São “três décadas de projetos ao ritmo dos afetos”, lê-se no cartaz que assinala este aniversário do Teatro Meridional. Quem no meio teatral já trabalhou ou se cruzou com a companhia sabe que não se tratam de palavras de circunstância. Mesmo quem é espectador anónimo do teatro da Rua do Açúcar, também apelidado de “melhor sala de espetáculos do Poço do Bispo”, tem ciente de que no Meridional se preza uma relação diferente, especial e afetuosa, com o público. Afinal, o espetáculo começa à entrada, ainda no foyer, e só termina quando se cruza a porta para a rua, havendo sempre tempo para um café ou um chá e dois dedos de conversa com os artistas. Foi, precisamente, num registo de conversa que esta entrevista decorreu.

O primeiro espetáculo do Meridional, estreado em agosto de 1992, chamava-se Ki Fatxiamu noi Kui, ou seja, qualquer coisa como “que fazemos nós aqui”. Talvez fosse interessante, 30 anos depois, começar por fazer-vos essa pergunta…

Miguel Seabra (MS): Acho que todo o projeto do Meridional está assente, precisamente, nesse título. Essa é a pergunta que permanentemente nos colocamos, o desafio constante, aquilo que nos leva a continuar a sonhar e a criar novos projetos, a não nos conformar com formas ou modelos criativos ou conceptuais. Esse título, essa pergunta existencial, continua a ser colocada em cada projeto ou desafio que abraçamos. E é interessante que, quando estamos a celebrar três décadas de atividade criativa ininterrupta, estejamos ao mesmo tempo a preparar os próximos quatro anos [referência ao processo de apresentação de candidaturas aos apoios estatais para a atividade artística] e a perceber como é bonito continuarmos a ter ideias, projetos e inquietação mais do que suficiente para fazer do Meridional um projeto vivo e a crescer, que não se conforma.

Recuemos a 1992. Vocês estavam em patamares diferentes da carreira…

MS: Eu tinha terminado o curso de ator no Conservatório. Tinha já 27 anos. Antes, andei à procura de ser feliz, mas o espaço da felicidade é sempre efémero, como o teatro. Depois de ter passado por gestão de empresas e pela arquitetura, foi nesta área artística que me descobri. Antes, na sequência de ter andado dois meses a viajar pelo Brasil, quando voltei, decidi ser músico. Ainda estudei jazz, muito a sério… mas, depois, encontrei o teatro…

Natália Luiza (NL): Eu sempre soube, desde sempre… Quem me conhece desde miúda, criança nascida em Moçambique, conta que aos quatro anos eu já dizia que queria vir para Portugal ser artista. E ainda prometia tratar a cabeça das pessoas. O certo é que, entre a psicologia e o teatro, acabei por fazer as duas coisas.    

Mas, em 1992, a Natália estava longe de ser uma atriz principiante.

NL: Sim. Quando conheci o Miguel e o Meridional levava já uns bons anos de atriz, sobretudo na televisão. Mas, gostaria de voltar àquela pergunta do primeiro espetáculo que está na base de toda a nossa inquietação porque, há 30 anos, eu não acreditava que iria ter uma companhia e que continuamente estaria a fazer essa pergunta. É que, todos os dias, coloco a mim mesma essa questão – o que estou aqui a fazer – e isso está na base de ser inquieta, de estar sempre à procura, de não me conformar com uma maneira de fazer. Necessito de estar sempre a começar.

E o Miguel? Também tem essa necessidade de estar sempre a começar?

MS: Digamos que nós somos opostos e, ao mesmo tempo, complementares. Para a Natália seria impensável estar há 10 anos a fazer o mesmo espetáculo, como eu com O Senhor Ibrahim e as Flores do Corão. Para mim, fazê-lo há tanto tempo é uma maratona estimulante…

NL: Pois para mim, ao fim de uma semana, já quero estar a fazer outra coisa. Mesmo um texto em que me reveja, um projeto que me envolva. Não aguento a perspetiva do tédio, de estar no mesmo sítio. Para mim, a vida é um desafio a cada segundo. Isto não quer dizer que não seja estável e leal para com as coisas em que estou a trabalhar. Por exemplo, o Meridional tem o projeto Províncias ou os Contos em Viagem, que são linhas de trabalho desenvolvidas em continuidade pela companhia. Contudo, nunca me contento com uma fórmula, pelo que procuro sempre formas de os recriar ou revitalizar.

“Aquilo que procuramos sempre é criar um fio invisível com o espectador que o deixe livre para sentir e inquieto para não se deixar prender no que possa ser ilustrativo”

Como é que, com todas as vossas naturais diferenças, se casam as vontades no Teatro Meridional e se mantem a coerência artística?

NL: Acho que a dada altura do caminho, eu e o Miguel, com grande tranquilidade, autonomizámos projetos. Há o olhar de cada um sobre o trabalho do outro, ajudamos, observamos, refletimos, mas há autonomia artística. O mais interessante é que os projetos do Meridional têm uma linguagem comum. Isso tem a ver com o escutarmos, com a exigência que damos ao trabalho do ator, com objetivos conceptuais na área artística muito similares. Depois, cada um tem os seus projetos e, seja eu ou o Miguel a pegar, por exemplo, no Contos em Viagem, que tem uma matriz conceptual muito própria, sabemos que lá estará refletida a singularidade de cada um de nós, juntamente com a das pessoas que fazem parte da equipa artística daquele espetáculo.

MS: Reconheço que os desafios artísticos que nos motivam são distintos. Temos formas diferentes de trabalhar, eu gosto de itinerância ao contrário da Natália…

Mas, no meio teatral ouve-se muitas vezes a menção ao método de trabalho do Meridional. Há, de facto, uma forma diferente de fazer teatro nesta companhia?

MS: Acho que há um modo de trabalhar e um reconhecimento do espetáculo “Meridional” que passam por aquilo que considero três elementos basilares: o afeto, o rigor e exigência e a vontade do espanto. Isto é, no Meridional o espetáculo tem duas fases: o seu levantamento, até à estreia; e depois, a sua carreira, acompanhada de perto enquanto organismo vivo que é, logo necessariamente mutável. Essa mutabilidade deve corresponder, para nós, a um crescimento no sentido vertical, não a uma engorda, o que é, aliás, muito comum acontecer.

NL: É por isso que, quase diariamente, récita a récita, eu ou o Miguel estamos a acompanhar o espetáculo, corrigindo se preciso, não deixando que a rotina se instale. O encenador tem de cuidar, mas isso não tem a ver com o condicionamento do ator ou com o retirar-lhe liberdade…

MS: Por tudo isso é que quem trabalha connosco não tem descanso (no bom sentido do termo), sendo permanentemente estimulado e desafiado. É necessário manter o foco e a disciplina, até porque a disciplina para a liberdade dá muito trabalho.

Isso contribui para o reconhecimento do espetáculo “Meridional” como diferente de qualquer outro?

NL: Para nós, todos os espetáculos têm uma identidade. Procuramos sempre em equipa, durante a criação do objeto artístico, uma linguagem comum. Na base disso há, ao nível autoral, uma formação prévia dirigida ao trabalho do ator…

MS: Isso é identitário no Meridional. O espectador que cá vem vai ver trabalho de ator, assistir a atores a funcionar: emoção, técnica, gestão da palavra, noção de ritmo…

NL: É fundamental e penso que temos ambos grande noção de ritmo…

MS: Embora comigo, como se diz n’ O Senhor Ibrahim, “a lentidão é o segredo da felicidade.” [risos]

NL: Pois, comigo a rapidez é o segredo de anteontem…

Reconhecem haver, portanto, uma marca diferenciadora no vosso trabalho.

NL: Os espetáculos do Meridional comportam dimensões comunicacionais com níveis afetivos diretos, o que já nos valeu uns epítetos. Ora, isso não significa que os nossos espetáculos não comportem um nível de elaboração quase semiótico, o que permite grelhas de leitura consoante o espectador que se é. Um espetáculo como, por exemplo, O Senhor Ibrahim… é um objeto de acessibilidade transversal, mas depois contém níveis e dimensões que vão do religioso ao psicológico ou do espiritual ao alquímico, passíveis de incontáveis leituras.

MS: Aquilo que procuramos sempre a cada espetáculo é criar um fio invisível com o espectador que o deixe livre para sentir e inquieto para não se deixar prender no que possa ser ilustrativo ou descritivo.

