Segundo o programador Nuno Sena “há vários anos que a Cinemateca tinha a intenção de organizar um extenso ciclo sobre a obra de um dos mais relevantes – e porventura menos conhecidos – cineastas americanos, cuja prolífica obra (com cerca de 1600 títulos) atravessa cinco décadas da história dessa cinematografia, desde o tempo dos pioneiros até ao final do período clássico.”

Inicialmente programada para 2020 “acabou por ser adiada pela pandemia, mas é finalmente apresentada, preenchendo talvez a maior lacuna da história da programação da Cinemateca, já que nunca tínhamos dedicado um programa com alguma extensão a este enorme cineasta.”

“The Most Dangerous Man Alive” (1961)

Allan Dwan nasceu no Canadá em 1885. Ainda jovem muda-se com a família para os Estado Unidos, onde se formou em engenharia elétrica. Quando trabalhava numa empresa do ramo como especialista de iluminação, entrou em contacto com a Essanay Film Manufacturing Company. Foi nesse estúdio cinematográfico que começou a colaborar, clandestinamente, como escritor, acabando por ingressar na empresa, que cedo o promoveu a editor. Estava criada a base para uma surpreendente e longa carreira no cinema que terminou apenas em 1958, com a rodagem de The Most Dangerous Man Alive, estreado em 1961. Allan Dwan faleceu vinte anos após a estreia do seu último filme, na Califórnia.

“Sans of Iwo” (1949) filme onde Jonh Wayne recebeu a primeira nomeação para o Óscar

A maior parte dos filmes realizados por Dwan datam de 1911, ano em que começou a dirigir a partir de uma bobina, ao ritmo de três filmes por semana. Era o início do cinema, onde tudo estava ainda por inventar, o que contribuiu para que Dwan fosse um dos pioneiros da indústria cinematográfica americana. Foi com ele que nasceu o dolly shot  – usou um automóvel em movimento para filmar o passeio do ator William H. Crane, em David Harum (1915). A sua capacidade inventiva era extraordinária e num trabalho que fez para o realizador D.W. Griffith, colocou pela primeira vez as câmaras a “pairar” sobre os gigantescos cenários de Intolerance (1916).

Cineasta imaginativo, pragmático e elegante fez um percurso que passou pelo período pré-clássico e por todo o classicismo americano, atravessando várias décadas onde trabalhou os diferentes géneros: musical, filme de guerra, melodrama, noir, western, comédia.

“Manhandled” protagonizado por Gloria Swanson

A primeira parte da retrospetiva, já em dezembro, abre com a curta-metragem Mother of The Ranch, obra do ano inicial de Dwan como realizador e o título mais antigo apresentado no ciclo. De seguida é exibido o seu derradeiro trabalho The Most Dangerous Man Alive (1961), uma história de ficção científica que o produtor Benedict Bogeaus, com quem Dwan colaborou nos últimos anos da sua obra, planeara como episódio-piloto para uma série televisiva de baixo budget.

Destaque também para Sands of Iwo Jima (1949), excelente filme de guerra onde o tom documental de Dwan imprimi um enorme realismo. Aqui, John Wayne protagoniza o tradicional papel do sargento duro, tendo recebido a primeira nomeação para o Óscar.

Ainda em dezembro, de salientar Manhandled, obra feminista, que conta, para além de Douglas Fairbanks, com outra vedeta do apogeu do cinema mudo, Gloria Swanson; e Driftwood, filme do pós-guerra, período em que o cineasta passou a trabalhar quase exclusivamente para produtores independentes e pequenos estúdios de “série B”, onde dirige a muito jovem Natalie Wood.

“Driftwood” com Natalie Wood

Para janeiro Nuno Sena destaca “três das obras máximas de Dwan, feitas em períodos muito distintos da sua filmografia e que são prova do seu talento e à vontade em géneros tão diferentes: ainda do período mudo, Robin Hood, um fabuloso filme de aventuras com o lendário Douglas Fairbanks como protagonista, Silver Lode, um trepidante western que merece figurar entre os maiores filmes deste género; e Slightly Scarltet, um film noir (a cores) de uma modernidade surpreendente que mostra que mesmo quase até ao final da carreira Dwan foi capaz de renovar o seu cinema.”

“Slightly Scarltet”

Por fim, é importante referir que a organização deste ciclo contou com a colaboração de diversas entidades estrangeiras, com destaque para os arquivos americanos, nomeadamente a George Eastman House, a Library of Congress e a UCLA.  Sem a sua ajuda não teria sido possível revelar ao público a obra única de um realizador que esteve esquecido, mas que nos últimos anos tem vindo a ser valorizado por várias gerações de críticos e historiadores.

A retrospetiva é acompanhada por uma pequena edição dedicada ao cineasta, a primeira de uma nova coleção da Cinemateca Portuguesa, de cadernos de apoio a ciclos de autores estrangeiros ou temas do cinema internacional.

Programação completa aqui

José Gardeazabal

Viver feliz Lá Fora

No passado mês de março, José Gardeazabal publicou Quarentena – Uma História de Amor sobre um casal decidido a separar-se, condenando pela pandemia a um regime forçado de intimidade, analisando a sua vivência dentro das quatro paredes de um apartamento e a vida coletiva do “mundo de fora”. O tema da pandemia regressa na sua mais recente obra, um volume poético em cinco líricas (“anunciam-se óbitos em dominó”, “respiramos com medo de respirar”, “somos todos iguais / ninguém queria esta igualdade”). Também aqui explora o contraste entre “dentro” (a humanidade do lado de dentro/ de pé/ encostada a uma porta”), e “fora” (“vou lá fora viver um bocadinho / que aqui faz muito calor / vou a uma parte bonita da Suíça”). Paralelamente, reflete sobre o estado do mundo (“como uma ilha temos naufrágios por todo o lado), o presente (“a nossa civilização parada como Pompeia”) e o futuro (“o futuro a olhar para trás / e a sussurrar-nos / vês? nada”), o mito da eternidade (“a eternidade é uma fábula / só os bichos sobrevivem”) ou a fé na humanidade (“a fé na natureza humana inspirou guilhotinas / mas essa não é razão para não acreditar / acreditemos sem cabeça / alimentemos a fé de baixo”). Relógio D’Água

Henrik Brandão Jönsson

Viagem pelos Sete Pecados da Colonização Portuguesa

Henrik Brandão Jönsson, jornalista, correspondente sueco na América Latina, que  vive há 20 anos no Brasil, propõe-se dividir o mundo lusófono de acordo com os sete pecados capitais: “Em Goa, as drogas e a gula tinham uma posição segura. Em Macau, o dinheiro e a avareza dominavam. Na ilha paradisíaca de Timor-Leste, a soberba florescia e a na sensual Moçambique vivia-se a luxúria. Na temperamental Angola crescia a ira e no Brasil espalhava-se a preguiça. Entretanto, a pátria portuguesa sente a inveja de tudo o que criou no exterior mas não conseguiu conquistar em casa”. Num livro de leitura compulsiva, o autor alia os seus vastos conhecimentos da história colonial portuguesa às suas experiências pessoais nestes territórios e, através de vários episódios reveladores, tenta encontrar um fio condutor que, além da língua, ligue os países lusófonos caracterizando, justamente, aquilo que distingue a lusofonia. Uma obra fascinante que nos dá a ver o reverso da nossa identidade: a forma como os “outros” – ex-colonizados, emigrantes e estrangeiros – percecionam o nosso passado colonial e o momento presente. Objectiva   

