Na primeira pessoa, Pedro Penim dirige-se à plateia para contar as múltiplas incidências por que tem passado com o marido desde que, há cerca de três anos, decidiram ser pais através de um processo de gestação por substituição, a decorrer no Canadá.

Como esclarece, em conversa com a Agenda Cultural de Lisboa, o monólogo inicial de Pais & Filhos não pretende ser uma “démarche para reivindicar algum direito negado” a casais homossexuais. Antes, é esse prólogo autobiográfico que abre caminho à ficção, neste caso, à adaptação livre de um dos mais famosos romances do século XIX, Pais e Filhos, do escritor russo Ivan Turguéniev.

“Quando há uns dois anos a Aida Tavares [diretora artística do Teatro Municipal São Luiz] me desafiou a adaptar um clássico, assustei-me porque não é algo que esteja habituado a fazer, nem sequer me interessa particularmente”, explica. “Geralmente, nos meus projetos, faço o aproveitamento de um facto biográfico ou de um acontecimento político ou social, qualquer coisa do mundo real, por assim dizer, que me dê vontade de falar sobre.”

Nessa altura, Penim estava “tão emocionalmente envolvido no processo de surrogacy”, ou seja, de gestação por substituição (vulgarmente denominado por barriga de aluguer), que procurava ler tudo o que encontrasse sobre o assunto. E, na teoria queer vem a descobrir pontos de vista dispares sobre a matéria, “uns a favor, outros ferozmente contra”. Dai, assumir a inevitabilidade de “qualquer projeto artístico” em que se envolvesse, acabar “contaminado pelo que estava a acontecer na vida real.”

Um dia, no escaparate de uma livraria, salta à vista do encenador um exemplar de Pais e Filhos, romance que lera no final da adolescência e que poderia ser, “pelo tema, pela abordagem ao conflito de gerações no seio da família, pelo retrato das mudanças sociais, culturais e políticas”, o clássico.

Na peça, Rita Blanco encarna uma atriz de teatro, mãe de uma “niilista queer” interpretada pela atriz João Abreu.

Juntando ao “velho” Turguéniev (que reescreveu ao longo de dois meses, resultando “300 páginas de teatro irrepresentável”) a teoria queer acerca de filiação, parentalidade e família – destacando-se todo um conjunto de interrogações que são levantadas sobre eliminação dos laços de sangue e a abolição da família por autoras como a comunista Sophie Lewis ou a anarquista Alyson Escalante –, Penim construiu um espetáculo que do clássico resgata muito mais do que o título. “Mantive a forma do romance e as personagens principais, dando-lhes o vocabulário e os temas contemporâneos.”

À procura da “nova” família

O monólogo introdutório de Pedro Penim dá testemunho da complexidade, para lá da ciência médica, que acarreta um processo de gestação por substituição (aliás, suficientemente pormenorizado durante o testemunho em nome próprio). Trata-se apenas do ponto de partida para interrogações em catadupa que vão sendo colocadas pelas personagens ao logo da peça. E toda e qualquer certeza pré-concebida que tenhamos acerca do assunto, arrisca-se a ser abalada cena a cena.

“Uma grande virtude do texto”, salienta Hugo van der Ding, ator que representa na peça o marido de Penim, “é entregar a cada personagem as dúvidas e incertezas com que o Pedro se deparou na vida real”. Um exemplo, logo no início: a jovem gestante, Katya (Ana Tang), procura o casal para anunciar que desistiu de fazer parte do processo de surrogacy, independentemente do dinheiro que iria ganhar, o qual, por ser “uma rapariga pobre”, lhe faz falta.

Katya crê numa reação compreensiva por parte do casal, estando certa de que se adotassem “também [iriam] adorar a criança”. Porém a resposta que ouve incide sobre o argumento da “ligação biológica”, depressa considerada pela jovem como resultado de uma noção burguesa e conservadora de família, mesmo que renovada sob a perspetiva daquilo que caracteriza como “o mundo de merda dos veadinhos neoliberais.”

No ato seguinte, o estudante Arkasha (personagem interpretada por David Costa, e que a traço grosso é o ingénuo e idealista Arkádi do romance de Turguéniev) está de regresso a casa do pai (Diogo Bento), trazendo consigo Eugénia, “a camarada” (João Abreu), uma assumida niilista queer que vem anunciar a destruição de toda a infraestrutura do mundo capitalista (para usar a terminologia marxista de onde, aliás, todas as teses expostas descendem).

No topo da lista de Eugénia – personagem que é a versão queer de Bazarov (precisamente, o niilista no romance de Turguéniev) – estão conceitos como género e família, este último referido como o mais influente na perpetuação da ordem social capitalista, não só por simbolizar a reprodução biológica, como a reprodução dos valores sociais. Profundamente influenciado pela amiga “genial” (como o próprio a considera), Arkasha entra em profundo conflito ideológico com a família, sobretudo com o pai, devoto do mais sincero amor filial pelo filho, e com os tios gay, incapazes de compreender como é que a abolição da família pode ser operacionalizada no futuro.

Nestes dois exemplos, condensam-se os polos temáticos da peça, desde os conflitos geracionais (muito bem representados nas diferentes faixas etárias que compõem o elenco) à urgência revolucionária proposta pela teoria queer ao colocar o conceito de família no seu epicentro.

Com engenho, mas sem nunca perder algum sarcasmo, Penim baralha o jogo, trabalhando a harmonia familiar, sublinhada na relação cúmplice e fraterna entre os irmãos, e assim esvaziando de sentido a tese de abolição da família. É verdade que a família pode ser o inferno (a violência doméstica, o carater patriarcal e outros abusos no seio familiar vão sendo referidos ), mas é grande o desconforto que se sente quando se ataca uma instituição geralmente considerada intocável. Afinal, ao pô-la em causa é como se “estivéssemos a atacar quem amamos”, sublinha o encenador.

A atriz Rita Blanco, que na peça interpreta a mãe de Eugénia, e surge como um contraponto à ideia dos laços de sangue significarem necessariamente amor, relembra a experiência, de certo modo desconcertante, por que passou ao chegar aos ensaios de Pais & Filhos. “Ao tomar contacto com toda esta problemática, e refletir sobre estes assuntos, percebi que tinha todo um conjunto de preconceitos que jamais me ocorreu considerar. Alguma vez tinha imaginado questionar a família enquanto instituição?”

Pais & Filhos abre certamente um manancial de questões que servem para indicar caminhos apontados a respostas concretas. E à boa maneira marxista, , confronta a “tese” à “antítese” para projetar uma “síntese”, que mais não é do que uma nova conceção de família, distante da fórmula hierárquica, patriarcal e exclusiva em que a cultura judaico-cristã a concebeu.

Talvez seja “ficção científica”, como se diz no final da peça, mas ao dessacralizar e reinventar o conceito, a “nova” família imerge mais igualitária, mais plural e mais justa. E, inevitavelmente, abre o caminha à esperança naquilo que podemos vir a conceber como um mundo melhor.

A presente seleção de miradouros percorre, de oriente a ocidente, a paisagem ao longo do rio.

1 – Telecabine de Lisboa

Parque das Nações | ©Humberto Mouco

A oriente, esta instalação de 40 cabines suspensa a 30 metros de altura do rio, não sendo propriamente um miradouro, possui uma das melhores vistas da cidade. Num percurso de 1230 metros, avista-se o estuário, os jardins, o Oceanário, o Pavilhão de Portugal, a Doca dos Olivais, a Ponte Vasco da Gama, entre outros pontos de interesse.

https://www.telecabinelisboa.pt
Parque das Nações. Passeio de Neptuno – Estação Sul (próximo do Oceanário)
Tel. +351 218 956 143
Horário: Varia ao longo do ano. Consultar o site antes da visita. Entrada paga.

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2 – Terraço do Panteão Nacional – Igreja de Santa Engrácia

Panteão Nacional | ©Francisco Levita

A igreja de Santa Engrácia, fundada na segunda metade do século XVI, foi reconstruída nos finais do século XVII. Em 1906, foi-lhe atribuída a função de Panteão Nacional.
O edifício de arquitetura barroca e planta de cruz grega, situado em local privilegiado, possui um terraço com uma vista excepcional sobre a cidade e o rio.

Campo de Santa Clara
Tel. +351 218 854 820
Horário: De 3ª feira a domingo, 10h-13h (última entrada às 12h40) e 14h-17h (última entrada às 16h40). Encerrado: 2ª feira, 01/01, domingo de Páscoa, 01/05, 13/06 e 25/12. Entrada paga.

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3 – Miradouro das Portas do Sol

Miradouro de Santa Luzia | ©Francisco Levita

Continuando na zona oriental da cidade, o Miradouro das Portas do Sol possui uma das vistas mais icónicas de Lisboa, sobre o tradicional e labiríntico bairro de Alfama e o rio Tejo. O seu nome deriva da antiga Porta do Sol, uma das antigas entradas da primitiva muralha de Lisboa. No largo, existe uma estátua do padroeiro da cidade, São Vicente.
Muito perto, situa-se o miradouro de Santa Luzia, adornado de pérgulas de flores e painéis de azulejos decorativos, com uma vista pitoresca sobre os telhados de Alfama e o rio.

