minha banda, tenho uma equipa por trás, as coisas estão ensaiadas, está tudo oleado. Foi um alívio voltar à estrada, voltar a ver pessoas. Lembro-me que, no primeiro concerto que demos, ainda a 50%, as pessoas estavam mesmo muito felizes. Isso foi muito importante para nós, músicos, e ajudou a que fossemos dando concertos cada vez melhores. As pessoas estavam a precisar muito de ouvir música alto, de sentir a música no corpo. Via-se que estavam mais sensíveis, foi muito bom.
Sentes que essa forma de interagir através dos lives do Instagram foi mais terapêutico para ti ou para o público?
Acho que foi muito terapêutico para mim. Nem sei o que estaria a fazer, embora saiba que não ia conseguir estar parado. Se calhar ia gravar outro disco ou concentrar-me num projeto meio instrumental. Mas, sem dúvida que foi muito terapêutico. Foi um desafio muito interessante, cansativo, por vezes. Houve alturas em que me apetecia parar um bocadinho, mas fui recebendo mensagens muito bonitas. Comecei a perceber que realmente fazia companhia a muitas pessoas e acho que foram poucos os lives que mantiveram aquela média de mil/duas mil pessoas (sem contar com o do Bruno Nogueira), mas a certa altura sentia uma certa responsabilidade por ter de fazer aquilo todas as semanas e para poder gerar dinheiro para a minha equipa que estava sem trabalho, e senti esse amor de volta, não só do público, mas também da minha equipa. Foi uma ideia pequenina que acabou por resultar muito bem.
Em termos criativos, que efeito teve a pandemia no teu trabalho?
Em termos criativos, penso que não teve grande impacto. Também tinha acabado de gravar um disco, e quando isso acontece entro sempre numa fase em que não componho nem quero escrever absolutamente nada. Respeito muito essa fase de absorção. Ouço discos, vejo peças de teatro, viajo… se houve coisa que me fez falta foi fazer uma viagem a seguir a ter gravado o disco. É sempre uma parte de libertação para mim a seguir a lançar um disco. Faz-me bem viajar sozinho durante um mês, fez-me falta essa terapia. Quando pudemos sair, fui para os Açores. Se calhar se não fosse o Tiago na Toca, ia acabar por fazer alguma coisa inevitavelmente, mas essa criatividade foi toda canalizada para os lives. Todas as semanas tinha de arranjar três ou quatro versões originais de artistas que, muitas vezes, não eram fáceis de trabalhar.
Por muito paradoxal que pareça, achas que a pandemia veio provar que as novas tecnologias podem aproximar as pessoas?
Foi uma surpresa para mim perceber esta ponte que existia entre mim e o público através do Instagram. Não tenho grande jeito para as redes sociais e, de repente, consegui arranjar uma forma natural de, estando longe, estar perto das pessoas. De criar um espaço de interação, quase como se fosse um cenário. No entanto, é muito diferente de estar com alguém presencialmente, nunca será a mesma coisa. O mundo abriu-se muito mais para este tipo de comunicação virtual, acho que nos tornou um bocadinho mais preguiçosos [risos]. É um bocado o reflexo do que as redes sociais fazem. Esta maneira de ouvir música em shuffle, de repente os discos desapareceram, ouvimos música em streaming, não se paga absolutamente nada pela música que é feita… acho que isso fez com que a música ficasse bastante mais vazia. As pessoas não têm paciência para ouvir, para tirar mais de uma música, para dar mais tempo a uma música. Passados 15/20 segundos já tem de haver um refrão ultra catchy. Estas pontes tornaram-nos mais preguiçosos.
Participaste no disco Tozé Brito (de) Novo. Que tipo de emoção te provoca fazer versões de músicas de outros?
Só emprestei a voz, a versão foi feita pelo Benjamim, que é o produtor juntamente com o João Correia. Confio muito no gosto do Benjamim, gosto muito do trabalho dele. Acho que o importante, quando se fazem versões, é ter um respeito grande pela música que se está a cantar. É preciso perceber em que é que se pode mexer e em que é que nunca se pode mexer. Tenho ouvido algumas versões que parecem outras músicas, são mais fruto da vaidade do artista, de mostrar que se é muito original. Mudam-se as notas, muda-se a linha vocal e a certa altura é uma música completamente diferente, só a letra é que se mantém. Isso faz-me uma confusão gigante. Tem sempre que haver um respeito gigante pela versão original. Dou valor à melodia, à letra, às notas essenciais. É tentar jogar um bocadinho com isso sem estragar.