Mário de Carvalho

De Maneira que é Claro

“Ainda hoje utilizo fórmulas breves que dispensam longos parágrafos, e associo palavras de acordo com os étimos, quer para descortinar, quer para criar sentidos. Também certas construções de frase me incomodam, perturbando uma cadência que trago no ouvido desde então”. Desta forma, Mário de Carvalho sustenta a necessidade do regresso do latim ao ensino secundário. Nestes textos breves com um limite de palavras que o autor se impôs, escritos “ao correr da pena”, surgem muitos outros temas que a memória quis abordar: a infância em Lisboa, as férias, o Liceu Camões, as amizades, o despertar da consciência politica, a faculdade, os movimentos associativos, a prisão ou o exílio. Contudo, estes textos tão evocativos não devem ser entendidos apenas como um profícuo exercício de memória, pois como confessa o autor: “Oxalá nos encontremos caro leitor. No fundo, no fundo – mesmo disfarçando -, é a si que eu busco”. E o encontro é perfeito porque, através da arte do escritor, estas vivências pessoais assumem ressonâncias coletivas. Porto Editora

Ray Bradbury

Crónicas Marcianas

A influência de Ray Bradbury (1920-2012) no universo da ficção científica, como qual é quase sempre identificado, foi profunda. Contudo, o autor transcende o género. A Morte É um Acto Solitário, por exemplo, é um belo romance policial inteiramente dominado pelo peso do passado. Crónicas Marcianas é, a par de Fahrenheit 451, a sua obra mais famosa. Ambas têm por tema o futuro da humanidade, numa perspetiva mais ou menos distópica. O livro é constituído por uma série de pequenas narrativas ordenadas cronologicamente que têm por tema a chegada do Homem a Marte, a sua conquista e colonização do planeta. Um impressivo relato sobre a natureza contraditória do Homem: o seu rasgo heroico e a sua tendência destruidora (“Nós os Homens da terra possuímos um talento especial para arruinar coisas grandes e belas”). Uma obra que adquire profundas repercussões, traçando um paralelo com a trágica história da colonização do continente americano. Por isso, escreve Ray Bradbury nestas Crónicas Marcianas: “A História jamais perdoará a Cortês.” Cavalo de Ferro

Guia de Arquitetura de Lisboa 1948-2021

O Guia de Arquitetura de Lisboa 1948-2013, que se encontrava esgotado, levou os editores a uma reflexão sobre a sua importância e a sua atualização, ultrapassado que ficou perante uma intensa construção na segunda década do século XXI e o acentuado crescimento da atividade turística na cidade e sua região. Assim, surge a segunda edição, revista e atualizada até ao ano de 2021. Seguindo o modelo da primeira edição, divide a cidade em 19 zonas específicas, delimitadas pela geografia, planeamento e fatores históricos que as congregam como tal. Às obras selecionadas para cada zona, aquando da primeira edição, juntam-se cerca de 50 novas entradas, construídas desde essa data até aos dias de hoje, e que espelham novos desafios e ideias a diferentes escalas para a capital. Esta escolha reflete a obra de Arquitetura na sua máxima variedade, desde os espaços exteriores aos interiores, dos espaços públicos aos privados. Para cada exemplo oferecido é fornecida uma informação base e um pequeno texto explicativo/crítico que facilita ao leitor a compreensão da obra. A+A Books

Ana Cássia Rebelo

Babilónia

Na capa do livro a imagem estilizada do Centro Comercial Babilónia, um dos shoppings mais antigos de Portugal, situado na Amadora. O livro de Cássia Rebelo não tem marcos toponímicos precisos, mas para quem viva em Portugal, e sobretudo os que tenham idade aproximada à da autora (n. 1972), apanharão algumas descrições de tipos físicos, ou citações culturais, e até mesmo impressões de uma vivência que sugere suburbanidade, que ajudam a pintar o quadro geral de relativa desolação que está em fundo nestas pequenas narrativas que não ultrapassam as três páginas. Mas o sentido de “babilónia” é mais amplo, e o livro sugere que o mesmo se refira às diferentes vozes de todas as protagonistas que se chamam invariavelmente Aninhas (como a escritora, Ana Cássia Rebelo). O jogo entre autobiografia e ficção é sugestivo; algumas destas Aninhas têm comportamentos que desafiam o conceito de escândalo, e nisso o livro parece procurar um sentido de rebelião que liberte estas mulheres dos condicionalismos do quotidiano. A literatura como reduto de liberdade que só conhece os limites da imaginação. Bookbuilders

Albert Hourani

História dos Povos Árabes

Albert Hourani (1915-1993) deixou uma obra considerável formada por mais de uma centena de ensaios e vários livros inovadores que culminaram na História dos Povos Árabes, publicada em 1991. Nas três décadas seguintes, a história dos árabes foi marcada por acontecimentos que nem ele poderia ter previsto, como os atentados de 11 de Setembro, a invasão americana do Iraque ou o fenómeno da “Primavera Árabe”. A presente edição surge, assim, atualizada por Malise Ruthven, académico, escritor e jornalista anglo-irlandês especializado em estudos religiosos, nomeadamente islâmicos, história cultural e extremismos religiosos, com uma vasta bibliografia publicada sobre o tema. Esta obra monumental tem por objeto a história das regiões de língua árabe do mundo islâmico, desde a ascensão do islão até meados da segunda década do século XX. A obra produz uma síntese magistral das estruturas sociais, económicas e culturais do mundo islâmico, bem como da forma como este evoluiu e se desenvolveu. Como escreve Malise Ruthven: “Os especialistas admirarão este livro pela profundidade da sua erudição, e o leitor comum por tornar tão acessível a história dos árabes.” Bookbuilders

Benji Davies

Floco de neve

Benji Davies, autor, ilustrador e realizador de animação, vive em Londres e estreou-se na literatura para crianças em 2014, com o livro A Baleia, pelo qual recebeu em 2014 o Prémio Oscar’s First Book. Os seus livros falam-nos de amizade, do amor pela natureza e da busca do nosso lugar especial no mundo. É um autor publicado internacionalmente e apreciado pelos leitores de todo o mundo. Floco de neve é uma das suas obras mais recentes, datada de 2020. Bem alto, nas nuvens, nasce um minúsculo floco de neve. Fofo, cristalino e branco, ele saltita e rodopia dentro da nuvem até que começa a cair… Este livro conta a história de uma menina, Noelle, e de um pequeno floco de neve – ambos ansiando por algo e em busca do seu lugar especial no mundo. Floco de neve é uma narrativa de Natal sobre a magia dos encontros inesperados, brilhantemente contada e ilustrada por Benji Davies, singular criador de álbuns ilustrados. Orfeu Negro

Esperança é o sucessor de Vem (2017). Qual é a mensagem deste novo disco?

Este disco tem um conceito e um tom muito natural e calmo. Embora tenha canções mais intensas, é o retrato de uma nova maneira de conduzir as coisas. Tenho tentado levar as coisas de uma forma mais natural e tranquila e penso que este álbum reflete isso.

O título pretende ser uma mensagem para os tempos que vivemos?

Na verdade, o álbum ficou pronto no final de 2019 e era suposto ser lançado entre janeiro e fevereiro de 2020. Entretanto surgiu a pandemia e lançar o álbum deixou de fazer sentido, ainda mais com o título que tinha, Felicidade. É um disco muito solar, mesmo a capa original, dourada, não fazia sentido tendo em conta as circunstâncias. Passei o confinamento dedicada à rotina possível, enfrentando as perdas e a gerir uma criança, e percebi que não era a altura de lançar o disco. Depois de um ano e tal, decidi voltar a pensar sobre isso e percebi que o álbum já não era o que tinha pensado originalmente. Já tinha mudado, mesmo sem ter sido lançado. Senti que tinha uma energia muito forte de esperança–que acaba por ser uma energia irmã da felicidade – e que estava mais de acordo com o momento que estamos a viver. Dar-lhe este nome evoca e intensifica ainda mais o seu significado. Também se alterou a capa, é azul – cor da calma e também cor da vida, do mar, do céu…

O confinamento serviu para escrever novas canções?