Largo das Portas do Sol, Alfama
Horário: 24h

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4 – Miradouro do Castelo de São Jorge

Castelo de São Jorge | ©Francisco Levita

Considerado por muitos o mais importante miradouro de Lisboa, com uma vista panorâmica sobre a cidade, daqui avista-se a Baixa Pombalina, o Convento do Carmo, o Chiado, Alfama, a Sé, o Campo de Santa Clara, a Basílica da Estrela, o Parque Eduardo VII, o rio Tejo e a outra margem, além de muitos outros pontos de interesse.

Rua de Santa Cruz
Tel. +351 218 800 620
Horário: Todos os dias. De 01/11 a 28/02 – 09h-18h. De 01/03 a 31/10 – 09h-21h (últimas entradas 30 minutos antes da hora do fecho)
Encerrado: 01/01, 01/05, 24, 25 e 31/12. Entrada paga.

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5 – Miradouro do Elevador de Santa Justa

Elevador de Santa Justa | ©Francisco Levita

Inaugurado em 1902, o Elevador de Santa Justa, de estilo neogótico, é um dos poucos exemplares da arquitetura do ferro da cidade, sendo atualmente o único elevador de ascensão vertical em Lisboa. O miradouro situa-se no terraço do edifício, a 45 metros de altura, e oferece uma panorâmica extraordinária sobre o Convento do Carmo, o Rossio, o Teatro Nacional Dona Maria II, a Baixa Pombalina, o Castelo de São Jorge, a Sé e o rio.

https://www.carris.pt
Rua de Santa Justa, entre os nºs 94 e 103
Tel. +351 213 613 000
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6 – Miradouro do Jardim de São Pedro de Alcântara

São Pedro de Alcântara | ©Francisco Levita

O Jardim António Nobre (também conhecido por Jardim de São Pedro de Alcântara), de inspiração romântica, foi construído no século XIX. Tem um miradouro de onde se contempla uma panorâmica ímpar sobre Lisboa, com vista sobre a Praça dos Restauradores e Avenida da Liberdade, áreas novas da cidade a norte, colina do Castelo, Baixa, Mouraria, Alfama, rio Tejo e margem sul. Um telescópio e um mapa em azulejos facilitam a identificação de alguns locais.

Rua de São Pedro de Alcântara
Horário: 24h
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7 – Miradouro da Rocha do Conde de Óbidos

Rocha Conde de Óbidos | ©Humberto Mouco

Situado no Jardim da Rocha do Conde de Óbidos (também conhecido por Jardim 9 de Abril ou Jardim das Albertas) e ao lado do Museu Nacional de Arte Antiga, o miradouro possui uma vista panorâmica sobre o porto e o rio Tejo, a Ponte 25 de Abril e a margem sul. Ao fim da tarde, a paisagem que daqui se avista, torna-se ainda mais bonita. Duas escadarias permitem o acesso à Avenida 24 de Julho, junto do Cais.

Miradouro da Rocha de Conde de Óbidos
Rua Presidente Arriaga
Horário: 24h
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8 – Miradouro do Padrão dos Descobrimentos

Padrão dos Descobrimentos | ©Francisco Levita

O Padrão dos Descobrimentos, edifício isolado à beira-rio, evoca a expansão ultramarina portuguesa. O monumento, na forma de uma caravela estilizada, eleva-se a mais de 50 metros de altura e possui, no seu terraço, um miradouro cuja vista magnífica abrange Lisboa, o rio, a Ponte 25 de Abril e a margem sul do Tejo.

Avenida Brasília
Tel. +351 213 031 950
Horário: março a outubro – todos dias – 10h-19h (última entrada 18h30)
novembro a fevereiro – De 3ª feira a domingo – 10h-18h (última entrada 17h30)
Encerrado: 01/01, 01/05, 24, 25 e 31/12. Entrada paga.

“O teatro como lugar de questionamento e reflexão”, assume a diretora artística Aida Tavares, é a trave-mestra da Temporada 2021/2022 do Teatro São Luiz. E esse lugar começa já a perfilar-se com o primeiro espetáculo a subir ao palco da Sala Luís Miguel Cintra (a principal do teatro municipal). Pais e Filhos, projeto nascido do desafio feito há dois anos por Aida Tavares a Pedro Penim no sentido de adaptar um clássico, tornou-se algo mais do que trazer o influente romance de Ivan Turguéniev para o teatro.

Para este espetáculo, Penim agarrou num facto autobiográfico, como a vontade de abraçar a paternidade, e expôs o processo a que recorreu – a vulgarmente chamada “barriga de aluguer” – para abordar teses tão controversas como a da abolição da família. E ao reescrever a primeira adaptação que fez de Turguéniev (que “resultaria numa peça com umas cinco horas de duração” como o próprio confessa), foi “integrando esse assunto do foro intimo e pessoal e outros contributos”, lançando as bases para uma peça que, à boleia de um clássico, apela à reflexão sobre o modo como se entende a parentalidade e o conceito de família nos nossos dias.

Da noção de família para o meio educativo, que dela parte para a escola, e numa temporada em que a programação Mais Novos alarga o seu âmbito à criação para a adolescência, a diretora artística destaca o novo espetáculo dos criadores de Montanha Russa, Inês Barahona e Miguel Fragata, que em março do próximo ano estreiam Má Educação – Peça em 3 Rounds. “Da mesma forma que o Pedro Penim questiona a noção de família, este espetáculo vai fazê-lo com o tema da educação, propondo uma reflexão sobre o modo como se educa e para quem se educa, hoje”, sublinha Aida Tavares. A propósito do espetáculo, a 9 de março, o São Luiz recebe uma conferência com o desafiante título O meu Ministério da Educação.

A aposta em dar enfase a temas que partem da intimidade e da vida privada para entrar na esfera pública, e consequentemente política, está também vincada no ciclo, agendado para dezembro, dirigido por Daniel Gorjão e o Teatro do Vão, Um Coração Normal. Através de dois espetáculo (Vita & Virginia, de Gorjão, a partir da correspondência entre Virginia Woolf e Vita Sackville- West; e Gejaco, de João Villas-Boas, a propósito do processo interior de assunção da homossexualidade), e uma conversa informal que alia testemunhos na primeira pessoa e a voz de especialistas, abordam-se temas relacionados com identidade de género.

“Fraternité, Conte Fantastique”, de Caroline Guiela Nguyen ©Christophe Raynaud de Lage

Nunca indiferente ao questionamento e ao debate está Miguel Bonneville, artista que rasura o nome próprio como expressão de alguém que está em permanente transição, e que neste arranque de temporada veste o papel de curador do ciclo Recuperar o Corpo. Assumindo este protagonismo como uma continuação do seu trabalho enquanto criador, Bonneville reúne sete solos marcantes da performance em Portugal, para procurar refletir sobre a relação “entre arte e corpo” e a “necessidade de entender o ser humano e a relação com o seu corpo próprio.”

Recuperar o Corpo percorre cerca de 20 anos de performance, desde Notforget-Not Forgiven (1999) de Carlota Lagido a Julieta Bebe uma Cerveja no Inferno (2018) de Tiago Vieira, que abre o ciclo a 30 de outubro. Até 14 de novembro, voltam ao palco Maria Duarte com A Balada e Morte do Porta Estandarte Christoph Rilke, Odete com Anita escorre branco, Sónia Baptista com Haikus, Mónica Calle e Rita Só com Interior e Tiago Barbosa com A Grande Sombra Loira.

Para fechar o capítulo dos grandes ciclos (pelo menos para já), Aida Tavares destaca uma programação ainda em construção, comissariada por Tiago Bartolomeu Costa, que visa celebrar os 48 anos do 25 de Abril. “Uma celebração fundamental, mais a mais no preciso ano em que a democracia ultrapassará em longevidade a ditadura, a que demos o título de Mais Um Dia“. Para além de muito debate, reflexão e pensamento (sobretudo num teatro que coabitou, paredes-meias com a sede da polícia política do salazarismo), o ciclo inclui música – um especialíssimo concerto encenado de Luca Argel -, o regresso ao palco do espetáculo de Joaquim Horta Memórias de uma falsificadora, a partir do livro autobiográfico de Margarida Tengarrinha; e a estreia em Portugal de um dos espetáculos sensação do último Festival d’Avignon: Fraternité, Conte Fantastique, peça escrita e dirigida por Caroline Guiela Nguyen, que apenas uma semana antes levará o aclamado Saigão ao Teatro Nacional D. Maria II.

