Não é o regresso a casa, mas já estará mais perto. Em 2025, com o edifício do Rossio ainda em obras de requalificação, o Teatro Nacional D. Maria II (TNDMII) pede o palco emprestado a outras salas de Lisboa. De fevereiro a dezembro, a programação regular faz-se entre o Teatro Variedades e os Jardins do Bombarda, passando também pelo Coliseu dos Recreios e o Mosteiro dos Jerónimos.
A Farsa de Inês Pereira, reescrita de Pedro Penim a partir de Gil Vicente, encabeça a cronologia de espetáculos fora de portas do TNDMII. Estreado no final de 2023 e distinguido recentemente pela SPA – Sociedade Portuguesa de Autores como o melhor texto português representado, chega ao recém-inaugurado Teatro Variedades, no Parque Mayer, a 12 de fevereiro, e aí fica até 2 de março. Este “olhar cáustico sobre alguns alicerces da sociedade contemporânea, nomeadamente o trabalho, a sexualidade e a célula familiar” será o pontapé de saída para uma programação que tem como pensamento “a utopia, a transformação social e o desejo de mudança, numa sociedade marcada por conflitos e desigualdades” – as palavras são do encenador e diretor artístico do TNDMII, que recorda o filme suíço dos anos 1970 Jonas qui aura 25 ans en l’an 2000, dirigido por Alain Tanner e escrito em colaboração com o crítico de arte e romancista John Berger, uma obra que acompanha um grupo de personagens em busca constante por alternativas ao sistema vigente.
“Creio que evocar este filme é a forma mais justa de colocar neste editorial o que julgo ser a potência da programação do Teatro Nacional D. Maria II para 2025”, escreve no texto de apresentação. “Enquanto o futuro não chega, demoremo-nos no seu instigante ensaio”, reforça.
Nacional no Variedades e Bombarda
No Teatro Variedades estarão, também, criações de Patrícia Portela (Homens Hediondos, monólogo interpretado por Nuno Cardoso, a partir de David Foster Wallace, em maio), Odete (As mulheres que celebram as Tesmofórias, a partir de Aristófanes, em junho), Marco Mendonça (Reparations Baby!, em julho), Cristina Carvalhal (O Nariz de Cleópatra, pois claro!, a partir de Augusto Abelaira, em setembro) e Jorge Jácome (Cosmic Sans, uma obra em formato digital com elementos das artes performativas e das media arts, que se estreia online em junho e terá uma instalação física em setembro). O novo teatro do Parque Mayer foi também o escolhido para apresentar um espetáculo do FIMFA Lx25 – Festival Internacional de Marionetas e Formas Animadas, em maio.
Já a Sala Estúdio Valentim de Barros, nos Jardins do Bombarda (situados no recinto do antigo Hospital Miguel Bombarda), recebe mais de uma dezena de espetáculos ao longo do ano. Inês Vaz e Pedro Baptista estreiam, em março, Auto das Anfitriãs, a partir de Luís de Camões, no âmbito das comemorações dos 500 anos do nascimento do poeta; Raquel Castro traz o seu As Castro a Lisboa, em maio; Sónia Baptista apresenta King Size, em junho; Ary Zara e Gaya de Medeiros mostram, em junho, a criação feita com a Bolsa Amélia Rey Colaço, Corre, bebé!; o Teatro Praga celebra 30 anos em julho; a companhia Hotel Europa volta a Luta Armada, em setembro; Rogério Nuno Costa estreia uma nova criação, em outubro; Maria Inês Marques leva ao palco As Secretárias, do coletivo norte-americano feminista The Five Lesbian Brothers, em outubro; e Ritó Natálio conduz-nos por Rito de Transição, em dezembro. Na programação dos Jardins do Bombarda haverá, também, espaço para a École des Maîtres, a BoCA – Bienal de Artes Contemporâneas e o Alkantara Festival.
Anos redondos
Há, ainda, dois destaques na programação anunciada pelo TNDMII: os espetáculos que acontecem no Coliseu dos Recreios e no Mosteiro dos Jerónimos. Na sala das Portas de Santo Antão, Pedro Penim repõe, de 24 a 26 de abril, Quis Saber Quem Sou, a peça estreada no Teatro São Luiz este ano e que voltará a Lisboa depois de um ano de digressão pelo país, assinalando agora os 51 anos da Revolução dos Cravos.
A outra grande empreitada será a sessão única de Os Lusíadas como nunca os ouviu, a 3 de maio, em que António Fonseca apresentará “a falação integral” de Os Lusíadas, agora nos Jerónimos e também inserido na celebração dos 500 anos do nascimento de Luís de Camões.