Há pouco, o Miguel referia o “afeto” como um dos elementos basilares do modo de trabalhar da companhia. É interessante, mas o “afeto” estende-se também ao público do Meridional, sobretudo nos vossos espetáculos em casa, através do modo como recebem o espectador e logo o envolvem, mal se entra no teatro…

NL: Isso tem a ver com o procurarmos sempre dar ao público uma experiência que é afetiva, certamente, mas também estética…

MS: E é um modo subtil de poder influenciar a disponibilidade das pessoas para o espetáculo. É que, muitas vezes (e isso acontece porque o teatro é um sítio onde estamos uns como os outros), alguém entrar na sala com má cara, mesmo mantendo-se sentado no lugar e em silêncio, pode arruinar um espetáculo.

NL: Mas eu prezo muito esse lado estético, essa experiência que é indissociável da afetiva. Quando vou ao teatro, enquanto espectadora, quero ser levada para outro universo de coisas e como artista gosto de provocar isso no público. Quando um espectador entra no Meridional, aquilo que queremos é que deixe o mundo lá fora e que o espaço que o envolve lhe permita experienciar um outro estar. Por isso, a experiência deve começar logo no foyer.

Olhando retrospetivamente para estes 30 anos da companhia, desafio-vos a escolherem um ou dois espetáculos dirigidos pelo outro, do qual, ou dos quais, tenham particular orgulho em que tenha sido feito pelo Teatro Meridional.

MS: Lembro vários. Mas, muito objetivamente, escolheria dois: Anjos com Fome [2012] e este último, Vida Inversa. O primeiro, para o qual fiz o desenho de luz, porque era um espetáculo muito fora da caixa, como um sonho ou um poema em cena. O segundo, no qual não tive qualquer participação criativa, considero ser o resultado de um casamento muito feliz a todos os níveis, desde o texto do José Luís Peixoto à luz ou aos figurinos; contudo, o que fez realmente a diferença foi o conceito de encenação que a Natália deu ao conjunto, não se sobrepondo, mas evidenciando na medida exata cada elemento.

E a Natália? Que encenações do Miguel destacaria?

NL: Eu não tenho nenhuma dúvida em apontar o Contos em Viagem: Cabo Verde [2007] como o espetáculo de eleição do Teatro Meridional. É um trabalho de encenação notável, um sentido de ritmo raro, com a incrível capacidade de, durante cerca uma hora e meia, nos levar a Cabo Verde, nos fazer viajar por aquelas ilhas. É um dos espetáculos mais bonitos do Meridional. Mas há outro que o Miguel encenou que gostaria de destacar, e que é, precisamente, O Senhor Ibrahim… É curioso mas, da primeira vez que o vi, não me conectei com o espetáculo, possivelmente porque o fiz a partir de uma plateia à italiana e, cada vez mais, me agradam anfiteatros, porque tendo sempre em associar o corpo ao ato de ver. Mas, ao longo dos anos, sempre que repomos o espetáculo, vou espreitando e sentindo que há ali qualquer coisa que me transforma, que é sempre diferente. É um espetáculo que, depois de todos estes anos, parece continuar a escapar, logo sempre a convocar-me para o construir. Ainda não consegui perceber se é a encenação, se é o ator [o próprio Miguel Seabra] que me provocam isto… Mas, sei que irei continuar a vê-lo… [sorrisos]

E o Miguel a fazê-lo…

MS: Gostaria de chegar às 200 récitas. Até agora, fizemos 142.

Estamos a fazer esta entrevista no recentemente inaugurado Polo II do Teatro Meridional, em Chelas. Qual é a importância para a companhia um espaço como este, que não é vocacionado para a apresentação de espetáculos?

MS: Ter um espaço em Lisboa, como temos a sala do Poço do Bispo, é um privilégio. Mas o Teatro Meridional desenvolve todo um conjunto de atividades para além dos espetáculos, nomeadamente as formações, os laboratórios de dramaturgia, os lançamentos de livros e iniciativas junto da comunidade. Ora, tudo isto, a juntar aos ensaios e aos acolhimentos a outras companhias, tornavam cada vez mais difícil a gestão do espaço. Até que surgiu este grande contributo da Junta de Freguesia de Marvila a disponibilizar este espaço.

NL: Isto aconteceu na sequência das obras no Teatro Meridional e ganhou forma durante a pandemia. Solicitámos um escritório para que pudéssemos trabalhar e a junta de freguesia respondeu com este espaço, que tem várias salas e que, para nós, acabou por significar a transferência de várias atividades da companhia para aqui.

O Miguel já elencou várias atividades que estão agora aqui sediadas, mas sei que é a Natália que está a trabalhar mais de perto em tudo o que se vai passando por aqui…

NL: Há muita coisa, de facto. Agora em julho, temos o arranque das Férias Criativas, um programa destinado aos mais jovens. Mas tenho estado a preparar várias iniciativas que considero fundamentais. Por exemplo, em novembro vamos começar um curso de saúde mental que usa o teatro como ferramenta. Depois, há todo um conjunto de atividades que perseguem objetivos que considero vitais enquanto cidadã e artista, e que pretendem fazer deste Polo II, já de si um lugar de inclusão, um espaço privilegiado de educação pela arte.

Como vão ser as comemorações dos 30 anos?

MS: Já começaram, e muito bem, sempre com casa cheia, com Vida Inversa, de que já falámos, e prosseguem, a partir de 6 de julho, com o meu regresso a O Senhor Ibrahim… que, no dia 16, faz, precisamente, 10 anos que estreou no Festival de Almada. Uma coisa rara em Portugal, um espetáculo com tanta longevidade. Em outubro, vou estar outra vez em cena ao lado da Bárbara Branco e de um ator que anunciaremos em breve, com Do Deslumbramento, encenação minha de outro texto original de uma autora contemporânea portuguesa, a Ana Lázaro. Depois, já em 2023, vamos ter muita itinerância…

NL: E vou dirigir uma peça de que gosto muito, o Jardim Zoológico de Cristal de Tennessee Williams. É fechar esta celebração com um clássico, respondendo à nossa constante vontade de diversificar linguagens e de nunca nos fixarmos numa única maneira de fazer teatro.

Sándor Márai
A Irmã

Livro intenso que aborda grandes questões existenciais como a vida, a morte, o sofrimento ou o amor. A obra centra-se na vida de Z., pianista de renome internacional, que um dia é convidado a dar um concerto em Florença. Durante a viagem de comboio até Itália, o músico sente-se mal, acabando por ser internado no final do espetáculo. É-lhe diagnosticada uma doença viral que lhe provoca dores inimagináveis e que o afastará dos palcos. Durante o longo processo de recuperação, fazemos uma viagem profunda pela sua mente, por vezes presa no delírio provocado pela morfina. Uma voz feminina, que sussurra ao longe, pede-lhe que não morra. Será esta a sua tábua de salvação, que o levará a colocar tudo em causa e que mudará o rumo da sua vida. [Filipa Santos] D. Quixote

João Tordo
Felicidade

Em 1973, quando a Europa se libertava das suas ditaduras e Portugal vivia a promessa da liberdade, um rapaz de 17 anos, filho de um pai conservador e de uma mãe liberal, apaixona-se por Felicidade, uma colega de escola. Felicidade Kopejka é uma de três irmãs gémeas idênticas que são a grande atração do liceu: bonitas, seguras e determinadas, são fonte de desejos e fantasias inalcançáveis. A primeira noite de amor com Felicidade acaba de forma trágica e o jovem cai na rede das manas Kopejka. João Tordo aborda os temas do amor e da morte num romance repleto de ironia e humor e que lhe valeu, em 2021, o Prémio Literário Fernando Namora. [Cristina Engrácia] Companhia das Letras

Édouard Louis
Para acabar de vez com Eddy Bellegueule

Romance autobiográfico de 2014, Para acabar de vez com Eddy Bellegueule revelava ao mundo Édouard Louis, um jovem autor de 19 anos que expunha, numa linguagem desarmante e repleta de verdade, o modo como, durante a infância e o início da adolescência, sobreviveu à violência intrínseca da França rural, na sua Picardia natal. Ao olhar para o jovem Eddy, a criança que não é igual às demais, aquela que fala de uma maneira diferente e que tem um comportamento demasiado feminal aos olhos das gentes da terra, Louis partilha o sofrimento do menino dilacerado pelas constantes humilhações que o levam, muitas vezes, a odiar a pessoa que é. Para além de libelo anti-homofóbico, o romance é um retrato chocante de uma outra França, onde a pobreza e a escassez de oportunidades geram focos de intolerância e preconceito, responsáveis nos últimos anos por alimentar o extremismo de direita. [Frederico Bernardino] Elsinore