Tenho uma criança pequena, que me consumia grande parte do tempo, e foi muito complexo ter de lidar com a rotina da escola online. Depois também tive de ir ao Brasil para lidar com algumas perdas de amigos e familiares. Foi um ano muito difícil, não houve tempo para compor, mas acho que a composição vai nascendo dentro da minha cabeça. O ato de compor é colher. Mesmo que eu não esteja a compor, a minha cabeça está. As plantinhas vão nascendo, e quando preciso tirar alguma coisa eu vejo o que é que tem lá dentro [risos].

O disco tem participação de Preta Gil (Deixa Menina) e Nelson Motta (Barcelona). Como surgiram estas parcerias?

Nunca tinha convidado ninguém para participar num disco meu. Desta vez, numa conversa com o Marcelo [Camelo –músico e marido de Mallu] comentei que, sempre que canto esta música [Deixa Menina], na minha cabeça é a Preta Gil que a canta. Admiro-a há muitos anos enquanto mulher, cantora e artista, e ouvia sempre a voz dela na minha cabeça a cantar esta canção. Então ele sugeriu que a convidasse para cantar comigo, nunca me tinha ocorrido tal coisa [risos]!Ela aceitou logo, fiquei toda orgulhosa. Depois, no estúdio, quando estava a gravar Barcelona, sobrou um momento instrumental. Imaginei logo o Nelson a narrar qualquer coisa daquele jeito muito particular dele. Desta vez, já tinha aprendido que é possível pedir à pessoa para colaborar [risos]. Curiosamente, quando lhe mandei mensagem a fazer o convite, ele respondeu a dizer que estava em Lisboa. Foi ao estúdio e fizemos o dueto, foi ótimo.

Abriu-se uma porta para futuras colaborações?

Sem dúvida, achei divertidíssimo!

“A minha filha dá-me referências que depois ficam nas canções, faz-me ter um tom mais alegre e mais construtivo”.

Deixa Menina fala sobre a sua filha. A maternidade alterou a sua forma de compor?

A presença de um filho muda completamente a nossa vida, passamos a ter outras prioridades. Por mais cansaço que sinta, também tenho mais energia e quero sempre mais do mundo e mais de mim. Ela é uma motivação muito grande. Dá-me referências que depois ficam nas canções, há uma série de vivências que surgem pela presença dela. Acho também que existe um tom mais alegre e construtivo. Faço o melhor por ser uma boa mãe e isso repercute-se positivamente noutras áreas da minha vida. Tê-la na minha vida fez com que a composição ficasse mais alegre, positiva, construtiva e dançante. A minha vida melhorou com ela, por isso as minhas músicas ficaram melhores.

O disco tem também canções em espanhol e inglês. De onde vem essa preferência?

Quando era criança, já adorava cantar e gostava muito de Johnny Cash e Bob Dylan. Aprendi as músicas e cantava para os adultos e reparei que, quando cantava em inglês, ficavam muito mais impressionados. Nas férias, quando tocava na rua, também percebi que as pessoas me davam muitas moedas se eu cantasse em inglês. Então comecei a cantar e a compor em inglês… Quando comecei a tocar profissionalmente fi-lo em português, para poder comunicar melhor com o público. O espanhol acho muito elegante, então comecei a cantar em espanhol só para ser chique [risos].

De que forma Lisboa influencia a sua musicalidade?

Lisboa é uma cidade muito cosmopolita. No Cais do Sodré, por exemplo, há escolas de design, o Mercado da Ribeira, restaurantes… tudo isso são referências que vêm de vários lugares do mundo. As pessoas vestem-se de forma inovadora, dizem coisas interessantes, há sempre música nova para descobrir. Estas novas referências influenciam totalmente as minhas ideias. O meu dia-a-dia é muito dinâmico aqui. Como vivo no centro da cidade, reclamo do movimento, mas gosto dele, e isso influencia a minha música. Gosto muito da calma, mas acho que prefiro o movimento.

Existe uma forte comunidade musical brasileira em Lisboa. Isso ajuda a matar as saudades do Brasil?

Sem dúvida. Tenho uma amiga que tem um bar na Voz do Operário, o Samambaia. Ir lá é como viajar até ao Brasil em cinco minutos. Há música brasileira, samba, forró, pão de queijo… há muita vida cultural brasileira em Lisboa, o que também me faz sentir em casa.

A saudade dos palcos é muita?

Quando dei o primeiro concerto da tournée, em Guimarães, a sensação que tive quando comecei a cantar foi de descontrolo. Nestes momentos a entrega tem de ser superior ao trabalho que faço no dia-a-dia. Tem de ser uma entrega emocional e intelectual. Nesse concerto, senti que havia uma força que não controlava. Como se eu estivesse ao serviço de uma entidade maior.

Já há material para um futuro disco?

Tenho muitas ideias para o próximo álbum, estou doida para começar. Neste momento estou muito ocupada com a tournée, por isso não me consigo dedicar já a esse projeto, mas assim que as coisas acalmarem, talvez no início do ano que vem eu consiga começar a compor e – quem sabe -lá para meio do ano que vem começo a gravar.

A vontade da experimentação, do assumir do risco e de “nem sequer ter propriamente medo de falhar” sentem-se a cada momento de Arena, segunda criação do coletivo Outro, dirigido por João Leão e Sílvio Vieira, este último autor do espetáculo. Explicar o que por ali se passa, sobretudo quando a dita arena fica numa velha oficina de automóveis situada no coração de um dos bairros residenciais da freguesia de Arroios, seria como desvendar parte do mistério que rodeia esta aventura cénica, onde nada é previsível nem descura o efeito da surpresa.

Contudo, e sem com isso apontar um caminho, podemos revelar a existência de seis criaturas que se movem como uma unidade orgânica (a que o autor chamou Jan), embora cada um desempenhe um papel no coletivo. Rotineiramente, empreendem uma movimentação ritual, até que um dia, esta vai ser abalada quando, de dentro de água (literalmente), sai uma personagem alienígena em fato de astronauta.

Na génese de Arena esteve a premissa de que seria um espetáculo de teatro sem palavra dita. “Quando há dois anos, ainda antes da pandemia, começámos a trabalhar no projeto pensou-se que o pilar seria a tradução de música em cena teatral. Como o coreógrafo que traduz em gestos a música, aqui, o objetivo era traduzi-la em teatralidade, ou seja, em imagens, situações, personagens”, explica Sílvio Vieira.

Ao longo do processo criativo, foi precisamente a partir da música que os atores improvisaram, nascendo o essencial das situações de Arena. Mas, ao contrário do programado, algo essencial aconteceu: o espetáculo não iria acontecer na black box de um palco convencional, mas sim numa garagem. “Quando aqui chegámos, pedi aos atores para olharem para o espaço, escolher um canto e tentarem explorá-lo”, recorda o autor, sublinhando como a arquitetura desta antiga oficina abandonada, no 21A da Rua Carlos José Barreiros, “entrou na própria dramaturgia do espetáculo, sendo impossível transportar o que aqui sucede para outro local.”

Sem impor uma linha narrativa ou, como frisa o autor, “qualquer conceito político e ideológico”, Arena revela-se um objeto artístico de plena liberdade, “onde aquilo que se valorizou é a experimentação e a procura do belo, ou uma certa poesia. Como o dipositivo é aberto, qualquer espectador poderá fazer a leitura que entender. E isso é algo que me agrada num espetáculo”, lembra Vieira.