Regressos com estreias e muita música

A marcar a temporada, o São Luiz volta a ser palco dos novos trabalhos de alguns dos artistas “muito da casa”: Cristina Carvalhal apresenta, já este mês, Sou uma ópera, um tumulto, uma ameaça; Rita Calçada Bastos prossegue o seu tríptico (semi-auto) biográfico, iniciado em Eu Sou Nina, com Eu Sou Clarice, dedicado à vida e obra de Clarice Lispector; o coreógrafo Victor Hugo Pontes volta a trabalhar com Joana Craveiro em Meio no Meio; e Ricardo Neves-Neves dirige a Companhia Maior, numa criação ainda sem título definido que estreia no final de junho de 2022.

Também regressam ao teatro municipal Rogério de Carvalho e o Teatro Griot, com Uma Dança das Florestas, de Wole Soyinka; António Pires com Senhora Weigel – A Última Refeição, de António Cabrita; Leonor Keil com Histórias de Além Terra; ou Jorge Silva Melo e os Artistas Unidos numa nova incursão à obra fundamental de Noël Coward, com a peça Vida de Artistas.

Para além do teatro e da dança, o São Luiz é palco de inúmeros concertos. Nos três primeiros meses do ano, destacam-se as homenagens a Manuel Alegre, nos 85 anos do poeta (6 de outubro); ao maestro Christopher Bochmann, com a Orquestra Sinfónica Juvenil que o próprio dirige (31 de outubro); e a José Saramago, celebrando o centenário do nascimento do escritor (16 de novembro). O fado faz-se ouvir nas vozes de Gil do Carmo (4 de dezembro) e Marco Oliveira (5 de dezembro). A fechar o trimestre, em duas noites (20 e 21 de dezembro) que prometem ser inesquecíveis, os Dead Combo despedem-se definitivamente dos palcos, colocando ponto final a um percurso notável de 18 anos de carreira.

Toda a programação pode ser consultada no site oficial do São Luiz.

A menos de um ano de assumir a direção artística do Festival d´Avignon, Tiago Rodrigues prepara-se para passar a “pasta” ao também ator, encenador e dramaturgo Pedro Penim, que assumirá, já a partir do próximo ano, a condução dos destinos do Teatro Nacional D. Maria II (TNDM II). Para os próximos meses, Rodrigues preparou uma programação que compreende cerca de três dezenas de produções, muitas delas prometendo ser momentos altos da temporada cultural lisboeta. O arranque da Temporada 2021/2022 acontece já no próximo dia 23, com a estreia mundial de Andy, a primeira incursão do cineasta norte-americano Gus Van Sant no teatro.

Como sublinha Rodrigues, “esta é uma temporada para encapsular as anteriores”, sublinhando e consolidando aquela que tem sido a matriz do TNDM II desde o último trimestre de 2014, quando assumiu funções. Ou seja, um teatro “aberto e plural” que não se limita às paredes do edifício do Rossio e se estende em rede pelo país e o mundo, um teatro que sublinha “o património literário e dramático da humanidade”, embora esteja sempre aberto às “novas palavras”, através das cada vez mais “plurais escritas do teatro contemporâneo.”

A programação gizada para a atual temporada é particularmente representativa de todas essas características. Há Gil Vicente (Pranto de Maria Parda segundo Miguel Fragata), Dante (o capítulo final, ou seja, o Paraíso, do tríptico A Divina Comédia, pelo Teatro O Bando) ou Molière (a assinalar os 400 anos do nascimento do comediógrafo francês, Tónan Quito dirige O Tartufo, no âmbito do projeto Nós). E por falar em clássicos, há também o muito aguardado O Cerejal, de Anton Tchékhov (9 a 19 de dezembro), protagonizado por Isabelle Huppert e dirigido por Tiago Rodrigues, numa grande coprodução entre o TNDM II e vários teatros franceses (com o Odéon-Théâtre de l’Europe, à cabeça).

A peça de grande sucesso de Tiago Rodrigues “Catarina e a beleza de matar fascistas” regressa em 2022. ©Pedro Macedo

Pelo TNDM II vão ainda passar as mais recentes criações de alguns dos mais consagrados criadores e companhias portuguesas – como Joana Craveiro e o Teatro do Vestido (Juventude Inquieta), Miguel Seabra e o Teatro Meridional (Ilhas), Jorge Andrade e a mala voadora (OFF e Cornucópia) ou Nuno Cardoso e o Teatro Nacional de São João (Espectros de Ibsen) – a par de algumas das vozes mais emergentes do teatro português da atualidade – Os Possessos, com uma criação de Catarina Rôlo Sagueiro e Leonor Buescu (Ainda Marianas, a partir das Novas Cartas Portuguesas), a Aurora Negra de Cleo Diára, Isabél Zuaa e Nádia Yracema (Cosmos) e Sofia Santos Silva, vencedora da quarta edição da Bolsa Amélia Rey Colaço, promovida pelo TNDM II (Another Rose). Destaque ainda para novas criações de Pedro Gil (O Inesquecível Professor), Isabel Abreu (com o projeto online Diários da Peste), Cláudia Lucas Chéu e Albano Jerónimo (Orlando), Hotel Europa (Esta é a minha história de amor) e Marta Carreiras e Romeu Costa (Maráia Quéeri).

No plano internacional, e para além do TNDM II continuar a ser palco de acolhimento de excelência de diversos espetáculos integrados no Alkantara Festival, FIMFA Lx, Festival de Almada ou no novíssimo Feminist Futures Festival (projeto em rede que alia 11 instituições de igual número de países em torno da criação feminista), os grandes destaques vão para a estreia em Portugal do espetáculo Saigão, escrito e encenado por Caroline Guiela Nguyen, e que se tornou, desde a estreia em 2017, um dos maiores sucessos de público e de crítica em França; e para o regresso do coreógrafo congolês Faustin Linyekula com o inédito Lisbon, My Lisbon. Nota ainda para o reagendamento de O Silêncio e o Medo, arrojada peça em torno da cantora norte-americana Nina Simone, assinada por um dos mais promissores autores do atual teatro europeu, o francês David Gelson.

A temporada é ainda marcada por regressos a palco de várias espetáculos que conquistaram o público nos últimos tempos. Marlene Monteiro Freitas volta a apresentar Bacantes – Prelúdio para uma purga e António Fonseca volta à integral de Os Lusíadas. Em junho do próximo ano, e depois de correr o país e alguns dos principais palcos da Europa, Catarina e a beleza de matar fascistas, a aclamada e aplaudida peça de Tiago Rodrigues, sobe ao palco da Sala Garrett para uma curtíssima temporada (6 a 10 de julho de 2022).

Mas, a esse propósito, há uma boa nova, sobretudo para quem acusa as salas de espetáculos das “temporadas relâmpago”: já em janeiro próximo nasce a parceria D. Maria Matos que, unindo o TNDM II ao Teatro Maria Matos (atualmente gerido pela Força de Produção), visa prolongar “a vida dos espetáculos na cidade”. A peça Última Hora, escrita por Rui Cardoso Martins, encenada por Gonçalo Amorim e protagonizado por Maria Rueff e Miguel Guilherme, é a primeira a merecer uma temporada extra.

Toda a programação, incluindo outros espetáculos programados e as mais variadas iniciativas do TNDM II, encontra-se disponível aqui.

Louise Glück

Vita Nova

No livro de poemas Meadowlands, publicado em 1997, Louise Glück, Prémio Nobel de Literatura 2020, registava o colapso do seu casamento, um ano depois do seu traumático divórcio (“E no centro do eu, / uma mágoa a que não pensei jamais sobreviver”). Vita Nova (1999), o livro subsequente, é dedicado ao tema do recomeço, ao início de uma nova vida (“Só porque / o passado é mais longo que o futuro / não quer dizer que não haja futuro”). Nesta obra austera, a grande poeta desnuda as feridas da alma através de um doloroso e incessante exercício de autoconhecimento, mantendo o habitual paralelismo com a mitologia clássica. Orfeu é, aqui, o mito referencial: como ele, Louise Glück perdeu o seu amor (“Diz-lhes que perdi o meu amor / que estou agora completamente só. / Diz-lhes que não há música assim / sem dor real.”) e atravessou o Inferno (“Não o fim da carência, mas carência / elevada ao máximo poder”). Finalmente, canta a “Vita Nova”, o “desejo de sobreviver / que é penso eu, o desejo humano mais profundo” e a capacidade “de olhar em frente” de “olhar para o mundo” e “de me mover até ele”. Tradução de Ana Luísa Amaral. Relógio D’Água