Acaba por dar mais trabalho do que compor uma música de raiz?
Isso acho que não porque a fórmula da música já está resolvida, só tens de a mostrar de outra maneira.
Passa-te pela cabeça gravar um disco inspirado na pandemia?
Acho que este 2019: Rumo ao Eclipse foi um bocadinho premonitório, já fala bastante disso. As coisas que escrevo são reflexo do mundo à minha volta, daquilo que me toca e que me inquieta. Nunca escolho um tema para um álbum. As coisas vão surgindo naturalmente. Aliás, quando estava a gravar este disco não sabia que título lhe ia dar. De repente percebi que ele falava daquele ano em específico, de uma crise de valores que se estava a tornar cada vez mais aguda e que tem vindo a aumentar nos últimos tempos. Acho que a Humanidade está a passar uma fase um bocadinho estranha e agressiva. Há muita consciência do que se está a passar, a reação a isso é que tarda, parece estar difícil de acontecer.
O concerto no Coliseu será em formato 360º, o que dá ainda um ar mais intimista. Isso é possível com tantas pessoas presentes?
Vai ser a primeira vez que vou atuar completamente sozinho no Coliseu, por isso vou tentar tornar o concerto o mais interessante possível. Ainda estou a tentar perceber de que maneira é que se consegue passar essa intimidade do Tiago na Toca para aquele espaço em termos cenográficos. Estando no meio da sala, vou ter de me virar para todos os lados, pelo que ainda estou a tentar entender como faço esse jogo. Mas, vai ter certamente um ambiente muito giro, muito intimista e muito especial.
Para além do citado Rilke, nesta seleção podemos encontrar Guy de Maupassant, David Mourão-Ferreira, José Saramago, Sophia de Mello Breyner Andresen, Alexandre Nobre Pais, Charles Dickens, Truman Capote, um conjunto de histórias escolhidas por Vasco Graça Moura e a arte da pintora Paula Rego.
Rainer Maria Rilke
A Vida de Maria
Publicado em 1913, Vida de Maria constitui um ciclo completo sobre a figura da Virgem Maria. A sequência dos poemas segue uma cronologia que acompanha os seus momentos mais significativos, orientada pelas representações plásticas de dois manuais da arte do leste europeu: o Manual de Pintura do monge pintor Dionísio do Monte Athos e o Paterikon do Mosteiro da Caverna de Kiev, sobre a pintura de ícones. A Bíblia e a Legenda aurea de Jacobus de Voragine constituem as fontes principais do texto. Tal como nas Elegias de Duíno, Rilke opera uma síntese poética do seu diálogo com formas de arte tanto ocidentais, como orientais. Portugália Editora
Guy de Maupassant
Dois Contos
Os contos Uma Consoada e Noite de Natal, de autoria de um dos maiores expoentes do género, Guy de Maupassant, pertencem ao volume Intitulado Mademoiselle Fifi, publicado em 1882. O primeiro apresenta um tema manifestamente macabro e o segundo surge repleto de humor. Deliciosas pequenas narrativas, bem representativas do espírito do autor, tal como José Saramago, tradutor e prefaciador destes contos, o definiu: ”truculento, capaz de escárnio, destruidor de conformações sociais e morais.” Relógio D’Água
Paula Rego
Ciclo da Vida da Virgem Maria – Capela do Palácio de Belém
O sagrado e o profano
Paula Rego foi convidada, em 2002, a criar um ciclo de oito quadros alusivo à vida da Virgem Maria destinado a ocupar a antiga capela de Nossa Senhora de Belém, na residência oficial do Presidente da Republica. A pintora opera, com este surpreendente conjunto, uma extraordinária síntese entre o sagrado e o profano, entre o bíblico ou o mítico e o quotidiano. Esta magnífica publicação ajuda-nos a entender melhor o verdadeiro significado deste notável ciclo de pinturas: um diálogo complexo e inspirado entre o património cultural de que somos herdeiros e as vivências de Paula Rego enquanto mulher e artista. Museu da Presidência da Republica
David Mourão-Ferreira
Cancioneiro de Natal