Esta aventura cénica que concilia com grande engenho e irreverência movimento, som, luz e todo um imaginário reivindicado do cinema mudo e dos grandes nomes da comédia, como Charlie Chaplin, Buster Keaton ou Harold Lloyd, é protagonizado pelos jovens atores Anabela Ribeiro, André Cabral, Catarina Rabaça, Inês Realista, Miguel Galamba, Miguel Ponte e Pedro Peças. No percurso da associação cultural Outro, nascida em 2018, Arena é o sucessor de As árvores deixam morrer os ramos mais bonitos, espetáculo escrito também por Sílvio Vieira, estreado em 2020, no Festival Temps d’Images.

David Greig, profícuo autor escocês, está longe de ser um nome estranho aos Artistas Unidos que o acompanham atentamente desde o início do século. Para a generalidade dos espectadores, Greig é recordado por ser autor de um dos grandes sucessos da companhia dirigida por Jorge Silva Melo: Cantigas de uma noite de verão, peça encenada por Franzisca Aarflot em 2010, no Teatro da Trindade, precisamente com Pedro Carraca no papel do protagonista masculino.

Agora, Carraca passa para o papel de encenador e leva à cena uma peça de 2006 que há muito o seduzia, mas que uma impressão errada foi tendendo a adiar. “Quando nos Livrinhos de Teatro publicámos o texto das Cantigas, e lhe associámos outras peças do David Greig, estava lá este Lua Amarela mas, na altura, o Jorge [Silva Melo] e eu ficámos com a sensação de que era uma peça muito juvenil. Um engano.”

Embora os protagonistas da peça sejam dois jovens adolescentes em fuga, Greig não se limita a construir uma viagem iniciática de procura do amor e do mundo. Antes, o autor conta uma história de juventude perdida por circunstâncias sociais e emocionais que se relacionam com a vida nos subúrbios, a desintegração familiar e a falta de perspetivas de futuro. Ou, citando o encenador, Lua Amarela “é uma espécie de Bonnie e Clyde moderno, mas um Bonnie e Clyde não por opção, mas por consequência.”

Lee, ou Macho Lee como prefere que o tratem, é um jovem problemático, referenciado pela segurança social e pela polícia, que vive com a mãe e o padrasto. Leila, ou Silenciosa Leila como é conhecida na escola, é uma boa aluna, de origem muçulmana, que esconde um segredo: às sextas a noite, dirige-se a uma loja de conveniência para ler revistas sobre celebridades enquanto se automutila.

Será numa dessas noites que o caminho dos dois se cruza, e perante o homicídio acidental do padrasto, Lee arrasta voluntariamente Leila da cidade para as highlands, onde procura reencontrar o pai que, por razão idêntica, também um dia fugiu, virando costas à cidade. O papel de Leila na vida do rapaz acaba por ir, como sublinha Carraca, “para além do amor que ambos descobrem”. Leila, com os seus silêncios, dores secretas e uma misteriosa delicadeza, faz com que ele se aperceba “de que, realmente, pode tomar a vida nas suas mãos”, não tendo de seguir um destino que à partida parecia traçado – o de replicar a vida do pai.

Com particular engenho, Greig constrói a road trip destes dois corações feridos usando como dispositivo a narração, recurso que tantas vezes é uma espécie de batota, ou um modo de atalhar as dificuldades do drama. Mas, em Lua Amarela, é esse uso que imprime uma tocante carga dramática ao texto, e que levou, por alturas da estreia americana da peça, o crítico Charles Isherwood, do New York Times, a falar numa “corrida impetuosa, quase incessantemente sussurrada nos nossos ouvidos.”

Lua Amarela, ou A Balada de Leila e Lee, conta, para além dos jovens atores Gonçalo Norton e Rita Rocha Silva nos papéis principais, com interpretações de Inês Pereira e de Paulo Pinto, que regressa em grande forma, mais de uma década depois, ao trabalho com os Artistas Unidos.

Os Diabo na Cruz separaram-se em 2019. Quando surgiu a vontade de formar uma nova banda?

Sérgio Pires (SP): Percebemos isso no último ano de Diabo. O Jorge [Cruz] já não pôde fazer os últimos concertos, fizemos a última tournée sem ele. A reação das pessoas e a química em palco mostraram-nos que, se calhar, devíamos continuar a fazer música juntos em vez de cada um seguir o seu caminho. Para além da amizade que nos une, tínhamos uma relação em palco cimentada em dez anos de estrada. Em SAL somos três ex-Diabo na Cruz. Na altura, ainda pensámos ir todos, mas com a pandemia tivemos de rearranjar a banda e acabámos por ficar três. Juntou-se o Dani, que já trabalhava connosco na estrada, e o Vicente Santos.

A sonoridade é parecida com o que já faziam em Diabo na Cruz. É um tipo de música que se enraizou no vosso ADN?

João Pinheiro (JP): Nunca pensámos em fazer uma coisa radicalmente diferente, nem igual. A formação da banda é diferente, por isso os dois projetos nunca poderiam ser iguais. Mas foi dali que SAL surgiu, não foi de outra banda e isso, por si só, já é parte do ADN.

SP: À medida que a música for sendo conhecida vai ser mais fácil perceber o universo de SAL, que é diferente do universo de Diabo na Cruz, que foi uma banda de personalidade muito forte que marcou uma época na música portuguesa. Naturalmente que há semelhanças, porque a raiz é a mesma. Não houve nenhuma intenção de seguir um caminho semelhante, foi um caminho natural, do ponto de vista da composição e da criatividade.

Como foi começar uma banda em circunstâncias tão atípicas?

JP: Na verdade, a idealização do projeto ocorreu antes da pandemia. Gravámos as primeiras músicas antes do primeiro confinamento ser decretado, mas o calendário que tínhamos previsto acabou por não se concretizar. Nessa altura, em março de 2020, estávamos com uma certa pressa de gravar um single, mas acabámos por não o fazer. Foram dois anos praticamente nulos de trabalho, mas acho que, de certa forma, até deu jeito, deu-nos tempo para fazer as coisas com calma.

SP: Para todos que trabalham na área da Cultura foram (e ainda estão a ser) tempos muito difíceis, mas não deixa de ser engraçado olhar para trás e pensar que estávamos cheios de pressa para lançar música e de repente fomos todos para casa e a música só saiu quase dois anos depois. Esse tempo que nos foi imposto acabou por servir como uma espécie de refúgio. Um músico fechado em casa sem poder dar concertos acaba por pegar nos instrumentos e fazer música. Isso acabou por amadurecer o nosso som, fez-nos estar mais preparados e ter mais repertório. Claro que gostávamos de já estar a lançar um segundo disco, mas cada coisa tem o seu tempo.

O primeiro single, Passo Forte, simboliza os vossos primeiros passos?

JP: A letra fala sobre isso, sobre a coragem de sair de uma banda com a dimensão de Diabo na Cruz e darmos o nosso próprio passo, o mais convicto e seguro possível, sem medos. A Lília Esteves acompanhou o último ano de Diabo na Cruz e esta passagem para os SAL e fez a primeira letra, que serviu de mote para o Sérgio começar a tirar da cartola montes de letras e uma criatividade que nós não conhecíamos (e se calhar nem ele).

SP: Quer a energia da canção, quer a letra, abriram espaço para acreditarmos que era possível. É normal ter receios, sobretudo depois de dez anos de banda, que era uma parte importante das nossas vidas. Pusemos muita coisa em causa, é como uma relação que termina. Junta-se isto à pandemia, à falta de concertos, e de repente as dúvidas vêm ao de cima. Esta canção serviu de alavanca.