Paralelamente, continua a digressão fora de Lisboa, em mais de 30 teatros e municípios de todo o país, e continuam as apresentações internacionais, assim como os programas de participação, de pensamento e de formação. É pegar na agenda de 2025 e começar a assinalar os dias.
Que peso têm estes 20 anos de carreira?
Não associo os 20 anos a um marco importante. É uma referência cronológica, uma informação que fez sentido comunicar, principalmente para situar no espaço e no tempo aquilo que é a minha carreira e para explicar que este espetáculo vai ter um foco um bocadinho mais amplo do que se fosse apenas um concerto de apresentação de um disco. Sempre fui muito mais viciado no futuro do que no passado em termos de música e tento sempre celebrar o futuro. Sinto-me mais emocionado com aquilo que vem a seguir do que com o que acabou de passar. Mas, para mim, é muito bonito o exercício de viajar a 2004/2005, esses primeiros trabalhos que fiz com 1-Uik Project – o meu primeiro projeto que ganhou algum tipo de atenção mediática. É bom voltar um bocadinho atrás no tempo e perceber que tudo faz parte daquilo que sou hoje enquanto artista. No fundo, é fazer um certo zoom out e olhar para as coisas que estão para trás, mesmo com sonoridades diferentes – seja com música mais intensa ou mais suave, BPMs mais rápidos ou mais lentos – mas em que a narrativa foi mais ou menos sempre a mesma. Fico feliz por constatar essa consistência, por conseguir manter na música a minha postura inicial.
Mudarias alguma coisa se pudesses?
Há uma parte do trabalho que foi feito principalmente com Buraka Som Sistema a nível de toda a logística que envolve ter um projeto com expressão a nível mundial, seja em termos de trabalho do dia-a-dia ou de gerir equipas; um trabalho não tanto artístico, mas mais de backoffice e de direção. Olhando para trás, gostaria de não ter perdido tanto tempo com isso. Um projeto como Buraka Som Sistema, com a recetividade que teve na altura, se tivesse nascido em Londres ou em Paris, com certeza teria tido uma estrutura que nos iria permitir focar mais na arte e na construção musical. Um bocadinho menos tempo com esse lado mais técnico permitiria que me focasse mais no lado artístico. Mas, isso acabou até por trazer outras benesses e o nascimento da Enchufada (editora discográfica independente), que foi muito bonito e que acompanhou o projeto dos Buraka enquanto casa-mãe, escritório, editora, etc. Espero que outras gerações de artistas já consigam começar um bocadinho mais à frente através dos exemplos e desse trabalho que foi desenvolvido.
Como é que surgiu a paixão pela música eletrónica?
A paixão pela música eletrónica partiu muito da ideia de não existirem limites, de não existirem fronteiras, de não existir absolutamente nada. O ciclo eletrónico foi a minha primeira ferramenta, apesar de eu saber tocar guitarra e outros instrumentos. Sempre achei um bocadinho aborrecida a ideia de ficar demasiado preso a um instrumento, que é exatamente o oposto do que senti quando instalei o primeiro software de criação de produção no PC lá de casa. Foi mais uma sensação de que com isto tudo é possível… É muito mais importante saber produzir bem, mesmo que toque mal guitarra, porque vou conseguir pôr essa guitarra a soar bem, do que demorar seis anos a aperfeiçoar a guitarra de forma a soar bem. Sempre fui muito mais atrás dessa ideia de novas texturas musicais, de sonoridades diferentes. Sempre foi um bocadinho essa a minha fixação, muito mais do que uma relação com o género da música eletrónica em si. Era mais a produção eletrónica que me levava a criar. No fundo, o resultado podia ser hip-hop, ou podia ser música de dança, ou outro género, mas o que sempre me interessou foi a produção com máquinas e com software, com computadores…
Isso quer dizer que, para ti, a inspiração está um bocadinho em todo lado, não é?
Sim. Há muitos anos, na altura dos minidiscs (uma coisa que a Sony inventou a determinada altura e que dava para gravar com o microfone) gravava uma série de coisas e acabava por utilizar esses elementos nas músicas. Atualmente, já faço uma gestão um pouquinho diferente. Obviamente trabalho com músicos, consigo ter uma fonte sonora musical mais focada naquilo que é o meu objetivo final e naquilo que quero fazer, mas mesmo assim ainda brinco imenso. Consigo agarrar numa voz e transformá-la num instrumento que ninguém sabe identificar bem o que é: um sintetizador, uma harpa, um instrumento tradicional… O meu trabalho passa muito por aí. Acima de tudo, acho que a cidade de Lisboa sempre foi a minha grande inspiração. Não necessariamente a cidade com os seus limites geográficos e políticos, mas as pessoas que se encontram neste epicentro cultural de língua portuguesa.