Muhammad Chukri

Pão Seco

Pão seco é como refere o tradutor desta obra, Hugo Maia, pão “sem conduto, em especial o pão dos pobres. Chukri via no pão seco a imagem por excelência da pobreza extrema”. De facto, a fome marca presença nesta narrativa desde a sua primeira página: “É a fome no Rife. A seca e a guerra. Uma tarde, não consigo parar de chorar. A fome dá-me dores. Chupo os dedos sem parar.” Relato autobiográfico do escritor Muhammad Chukri (1935-2003) dos seis anos de idade até aos 21, quando decide aprender a ler, descreve a sua errância de vagabundo e a sua vida de pequeno criminoso, revela a sua revolta contra a tirania do pai e de Deus, que aos seus olhos assumem a mesma prepotência (“O meu pai assemelha-se a Deus, aos profetas e aos santos.”) e aborda, de forma explícita e amoral, assuntos tabus no mundo árabe: álcool, drogas e sexo (incluindo prostituição e homossexualidade). Fá-lo com um desalinho narrativo, uma crueza de linguagem e uma indisciplina gramatical que desafiaram a tradição. Publicado originalmente em 1973, na tradução inglesa de Paul Bowles, só em 1982 conheceu uma primeira edição em árabe. Entretanto, tornou-se uma obra de culto e um pilar da literatura marroquina e árabe contemporânea. Antígona

Covadonga Valdaliso

Museus de Lisboa

Por que razão as visitas aos museus não fazem parte da rotina quotidiana dos lisboetas? A diversidade de museus é enorme e o preço médio dos bilhetes 5 euros. Este livro, escrito a partir de visitas realizadas aos museus de Lisboa, menciona mais de setenta e assume-se como um convite aberto “materializando em palavras, impressões e intuições, procurando conexões e mostrando alguns dos infinitos percursos que podem ser desenhados, e transitados, a partir destes espaços anarquicamente espalhados pelo mapa da cidade”. Terminadas as visitas, a autora conclui: “Guardar para aprender e não ignorar é ainda, sem dúvida um dos principais objectivos dos espaços museológicos, Achar o desconhecido, recuperar o esquecido e mostrar o compreendido são, em muitos casos, tão importantes como admitir o que não se sabe e oferecer ao visitante facilidades para que ele próprio interrogue, investigue e discuta os discursos e as peças”. Porque, afinal, o legado dos construtores da cidade e dos que “criaram a substancia que dá forma aos alfacinhas de gema” está nas salas dos museus e não é possível conhecer a cidade sem as visitar. Fundação Francisco Manuel dos Santos

Lídia Jorge

Marido e Outros Contos

Quando este volume de contos (o primeiro de Lídia Jorge, após vários romances de sucesso) foi inicialmente editado, em 1997, nenhum dos textos reunidos era inédito. Uns tinham sido publicados em revistas e jornais (Visão, Vértice, Colóquio-Letras, Jornal de Letras), outros em livro, isolados ou em coletâneas. São por isso aparentemente muito diferentes entre si. Uma mulher submete-se à brutalidade do marido (no conto que dá titulo à compilação), um professor procura a presença de Deus no voo dos pássaros, uma sobrinha relembra a história de amor por um tio, uma visitante relata uma cena de perversão entre jovens num trigal, a narrativa de um antigo nadador salvador por quem cinco jovens se apaixonam… Existe, porém, um traço de união comum que, segundo José Nobre da Silveira, se materializa num conjunto de vozes cúmplices, de tonalidades irónicas “que indicam um projecto de denúncia que subjaz a toda a encenação narrativa: a beleza e o bem, tal como a escuridão e o mal, estão, de alguma forma, ocultos, são a perdição das figuras, mas também o que determina a sua sobrevivência em vários territórios de afirmação, o seu único retrato.” Dom Quixote

Michel Houellebecq

Intervenções

Neste volume está  contida a mais completa seleção de textos dispersos e de entrevistas com Michel Houellebecq, pela primeira vez disponíveis em Portugal, mas que em França já tinham conhecido publicações em 1998 e em 2009 (aumentada). Na prática o livro poderia chamar-se “Intervenções 3”, mas seguiu-se a simplificação adotada pelos franceses, e ainda bem. A cada dez anos, o conteúdo cresceu cerca de 50%, para enorme satisfação dos leitores de Houellebecq que, caso não conheçam as brilhantes entrevistas que aqui se incluem, irão provavelmente considerá-las o material mais precioso do livro. E com razão. Conversas de fundo com Jean-Yves Jouannais e Christophe Duchatelet (por alturas do primeiro romance, Extensão do Domínio da Luta); com Christian Auchier (no tempo de Plataforma); com Frédéric Beigbeder (o mais temido e o melhor crítico literário francês, segundo Houellebecq); com Marin de Viry e Valérie Toranian (à época de Submissão); e com Agathe Novak-Lechevalier (a mais recente, feita para o online e nunca antes publicada em papel). Alfaguara

Boris Vian

Vercoquin e o Plâncton

Boris Vian (1920/1959) foi escritor e músico, autor de Outono em Pequim, O Arranca Corações e A Espuma dos Dias, trompetista numa orquestra de jazz, compositor de canções. Os seus provocatórios romances surgem carregados de violência, erotismo e humor sardónico, num estilo pleno de trocadilhos, jogos de palavras e inovações linguísticas, que prenuncia os movimentos de contracultura dos anos sessenta. Tendo sofrido as consequências da vida entre as duas Guerras Mundiais, o antimilitarismo é um dos aspectos relevantes da sua obra que combina realismo com delírio onírico. Vercoquin e o Plâncton, de 1941, é o primeiro romance de Vian. O Major, personagem recorrente nas obras do autor, conhece a jovem e bela Zizanie e resolve pedi-la em casamento ao seu tio, vice presidente da CNU (Consórcio Nacional da Unificação), deixando-se absorver pelos procedimentos burocráticos da organização. O romance evoca o ambiente efervescente que se vivia em Paris no final da ocupação nazi: a acção decorre entre duas loucas surprise parties, popularizadas nesta época, espécie de assalto carnavalesco espontâneo a uma casa particular, sem conhecimento do proprietário. E-Primatur

Johanna Schaible

Era uma Vez (e muitas outras serão)

Johanna Schaible é uma artista e ilustradora residente na Suíça. O seu trabalho move-se entre as fronteiras da ilustração, da arte e do design. É graduada pela Escola de Arte e Design de Lucena, na Suíça. Em 2019, o seu projeto para o livro “Era uma vez (e muitas outras serão)” foi selecionado para o Unpublished Picturebook Showcase da plataforma Dpictus. Há milhares de milhões de anos, formaram-se os continentes. Há milhões de anos os dinossauros habitaram a Terra. Há milhares de anos, construímos as pirâmides. Há cem anos, as viagens demoravam muito tempo. Há um mês, ainda era outono. O que vais fazer amanhã? Como irás celebrar o teu aniversário para o ano? Onde vais viver daqui a 10 anos? O que desejas para o futuro? Um conjunto de questões, admiravelmente ilustrado, suscita uma reflexão para todas as idades sobre a passagem do tempo: o que já aconteceu, “o aqui e agora”, e sobretudo o que queremos, a partir deste instante, construir para o futuro. De acordo com a crítica da Swedish Library Review este é “um álbum filosófico, único: daqueles que se encontram apenas um em cada mil!” Planeta Tangerina 

O facto de ser filho de um músico influenciou o seu percurso?

Influenciou muito. A minha casa era uma casa de música. Mais do que cantor e instrumentista, o meu pai era compositor. Era uma profissão muito daquela época, hoje em dia já não se encontra muito. Não era artista de se apresentar ou tocar ao vivo, ele compunha as músicas e mandava-as para os cantores daquela altura. Era muito interessante, ele frequentava muitos saraus, rodas de samba… Nos estúdios de gravação havia umas salas que os compositores frequentavam para se encontrarem com os cantores e para lhes mostrarem as músicas. Eu ia muitas vezes com o meu pai porque gostava de assistir às gravações no estúdio. Para mim era um acontecimento incrível. A experiência no estúdio é muito sensorial, como se entrássemos dentro do som. Naquela época (final dos anos 70 e início dos anos 80), era incrível poder assistir aos músicos a gravarem presencialmente. O samba, que era o meio onde o meu pai estava mais inserido, é um meio muito alegre, as pessoas são muito divertidas. Tive contacto com vários instrumentos, fui aprendendo sem me aperceber.

Quando percebeu que esse seria também o seu futuro?

Sempre soube. Também gostava de desenhar e pintar e houve uma altura em que me dediquei mais à pintura do que à música. A determinada altura entrei numa escola não convencional, mais experimental, no Rio de Janeiro. Foi ali que, com 12/13 anos, conheci algumas pessoas que são meus amigos até hoje e que são músicos, como o Moreno Veloso. Havia muitos filhos de músicos nesta escola, e estas pessoas também me puxavam para a música.

A sua vida gira à volta da música e das artes visuais. Estes dois universos alguma vez entram em choque ou, por outro lado, são um complemento um do outro?