“‘Passo Forte’ fala sobre a coragem de sair de uma banda com a dimensão de Diabo na Cruz e dar o nosso próprio passo, o mais convicto possível, sem medos”

Porquê SAL?

JP: Tínhamos uma lista inicial de nomes, que, a dada altura, passou a ter mais de cem. Quantos mais acrescentávamos, mais baralhados ficávamos. A certa altura, o Carlos Guerreiro, dos Gaiteiros de Lisboa, que sempre demonstrou um grande interesse por este projeto, também se envolveu na questão do nome. Um dia, ao telefone, perguntou-me: “E se for SAL?”. O nome foi para a lista e, de repente, tínhamos o primeiro videoclipe feito, as músicas todas gravadas e ainda sem nome para a banda. Às tantas, o Sérgio lembrou-se da sugestão do Carlos Guerreiro e todos concordámos.

SP: Quando estamos perdidos no meio de tantas hipóteses, questionamo-nos se foi a escolha certa, mas à medida que o tempo vai passando, vamos percebendo que sim. Conseguimos encontrar muitas ligações à nossa música e àquilo que fazemos.

O Sérgio assumiu o papel de vocalista. Foi difícil passar a ser o frontman?

SP: Isso remonta ainda ao tempo de Diabo na Cruz. Quando o Jorge saiu, ficámos na dúvida sobre o que fazer: se cancelávamos os concertos ou se continuávamos sem ele. Um dia, estávamos a fazer um brainstorming sobre as nossas hipóteses, e o nosso agente, José Morais, sugeriu que eu assumisse esse papel, uma vez que estava mais habituado a estar na linha da frente, no palco. Como músico, estou habituado a fazer muitos papéis diferentes. A digressão foi ótima, fomos felizes em cima do palco e as pessoas gostaram dos concertos e não se sentiram defraudadas, o que já foi uma grande vitória. Saltando para SAL, acho que acabou por ser uma transição natural dessa energia que veio de trás. Não sou detentor de uma grande voz, mas sempre participei nos coros, e estou a tentar cantar melhor. Apesar de ser tímido socialmente, o palco é um sítio onde me sinto extremamente confortável.

Os Diabo na Cruz criaram um vínculo muito forte com os fãs. Continuam a seguir-vos?

JP: Já temos um grupo de fãs [risos]. Uma das coisas que fez com que os nossos receios caíssem por terra, foi saber que tínhamos aquela malta amiga, que já vinha de Diabo na Cruz. Por exemplo, o Miguel Farrusco, que criou o grupo de fãs de SAL, envia-nos mel e garrafas de moscatel, é incrível! É muito bom saber que estavam à nossa espera.

SP: Diabo na Cruz tinha fãs muito leais e presentes, que iam aos concertos todos. Esta generosidade e gentileza das pessoas já é, por si só, um bálsamo que nos dá força. Saber que há um grupo de pessoas que não nos deixa cair, é quase como uma rede de proteção. São os primeiros concertos, estamos a começar, mas sabemos que, se correr mal, eles vão estar ali para nos amparar. Têm sido de uma generosidade incrível, estamos muito gratos.

O tema que fecha o disco, Não sou da Paz, conta com participação do Carlão. Como se lembraram dele?

JP: Essa é, talvez, a canção mais assertiva e interventiva do disco. Achámos que umas palavras, numa onda mais hip hop, podiam servir a canção. O Sérgio, que é amigo do Carlão, lembrou-se de o convidar a participar e passado uns dias ele enviou-nos a parte dele, que é o que está no disco.

SP: Quando fiz essa canção já tinha uma ideia mais ou menos definida do que gostava que a canção fosse. Já achávamos que seria a canção que fecha o disco, quase como que a embrulhar o presente. Sempre gostei de rap e da cultura hip hop e quando acabei de escrever a letra senti que faltava ali qualquer coisa mais assertiva. A voz do Carlão fazia todo o sentido ali. Ele acaba por embrulhar o poema, que foi escrito por ele, e depois a canção despede-se instrumentalmente. Ficou impecável, não se mexeu em nada. Era o desfecho que tínhamos pensado para este primeiro disco.

Em novembro apresentam o disco de estreia no Maria Matos. As saudades do palco são muitas?

SP: Será o primeiro concerto pós-lançamento do disco, portanto à partida as pessoas já irão conhecer as canções um bocadinho melhor. O disco é muito honesto e temos estado assim também no palco, despidos emocionalmente, com força para entregar as canções às pessoas. Neste concerto vamos tentar ser um bocadinho mais racionais. Estamos nesse momento de pegar nas canções e descobrir como as adaptar para um espetáculo indoor. Vamos também ter uma surpresa ou outra, que ainda não podemos revelar. Será um concerto de uma banda de rock crua, honesta e direta, mas com algumas nuances, nas quais estamos a trabalhar.

Festejar um aniversário é quase sempre um ritual de celebração da vida. Reunir familiares e amigos, cortar o bolo ou brindar à vida do aniversariante, fazem parte desta tão nossa tradição festiva associada à passagem do tempo. Ora, é precisamente para uma festa de aniversário do Teatro Meia Volta e Depois à Esquerda Quando Eu Disser, que a Casa do Capitão abre portas diariamente, até 20 de novembro, por volta das 19h30.

Por lá estarão as personagens-anfitriãs de Alfredo Martins, Anabela Almeida, Cláudia Gaiolas, Luís Godinho e Sara Duarte prometendo a boa disposição que se exige à ocasião. Porém, não se surpreenda se a dado momento cada um deles o convidar a entrar num quarto ou numa sala mais recôndita da casa. Há, certamente, uma história para contar à margem da festa, e talvez esteja longe de ser tão festiva quanto o esperado num espetáculo que, afinal, se intitula Joyeux Anniversaire.

Descortinada parte da surpresa, talvez já tenha percebido que o espetáculo está longe de transbordar felicidade. É verdade que tudo começa e acaba numa festa, mas no recato do local onde se dança ou rebentam pinhatas, existem personagens que procuram lidar com o avanço dos anos, com os corações quebrados pela solidão ou com os sonhos nunca cumpridos nesses tempos que já não voltam. Em comum, este é o dia dos seus aniversários e, muitas vezes, como já nos ensinou tanta poesia, isso só pode mesmo ser trágico.

Aproveitando as particularidades arquitetónicas de um primeiro andar na Casa do Capitão, em Joyeux Anniversaire, o Teatro Meia Volta apanha a boleia da festa de aniversário e procura uma  reflexão sobre a vida e o tempo, a partir de cinco  monólogos escritos pelo artista plástico e poeta André Tecedeiro, concebidos especificamente para cada um dos atores do coletivo.

Ali mesmo ao lado da sala onde se faz a festa, em cada uma das cinco salas de cinco cores diferentes, cada uma das cinco personagens despoja-se perante uma plateia reduzidíssima (são três espectadores em cada sala, de um total de…15). E, muito provavelmente, quando no final anfitriões e convidados se reúnem para a fotografia de grupo, talvez se conclua que nunca uma festa de aniversário foi tão melancólica.

A Formiga Atómica cria peças de teatro, maioritariamente destinadas a um público mais jovem. Foi o que sempre quis fazer ou surgiu naturalmente?

Na verdade, não pensamos muito nisso. Vamos fazendo espetáculos e projetos que respondam a uma inquietação, a uma urgência. Começámos, de facto, com um trabalho muito direcionado para o público mais novo, A Caminhada dos Elefantes, mas aconteceu porque o que nos interessava mesmo era abordar a questão da morte com crianças a partir dos seis anos. A partir daí, os nossos espetáculos foram sendo sempre filhos uns dos outros, uns foram dando origem aos outros, e penso que já fizemos espetáculos para todos os públicos. O Estado do Mundo (Quando Acordas), por exemplo, pretende-se que seja um díptico, ou seja, agora há este para um público mais novo, mas depois haverá outro mais para a frente, com uma outra escala e uma pesquisa mais aprofundada, dirigido ao público adulto, onde esperamos abordar a ideia das alterações climáticas, mas já numa vertente mais política, geográfica e social.