Carlo Collodi
Histórias Alegres

Coletânea de oito contos publicados originalmente entre 1883 e 1887, Histórias Alegres revela o apurado sentido de humor de Carlo Collodi, célebre autor de Pinóquio. Estas pequenas obras-primas repletas de mordacidade e imaginação, que aparentam ser escritas para crianças, são, na verdade, lições ou provocações para leitores de todas as idades. Aqueles que gostam de ver o mundo do avesso, os que não se conformam em viver sem rir de si próprios e sem desafiar as imposições sociais vão, decerto, identificar-se com as divertidas personagens imaginadas pelo autor italiano. Os textos de Collodi, que nunca deixou que a infância lhe fugisse, confrontam o universo da meninice com o mundo adulto, numa forma de definir a essência do ser humano com todas as suas forças e fraquezas. [Ana Rita Vaz] E-Primatur

Hans Rosling, Anna Rosling Rönnlund e Ola Rosling
FACTFULNESS / FACTUALIDADES

Se as férias são um bom momento para tranquilamente refletir sobre si próprio e sobre a sua visão do mundo, este livro de Hans Rosling, especialista de saúde internacional e de estatística, pode ser o amigo de que precisa. Há anos que este professor sueco e os seus colaboradores de longa data, Anna e Ola Rosling, se dedicam a combater os preconceitos de que a maioria de nós padece quando pensa na situação do mundo e no futuro da sociedade humana. Através de factos comprovados, bem organizados e explicados de um modo didático e com toques de humor, Rosling tornou-se popular nas suas célebres intervenções nas TED Talks, mostrando-nos como somos muito mais pessimistas e suscetíveis a toldar o nosso raciocínio e senso comum, quando tratamos de opinar e generalizar sobre factos essenciais da vida. [Tomás Collares Pereira] Temas e Debates

Kazuo Ishiguro
Nunca Me Deixes

Uma história de amor e amizade, vivida numa realidade distópica é narrada pela escrita cristalina e inteligente de Kazuo Ishiguro, Prémio Nobel da Literatura em 2017. Considerada uma das suas melhores obras, segue a vida de três jovens amigos, Kathy, Ruth e Tommy, que cresceram juntos num colégio interno, algures na província inglesa. A infância e juventude idílicas no colégio, onde viveram isolados do mundo exterior e se sentem especiais, são o pronúncio de um futuro que desconhecem. Já adulta, Kathy revela finalmente o propósito da educação e proteção que lhes foi concedida. É pela sua voz que conhecemos esta história perturbadora e bela, onde Ishiguro nos comove ao retratar a fragilidade humana. [Ana Figueiredo] Gradiva

Michel Houllebecq
Aniquilação

Nenhuma citação pode resumir uma obra de 640 páginas, mas escolhemos uma que dá ideia precisa de parte do livro e do seu autor: “O Beaujolais era um exemplo da situação, tornada excecional, de uma vida de província ativa, com lojas de pequeno comércio, médicos, táxis, enfermeiras ao domicílio. Devia ser a isto que se assemelhava o mundo de antigamente. Nas últimas décadas, a França transformara-se numa justaposição aleatória de áreas metropolitanas e de desertos rurais, era a mesma coisa um pouco por todo o mundo, com a diferença de que, nos países pobres, as áreas metropolitanas eram megalópoles, e os subúrbios, bairros de lata.” O mundo de antigamente é irrecuperável, e isto constitui uma das aniquilações de que nos fala Houellebecq. A outra é de ordem biológica e tem por resultados a doença e a morte. Mas não se trata de um livro pessimista e muito menos cínico. O amor e a generosidade, que têm aqui os rostos de três mulheres (Prudence, Madeleine e Cécile) redimem a vida na medida do possível. Um livro grande e um grande livro. [Ricardo Gross] Alfaguara

  

Ramalho Ortigão
As praias de Portugal – guia do banhista e do viajante

Publicado pela primeira vez em 1876, As praias de Portugal é um clássico da literatura de viagem em Portugal, com Ramalho Ortigão a apresentar-nos o mais interessante mapa da época balnear do final do século XIX. Ao longo da costa portuguesa, o autor explora as características das praias e zonas envolventes, fazendo um retrato da vida e sociedade de então, num misto de elegância e humor. Da Foz, residência da sua infância, a Leça e Matosinhos, Póvoa de Varzim, Espinho, Ericeira, Nazaré ou Figueira, não podiam faltar as praias do Tejo, como Pedrouços, “mansão oficial da vilegiatura burocrática de Lisboa”. “A praia, como todas as da grande baía do Tejo, é lisa, plana, de areia fina. O mar é tranquilo, sereno como um lago, o melhor dos banhos, na maré enchente, para as crianças fraquinhas, para as mulheres débeis, fatigadas”. Além destas, Ortigão apresenta ainda uma lista de praias obscuras, igualmente adequadas à instalação duma família em uso de banhos. Como diz Francisco Mário Viegas no prefácio, “Em 150 anos mudou tudo, menos o génio patife de Ramalho.” A obra faz parte da coleção Terra Incognita, que, mais do que livros de viagens com um formato especial, reúne títulos e autores que fazem da viagem um modo de conhecimento. [Sara Simões] Quetzal

 

Cesare Pavese
O Belo Verão

O Verão, como sugestão de liberdade e de descoberta, ambienta a passagem da adolescência à idade adulta de Ginia que tem 16 anos, vive com o irmão, e com as amigas anseia pelo amor. Nesse tempo, que “era sempre uma festa”, Ginia aproxima-se de uma jovem mais velha e muito diferente das suas companhias de sempre. Amelia é solitária, sofisticada e posa para pintores com quem se envolve. A curiosidade e o desejo de aventura arrastam Ginia para um mundo novo, onde nem sempre se sente confortável, mas onde experimenta as alegrias e torturas do primeiro amor. Escrito em 1940, este belíssimo romance de Cesare Pavese, foi distinguido, 10 anos depois, com o Prémio Strega, o mais importante galardão literário italiano. [Paula Teixeira] Livros do Brasil

Quando um colega lhe falou do grupo ativista Gulabi Gang, Sofia Santos Silva ficou fascinada pelo caso de ativismo feminista e procurou aprofundar o conhecimento sobre um conjunto de mulheres que, em vários territórios do norte da Índia “onde o acesso à educação é escasso e a discriminação de género assustadora”, se tornaram uma “alternativa às autoridades locais e tribunais” na defesa das mulheres.

“Na Índia, qualquer tipo de crime cometido por um homem sobre uma mulher, até os sexuais, acabam geralmente imputados à vítima que, supostamente, não terá cumprido o papel que lhe reserva a sociedade patriarcal”, observa a criadora e atriz. Como resposta a esta violência sistémica e banalizada e contra a discriminação generalizada, a ativista Sampat Pal fundou, na região de Uttar Pradesh, o Gulabi Gang, conseguindo reunir “mulheres que têm como missão investigar as incidências desses casos de crimes, onde quase sempre o agressor é ilibado e a vítima culpabilizada.”

Mas, como nota, há outra característica fascinante no ativismo do Gulabi Gang: “não havendo acesso a ferramentas de comunicação em massa, Sampat Pal começou por criar cânticos originais que as mulheres aprendem e, de boca em boca, vão transmitindo a outras que, assim, se vão juntando à causa.”

Inspirada por estes elementos, Sofia Santos Silva esteve tentada em conceber um espetáculo ainda mais musical, “mas, o que havia para dizer poderia tornar-se demasiado abstrato”, e Another Rose tinha que ter a urgência do discurso que interpela e afronta.

Contudo, a música (com direção de Martim Sousa Tavares, com quem Santos Silva já trabalhara em Carta, de Mónica Calle) tem presença marcante e o objeto artístico é, simultaneamente, poético e político, com a realidade da autora, e das mulheres que vivem em Portugal, a estabelecer “um diálogo” com as mulheres que daqueles locais remotos da Índia soltam o seu “cântico para serem escutadas.”

A realidade que desconhecemos

Recorrendo a entrevistas feitas especificamente para o espetáculo, o “grito de resistência” das Gulabi Gang encontra o seu espaço próprio em Another Rose, a par da “ficção” que Santos Silva construiu. Nela, três amigas reúnem-se numa cabana e escalpelizam a sua realidade enquanto mulheres. Deduz-se que uma delas é vítima de violência doméstica, e isso torna-se motor do drama. As três atrizes em cena (a própria autora, Catarina Carvalho Gomes e Cire Ndiaye) representam, segundo Santos Silva, “a necessidade de estarmos umas com as outras para combater o patriarcado e a opressão de género.”