Acho que está tudo interligado. Temos a capacidade de ser cada vez mais renascentistas, no sentido de podermos ampliar o nosso conhecimento. Acho que todo o tipo de manifestação artística vem do mesmo lugar, o que muda é a forma. A música tem uma forma, a arte visual tem outra. A música, no Brasil, é sempre um encontro, são gerações que se encontram, é algo muito atrativo, muito forte. Já o processo das artes visuais é mais solitário, embora haja coletivos de artistas plásticos. Participo em alguns (aqui em Portugal, com Tomás Cunha Ferreira e no Brasil com outros parceiros). Gosto de ambos, complementam-se, só que a música tem uma demanda de tournées em que se acaba por perder aquela rotina de trabalho das artes visuais. Fica-se muito tempo sem fazer e depois demora até conseguir retomar essa rotina.

Também compõe bandas sonoras para teatro, dança e instalações. De todos os processos criativos, qual lhe dá mais prazer?

Só consigo ter alguma paz existencial se houver alguma ideia a fermentar, alguma coisa a acontecer, porque obriga-me a pensar e é isso que alimenta a vida. Mesmo quando não tenho nenhum projeto, como aconteceu durante o confinamento, tive que inventar. Comecei a compor música nova, conectei-me com outros compositores. É um processo que é contínuo e que nunca termina, não tira férias.

Já trabalhou com diversos artistas como Adriana Calcanhoto, Moreno Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, entre muitos outros… Houve alguém que tenha marcado particularmente o seu percurso?

Tive muita sorte de encontrar e de trabalhar com pessoas que admiro muito, como Gilberto Gil. No caso do Caetano Veloso, por exemplo, antes de ser artista era pai do meu amigo (Moreno Veloso), sempre tive uma grande convivência com ele, ensinou-me muito. Adriana Calcanhoto também foi muito importante, fizemos muitas tournées juntos. Também trabalhei com Domingos de Oliveira (dramaturgo e poeta). São artistas dos anos 60, que criaram a contracultura, a quem devemos muito hoje, todas as nossas vitórias sociais partiram dessa liberdade e da visão do mundo que eles trouxeram. Ter a oportunidade de trabalhar com estas pessoas foi determinante. Eles são muito livres, são generosos. Se nos convidam para trabalhar com eles é para colaborar, não é para nos dizer o que temos de fazer e isso é muito generoso.

“No Brasil, a música é sempre um encontro, é algo muito atrativo, muito forte”.

Raio é o seu terceiro disco em nome próprio. O que inspirou este trabalho?

Estou sempre a fazer músicas novas e a pensar na possibilidade de um disco. Acho que o disco tem um formato equivalente a um filme ou um quadro. Gosto de pensar na relação das músicas, no lado A, no lado B… Quando tenho um bom conjunto de músicas começo a gravar, mas de forma lenta porque também nunca tenho orçamento para fazer tudo de uma vez. O disco vai amadurecendo, vai crescendo, algumas coisas deito fora, outras refaço. Em relação a este disco, Raio, houve duas coisas que o impulsionaram: uma foi o convite de Lúcia Koch (artista plástica brasileira) para a Bienal de Kansas City. Ela queria fazer uma instalação de arte que tivesse música. Eu compus seis músicas, fizemos uma mixagem em 5.1 e enterrámos, como se fossem uns cogumelos de som. As pessoas que passassem por ali, se quisessem ouvir, tinham que circular. Não era a música inteira que passava pelas pessoas, mas sim as pessoas que tinham que procurar os arranjos andando mais para a direita ou mais para a esquerda, para ter uma ideia da totalidade da música. Fiz os temas e, entretanto, mudei-me para Lisboa e comecei a trabalhar nuns trechos de letras. Outro fator que influenciou este álbum foi o facto de, nos últimos anos, eu ter tido bastante convivência com alguns indígenas brasileiros, sobretudo o povo Huni Kuin. Foi uma verdadeira escola porque eles têm uma visão e uma perspetiva do mundo muito diferente. Estão sempre a partilhar ensinamentos, e às vezes fazem-no de uma forma não verbal, foi algo que me influenciou muito. A arte e a cultura deles são muito antigas, influenciaram muito este disco.

Mudou-se recentemente para Lisboa. De que forma é que esta nova experiência influencia o seu trabalho?

Influenciou muito. No processo artístico podemos ter as nossas raízes, que reverberam ao longo da nossa vida, mas o lugar onde vivemos é muito determinante. É o ar que se respira, a comida que se come, a língua que falamos… Cheguei cá, escrevi algumas músicas, gravei-as, comecei a trabalhar com pessoas de cá e também com brasileiros que moram aqui e tudo isso influencia o trabalho de um artista.

Isso quer dizer que podemos esperar, daqui a algum tempo, um disco inspirado em Lisboa?

Já tenho as músicas feitas [risos]…

No concerto de lançamento deste disco, que acontece em setembro, no Teatro Maria Matos, conta com a colaboração de vários outros músicos. O palco é para estar rodeado de amigos?

Com certeza. A música também é isso: estar ali, naquele momento, a dividir o palco. Com esta crise que se vive atualmente no Brasil, com este novo direcionamento fascista, muitos brasileiros estão a mudar-se para Portugal. Músicos como Ricardo Dias Gomes, João Erbetta, Cláudio Andrade (meu colega de escola)… há muitos músicos brasileiros que moram cá já há algum tempo.

Pegando nessa questão política de que falava, nos movimentos de extrema-direita que têm surgido um pouco por todo o mundo, acha que os artistas – músicos em particular – devem usar a sua voz como forma de combate?

Sem dúvida nenhuma. Quando as coisas estão bem não precisamos de pensar em política, mas quando as coisas correm mal, tudo o que fazemos transforma-se em política nas coisas mais fundamentais, como amar alguém, ter liberdade de fazer música ou querer proteger a floresta. Coisas que são tão óbvias, de repente passaram a ser atos políticos. A arte é o outro lado da moeda do fascismo, é o extremo-oposto. Toda a gente passa a ser um soldado, uns com mais destaque, outros com menos, mas todos a lutar para derrubar o sistema, para poder transformar essa maldade em adubo que possa florescer numa sociedade melhor. É como se tivéssemos uma panela na mão para as pessoas acordarem. Não podemos ficar adormecidos neste período tão determinante da História da Humanidade.

A música salva?

A música estabelece pontes entre essas culturas que conseguiram permanecer conectadas com a natureza e com a própria ancestralidade, seja a cultura negra ou a cultura indígena. A música é uma ponte entre a espiritualidade e o mundo real em que vivemos, é essa a função da arte.

1 – Parque Botânico do Monteiro-Mor

Parque Botânico do Monteiro-Mor
Parque Botânico do Monteiro-Mor

O parque possui uma vasta coleção de espécies botânicas. Aqui encontra-se a primeira Araucaria heterophylla conhecida em Portugal continental. De entre a fauna existente, são de salientar as aves e uma colónia de morcegos-de-peluche.

http://www.museudotraje.gov.pt
Largo Júlio de Castilho – Lumiar, 1600-483 Lisboa
Tel. +351 217 543 920 (bilheteira)
Horário do Museu e Parque Botânico: Terça-feira a domingo, das 10 às 13 horas e das 14 às 18 horas
Encerrado ao público: Segunda-feira, 1 de janeiro, domingo de Páscoa, 1 de maio, feriado municipal (13 de junho), 24 e 25 de dezembro.

2 – Jardim da Fundação Calouste Gulbenkian

Jardim da Fundação Calouste Gulbenkian
Jardim da Fundação Calouste Gulbenkian | © Humberto Mouco/CML-ACL

Construído na década de 60 do século XX, é um dos jardins mais representativos do modernismo em Portugal. Inspirado na paisagem portuguesa, na sua dimensão ecológica e cultural, sofreu transformações ao longo do tempo. Desenvolveu-se numa floresta densa e variada, incluindo um lago e refletindo, no seu conjunto, uma ideia de paraíso. Vários percursos são propostos: da luz e da sombra, do lago, da orla, dos cheiros e das vistas.

https://gulbenkian.pt/jardim/
Av. de Berna 45A, 1067-001 Lisboa
Tel.: +351 217 823 000
Horário: Aberto todos os dias, do nascer ao pôr-do-sol.