Sentem que há necessidade de ter algum cuidado especial quando escrevem ou encenam para este tipo de público?

Nós gostamos que os nossos espetáculos tenham camadas diferentes, havendo sempre umas que são exclusivas para os adultos e outras exclusivas para crianças. E, mesmo dentro da infância, há coisas que vão funcionar para crianças de dez anos e que não vão funcionar para crianças de seis. Gostamos de construir os espetáculos com esse jogo em mente. Quando definimos uma faixa etária a partir da qual se pode assistir aos espetáculos, fazemo-lo tendo em conta quais os instrumentos que vamos utilizar e que possam ser apelativos para essas idades. Também tentamos sempre adaptar a linguagem, não no sentido da censura ou de não falarmos de determinado assunto, mas na forma como o fazemos. Normalmente, em criações direcionadas ao público mais jovem, damos sempre alguma informação que, naturalmente, uma criança de seis anos não tem. No início de cada espetáculo procuramos que haja sempre um momento de democratização, como se fosse um manual de instruções, para que, depois, todos estejam em pé de igualdade quando a história for contada.

Em novembro, apresentam no Lu.Ca o espetáculo O Estado do Mundo (Quando acordas), que aborda o tema das alterações climáticas e de até que ponto os nossos pequenos gestos podem causar grandes impactos. Como surgiu esta ideia?

Este espetáculo partiu da premissa do tal díptico. Este primeiro momento é direcionado para o público jovem, é de pequena escala e parte de uma ideia de manipulação de pequenos objetos para que o outro espetáculo, dirigido ao público adulto, possa ser de grande escala. Mas há aqui uma intensão: havia muito esta vontade de podermos, através das miniaturas e dos objetos, levar à cena grandes catástrofes naturais. Portanto, posso dizer que é daqui que nasce a ideia: como abordar grandes desastres naturais através das miniaturas e de um espaço reduzido em cima do palco. E, ao mesmo tempo, como é que vamos abordar esta temática tão complexa e tão essencial, a de sermos conscientes por todos nós. Como é que a vamos abordar, não só para as crianças, mas também para as famílias.
©Enric Vives-Rubio

As vossas criações são sempre obras que procuram fazer pensar e refletir. Nesta peça, que reflexões procuram suscitar no público para além da questão central, a tal exploração de causa-efeito entre pequenos gestos e grandes consequências?

A coisa mais relevante nesta peça é, sem oferecer quaisquer soluções e sendo apenas um veículo para todos juntos refletirmos sobre a questão, a importância da consciência. É nós sabermos o que é que se passa no mundo. Que o planeta é este lugar de recursos finitos e de um equilíbrio absolutamente periclitante e instável onde, de certa forma, tudo depende de tudo. Portanto, se estamos a dar conta dos recursos do petróleo, estamos obviamente a impor a seca em alguns lugares, estamos naturalmente a emitir CO2 de uma forma descontrolada. Esta ideia de equilíbrio é muito importante, mas ela não pode existir sem esse princípio da consciência. Aquilo que o espetáculo também propõe é o retrato do mundo; é fazer uma viagem para percebermos quais são os problemas que se vivem nos dias de hoje, de que forma eles estão ligados e de que modo, em última análise, a ação individual de cada um pode causar algum impacto.

Em paralelo a esta peça, criaram ainda Isto não é uma brincadeira, uma série de oito ‘mini-episódios’ que é um convite para crescer em ativismo enquanto se decresce em consumismo. O que se pode ver ali?

A ideia é, precisamente, através de vídeos de três minutos, termos especialistas em determinados assuntos a falarem das cinco coisas mais importantes que é preciso saber para se estar minimamente consciente do problema em questão. Como compreender a crise climática, como se pode fazer uma compra de roupa completamente sustentável, como fazer para ir as compras e não trazer mais nada senão aquilo que nos propusemos comprar são alguns dos conteúdos que se podem encontrar nestes filmes, que mais não são que convites ágeis e ativos para pensarmos e agirmos em relação ao tema.

Já se percebeu que o teatro é um veículo eficaz na transmissão de mensagens, especialmente quando se trata dos mais novos. Que outros temas urgentes e inquietantes pensam abordar num futuro próximo?

Neste momento estamos muito concentrados nesta questão, pois parece-nos ser absolutamente essencial e urgente, pensando no futuro e no tempo que nos resta a todos, enquanto humanidade. É um tema sobre o qual queremos muito refletir nas suas múltiplas dimensões. No entanto, interessa-nos sempre abordar outras questões, como o feminismo e o racismo, por exemplo. Em breve teremos também um espetáculo onde será abordado o tema da Educação e que proporá uma reflexão sobre o que é educar e como é que se educa.

Foste vocalista dos Capitães da Areia. Quando é que percebeste que querias ‘voar’ sozinho?

Bastante tarde [risos]. Foi no momento em que percebi que queria continuar a existir artisticamente, que precisava de escrever canções, que precisava do palco, mais num sentido anímico do que qualquer outro. Na banda, cada um tinha a sua profissão e a sua vida. Eu estava muito agarrado a essa vontade de estar em cima de um palco, os outros membros da banda tinham também outros interesses, e às tantas entrámos num processo de pausa. Eu estava disposto a esperar, e continuo. A questão é que esta pausa nos Capitães da Areia tanto poderia demorar um ano como seis (que é o tempo que já dura).

O disco de estreia foi lançado em 2020 e o segundo saiu em outubro de 2021. Pode dizer-se que, no teu caso, o confinamento foi bastante produtivo?

Faço sempre por ser produtivo. Não tenho problema em dizer que me fui muito abaixo nas primeiras semanas, mas depois pensei “pior não pode ficar”. Então, achei por bem arregaçar as mangas e reagir. O primeiro disco acaba por ser essa reação.

As tuas canções parecem revelar imenso sobre ti. São uma espécie de catarse?

Talvez essa seja a palavra que melhor exprime o que as canções são para mim. As canções que escrevo para outras pessoas são trabalhadas, pensadas. As que escrevo para mim acabam por ser quase um desabafo, como se estivesse a escrever um diário. Como sou eu que as vou cantar, e não me considero propriamente um intérprete, ou seja, não vejo em mim uma grande capacidade para cantar o que os outros escrevem, acabo por ficar refém daquilo que sinto. É-me mais natural cantar coisas que sinto ou senti, do que propriamente histórias imaginadas. Acaba por ser a solução, partindo de uma fraqueza (se é que lhe podemos chamar assim).

Essa exposição pode ser dolorosa?

Bastante, mas faz parte do processo. O palco é um território onde me sinto bem, mas claro que há o reverso da medalha. Já me aconteceu estar em cima do palco e não conseguir cantar determinados versos naquele momento específico, estando determinada pessoa na plateia a assistir. Como não sou ator, é muito difícil desligar o interruptor e fingir que me é tudo indiferente ou que são coisas que escrevi por acaso. Geralmente, os artistas não são pessoas emocionalmente muito estáveis, mas essa incapacidade de sentir frieza perante o que estou a cantar torna-se num grande desafio, que é o de estar sempre preparado não para interpretar, mas para abrir o coração e as coisas começarem a sair.