“Foi este recurso ao mecanismo da ficção que permitiu encontrar o meu lugar de fala, ou seja, o lugar onde colocasse a minha realidade”. Inspirada pelas investigações que as Gulabi Gang empreendem em prol da defesa das mulheres, “decidi fazer o mesmo a respeito de procedimentos judiciais, decisões de tribunal e a própria lei portuguesa no que diz respeito a posicionamentos perante crimes de violência doméstica e sexual. Embora sejam realidades muito diferentes, acabei por ficar surpreendida e chocada perante o muito que desconhecia e se passa aqui.”

Projeto vencedor da quarta edição da Bolsa Amélia Rey Colaço, iniciativa anual promovida conjuntamente por A Oficina (Guimarães), O Espaço do Tempo (Montemor-o-Novo), Teatro Nacional D. Maria II (Lisboa) e Teatro Viriato (Viseu),  Sofia Santos Silva consegue definir hoje Another Rose como “um manifesto coletivo de mulheres que clamam pela resistência e pela mudança, contra a violência de género.” Mesmo que esse coletivo de mulheres esteja separado por outra língua, por outros hábitos ou por milhares e milhares de quilómetros de distância, em comum, todas elas estão a lutar pela mudança, contra uma sociedade onde a preponderância da autoridade e mundivisão masculina persistem e causam danos, demasiadas vezes irreparáveis.

Eram os loucos anos 20. A Europa deixava para trás a guerra e a pandemia de gripe espanhola, entregando-se a um período de euforia. Na Lisboa da Primeira República, e embora tratando-se de uma capital periférica, a vida artística e cultural começava a fervilhar com as modas chegadas das grandes cidades como Paris, Londres e Nova Iorque. Mas se Lisboa também ansiava por dançar o charleston e o foxtrot, o gosto popular continuava seduzido por carrosséis e figuras de cera, barracas de pim pam pum e tiro ao alvo, tascas, exibições de animais amestrados e “aberrações” de feira, animatógrafos e saltimbancos.

Foi para procurar recriar o ambiente das tradicionais feiras populares que pululavam pela cidade desde o século XIX, juntando-o ao sopro de sofisticação dos tempos, que, nas traseiras do Palácio Lima Mayer (atual Consulado de Espanha em Lisboa), mais concretamente no seu jardim, a chamada Sociedade Avenida Parque, liderada pelo empresário teatral Luís Galhardo, inaugurava, a 15 de junho de 1922, o Avenida Parque, ou feira do Parque Mayer.

Sobre a novidade, lia-se no Diário de Notícias: “Quando ontem entrámos na feira, lembraram-nos imediatamente alguns detalhes pitorescos das antigas feiras do Campo Grande e das Amoreiras, dos nossos melhores bons tempos. E lembrou-nos isso no meio daquele ruído moderno e caprichoso, num recinto onde as barracas têm todas, pelo menos, limpeza, algumas bom-gosto e muitas, se não a totalidade, um ar de sedução irresistível.”

O triunfo do teatro de Revista

Consta que nas antigas feiras de Lisboa, o mais apreciado dos divertimentos era mesmo o teatro-barraca, sendo que Luiz Francisco Rebello, na História do Teatro de Revista em Portugal sublinha que “nos derradeiros anos da Monarquia e primeiros anos da República, os teatros de feira foram importantes alfobres de autores e atores de revista”

Não surpreende, portanto, que, no dia 1 de julho de há 100 anos, o Parque Mayer visse abrir portas o primeiro dos seus teatros, o Teatro Maria Vitória, com a revista Lua Nova.

Curiosamente, o primeiro dos teatros a inaugurar foi aquele que, no Parque Mayer, quase ininterruptamente se manteve em funcionamento ao longo destes 100 anos, mesmo tendo sido assolado, em 1986, por um violento incêndio. Atualmente, e por iniciativa de Hélder Freire Costa, o Maria Vitória permanece mesmo como o último baluarte do teatro de revista em Lisboa, estreando, ano após ano, um novo espetáculo.

Sendo mais ou menos sofisticado, a preferência do grande público de Lisboa, naquela primeira metade do século passado, ia diretamente para o teatro musicado. Por juntar à música, a pertinência do humor na crítica social, a Revista à portuguesa era cada vez mais um género teatral generalizado nos teatros lisboetas, tornando-se numa espécie de berço de grandes atores e atrizes, que mais tarde se impunham como importantes nomes no cinema português.

A 8 de julho de 1926, no Parque Mayer abria portas um novo teatro, o Variedades, com a estreia do espetáculo de Revista Pó de Arroz. A par das barracas de tirinhos e dos comes e bebes, do fado e das danças da moda, o Parque Mayer era cada vez mais o local de excelência da diversão e boémia na cidade de Lisboa.

A seguir, e sempre sob a égide do teatro de revista, um género que de tão acarinhado pelo Estado Novo se tornou numa escola de oposição e resistência à censura política e de costumes, abriram o Teatro Capitólio (construído em 1931 e reabilitado e reaberto em 2016) e o Teatro ABC (fundado em 1956, onde outrora funcionara o Pavilhão Portuguez, demolido nos anos 90 e transformado num parque de estacionamento).

Neste século de Parque Mayer, a exposição Parque Mayer 100 Anos – O Esplendor da Revista, patente na Praça dos Restauradores, evoca os antecedentes históricos e as mutações que aquele pedaço de cidade, entre a Avenida da Liberdade e o Jardim Botânico, sofreram ao longo de décadas, sempre com os olhos postos nos teatros, na Revista à portuguesa que ali se renovou e reinventou à procura de sobreviver à passagem do tempo e às mudanças sociais e políticas pelas quais o país passou, da Primeira República à Democracia, passando pelos longos anos da ditadura.

No extenso programa comemorativo, destacam-se ainda uma série de tertúlias com artistas, trabalhadores, espectadores e conhecedores das vivências do local; dois itinerários (um sobre a história do Parque Mayer e outro sobre os anos de ouro do cinema português); sessões de cinema; momentos de fado e de jazz; e até um combate de boxe entre os atletas Miguel Amaral e Ricardo Costa. Entretanto, aos sábados, o Cineteatro Capitólio vai ser palco de concertos de Sara Correia, Black Mamba com Adelaide Ferreira, Pedro Moutinho e Real Combo Lisbonense.

Programação integral.

Porque, como o próprio faz questão de sublinhar, um diretor artístico não deixa de ser um artista, o espetáculo que abre a Temporada 2022/2023 do Teatro Nacional D. Maria II (TNDM II) é escrito e encenado por Pedro Penim. Chama-se Casa Portuguesa e traz consigo a habitual marca biográfica que o autor emprega às suas criações.

Desta feita, Penim mergulha no diário de guerra colonial que o pai, Joaquim Penim, escreveu para ser lido por si e pelo irmão e junta-lhe “aquele fado pobre e alegre” que Amália celebrizou, e que dá título ao espetáculo (precisamente, Uma Casa Portuguesa), apologia de um “certo saudosismo estereotipado de uma ideia de país muito ao gosto do salazarismo”. A isto, Penim junta ainda o olhar do filosofo italiano Emanuelle Coccia sobre a “casa” como “espaço ancestral de injustiças, opressões e desigualdades.”

Com estreia marcada para 22 de setembro, Casa Portuguesa conta com interpretações de Carla Maciel, João Lagarto, Sandra Feliciano e a dupla Fado Bicha, que volta a trabalhar com Penim, três anos depois do espetáculo que o Teatro Praga concebeu para os 125 anos do Teatro São Luiz.

O final de semana de reabertura do TNDM II é ainda marcado pelo ciclo Antecipar o Futuro, um programa que dá enfase à “pesquisa e investigação como base de inovação e renovação artística”. Entre instalações, workshops, palestras e concertos, destacam-se dois projetos performativos: Cosmic Phase/Stage, de Ana Libório, Bruno José Silva, Carlos Cardoso e João Estevens (23 de setembro) e Atlântico (título provisório) de Odete (25 de setembro).

“Ça Ira (1) Fin de Louis” de Joël Pommerat ©Elisabeth Carecchio

Em outubro, Marco Paiva parte de uma das peças referenciais de Edward Albee e dirige dois intérpretes surdos (Marta Sales e Tony Weaver) que representam o texto em língua gestual portuguesa. Zoo Story é um espetáculo inclusivo, legendado em Português e com audiodescrição em todas as récitas.