Iniciado em 1960, e que o autor considerava uma “obra “aberta” ou “em suspenso”, Cancioneiro de Natal foi finamente concluído com um poema de 1995, Som de Natal. Nesta coletânea de poemas, escritos entre 1960 e 1986, David Mourão-Ferreira evoca as memórias de infância, a figura inspiradora de Jesus e o mistério do nascimento, propõe uma ideia de despojamento e partilha e constata, com ironia, como o mundo dos homens se afastou do espírito do Natal. Perspetiva, por fim, um tempo sem tempo que se eterniza depois da morte: “Um tempo em que o Nada retome a cor do Infinito.” Assírio & Alvim
Sophia de Mello Breyner Andresen
Noite de Natal
Joana não tem irmãos e brinca sozinha. Um dia, conhece Manuel, “todo vestido de remendos”, e convida-o a visitar o seu magnífico jardim. Na noite de Natal, lembra-se do amigo, pobre e sem presentes. Guiada por uma estrela, atravessa a floresta e leva-lhe o que recebeu. Celebrado conto infantil sobre o tema da amizade e da partilha e sobre o verdeiro significado do Natal, foi sucessivamente ilustrado por Maria Keil, José Escada, Júlio Resende, e Jorge Nesbit. Porto Editora
José Saramago
O Evangelho Segundo Jesus Cristo
Poucos livros fraturaram tanto a sociedade portuguesa como O Evangelho Segundo Jesus Cristo (1991). Os sectores católicos consideraram-no blasfemo; a Associação Portuguesa de Escritores atribui-lhe o Grande Premio de Romance e Novela. O governo, num ato de censura, riscou o livro da lista de candidatos ao Prémio Literário Europeu. Zangado, o escritor partiu para Lanzarote. Em 1998, recebeu o Prémio Nobel de Literatura. Polémicas passadas, o romance permanece como um dos melhores do autor e, das suas páginas, ressalta um Cristo da mais profunda humanidade. Porto Editora
Charles Dickens
Um Cântico de Natal
William Thackeray comentou (com um ponta de inveja?) que os livros de Charles Dickens eram escritos para um público de adultos com mentalidade de crianças. Dickens agradeceu a observação e declarou: “Precisamente. Escrevo para a espécie humana”. Nenhuma das obras do autor parece corresponder melhor a esta premissa do que Um Cântico de Natal. A história do Sr. Scrooge, um homem avarento que abomina a época natalícia, transformado pela vista de três espíritos, tornou-se um dos maiores clássicos de Natal, amado por sucessivas gerações de leitores de todas as idades. Clube do Autor
Truman Capote
Um Natal
Profundamente diferente do estilo objetivo e documental de A Sangue Frio, a mais famosa narrativa de Truman Capote, o conto Um Natal é um texto poético, intimista e de cariz autobiográfico. Um rapazinho, filho de pais divorciados, entregue aos cuidados de uma velha prima numa pequena cidade do Alabama, evoca a experiência de um Natal que se viu obrigado a passar com o pai, que mal conhece, em Nova Orleães. Uma comovente narrativa sobre um desencontro afectivo e o fim das ilusões de infância. ASA
Alexandre Nobre Pais
O Presépio em Portugal
O historiador Alexandre Nobre Pais, Mestre em Presépios Portugueses de Barro do Século XVIII, reúne, num belíssimo álbum profusamente ilustrado, alguns dos mais importantes presépios nacionais, incluindo de diferentes coleções particulares. Os Presépios de Barro reúnem duas das principais áreas artísticas de interesse do autor: a escultura e a faiança. Neste documento raro da bibliografia portuguesa fique a conhecer algumas representações inesperadas nestes tradicionais conjuntos de arte sacra como a Guerra de Tróia, cenas de caçadas, jogos de cartas ou uma fila de cegos. Caleidoscópio
Vasco Graça Moura e outros
Gloria in Excelsis – As Mais Belas Histórias Portuguesas de Natal
Vasco Graça Moura escreveu num poema evocativo do Natal: “na mais pobre semente a intensa dança / de tempo adulto e tempo de criança”. Neste volume seleciona mais de 40 histórias natalícias de autoria dos grandes clássicos portugueses dos séculos XIX e XX. Textos de Ramalho Ortigão, Eça de Queirós, Fialho de Almeida, Raul Brandão, Aquilino Ribeiro, Ferreira de Castro, José Régio, Vitorino Nemésio, Miguel Torga, Alves Redol, Sophia de Mello Breyner, Jorge de Sena, José Saramago, Natália Nunes, Maria Ondina Braga, Isabel da Nóbrega e José Eduardo Agualusa, entre muitos outros. Quetzal
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