O que acaba por ser muito genuíno…

As pessoas reconhecem dessa forma. É quase como se eu estivesse dentro de casa. Na rua, ou noutros locais, estamos sempre um bocadinho mais de pé atrás ou protegemo-nos em determinadas situações. Em casa somos o que somos: se tivermos de chorar choramos, se tivermos de gritar gritamos. O palco acaba por ser uma segunda casa, tem é esse lado de as pessoas estarem ali perto de mim. Se de repente me distraio e me apercebo disso, fico muito envergonhado. É como se fosse um monólogo e a partir do momento em que as pessoas reagem às canções isso mexe comigo.

“Temos de merecer o ‘sim’ das pessoas, seja no trabalho, nas relações ou no mundo artístico.”

Continuas a contar com a participação do Tiago Brito [membro dos Capitães da Areia] nos teus discos. Para quando o regresso da banda?

Essa é uma conversa recorrente entre nós, mas é um assunto difícil, porque as vidas de cada um estão encaminhadas e os astros não estão alinhados [risos]. Às vezes é uma questão de timing. Quando parece que vai ser a altura certa, afinal não é. É uma incógnita. Acreditamos que esse regresso se irá concretizar, mas mais vale nem pensar muito nisso, quando tiver de ser será. É um cliché, mas é mesmo assim. A predisposição existe, estivemos muito tempo juntos, houve muitos momentos bons, o que nos traz uma certa nostalgia. Da mesma forma que as relações, por existirem, não têm de durar para sempre, uma banda também acaba por ser assim.

O primeiro disco chama-se Depois logo se vê, e o mais recente Tinha de ser assim. Há alguma mensagem por trás destes títulos?

Com o Depois logo se vê, eu tinha o título antes de ter as canções. Esse disco partiu de umas conversas que tive com o meu agente, ainda ele era apenas meu amigo, em que ele dizia que se calhar estava na altura de fazer um caminho a solo, porque podia ficar muito tempo à espera que os Capitães da Areia se voltassem a reunir. Nessas conversas, perguntava-lhe “e a que é que eu vou soar?”. Ele dizia “depois vê-se, isso depende de quem for o produtor. Avança e depois logo se trata disso”. Decidi então construir uma carreira a solo e depois, a todas as questões que me fizessem na altura, eu responderia com “depois logo se vê”. Pensei que fazia sentido dar esse nome ao disco, até para me lembrar bem do meu estado de espírito nessa altura. O Tinha de ser assim é exatamente o oposto. Tinha outros títulos para este disco, e outras ideias que acabaram por não se concretizar, só que, entretanto, as coisas começaram a alinhavar-se de determinada forma. O Tiago [Brito] reagiu imediatamente à chamada e disse que tínhamos de avançar e fazer o disco em tempo record. O disco foi feito num sprint, e na altura pensei que era porque “tinha de ser assim”. Acho importante que os títulos dos discos e dos filmes não sejam escolhidos ao acaso. Gosto que façam muito sentido.

Carrossel conta com a voz do Rui Reininho. Como surgiu esta parceria?

Cantar com o Rui Reininho já era um sonho muito antigo, daqueles que vamos reprimindo porque sabemos que é muito difícil e que, por isso mesmo, não vale a pena pensar neles. Desde miúdo que tinha esse desejo. Da mesma forma que sou sonhador compulsivo, também tenho noção de que tenho de estar preparado para a realidade. Não basta enviar um email, ou encontrar a pessoa na rua e dizer-lhe que gostava de trabalhar com ela. Temos de merecer o ‘sim’ das pessoas, seja no trabalho, nas relações ou no mundo artístico. Escrevi esta canção de madrugada e na manhã seguinte mostrei a canção e disseram-me que a devia enviar ao Rui Reininho porque talvez ele gostasse. Achei curioso dizerem-me isso. Decidi então arriscar e enviei-lhe um email a perguntar se gostava da canção e a dizer-lhe o que ele representava para mim. A resposta foi muito simpática, com imenso tato e muito divertida. Perguntou-me se eu queria que ele viesse a Lisboa gravar ou se ia eu ter com ele ao Porto. Tratei de tudo para ir ter com ele ao Porto para gravarmos a canção e foi mais fácil do que alguma vez imaginei. Houve um momento em que, sorrateiramente, dei um beliscão no meu braço para ter a certeza de que aquilo estava mesmo a acontecer. Foi um momento que dificilmente esquecerei, mesmo que comece a ficar com a memória turva daqui a muitos anos [risos].

O concerto de 11 de novembro, no Capitólio, marca o teu regresso aos palcos lisboetas. Tens saudades de dar concertos?

Não é só saudade, é uma ressaca muito forte. É algo que me faz muita falta, só espero é estar à altura. O último concerto que dei foi precisamente há um ano, o que é muito tempo.

És muito proativo e rápido a produzir novas canções. Isso quer dizer que já há material para um novo disco?

Material já há, não sei é se é esse que vai ser usado. Quando lanço um disco, sinto sempre um certo alívio, no sentido de “agora já não é comigo”, é um assunto que já está trancado. A partir do momento em que isso está resolvido, começo a pensar no que vem a seguir. Este, de facto, demorou pouco tempo, mas há discos que demoram quatro, cinco anos a fazer. Certamente não irei demorar esse tempo, mas sim, já estou a pensar na continuidade destes dois discos, mas isso também vai depender do que a vida nos vai trazer. Se me mandar para casa, privado de concertos, provavelmente esse disco vai acabar por ser um reflexo disso. Neste momento, sinto que as coisas estão um bocado em suspenso, acho que está tudo em aberto, mas dentro de dois anos conto ter outro disco lançado.

O LEFFEST está de regresso para a 15.ª edição com um programa ambicioso que apresenta em antestreia muitos dos filmes mais aguardados da temporada e que conta com a presença de vários cineastas, músicos e convidados especiais. Homenagens e retrospetivas fazem também parte da programação, contemplando, entre outras personalidades, Jane Campion, Ryûsuke Hamaguch, Cristi Puiu e Rodrigo Areias. Este ano celebra-se ainda a cultura Rom (da qual fazem parte os povos roma) com um programa especial que inclui música, cinema, literatura e artes plásticas.

Em Competição

A Night of Knowing Nothing, de Payal Kapadia

Primeira longa-metragem, da cineasta indiana Payal Kapadia teve estreia, este ano, no Festival de Cannes, na Quinzena dos Realizadores. O filme, à semelhança das curtas anteriormente desenvolvidas pela realizadora, desvenda questões sociais e políticas que assombram a Índia. Através de memórias, sonhos e ansiedades são reveladas injustiças, preconceitos, tradições e crenças culturais. Uma estudante do Instituto de Cinema e Televisão da Índia, troca cartas com o namorado, que a irá abandonar por exigência da família, uma vez que ela pertence a uma casta inferior; estudantes fazem greve na escola contra a nomeação de um novo diretor, ator de televisão e cinema comercial, militante do partido do governo. Cruzando realidade e ficção esta é também uma obra em defesa de um cinema livre.

Ouistreham, de Emmanuel Carrère

Emmanuel Carrère, escritor francês, regressa à realização depois de um interregno de 16 anos. Carrère faz uma adaptação livre do livro de não ficção da jornalista francesa Florence Aubenas, Le da Quai de Ouistreham (uma crónica social e uma denúncia das condições instáveis e exaustivas do trabalho em empresas de limpeza). Juliette Binoche é a protagonista desta história que segue uma escritora infiltrada no mundo do negócio dos trabalhos de limpeza, com o objetivo de investigar e conhecer a realidade da precariedade laboral na sociedade francesa. O filme venceu no Festival San Sebastián 2021 o Prémio do Público para Melhor Filme Europeu.