O mês tem ainda como grande protagonista o teatro brasileiro, com um ciclo de leituras encenadas de alguns grandes textos dramatúrgicos da autoria de autores referenciais da língua portuguesa do século XX: Nélson Rodrigues, Adriano Suassuna, Newton Moreno e Leilah Assumpção. A dirigir estas leituras estão Keli Freitas, Carla Bolito, Álvaro Correia e Pedro Penim.

Já em novembro, a portuense Raquel S. estreia a sua mais recente criação, Cadernos de, com a atriz Maria Jorge (de 3 a 13), e o artista franco-brasileiro, radicado em Lisboa, Romain Beltrão Teule volta a apresentar Dobra (dias 26 e 27). Espetáculo em destaque no Festival Temps d’Images, em 2021, Dobra é uma palestra-performance que procura dissecar a palavra “dobrar” em incontáveis contextos.

No último mês do ano, a Companhia Capa Torta, de Filipe Abreu e Miguel Maia, leva ao TNDM II o festim de leituras de textos de teatro Esta Noite Grita-se, com o anuncio, lançamento do livro e sessões de leitura do texto vencedor do concurso literário Prémio Nova Dramaturgia de Autoria Feminina de 2022 (3 e 4 de dezembro). Na Sala Estúdio, a partir de 8 de dezembro, Paula Diogo apresenta a sua mais recente criação, decorrente de uma residência artística na Islândia, Espelhos e Monstros.

A programação internacional e uma homenagem histórica

Nome incontornável do teatro europeu, com recorrentes passagens pelo Festival de Almada onde apresentou espetáculos absolutamente marcantes, como A reunificação das duas Coreias e Pinocchio, Joël Pommerat volta a Lisboa com um espetáculo histórico: Ça Ira (1) Fin de Louis. Reflexão avassaladora sobre a Revolução Francesa e a marca que deixou na história da luta pela democracia, a peça tem corrido mundo desde 2015 e fará, entre 28 e 30 de outubro, a sua última apresentação, precisamente na Sala Garrett.

Em novembro, há Alkantara Festival e pelo TNDM II, passam dois espetáculos: The Making of Pinocchio, “um espetáculo teatral e cinemático” sobre a ideia de identidade trans da autoria da dupla Cade & MacAskill; e Mascarades, um solo da coreógrafa e bailarina Betty Tchomanga, construído com a simbiose entre a música eletrónica e os ritmos tradicionais africanos.

A 28 de novembro, o TNDM II presta homenagem a uma das suas figuras históricas por ocasião das comemorações dos 80 anos de carreira. O ator Ruy de Carvalho estreou-se em 1942 e, cinco anos depois, subiu pela primeira vez ao palco do TNDM II, integrado na Companhia Rey Colaço/Robles Monteiro. Até 2000, seria ator residente da casa. Por tudo isto, como lembra Pedro Penim, “a celebração da data tem de ser feita aqui, no D. Maria, que será sempre a sua casa.”

Como já fora previamente anunciado, o edifício do Rossio encerra no final do ano para obras de renovação e requalificação ao abrigo do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Enquanto isso, e durante todo o ano de 2023, o TNDM II vai percorrer o país, continente e ilhas,  com a chamada “Odisseia Nacional”. Trata-se, esclarece Penim, “não de uma embaixada lisboeta a percorrer Portugal continental e ilhas”, mas de uma operação que envolve “mais de 90 municípios e as comunidades locais”. Os pormenores de programação serão anunciados em novembro.

Tens uma voz muito poderosa. Sempre tiveste noção disso?

Na verdade, só comecei a cantar quando tinha quase 16 anos. A minha avó ofereceu-me uma guitarra quando eu tinha 14. Entretanto comecei a aprender e ia tocando com amigos. O canto só apareceu mais tarde porque era – e sou – muito tímido. Só mais tarde comecei a explorar essa vertente. Achava que até tinha algum jeito, mas não tinha a confirmação porque nunca tinha mostrado a ninguém o que era capaz de fazer. Mas quando comecei a cantar nunca mais me calei [risos].

Não era, portanto, um sonho de criança…

Nunca foi uma coisa que me passasse pela cabeça. O meu pai está ligado à área da construção civil e das energias renováveis e eu sempre me imaginei a trabalhar com ele, a dar continuidade ao negócio de família… Durante muitos anos, o meu objetivo era ser engenheiro civil. Claramente, não foi esse o meu caminho, mas estou muito feliz por isso. A música apareceu mais tarde, mas quando surgiu foi em força e não tive mais dúvidas. Sempre gostei de música, toda a minha família é muito musical, mas não pensava nela dessa forma.

Perdeu-se um engenheiro, mas ganhou-se um cantor de muito sucesso… Como reagiu o teu pai?

O meu pai ficou muito feliz por eu ter optado pela música. Foi a pessoa que mais me incentivou a seguir este caminho. Tem uma voz fantástica, canta muito bem, sempre foi muito ligado à música. No fundo, sinto que ele se revê em mim. Agarrou o meu sonho como se fosse dele e nunca duvidou do que o filho poderia vir a fazer.

Como chegaste a este nome artístico?

O meu nome é Pedro Fidalgo. Nasci em Amarante há 25 anos. As pessoas que fazem parte do meu núcleo mais próximo tratam-me por Fidalgo. Apesar de cantar em inglês, queria ter um nome que fosse pessoal, que tivesse alguma história. Noble acabou por ser a tradução mais próxima do meu nome.

O que te inspira?

São principalmente coisas que vivo. Gosto muito de escrever na primeira pessoa, acho que escrever sobre algo que vivi facilita muito o trabalho. Tenho sempre muito mais substância para falar ou aprofundar determinados assuntos. Mas também escrevo sobre coisas que leio, notícias que ouço. A inspiração pode surgir nos momentos mais inusitados e das coisas mais simples.

Essa exposição não te incomoda?

Não penso muito nisso, sobretudo pelo facto de cantar em inglês. A língua serve como escudo, é uma proteção para conseguir dizer tudo aquilo que quero e que me vai na alma, sem pensar que estou a expor-me completamente. O inglês ajuda-me muito nesse aspeto. Se quisesse dizer o que digo nas minhas músicas mas em português, nunca conseguiria ter o mesmo resultado. Ia sentir-me muito mais exposto. Nunca teria conseguido escrever uma canção como Honey em português. Não ia conseguir chegar a casa depois de uma consulta e escrever “se eu partir amanhã não chores, porque o teu amor vai ser a minha salvação”. Nunca na vida o conseguiria fazer, não ia conseguir entregar isso às pessoas. Claro que a arte tem de ser genuína e sincera e sinto que é isso que tenho feito. Tenho-me mantido fiel a mim mesmo.

Essa canção, Honey, fala de um momento complicado que atravessaste a nível de saúde. Imagino que tenhas uma relação muito ambígua com ela…

Tenho um amor extremo por esta canção. O facto de a cantar significa que está tudo bem e que superei os problemas que me apareceram no caminho. No início foi um bocadinho difícil, mais até para a minha família e para a minha namorada, que eram as pessoas mais envolvidas em todo o processo. Não é fácil ouvir esta letra, mas depois de tudo passar e de ter ficado bem – felizmente tenho uma saúde de ferro – esta canção tornou-se um hino de superação. Para quem ouve, tem todo o significado que as pessoas lhe quiserem dar, porque essa é a parte mais bonita, é a da interpretação que cada um lhe dá. Para mim, estar em palco e poder cantar esta canção e ver as pessoas a cantarem também, é sinónimo de superação.

“Durante a pandemia não conseguia compor nem pensar em escrever música, sentava-me ao piano e não saía rigorosamente nada”

Ficaste muito surpreendido a forma como o público te acolheu?

Fiquei. Esperamos sempre que o nosso trabalho tenha sucesso, ninguém começa um projeto a pensar que não vai correr bem. Mas aconteceu tudo tão rápido que tive dificuldade em processar. Foi muito interessante porque escrevi Honey, produzimos a música e ela era para sair em abril. Entretanto, o meu manager entrou no estúdio e disse-me que a canção ia ter de sair dali a duas semanas porque ia ser o genérico de uma telenovela da TVI. Fiquei incrédulo e sem palavras para aquela notícia. Percebi que o meu sonho estava a tornar-se realidade e comecei a preparar-me para entregar a música às pessoas. A novela foi uma rampa de lançamento muito grande e ajudou-me a chegar a muito mais público. Para mim, essa é a parte mais importante, a música vive da partilha. Sinto que consegui juntar muitas histórias diferentes à volta da minha história. Essa foi a parte mais bonita desse processo todo. Há pessoas que me dizem que a Honey marcou uma fase da vida delas ou algum momento especial e isso não tem preço. A parte mais gratificante é saber que as pessoas se ligam àquilo que nós fazemos e que se identificam com as nossas palavras.