Preferes ser livre e gerir o teu projeto a solo ou estar numa banda como os Buraka?
Tudo aquilo que meta um coletivo de cabeças pensantes vai sempre ser bastante diferente do que uma coisa onde haja apenas uma fonte de decisões, uma vontade, uma direção, etc. Acho que a junção de várias pessoas num grupo consegue criar milagres musicais, que se calhar não acontecem a solo. Foram dez anos muito intensos e muito bonitos com Buraka Som Sistema e, obviamente, sinto saudades, vontade de voltar a viver situações que aconteceram, viagens boas, etc. Desde que comecei, em 2013, a apresentar-me como Branko, também houve o lado de conseguir traçar um caminho em que há o controlo de todos os passos e de tentar ir numa direção musical que explora muito mais profundamente aquilo que quero dizer, a minha identidade. Muitas vezes este lado também tem momentos de solidão, principalmente enquanto DJ – atualmente não tanto porque neste momento ando na estrada com dois músicos que viajam comigo para os concertos -, mas até há pouco tempo apresentava-me como DJ produtor com um espetáculo audiovisual em que estava sozinho em palco (embora pudesse ter um ou outro colaborador vocal). Muitas vezes viajo para um sítio qualquer e estou ali meia hora antes, sentado sozinho no backstage a pensar “que decisões é que tomei na vida que me trouxeram até aqui? Isto não tem piada nenhuma”.
Que tipo de música é que consomes? Ouves muita música eletrónica ou géneros completamente diferentes?
Acima de tudo consumo música que me emocione, me excite, e que tenha coisas novas. Sou muito focado na tentativa de inovação, de agarrar nas ferramentas que existem e conseguir criar uma sonoridade nova ou criar uma equação sónica que vá dar um resultado um pouquinho diferente. Sou muito fã desses momentos e de artistas que consigam, de alguma forma, fazer esse tipo de inovação e abordagem na música. Acho que a música underground inglesa no geral é muito forte nesse sentido. Mesmo artistas que depois acabam por ser catapultados para a música pop – pensando em exemplos como James Blake ou Jorja Smith, a cena musical inglesa tem muito isso, sendo possível ser underground e depois ficar quase mainstream, mas manter essa conexão com o underground. Acho que isso é muito bonito. Se calhar acontece mais em Inglaterra do que nos Estados Unidos, que parece que quando a fronteira é passada, já não há volta a dar… Depois também ouço muita música de países de expressão portuguesa. Música brasileira, seja música de produção eletrónica, seja música acústica, folk, como os clássicos todos da música e dos cancioneiros de países de expressão portuguesa.
O teu último disco, Soma, que histórias é que conta? Tens a preocupação de que haja uma narrativa ou um conceito?
Não diria que os discos são 100% conceptuais ou que todas as peças encaixam para criar um formato final que eu tinha imaginado. Acho que o meu processo é um pouquinho mais orgânico, mas sem dúvida que nunca começo um disco sem ter uma visão da meta, daquilo que é a baliza onde quero que esse disco chegue. Este disco em concreto surgiu um bocadinho por saudades dessa ideia de criação comunitária. Há 15 anos, quando saía à noite no Bairro Alto, inevitavelmente ia falar com pessoas de vários projetos musicais que se cruzavam comigo. Não era necessário combinar com ninguém para nos encontrarmos e para falarmos sobre criar uma música ou um projeto juntos. Neste disco comecei por juntar uma série de músicos (que são, para mim, os que melhor definem o que é o som de Lisboa e que sempre dinamizaram e trouxeram tipos de sonoridades completamente diferentes) para uma jam session de três dias: João Gomes (de projetos icónicos como Cool Hipnoise ou Saceboys); Danilo Lopes (do projeto Fogo Fogo), ou Jéssica Pina (trompetista natural de Alcácer do Sal que tem uma perspetiva muito interessante entre a música urbana e o jazz). Nestes três dias de jam sessions, basicamente, improvisámos do início ao fim. No fundo, foi quase o forçar dessa criação comunitária de que eu sentia saudades, que aconteceu nos estúdios Namouche, em Benfica. A partir daí foi agarrar um pouco em toda essa soma e passar dessa versão improvisada para um formato que passou por procurar os vocalistas certos.
Como é que escolheste as vozes certas para essas músicas?