3 – Parque Eduardo VII/Estufa Fria

Estufa Fria
Estufa Fria | © Humberto Mouco/CML-ACL

Construído na 1.ª metade do séc. XX, é o maior parque do centro de Lisboa. Possui uma faixa central, coberta de relva e buxo, ladeada por passeios e zonas verdes. A noroeste do parque situa-se a Estufa Fria e, a leste, o Pavilhão Carlos Lopes. A norte, encontra-se um miradouro com ampla vista sobre Lisboa, o rio Tejo e a outra margem.

https://informacoeseservicos.lisboa.pt/contactos/diretorio-da-cidade/parque-eduardo-vii
Parque Eduardo VII. 1070-051 Lisboa
Horário do parque: 24 horas
Estufa Fria: Horário de verão das 10 às 19 horas.
Encerra a 1 de janeiro, 1 de maio e 25 de dezembro
http://estufafria.cm-lisboa.pt/
Tel. +351 218 170 996

4 – Jardim Botânico de Lisboa

Jardim Botânico de Lisboa
Jardim Botânico de Lisboa

Jardim científico, inaugurado em 1878, faz parte do Museu Nacional de História Natural e da Ciência. Entre outras, possui diversas espécies tropicais naturais da Nova Zelândia, Austrália, China, Japão e América do Sul, grande variedade de palmeiras originárias de todos os continentes, e cicadáceas, atualmente raras e um dos ex-libris do Jardim.

http://www.museus.ulisboa.pt/jardim-botanico
Rua da Escola Politécnica, 58, 1250-102 Lisboa
Tel. +351 213 921 800
Horário: Todos os dias, exceto 1 de janeiro e 25 de dezembro.
Inverno: das 10 às 17 horas | Verão: das 10 às 20 horas

5 – Jardim do Príncipe Real

Jardim do Príncipe Real
Jardim do Príncipe Real | © Humberto Mouco/CML-ACL

Jardim de inspiração romântica e inglesa, foi construído em meados do século XIX, ao redor de um lago de planta octogonal. Possui vários elementos de estatuária e das várias espécies arbóreas existentes no jardim, destaca-se o grande e secular cedro-do-Buçaco com mais de 20 metros. O espaço possui vários equipamentos, entre os quais, quiosques, esplanada e parque infantil. No subsolo, encontra-se o Reservatório da Patriarcal, pertencente ao Museu da Água.

https://informacoeseservicos.lisboa.pt/contactos/diretorio-da-cidade/jardim-franca-borges
Praça do Príncipe Real, 1250-096 Lisboa
Horário: 24 horas

6 – Jardim da Estrela

Jardim da Estrela
Jardim da Estrela | © Humberto Mouco/CML-ACL

O Jardim Guerra Junqueiro, conhecido por Jardim da Estrela, foi inaugurado em 1852. Jardim público, delimitado por gradeamento, foi construído ao estilo dos jardins ingleses, de inspiração romântica. Habitado por fauna diversa, o jardim possui várias plantas exóticas entre a sua diversa vegetação, lagos, cascatas, estatuária, um miradouro e um coreto entre outras edificações.

https://informacoeseservicos.lisboa.pt/contactos/diretorio-da-cidade/jardim-guerra-junqueiro
Praça da Estrela, 1200-667 Lisboa
Horário: Todos os dias., das 7 às 24 horas

7 – Jardim Botânico Tropical

Jardim Botânico Tropical
Jardim Botânico Tropical | © Humberto Mouco/CML-ACL

Jardim científico, foi criado em 1906 para dar apoio ao ensino de agronomia tropical. Possui relevantes coleções botânicas com cerca de 600 espécies, sobretudo de origem tropical e subtropical, destacando-se espécies raras como as cicas e os encephalartos. Do património edificado datado do século XVII ao século XX, são de realçar a Casa do Fresco, o Palácio da Calheta e a Estufa Principal.

https://museus.ulisboa.pt/jardim-botanico-tropical
Largo dos Jerónimos, 1400-209 Lisboa
Tel. +351 213 921 808
Horário: Todos os dias, exceto 1 de janeiro e 25 de dezembro.
Inverno: das 10 às 17 horas | Verão: das 10 às 20 horas

8 – Jardim Botânico da Ajuda

Jardim Botânico da Ajuda
Jardim Botânico da Ajuda | © Francisco Levita/CML-ACL

Fundado em 1768, é o primeiro Jardim Botânico em Portugal. A arquitetura do jardim é de modelo renascentista e os ornamentos aí existentes são de influência barroca. Organizado em 2 terraços, tem vista sobre o rio Tejo e é habitado por pavões e outras aves. Possui mais de 1600 plantas, entre as quais, um dragoeiro com mais de 400 anos.

http://www.isa.ulisboa.pt/jba
Calçada da Ajuda s/n, 1300-011 Lisboa
Tel. +351 213 653 157
Horário: Dias úteis, das 10 às 17 horas. Fins de semana e feriados, das 10 às 18 horas
Horário de verão: Dias úteis, das 10 às 18 horas. Fins de semana e feriados, das 10 às 20 horas
Encerra a 1 de janeiro e 25 de dezembro

O IndieLisboa – Festival Internacional de Cinema acontece este ano, excecionalmente, no verão, ocupando ao longo de 15 dias o Cinema S. Jorge, Culturgest, Cinema Ideal e Cinemateca Portuguesa com a exibição de obras que estão, grande parte delas, fora do circuito comercial de exibição. Esta 18.º edição apresenta nas várias secções inúmeras estreias internacionais e nacionais, uma retrospetiva da cineasta francesa Sarah Maldoror e um programa dedicado ao realizador colombiano Camilo Restrepo.

As sugestões de Carlos Ramos, diretor e programador

The Sparks Brothers, de Edgar Wright, EUA, 2021, 140’

1 setembro, Cinema São Jorge | Sala Manoel de Oliveira

Diz-se que os Sparks são a banda favorita da tua banda favorita. Um segredo bem guardado para alguns, um perfeito desconhecido para outros. A verdade é que são uma das bandas mais criativas e influentes da história da música, ainda hoje, apesar de mais de 50 anos de carreira. Há pouco mais de um mês estreou o novo filme de Leos Carax, Annette, um musical com argumento e música original da banda e para quem se queira iniciar na música da banda nada como ouvir a obra prima Lil’ Beethoven. Os irmãos Ron and Russell Mael reinventam-se de ano para ano, não são catalogáveis e os seus concertos são um cocktail de humor, energia e classe. Este documentário traça finalmente a história da banda num formato nada convencional, como não podia deixar de ser para quem conhece os Sparks e o realizador, Edgar Wright, também ele de culto (Scott Pilgrim vs the World).

Boca do Inferno – Curtas

2 setembro, Jardim da Biblioteca Palácio Galveias
“Flex” de David Strindberg e Josefin Malmen

Aqui está um dos segredos mais bem escondidos do IndieLisboa. A Boca do Inferno é a secção do festival mais selvagem e as curtas desta secção são as mais livres, divertidas e assustadoras. Habitualmente são vistas para lá da meia-noite, durante uma maratona de filmes que acaba por volta das seis da manhã. Com a pandemia, a maratona Boca do Inferno está suspensa, mas pela primeira vez vão poder ser vistas numa sessão ao ar livre. Lutas sangrentas por um prato de comida típica, macacos do nariz que não saem dos dedos, monstros dentro de motores de carros, o fim do mundo, fantasmas que não aceitam o fim de uma relação, culturistas bizarros, o pior palhaço possível para uma festa de anos e um musical de nerds intergalácticos. Um cocktail explosivo para tomar em noite de lua em quarto minguante.

Competição Internacional de Curtas 6

4 setembro, Culturgest | Pequeno Auditório
“Tracing Utopia” de Catarina de Sousa e Nick Tyson

O IndieLisboa é um festival generalista de longas e curtas metragens e orgulha-se de dar a mesma atenção e importância a ambos os formatos nas várias secções do festival. A competição internacional é uma secção composta por primeiras, segundas e terceiras obras. A curta metragem é o formato de experimentação por excelência, permitindo uma liberdade narrativa e estética sem par. O programa 6 da competição é um exemplo da diversidade de formas e narrativas que pontuam o festival. Uma ficção filmada em película sobre o calor e corpos pendurados nas árvores a comer mangas, uma animação melancólica sobre uma amizade tóxica, um filme abstracto criado a partir de vídeos de satisfação instantânea encontrados na internet e um documentário sobre os sonhos e desejos de um grupo de adolescentes queer que vê o mundo com olhos diferentes e esperança no futuro.

Bom Dia Mundo! (+ 6 anos), Anne-Lise Koehler / Éric Serre, França, 2019, 61’

4 setembro, Jardim da Biblioteca Palácio Galveias

Uma das missões primordiais do IndieLisboa passa pela formação de públicos, contribuindo a secção IndieJúnior para a formação estético-cultural de crianças e jovens entre os 4 meses e os 15 anos. Foi também uma das secções mais afectadas pela pandemia. Todo o trabalho com as escolas está praticamente suspenso, no que diz respeito a ver os filmes em sala. Esta edição, tal como a passada, não terá a energia dos milhares de alunos das escolas a correr e a gritar de entusiasmo pelos foyers do cinema e a aplaudir e vocalizar as emoções dentro das salas de cinema. Mas continua a haver espaço para as famílias. Bom dia Mundo! é um delicado e delicioso filme, feito com figuras de papel machê animadas em stop motion e esculturas feitas à mão em cenários meticulosamente pintados. Uma sessão ao ar livre que se traduz num momento familiar mágico.