Muitas pessoas ficam surpreendidas quando descobrem que és português…

Tenho que fazer um agradecimento à professora Maria do Rosário Barros, minha professora de inglês. Quando escrevi as primeiras letras ia a casa dela mostrar-lhas, para ver se estava tudo bem, se as formas gramaticais estavam bem escritas. Sempre foi muito recetiva, ajudou-me muito nesse aspeto. Quando as pessoas me dizem que ficam surpreendidas por eu ser português, há uma sensação agridoce. Por um lado, é muito bom porque as pessoas comparam-me a artistas incríveis de que eu próprio sou fã, como o John Legend, o Ed Sheraan, o James Arthur… Por outro lado, deixa-me um bocadinho triste porque, em Portugal, há muita gente a fazer muita coisa boa. Senti mais isso agora quando criei este desafio com a RFM para pôr novos talentos a cantar no meu disco. Tivemos mais de 400 participantes. Sentado, a ouvir aquelas vozes, percebi que há muita gente, especialmente nesta nova geração, que tem muito talento e muita coisa para dizer, por vezes não têm é oportunidade. Eu, felizmente, tive oportunidade, tive pessoas que acreditaram em mim e que me ajudaram a levar as minhas palavras até ao público. Mas claro que fico muito agradecido quando o público reconhece o meu inglês. Nunca escondi que o meu sonho era ter uma carreira internacional. Sempre que elogiam o meu inglês sinto-me mais perto de atingir esse objetivo.

Quem são as tuas maiores referências musicais?

O Bruce Springsteen é a minha maior referência, principalmente a nível de espetáculo. Acho que ele é um performer incrível, e toda a gente que pisa um palco devia assistir a concertos dele, porque tem muito para ensinar. Estamos a falar de uma bagagem de quase 50 anos de carreira. A banda da minha vida foi e será sempre The Doors, mas também ouço coisas mais recentes, como o Harry Styles (que eu sinto que é o David Bowie desta geração, e digo-o sem medo). Gosto muito da Dua Lipa, para mim é das melhores vozes da atualidade, tem uma voz que se reconhece em qualquer lado. Também ouço muito Guns n’Roses, Aerosmith ou Coldplay. Outro artista de que gosto muito é o James Blunt. É muito divertido, consegue brincar com a sua própria carreira. O que ouço vai variando muito consoante o estado de espírito.

Como surgiu a ideia de lançar este desafio em conjunto com a RFM?

A ideia surgiu durante a pandemia, depois daquela fase inicial onde não existia mais nada a não ser angústia. Não conseguia compor nem pensar em escrever música, sentava-me ao piano e não saía rigorosamente nada. Estávamos a atravessar um momento de incerteza muito grande e isso refletia-se em todos os aspetos. No campo criativo refletiu-se muito. A dada altura comecei a pensar em qual poderia ser o meu contributo para um setor que estava a sofrer tanto como o da cultura. Sempre tive a sorte de ter muita gente a acreditar em mim, que me apoiou, e este desafio pretendia proporcionar isso a outras pessoas que têm muito talento mas que não tinham a forma ou os meios de mostrarem aquilo que conseguem fazer. Juntei-me à RFM, esses criadores de sonhos que têm apoiado a minha carreira desde o início, foi uma parceria que para eles também fez todo o sentido. Criámos o desafio no Tiktok e no Instagram Reels para ser mais fácil para as pessoas acederem, até porque estavam presas em casa. Nesse aspeto, as redes sociais ajudaram muito, era a forma mais fácil de se ligarem aos artistas. Tivemos mais de 400 participantes no Tiktok, e mais de 4 milhões de visualizações só no #RFMNobleduetos. O mais difícil foi reduzir esses 400 participantes a dez, e consequentemente, a 5. Essa parte já foi mais divertida porque, depois de chegar à lista dos 10 finalistas, fomos todos para estúdio e ai conheci os vencedores pessoalmente. Cantámos as músicas, colocámos um vídeo no site da RFM, e a escolha dos vencedores ficou totalmente nas mãos do público. Resultou em cinco duetos que fazem parte do meu novo disco. São cinco talentos nacionais. Algumas delas nunca tinham entrado num estúdio, foi muito giro ver a forma como elas pegaram nas minhas canções e lhes deram o seu toque pessoal. Gravámos videoclipes para todas as canções. Entretanto já fiz alguns concertos em que consegui ter algumas destas vozes, mas a primeira vez que nos vamos juntar todos em palco vai ser no dia 25 de junho, no Teatro Tivoli BBVA. São duas estreias: é a primeira vez que vou atuar em Lisboa – e estou mesmo muito feliz por isso – e vai ser a primeira vez que vou ter as cinco vencedoras comigo em palco. Vai ser uma noite muito emotiva e especial.

Já estás a trabalhar num próximo disco ou ainda é cedo?

Não tenho saído do estúdio, tenho trabalhado bastante em material novo. Estou muito entusiasmado com o que tenho estado a fazer mas, para já, nestes concertos vou concentrar-me no Secrets, até porque saiu há muito pouco tempo e ainda o quero levar a muita gente. Já que o primeiro disco não teve a sorte de ver os palcos por causa da pandemia, quero tocar este novo disco ao máximo. Claro que isso não impede que, entretanto, lance canções novas, É sempre uma possibilidade.

São raros no mundo os festivais que a pandemia não parou. O Festival de Almada foi um dos casos extraordinários de resistência, vontade e persistência, tendo passado os últimos dois anos a reinventar-se para não deixar de dar ao seu público aquilo de que ele jamais pretendeu abdicar: o melhor teatro nacional e internacional que fosse possível trazer a salas de Almada e Lisboa.

Este ano, quando se crê que o pior já passou, o Festival anual organizado pela Companhia de Teatro de Almada com a autarquia local, volta ao formato habitual, com a Escola D. António da Costa, paredes meias com o Teatro Municipal Joaquim Benite, mesmo no coração de Almada,  a recuperar o estatuto de epicentro do certame. Por lá, há concertos diários de acesso gratuito durante todos os dias do Festival e, claro, no Palco Grande, dia sim, dia não, exibem-se alguns dos mais interessantes espetáculos do momento, assinados por criadores consagrados e bem conhecidos do público de Almada, como o sempre surpreendente mestre suiço Christoph Marthaler (Aucune Idée é o espetáculo de abertura desta edição), os marionetistas berlinenses da Familie Flöz (com o recém-estreado Hokuspokus) ou os jovens madrilenos La Tristura (com Renacimiento), que o Festival revelou em 2020, em plena pandemia, naquele que foi uma das raras presenças internacionais em Almada.

Sete mulheres negras partilham percursos de vida em “Mailles” (“Malhas”), de Dorothèe Munyaneza, considerada uma das criadoras fundamentais da atualidade. ©DR

Mas, o Palco Grande do Festival de Almada é também o espaço privilegiado para dar a conhecer a um público mais vasto nomes que estão a dar que falar nas artes performativas mundiais. Nesta edição, e no âmbito da Temporada Cruzada Portugal/França 2022, duas criadoras, e consequentemente dois espetáculos, destacam-se. A primeira é a cantora, autora e coreógrafa de origem ruandesa Dorothèe Munyaneza, que regressa a Portugal com Mailles, um espetáculo poderoso protagonizado por sete mulheres negras, afrodescendentes provenientes de Holanda, França, Haiti, Inglaterra e Espanha, que partilham experiências de vida onde a resistência e a sobrevivência se impõem.

A segunda é a franco-portuguesa Nadège Prugnard, que apresenta “um espetáculo-catarse” intitulado Fado dans les veines (Fado nas Veias). Segundo a autora, trata-se de “um poema escrito em forma de confissão”, dedicado aos portugueses que emigraram para França no século passado, fugidos ao salazarismo.

Outros ilustres regressados

Depois de em 2019 ter apresentado o inesquecível Mary Said What She Said com Isabelle Huppert, o teatro de Robert Wilson está de volta ao Festival com a remontagem, 45 anos depois, de I was sitting on my patio this guy appeared I thought I was hallucinating. Cocriado e interpretado à época por Wilson e Lucinda Childs, os papéis são agora entregues ao ator alemão Christopher Nell e à bailarina australiana Julie Shanahan. Como lembra Rodrigo Francisco, diretor do Festival de Almada, citando Wilson: “Em I was sitting on my patio… o que importa não é o que o texto significa, mas as emoções que cria nos intérpretes”. O espetáculo é um díptico em dois atos que funciona como “uma corrente onde os elos nunca chegam a tocar-se.”