Red Rocket, de Sean Baker

Depois do aclamado Florida Project, Sean Baker está de volta com Red Rocket um filme novamente centrado nos que são marginalizados e vivem nas franjas da sociedade americana. Baker conjuga com mestria, humor e drama para caracterizar uma realidade angustiante. A narrativa acompanha uma estrela, em declínio, do cinema porno que regressa à sua cidade natal (Texas City), para pedir à ex-mulher que o acolha em sua casa por uns tempos. Parte do elenco é composto por não atores, no entanto o protagonista, Simon Rex, ator americano mais conhecido por participar em sitcoms de adolescentes e em filmes leves como Scary Movie, apresenta-se aqui num registo muito diferente do habitual, que tem merecido o elogio da crítica.

Unclenching The Fist, de  Kira Kovalenko

A russa Kira Kovalenko conta uma história de sofrimento e trauma. Numa antiga cidade mineira da Ossétia do Norte, a jovem Ada, uma das muitas vítimas do cerco escolar de 2004 em Beslan, levado a cabo por chechenos que exigiam a retirada da Rússia do seu país, é mantida numa redoma sufocante pelo pai. A recuperar do trauma proveniente do ataque, Ada procura escapar ao domínio excessivo da família que ama mas que planeia abandonar. As montanhas que envolvem a cidade e que servem de cenário à narrativa, o corpo marcado e ferido de Ada são a metáfora perfeita de uma nação desolada que, à semelhança da adolescente, precisa de se libertar. O filme venceu no Festival de Cannes o Prémio Un Certain Regard.

Fora da Competição

A Hero, de Agashar Farahid

O realizador iraniano, que já arrecadou dois Óscares na categoria de Melhor Filme Estrangeiro, apresenta o seu mais recente filme A Hero, vencedor do Grande Prémio do Júri, em Cannes e que é novamente candidato ao Óscar. A história segue Rahim, um homem que foi preso por não conseguir pagar uma dívida. Durante uma saída precária de dois dias Rahim tenta resolver o problema que o colocou na atual situação, mas uma escalada de mal-entendidos e mentiras vai levá-lo a um maior desespero. De regresso ao país de origem, o cineasta volta a recriar um enredo estimulante, onde intriga, moral e crença popular se conjugam e oferecem um retrato do dia-a-dia do Irão contemporâneo.

Benedetta, de Paul Verhoeven

Com uma obra que atravessa várias gerações e géneros, Paul Verhoeven é uma figura incontornável do cinema atual. No seu mais recente trabalho adapta para cinema o livro Immodest Acts: The Life of a Lesbian Nun in Renaissance Italy, da historiadora americana Judith C. Brown. Bendetta é uma reconstrução da história da abadessa italiana do século XVII Benedetta Carlini, que teve visões de cristo e que viveu um caso real de homossexualidade no contexto de alta hierarquia monástica. No filme, onde o erotismo é um elemento marcante, é apresentado um retrato da vida religiosa renascentista, das intrigas e políticas da igreja, permitindo uma reflexão sobre a relação entre fé e sexualidade.

Correu Tudo Bem, de François Ozon

Depois de Graças a Deus (2018), onde abordava o abuso sexual de menores por parte de membros da Igreja Católica, François Ozon regressa a temas controversos. Em Correu Tudo Bem o realizador centra-se na morte assistida. André, de 85 anos, sofre um acidente vascular cerebral e a sua filha Emmanuèle corre para junto dele. Na cama de hospital, doente e com metade do corpo paralisado, André pede à filha que o ajude a pôr fim à vida. O filme conta com excelentes interpretações de André Dussolier e de Sophie Marceau, naquela que é a primeira colaboração da atriz com o realizador.

Crónicas de França, do Liberty, Kansas Evening Sun, de Wes Anderson

A mais recente obra de Wes Anderson, filme de abertura do LEFFEST, presta homenagem aos editores e jornalistas destemidos de revistas literárias similares a uma The New Yorker, que davam aos seus colaboradores uma liberdade que nos dias que correm está longe de acontecer. A história, uma paródia nostálgica, ambientada numa cidade fictícia francesa no século XX, apresenta-se como uma espécie de antologia de curtas-metragens assente nas reportagens dos escritores da revista. Anderson usa, mais uma vez, o humor de forma subtil e irónica. Visualmente o filme segue o estilo único e criativo do realizador, onde a conjugação da cor e adereços resulta em quadros meticulosos, elegantes e divertidos. O filme conta ainda com um elenco de luxo que inclui Timothée Chalamet, Elizabeth Moss, Bill Murray, Christoph Waltz, Tilda Swinton, Edward Norton e Benicio del Toro.

Mães Paralelas, de Pedro Almodóvar

O premiado realizador espanhol Pedro Almodóvar volta a trabalhar com Penélope Cruz, neste drama que tem a maternidade como figura central. Segundo o cineasta esta é a personagem mais difícil e dolorosa que Penélope Cruz já interpretou e o resultado é esplendido. A grande revelação do filme é a jovem Milena Smit, com quem Cruz contracena. O filme conta a história de duas mães que se encontram no hospital para o nascimento dos filhos. As duas são solteiras e para ambas a gravidez foi um acidente. Janis, uma mulher mais velha, está contente e não se arrepende, mas Ana, uma adolescente, está assustada e infeliz. Nos corredores do hospital cresce a amizade entre ambas, algo que acaba por evoluir e complicar-se, alterando para sempre o curso das suas vidas.

The Lost Daughter, de Maggie Gyllenhaal

A atriz e produtora Maggie Gyllenhaal adapta ao cinema o romance homónimo, de Elena Ferrante, naquela que é a sua estreia na realização. A história segue Leda, uma solitária professora de Inglês, que decide passar férias numa vila costeira no sul de Itália. O seu sossego acaba quando surge uma família de desconhecidos, que a faz reavivar as memórias traumáticas de escolhas que fez enquanto mãe. O filme estreou no Festival de Veneza onde foi bem recebido pela crítica, acabando por ganhar o prémio Osella de Ouro para o Melhor Argumento. Olivia Colman é a protagonista deste drama que conta também com Dakota Johnson e Peter Sarsgaard no elenco.

The Card Counter: O Jogador, de Paul Schrader

Um dos filmes mais antecipados do ano, marca também o regresso do argumentista e realizador veterano: Paul Schrader. Em The Card Counter, Oscar Issac interpreta um ex-militar com um passado misterioso que, depois de ter estado preso, conta cartas (uma estratégia de jogo ilícita) para ganhar a vida. Quando se cruza com um jovem com quem partilha um inimigo, resolve ajudá-lo numa tentativa de redimir o passado. Neste thriller de vingança e redenção, Schrader volta às questões da culpa e expiação sempre tão presentes na sua obra.

Pathos Ethos Logos, de Joaquim Pinto e Nuno Leonel

Com um total de 641 minutos, a trilogia Pathos Ethos Logos, de Joaquim Pinto e Nuno Leonel, está dividida em três capítulos: Pathos que decorre em 2028, centrado em Ângela; Ethos, em 2017, que se foca em Rafaela; e Logos, cuja ação decorre em 2037, em ambientes apocalípticos, mas que recua depois a outro tempo, à vida de Fabiana e Cláudio. A história segue assim três mulheres de diferentes gerações e origens que se cruzam, trazendo experiências e acontecimentos da vida real para o âmago de cada personagem. A dupla inspirou-se e cruzou textos de Víbia Perpétua, Vittoria Colonna, Simone Weil, Sófocles, Da Vinci, Camões, Padre António Vieira e Pessoa. Sobre Pathos Ethos Logos disse Luís Miguel Cintra: “É o mais camaleónico dos filmes. E, no entanto, tem a sua intensíssima arrumação. Concluo exaltado: isto sim, este é já um cinema novo.”

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