Vieirarpad, de João Mário Grilo, Portugal, 2020, 90’

5 setembro, Culturgest | Grande Auditório

Vieirarpad marca o regresso de João Mário Grilo ao IndieLisboa. Depois de filmes sobre os arquitectos Raul Lino e Gonçalo Ribeiro Telles é a vez de um documentário sobre Maria Helena Vieira da Silva e Árpád Szenes que arquitectaram também eles uma bela história de amor. O filme promove um olhar sobre a escrita íntima dos artistas plásticos, através de uma documentação exaustiva da vida do casal no período retratado. A relação é feita de enorme sensibilidade, protecção mútua e de respeito pelo espaço e imaginário do outro. O filme tem um olhar clínico e seguro. Que existissem mais histórias de amor assim.

As sugestões de Anastasia Lukovnikova, programadora

Shiva Baby, de Emma Seligman, EUA, 2020, 77’

2 setembro, Culturgest | Grande Auditório

Uma das sete mulheres realizadoras que integram a Competição Internacional do IndieLisboa deste ano, Emma Seligman diz que o seu filme, uma comédia, evidencia “como ser uma jovem mulher é um filme de terror”. A protagonista de Shiva Baby está, de facto, horrorizada, presa numa claustrofóbica cerimónia fúnebre entre os metediços membros da família, a ex-namorada, o sugar daddy, a mulher dele e o bebé deles. Ansiedade no lugar de uma faca cortante, pausas constrangedoras no lugar de poças de sangue, e talvez um abraço e um donut para acalmar as lágrimas depois da última luta, neste terror que é a existência diária de uma mulher que revemos nas nossas vidas, mas com sentido de humor.

The Inheritance, de Ephraim Asili, EUA, 2020, 101’

2 setembro, Cinema São Jorge | sala 3
3 setembro, Culturgest | Pequeno Auditório

Na sua primeira longa-metragem, que se junta à Competição Internacional do IndieLisboa, Ephraim Asili recria as próprias experiências vividas numa comuna marxista. The Inheritance retrata o dia-a-dia de um colectivo negro na Filadélfia em toda a sua glória de recitais de poesia Afro-Americana e seminários sobre línguas sudanesas, mas também nas suas quedas e lutas mesquinhas da vida comunal. Asili faz uma mistura improvável entre performance, palestra, trabalho de arquivo, catálogo e narrativa ficcional para trazer para o primeiro plano a riqueza da experiência negra e oferecer esperança no possível (diferente) futuro.

A Cidade dos Abismos, de Priscyla Bettim / Renato Coelho, Brasil, 2021, 84’

2 de Setembro, Cinema São Jorge | Sala 3

É uma noite quente de Natal na cidade de São Paulo e duas amigas, mulheres-trans e prostitutas, celebram num bar, mas a festa não durará muito tempo. Em breve, sangue será derramado, a festa tornar-se-á num film noir e começará uma luta por um final mais feliz, neste mundo onírico demarcado pelos grãos da película. Priscyla Bettim e Renato Coelho fazem desta primeira longa-metragem, A Cidade dos Abismos, um cocktail molotov dos momentos mais expressivos do cinema Brasileiro – do surrealismo de Peixoto, às cores saturadas de pornochanchadas, passando pela acção política do ambicioso Cinema Novo. O IndieLisboa providencia o espaço para a estreia mundial do filme na competição da secção Silvestre.

Sambizanga, de Sarah Maldoror, Angola / França, 1973, 102’

1 e 8  setembro, Cinemateca Portuguesa | Sala Félix Ribeiro

Uma peça fundamental na obra da pioneira do cinema africano Sarah Maldoror, Sambizanga, que retrata o início da Guerra Angolana pela Independência, desviando a câmara do campo de batalha para iluminar a resistência invisível daqueles deixados para trás: mulheres, crianças e idosos. Com esta primeira longa-metragem, Maldoror estabelece o enquadramento para a sua futura oeuvre, onde nunca pára de questionar o mundo pós-colonial, e que torna, no processo, uma ode à negritude como modo de vida, aliada às suas políticas e arte. O IndieLisboa leva 46 obras de e sobre Maldoror até aos espectadores Portugueses, muitos destes nunca antes mostrados em Portugal, numa retrospectiva co-programada com a Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema.

The Color of Pomegranates, de Sergei Parajanov, União Soviética, 1969, 78’

5 setembro, Cinema Ideal

Uma oportunidade rara de aproveitar a cópia recentemente restaurada da assombrosa obra-prima de Sergei Parajanov, The Color of Pomegranates é uma viagem inesquecível pela cultura e folclore da Arménia. O filme que retrata a vida do trovador do séc. XVIII Sayat-Nova através de uma série de tableaux vivant, que transplantam a poesia para a narrativa visual de forma única. O filme integra um programa no festival composto por quatro outros filmes que trabalham com géneros literários na sua base: um conto (2001: A Space Odyssey), uma peça de teatro (Enrico IV), um romance (Fahrenheit 451), uma novela (Morte a Venezia), num programa realizado em parceria com o festival literário Lisboa 5L.

Programação integral aqui

Criar “um lugar de amor” para reivindicar aquilo que é humano, num tempo de desumanização, ainda mais acelerada por uma pandemia. Este é o propósito da terceira edição da BoCA, que começa em Lisboa, Almada e Faro, no início de setembro, prolongando-se até 17 de outubro.

Mais do que um festival, neste ano de 2021, a BoCA procura, nas palavras do diretor artístico John Romão, manter “viva a sua missão no apoio a novas linguagens, privilegiando os espaços ‘entre’ – por exemplo, entre o performativo e o visual –, novas comissões a artistas portugueses e estrangeiros, no diálogo trans (por isso, transgénero em todas as suas significações) implementando projetos que propõem uma nova consciência e modelos entre práticas artísticas e sustentabilidade.”

Objetivo a concretizar através de projetos artísticos assinados por dezenas de criadores notáveis que procuram olhar o mundo e questionar narrativas estabelecidas. E, tendo em consideração “uma programação que combina diferentes ritmos de projetos e de relações com artistas e instituições, apoiando-se numa transição de processos de produção e de criação, integrados, plurais e sustentáveis”, a bienal reforça a presença de “projetos de curta duração que reforçam o compromisso artístico e ético com artistas e estruturas de produção, criações que se prolongam no tempo e no espaço por meio de maior compromisso face à curta efemeridade do teatral e do performativo, relações sustentáveis e a longo prazo com artistas e projetos, aprofundamento de reflexões e processos de longa duração que combinam performatividade, visualidade, ativismo e neurociência, um foco na relação direta e representatividade de comunidades locais, artísticas, associativas e de setores diversos, cuja participação ativa é implicada no desenvolvimento criativo de projetos para também iniciar um ecossistema inter-relacional entre arte, sustentabilidade e ciência através do projeto A Defesa da Natureza.”

Este último propósito será desenvolvido naquele que é um projeto a dez anos, o qual, numa primeira etapa, se propõe, até dezembro deste ano, a patrocinar a plantação de sete mil árvores de espécies autóctones, através da vontade de 7.000 artistas/cidadãos. Do ponto de vista artístico, este projeto inclui já nesta edição uma série de ações performativas em espaços naturais das três cidades de acolhimento intitulada Quero Ver as Minhas Montanhas. Com curadoria de Delfim Sardo e Sílvia Gomes, as diversas performances são protagonizadas por artistas como Sara Bichão, Diana Policarpo, Dayana Lucas, Gustavo Sumpta, Gustavo Ciríaco, Musa Paradisiaca e o coletivo Berru.

A programação lisboeta

Como vem sendo habitual, a BoCA não se fixa em Lisboa, e se nas edições anteriores se “descentralizou” a cidades do norte do país, este ano atravessa o Tejo, instala-se em Almada, e ruma a sul, até ao Algarve, à cidade de Faro.

A alemã Anne Imhof apresenta Untitled (Wave), na Capela das Albertas do Museu Nacional de Arte Antiga.

Pela capital, o arranque da bienal começa com a primeira instalação de grande escala de Grada Kilomba, que se estende junto ao rio por 32 metros de comprimento, na Praça do Carvão do MAAT. O Barco/The Boat propõe lançar “uma nova narrativa coletiva nesse mesmo espaço público, construída a partir da história da desumanização, da violência e do genocídio dos povos africanos e indígenas.”

Entretanto, no Museu Nacional de Arte Antiga, a artista alemã Anne Imhof apresenta a vídeo-instalação Untitled (Wave) na Capela das Albertas, local anteriormente habitado apenas por mulheres em reclusão; e no Palácio Pimenta, a rapper Capicua estreia-se enquanto autora de teatro e dirige o ator Tiago Barbosa em A Tralha, “uma dissertação emocional que parte da história de um homem que fica sozinho, nos longos meses de confinamento, rodeado de matéria inerte, entulho e recordações.”