Robert Wilson e Lucinda Childs, os autores e intérpretes originais do solo desdobrado “I Was Sitting On My Patio…” ©DR

De regresso a Almada, no caso à sala principal do Teatro Municipal Joaquim Benite, está Thomas Ostermeier e a Schaubühne. Seis anos depois de A Gaivota, o reconhecidíssimo encenador alemão apresenta “uma peça de câmara” escrita pela dramaturga Maja Zade a partir de Édipo. ödipus é um olhar contemporâneo sobre a tragédia de Sófocles, tendo como protagonistas uma família de capitalistas alemães na sua casa de férias na Grécia.

Outra personalidade muito acarinhada pelo fiel público do Festival é o romano Ascanio Celestini, “um contador de histórias” por excelência, que volta a Almada com Museo Pasolini, para entabular um diálogo imaginário com várias personalidade em torno da figura de Pier Paolo Pasolini. “Uma mistura de técnica narrativa com investigação antropológica”, marca de Celestini, para assinalar os 100 anos do nascimento do intelectual, cineasta, dramaturgo e escritor italiano.

No âmbito dos regressos, destaque ainda para o de Wim Vandekeybus, com Hands do not touch your precious Me, onde pela primeira vez o cenógrafo belga trabalha com o performer e artista visual Olivier de Sagazan, especialista em trabalhos de transfiguração do corpo e do rosto, e com a música eletroacústica da compositora Charo Calvo.

Nota para o novo-circo que, este ano, tem presença dupla: primeiro, com os ingleses Gandini Juggling (Smashed2); segundo, no Centro Cultural de Belém, com os Baro d’Evel e essa “corrente de ar soprada por um fenda a pulsar de vida” que é Falaise.

No teatro português, dando um panorama de grande vitalidade, a oferta é rica e muito diversificada, com espetáculos da Companhia de Teatro de Almada (em estreia absoluta Noite de Reis, de Shakespeare, encenado pelo alemão Peter Kleinert), de Rita Calçada Bastos (Se eu fosse Nina), do Teatro Experimental de Cascais (Eu sou a minha própria mulher), do Teatro dos Aloés (Em Casa, no Zoo), de Marco Martins (Selvagem), dos Artistas Unidos (Taco a Taco) e do Teatro do Bairro/Ar de Filmes (Sonho).

Como habitualmente, o Festival homenageia uma figura de particular relevância no teatro português, cabendo ao cenógrafo, pintor e arquiteto José Manuel Castanheira o mais do que merecido aplauso. Em Almada, durante a mostra, apresenta-se uma exposição evocativa de um percurso de quase 50 anos dedicado à cenografia. Como o próprio assume, “tudo aquilo que fiz, fosse na pintura, na arquitetura teatral ou efémera, ou no design, andou quase sempre à volta do teatro e da cenografia”. Paralelamente, Castanheira concebeu uma pequena instalação intitulada A nudez do cenógrafo e a perplexidade do espectador, e assume, entre 11 e 15 de julho, o papel de formador no curso Um lugar para transformar o tempo, no âmbito de O Sentido dos Mestres, uma iniciativa do Festival com o apoio da Share Foundation.

Os ingressos para esta 39.ª edição do Festival de Almada, que decorre de 4 a 18 de julho, variam entre os 35 e os 12 euros, estando também já disponível a modalidade Assinatura, que dá acesso a todos os espetáculos numa das sessões programadas, pelo valor de 80 euros. A programação integral do Festival pode ser encontrada aqui.

Três mulheres, três homens; ou seis personagens à procura do seu lugar no mundo. E ainda uma sétima, absolutamente central, mas silenciosa na sucessão alternada de solilóquios que compõem grande parte de As Ondas. O mais experimental texto de Virginia Woolf, que Marguerite Yourcenar, no sempre citado prefácio que fez à tradução para francês, considerou um romance que, pela sua técnica, se encontra mais próximo da música erudita do que da literatura em si, regressa ao palco numa criação conjunta do Teatro Meia Volta Depois À Esquerda Quando Eu Disser.

Falamos de regresso porque, embora o romance de Woolf seja quase impossível de encontrar “eco” noutro meio que não o do livro, as artes performativas têm-se sentido profundamente atraídas para as existências de Susan, Bernard, Jinny, Rhoda, Neville e Louis (e de Pervival, a sétima personagem). Só em Portugal, podemos apontar duas incursões particularmente felizes: a de Clara Andermatt e João Garcia Miguel, em 2004; e a de Sara Carinhas, em 2013.

Procurando estar sempre muito próxima do romance, a peça que o Teatro Meia Volta agora apresenta no Teatro da Politécnica resulta de um longo processo de leituras e reflexão à volta da obra de Woolf. “Interessava-nos continuar a olhar para esta coisa do arco do tempo nas vidas humanas, para o crescimento e o envelhecimento, prosseguindo com uma temática a que já nos havíamos dedicado no anterior espetáculo, Joyeux Anniversaire, que assinalou os 15 anos do Teatro Meia Volta”, explica Anabela Almeida.

Mas As Ondas é um desejo antigo do ator Alfredo Martins, que o propôs ao grupo, precisamente, após o anterior espetáculo. “Foi sempre um livro que me acompanhou em várias fases da vida, desde a primeira vez que o li, com cerca de 20 anos. Lembro que voltei a ele pelos 30 e, agora com 40, era tempo de o trazer para cena”.

Na sua torrente “musical” de palavras, As Ondas acompanha o período luminoso da infância, aponta algumas reflexões sobre a juventude e a importância da amizade e da camaradagem, naquilo que Yourcenar comparava à “allegri nas sinfonias de Mozart” e que vêm a abrir espaço para “os lentos andantes dos imensos solilóquios sobre a experiência, a solidão e a maturidade” das suas personagens.

Apropriando-se desta imagem musical, o grande desafio de levar o romance para o palco sem o desvirtuar foi, como confessam os atores/autores do espetáculo, “cortar texto”. “Chegámos a fazer uma leitura integral da obra que demorou umas nove horas”, lembram.

Era, portanto, “necessário abandonar algumas coisas, alguns aspetos que, embora relevantes, tinham que ser retirados para construir o espetáculo”. Porém, “o essencial era conseguir fazer aquelas seis personagens ecoar nos atores em cena, de modo a chegar ao espectador”, numa experiência teatral que não pretende ter paralelismo ao livro e ao modo como “o leitor o leva para a sua esfera pessoal”. Embora, e como relevam, mais importante do que construir personagens dramáticas, As Ondas do Teatro Meia Volta procure ser um espetáculo comprometido com a poética da obra em que se inspira e a importância de continuar a refletir sobre a passagem do tempo. Sempre assumindo os riscos inerentes a fazer de um romance quase impossível uma peça de teatro.

Para além dos citados Alfredo Martins e Anabela Almeida, As Ondas é cocriado e interpretado por Sara Duarte, Tânia Alves, Duarte Guimarães e Luís Godinho. Em cena, de 8 a 25 de junho.x

Devido a um caso de Covid 19, a temporada está suspensa de 16 a 22 de julho, estando agendadas sessões extra de 28 a 30 de junho.

Uma noite de Santo António sem arraiais, sardinhas e marchas populares até pode ser divertida, mas jamais genuinamente alfacinha. Depois de dois anos marcados pelos constrangimentos da pandemia, com as comemorações impedidas de sair à rua, a noite mais longa do ano para os lisboetas está de volta em todo o seu esplendor e, para além dos arraiais e da sardinha assada, no regresso à Avenida da Liberdade, vão estar as marchas populares. Este ano, pela primeira vez, duas marchas infantis, simultaneamente dois projetos completamente distintos, vão desfilar no grande palco.

A Marcha Infantil das Escolas de Lisboa

Desde meados dos anos 90 do século passado que, paralelamente, às convencionais marchas populares, a Câmara Municipal de Lisboa (CML) organiza, em articulação com as escolas e as juntas de freguesia de toda a cidade, as Marchas Infantis. Este ano, pela primeira vez, um par de crianças representante de cada uma dessas marchas vai formar a Marcha Infantil das Escolas de Lisboa, projeto que a EGEAC desafiou a integrar o grande desfile da noite de Santo António, na Avenida da Liberdade.

Ensaiados por Cristina Coelho, que desde a primeira edição das Marchas Infantis de Lisboa acompanha o projeto do Pelouro da Educação da CML, os jovens das escolas da cidade juntam-se agora nesta marcha conjunta que valoriza ainda mais uma participação “que os miúdos tanto adoram, porque associa toda a componente artística, a dança e a música, ao sentimento de pertença que nutrem pela sua escola ou pelo seu bairro”. Como lhe confessou outrora uma dessas crianças, “as marchas fazem-me amar a minha cidade.”

Para os coordenadores do projeto, Jorge Alves e Sónia Nunes, “mais do que o bairrismo”, as marchas infantis são uma iniciativa que contribui “para a preservação do património popular da cidade”. E não deixa de ser interessante observar como o projeto, embora tenha sido abandonado durante alguns anos, tenha deixado lastro, já que “muitos daqueles que hoje integram as marchas populares começaram, precisamente, nas marchas infantis de Lisboa”.

“Aqui lançamos a semente”, lembra Cristina Coelho ao sublinhar a importância das marchas, manifestação tão representativa “da identidade e da diversidade” de cada bairro numa cidade cosmopolita como Lisboa. Serão elas, com os seus cerca de 700 jovens oriundos das 24 freguesias, que vão encher de cor e alegria o Parque da Quinta das Conchas no desfile das Marchas Infantis de Lisboa, a 18 de junho, e entoar o tema original Somos Filhos de Lisboa, com letra de Natália Teles e música de Fernando Gomes dos Santos.

A Marcha Infantil d’A Voz do Operário

O tempo corre incessante na Voz do Operário. Dois anos depois da última vez em que a Marcha desfilou na Avenida, costureiras, figurinistas, músicos e alguns professores da escola não têm mãos a medir para o regresso triunfal dos jovens marchantes. É com um enorme entusiasmo que a ensaiadora Sofia Cruz, também ela marchante em São Vicente, explica que, embora a Marcha Infantil d’A Voz do Operário não seja obrigada a acompanhar o tema estipulado pela EGEAC para o desfile, a instituição inspirou-se “nas crianças e o Fado”, já que o desfile decorrerá sob a égide do centenário de Amália Rodrigues, temática recuperada de 2020.

À semelhança das marchas dos graúdos, na Voz do Operário tudo é levado muito a sério e todos os elementos, dos arcos aos balões, passando pelos figurinos e outros adereços, são mantidos no maior secretismo. Embora a Marcha não esteja a concurso, a surpresa faz parte da grande festa. “Os trabalhos da Marcha começam por volta de fevereiros e a três dias das férias da Páscoa iniciam-se os ensaios com as crianças”, refere Sofia.

Ao contrário daquilo que é norma desde 1988, ano em que a atividade da Marcha Infantil da Voz do Operário se iniciou, nesta edição, e ainda devido à pandemia, a Voz do Operário decidiu limitar a participação na Marcha a apenas 60 alunos da escola. “Criámos uma bolha como medida excecional, porque habitualmente a Marcha é aberta a todas as crianças da cidade. Em 2019 tivemos 92 participantes.”

Embora os principais segredos fiquem por desvendar até 3 de junho, dia em que a Marcha Infantil da Voz do Operário abre o desfile das marchas populares de Lisboa na Altice Arena, à semelhança do que sucederá, dias depois na Avenida da Liberdade, Sofia Cruz anuncia-nos que o tema musical original deste ano chama-se Oh que Fado, ser moderno, tem letra de Ricardo Dias e música de Carlos Alberto Vidal, o famoso criador do Avô Cantigas.

A Agenda Cultural de Lisboa agradece a participação nesta reportagem do Gonçalo, da Luena,  do Alexandre, da Lara, do Flávio, da  Maria Laura, da Lia, do Nélson, da Leonor e do Afonso, crianças que integram a Marcha das Escolas de Lisboa; e da Maria, da Carlota, do Manuel, do Kavin, do Rythm, do João, da Laura e da Margarida, todos jovens marchantes da Marcha Infantil da Voz do Operário.

António Mota (texto) e David Penela (ilustração)

A Minha Família

Qual é o significado da palavra família? Que sentimentos desperta nos mais pequenos quando a ouvem? O que é que lhes fará lembrar? Ao autor deste livro, a palavra família faz lembrar um bando de pássaros. Pássaros a voar, pássaros a dormir, pássaros a trabalhar, pássaros a nascer, pássaros a envelhecer… Esta palavra-ninho de António Mota conta com ilustrações de David Penela. ASA

Guilherme Karsten (texto e ilustração)

Boleia

O Verão é sinónimo de passeios, viagens e aventuras. É também a altura perfeita para ler este álbum repleto de humor, que conta a história de um surfista que quer chegar à praia, mas que vai dando boleia a várias personagens pelo caminho. Até porque, como se sabe, o caminho é mais importante do que o próprio destino. Com ilustrações experimentais e divertidas, Boleia foi o vencedor do prémio Jabuti, o mais prestigiado galardão literário do Brasil. FÁBULA

Ondjaki (texto) e Gozblau (ilustração)

Senhor Feroz

Neste livro habitam pessoas, guitarras, pássaros, festas, casas, sombras, cacos, patos de borracha e um avô muito especial. Trata-se de um verdadeiro elogio à liberdade de pensamento, aos laços familiares e aos sentimentos que moram em cada um de nós. Ilustrado por Alex Gozblau, este conto poético foi escrito para ser descoberto, lido e sonhado em família. CAMINHO

Souleymane Mbodj (texto) e Magali Attiogbé (ilustração)

O Colar Mágico

Há muito, muito tempo, quando as pessoas e os animais falavam a mesma língua e se entendiam, viveu um feiticeiro chamado Karamoko. Entre os animais da savana corria o rumor de que ele criava um colar mágico, que tornava invencível aquele que o usasse. Inspirada na literatura oral africana, esta fábula, cheia de cor e humor, tem todos os ingredientes para agradar aos mais pequenos. ORFEU NEGRO

Colin Stuart (texto) e Ximo Abadía (ilustração)
A Tabela Periódica

Os elementos da tabela periódica estão carregados de factos e histórias fascinantes. Através deste guia original, que promete revolucionar o mundo da química e salvar a disciplina a muitos estudantes, vai ser possível descobri-los e memorizá-los de forma divertida. Porque se aprende muito mais rápido se se relacionar o silício com Silicon Valley, ou se se souber que o nome Heavy Metal está relacionado com os metais pesados dos instrumentos. LILLIPUT

Míriam Tirado (texto) e Marta Moreno (ilustração)
O Fio Invisível

O umbigo guarda um segredo e Sara descobriu-o. Agora, ela já sabe que do umbigo sai um fio invisível que a liga a todas as pessoas que ama. Graças a ele, Sara nunca mais terá medo de estar longe da  ãe ou do pai, dos avós ou dos tios, dos primos ou dos amigos, porque sabe que eles estão ligados para sempre. Esta é uma história sobre os vínculos que nos unem a quem mais amamos e sobre a  descoberta de que as coisas mais importantes são aquelas que não se veem. NUVEM DE LETRAS


Radka Janská (texto) e Lida Larina (ilustração)

Os Animais Mais Bizarros do Mundo

Qual é o animal com a cauda mais ágil? E o que tem a língua mais comprida? Neste livro, vai ser possível desvendar os truques engenhosos de alguns dos animais mais incríveis e estranhos do planeta.  través de recortes e páginas desdobráveis, os leitores são convidados a aprender tudo sobre estas estranhas criaturas! Consegues adivinhar que animal se esconde em cada página? BOOKSMILE

Isabel Minhós Matins (texto) e Bernardo P. Carvalho (ilustração)

Apanhar Ar / Apanhar Sol

Apanhar Ar, Apanhar Sol é uma homenagem ao nosso lugar no espaço, ao Sol, à atmosfera, à Terra. Repleto de informação, atividades, páginas para respirar fundo e outras só para divertir, este livro  uplo, ilustrado por Bernardo P. Carvalho, responde a perguntas para as quais a Ciência já encontrou resposta, mas também conta histórias que envolvem sementes voadoras, abelhas ou aves… e pessoas, claro! PLANETA TANGERINA

Ingrid e Dieter Schubert

O Velho Pirata

Will é um pirata reformado e resmungão que não quer ser incomodado. Um dia, ajuda um menino a recuperar um papagaio de papel que encalhou no seu telhado, convencido de que depois pode voltar à  sua vida. Mas Frank é persistente… Esta é uma divertida história sobre o nascimento de uma amizade intergeracional entre um pirata rezingão e o menino que o leva de volta ao mar. BERTRAND

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