A propósito de estreias no teatro, a BoCA trouxe para Lisboa o consagrado cineasta norte-americano Gus Van Sant, que apresenta, a partir de 23 de setembro, na Sala Garrett do Teatro Nacional D. Maria II, a sua primeira criação de palco com uma equipa artística totalmente portuguesa. Andy é um musical que “reconstrói o passado de um Andy Warhol em início de carreira, através de uma narrativa ficcional construída a partir de factos reais e de memórias, mas também da imaginação.”

O cineasta norte-americano Gus Van Sant estreia em Lisboa um musical sobre Andy Warhol ©Bruno Simão

Lisboa vai ainda ser “palco” de O Terceiro Reich, uma vídeo-instalação performativa daquele que é um dos maiores nomes do teatro europeu, o italiano Romeo Castellucci (Museu Nacional dos Coches, a 9 e 10 de setembro); da performance/instalação Overlapses, Riddles & Spells, de Andreia Santana (CCB, 9 a 12 de setembro); dos vídeos oníricos da polaca Agnieszka Polska presentes em The New Sun (Reserva da Patriarcal, de 13 de setembro a 17 de outubro) – ela que também estará na Casa da Cerca, em Almada com uma outra instalação vídeo, I Am the Mouth; ou de Passages, projeto nómada do coreógrafo Noé Soulier, que explora a relação entre o movimento dos corpos e dos lugares onde estes inscrevem as suas ações, sendo que, em Lisboa, acontece nas salas do Museu Nacional de Arte Antiga (17 e 18 de setembro), estabelecendo um diálogo entre os bailarinos e os objetos escultóricos.

Outro dos grandes destaques desta BoCA é o projeto assinado pelo cineasta Pedro Costa com os Músicos do Tejo. As Filhas do Fogo junta cinema, música e teatro para contar a saga de três jovens irmãs cabo-verdianas que, chegadas a um porto europeu, depois de mais uma erupção devastadora do vulcão do Fogo, vão deambulando, de mãos dadas, evocando os seus medos secretos através da música e do canto. Este ansiado espetáculo é apresentado no Capitólio, a 17 e 18 de setembro.

Na programação lisboeta refiram-se ainda projetos de duplas como António Poppe e La Familia Gitana, Tânia Carvalho e Matthieu Ehrlacher, Gabriel Ferrandini e Hugo Canoilas, Joana Castro e Maurícia Neves; as performances duracionais de Miles Greenberg ou de Carlos Azeredo Mesquita; e ainda dois filmes inéditos do nova-iorquino Khalik Allah. A programação integral para as três cidades BoCA pode ser consultada aqui.

Entraste em contacto com a música muito cedo. Isso influenciou o teu percurso artístico?

Sempre tive essa queda para a música, mas também para outras áreas. Nunca assumi que poderia viver exclusivamente da música – embora o desejasse – mas, por alguma razão – talvez pelas pessoas que me rodeavam – sempre fui empurrado para outros caminhos, mas que, de alguma forma, funcionavam como alibis para poder continuar a trabalhar na música. Olhando para trás, a música sempre esteve muito presente na minha vida. Lembro-me que ia para aulas e estava sempre a pensar em música e a compor. Creio que sim, que o facto de ter tido contacto muito cedo com o universo musical influenciou esta minha vontade.

Porquê este nome artístico?

Um dia, um amigo meu sugeriu – devido ao meu ar nórdico – o nome Príncipe Sueco. Para além disso, eu tinha um grande fascínio pela lenda do D. Sebastião e por todo o mistério e teorias que a envolvem (de tal forma que comecei a investigar mais sobre esse assunto). Surgiu essa sugestão e acabei por optar por um nome mais simples – Príncipe. Mais tarde comecei a analisar a etimologia da palavra e pareceu-me interessante. ‘Príncipe’ vem da palavra ‘principio’, promessa…

Para além de dares voz às canções que escreves, tocas piano, flauta, trompete, percussões, baixo, entre outros instrumentos. Como é que se consegue gerir tudo isto?

Basicamente com muita persistência. Um deles – o trompete – até aprendi especificamente para este álbum. Tenho curiosidade por muita coisa. Tecnicamente, as músicas têm várias camadas. Penso logo em tudo, nas texturas que gostava que a música tivesse, mas depois vou por camadas: começo pela estrutura, pego no instrumento que acho que faz sentido e vou perceber onde é que ele se encaixa melhor e depois gravo. Depois faço o mesmo com os outros instrumentos, é uma questão de ir gerindo prioridades.

Há algum que gostes mais de tocar?

Gostava muito de dominar o trompete, mas comecei há pouco tempo. Só aprendi para poder incluir no disco e consegui aprender o suficiente para tocar aquilo que era necessário…  A bateria é talvez um instrumento mais livre, mas gosto muito de todos.

E qual é o conceito deste disco? O processo de trabalho foi diferente do primeiro?

Sim, foi diferente. Este disco tem muitos conceitos no seu interior. Não é suposto ser um disco extremamente conceptual. Comecei por uma coisa pequena, que era captar a sensação de que as coisas não são estáticas, estão sempre a mudar à nossa volta. Nós tentamos pôr contornos, mas na verdade as coisas estão todas fundidas e estão constantemente a chegar-se uma à frente, depois outra e depois outra ainda… Eu quis captar essa sensação de diálogo que não tem propriamente um corpo mas, ao mesmo tempo, está dentro de alguma coisa. Parti daí, dessa sensação de que está tudo a mover-se livremente (mas que ao mesmo tem um centro, um lado íntimo que não é fixo nem palpável). À medida que se vai tornando mais real, vai sendo necessário pôr sensações e projeções reais… daí parti para milhares de outros significados. Cada música tem o seu significado distinto.

“Gosto do desafio de me reduzir ao essencial e fazer com que as coisas funcionem”

 

O disco chama-se Lugares de Memória. Qual é a mensagem por trás deste título?

Estava a passear pelo interior-norte do país e vi uma placa com essa expressão. Pareceu-me um conceito interessante, por isso fui investigar. Descobri que havia ali um conceito histórico moderno, que surgiu nos anos 80 e que basicamente procurava registar os momentos históricos simplesmente simbólicos. Por exemplo, ‘um minuto de silêncio’ é um lugar de memória porque as pessoas habitam-no, estão num espaço físico, e estão a exercer alguma coisa que passa através do tempo. Este conceito pareceu-me que se identificava perfeitamente com a ideia que pretendia pôr em cada música: algo simbólico e universal, mas ao mesmo tempo coabitável e muito pessoal.

Como funciona o teu processo de composição, o que te inspira?

Acontece de formas muito diferentes, não há um método fixo. Raramente surge de forma forçada. Normalmente estou a tocar e surge-me uma ideia, ou vou a andar pela rua e lembro-me de alguma coisa interessante. Parte sempre de algo espontâneo. Às vezes, quando as coisas surgem, não sabemos bem por que razão surgem, ou para onde vão. Quando tenho uma ideia mais concreta do que quero explorar ou transmitir num tema, aí vou ao meu arquivo de ideias e percebo que comecei aquela música sem saber. Pego nessa ideia e tento fundi-la com a canção que estou a criar.

O disco conta com a participação do guitarrista Bernardo Couto. Como surgiu a ideia de ter a guitarra portuguesa neste disco?

Precisava de um elemento que tivesse o máximo de espectro possível, para não ter a presença de muitos instrumentos. Gosto de me reduzir ao essencial e fazer com que as coisas funcionem, gosto desse desafio. Precisava de um som que fosse próximo, mas ao mesmo tempo imprevisível, que deslizasse. A guitarra portuguesa pareceu-me o instrumento mais vivo, com todas estas características… além disso, tem uma sonoridade de que gosto bastante. Tem o seu peso histórico e não tem sido muito utilizada fora desse contexto.

Dia 22 apresentas este disco no Time Out Market. Como vai ser apresentar um disco em plena pandemia?

Vai ser um concerto mais de aquecimento, porque já não toco ao vivo há muito tempo e o espaço também não é propício a um grande concerto porque o som é muito difuso. Vai ser reduzido ao mínimo de elementos possível: piano e viola da terra [instrumento típico dos Açores]. Vamos tentar fazer isto resultar com uma base rítmica atípica, mas ainda estou a pensar nisso. À partida terá este carácter mais minimalista e intimista, mas será intenso na mesma.

Que efeito teve a pandemia no teu trabalho?

Quando a pandemia surgiu, eu tinha tido uns meses muito difíceis, porque estive doente, fui operado e não conseguia cantar. Estava a meio do processo de gravação quando tive este percalço. Nesse sentido foi bom, porque consegui acabar com calma tudo o que me faltava compor. No entanto, sempre que tinha de ir a estúdio era chato porque tornou-se mais difícil marcar e agendar datas, com muitos tempos de espera. É sempre um pouco castrador porque quando queremos criar novas coisas não temos aquela ignição de sair à rua e as coisas acontecerem espontaneamente, tem de ser tudo muito mais calculado, o que afeta automaticamente a criatividade e exige novos caminhos.

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