Quando começo a trabalhar num disco, tenho uma lista de vocalistas ideais com quem quero trabalhar. As razões são várias: às vezes são pessoas com quem já me cruzei e tive alguma conversa interessante que queria de alguma forma materializar numa canção, ou simplesmente artistas que ouvi nalguma plataforma digital, e de cujas vozes ou abordagem musical gostei. Mando mensagem e muitas vezes ninguém diz nada. Outras vezes acerta-se e até se consegue conectar com pessoas que também conhecem a nossa música e que estão interessadas em fazer alguma coisa e isso obviamente que é espetacular. É um processo meio orgânico de começar numa lista de nomes, perceber que vozes é que encaixam em cada tema que está feito a nível instrumental, ou que temas é que poderiam encaixar nessas pessoas e ir montando esse puzzle de forma orgânica deixando sempre um bocadinho de espaço para – e se calhar este é o lado principal – chegar ali aos 80% do disco para ainda olhar para trás e perceber o que falta, o que ainda é preciso ajustar, o que é que eu não tenho ou o que tenho a mais. Isso faz parte do processo criativo. É preciso saber fazer zoom out de vez em quando e ter um olhar crítico sobre se o disco está completo, se tem tudo aquilo que eu acho que deveria ter, se estou a tocar em todas as coordenadas musicais e geográficas, em todos esses pontos que acabam por ser importantes para definir um projeto meu.
E em relação à parte da letra como é que funciona?
Trabalho muito com sessões de estúdio: sento-me no estúdio com a pessoa e compomos. No caso deste disco, tendo em conta o processo criativo, quando me sentei no estúdio com alguns vocalistas tinha já os instrumentais um pouco avançados, então foi mais uma questão de ajustá-los um bocado e perceber se estavam de acordo com aquilo que as pessoas queriam ouvir. As letras são quase sempre escritas nessas sessões de estúdio, pelos que estão a cantar ou por outras pessoas que se juntem a nós para esse propósito. Acho mesmo muito importante haver essa partilha orgânica de me sentar com uma pessoa e de criar música com ela, de escrevermos e de trocarmos opiniões sobre o que está a acontecer (apesar de já ter feito músicas mandando ficheiros por e-mail). Essa troca é das coisas que mais me enriquece a nível criativo.
Produtor, compositor, DJ, visionário… Com qual destas palavras te identificas mais?
Sinto que cada vez mais a expressão DJ começa a entrar numa era em que já nem sei se é bom usar. Não que eu sinta que haja algo de errado, mas penso que acabou por ser uma arte a que o teste do tempo não foi muito favorável, especialmente porque entrámos numa versão em que a busca já não é tanto pela música em si ou pela ideia que havia que os DJs iam buscar músicas surpreendentes… Os DJs são mais usados para serem só uma figura que está a tocar as mesmas músicas que toda a gente quer ouvir. Diria que, de todas essas palavras, produtor musical é aquela com que mais me identifico. Se tiver de me apresentar a alguém numa conversa, digo que sou produtor musical, principalmente porque não sei ler música, não sei escrever uma pauta. Componho música com base naquilo que é o meu bom gosto. Ouço uma coisa, gosto, se faz sentido continuo, se não faz, deito fora e começo outra coisa. A minha composição é baseada nisso. Sinto sempre que sou um compositor um bocado a meio gás porque não tenho esse background. O beatmaker ou o produtor de música é uma pessoa que fica no estúdio muito tempo até que um som esteja suficientemente interessante para conseguir criar uma reação noutra pessoa. Acho que é esse o meu trabalho. A minha tarde ideal é com a cabeça no monitor a trabalhar em música e a produzir beats.
E nunca te cansas?
Não. Tu só consegues sentir que uma coisa é intensa quando tens uma quebra que depois te leva a uma coisa mais intensa, não é? A música tem sempre esta dinâmica. É preciso estar muito cheio para depois estar muito vazio, para depois estar muito cheio novamente, e eu acabo por viver a vida um bocadinho da mesma maneira e isso também é muito interessante. Isso também acaba por definir um bocadinho o meu processo criativo e a forma como acabo por abordar a música e a produção.
Este concerto vai ser mais uma espreitadela para o futuro do que propriamente um reviver do passado?
Vai haver um reviver do passado, mas também um ‘remixar’ do passado a acontecer em palco, paralelamente a uma perspetiva do futuro e do presente. Portanto, acho que vai ser um bocadinho de tudo.
E vais ter convidados?
Um concerto meu tem de ter sempre pessoas envolvidas. Isso tem sido uma constante desde 2004 até agora, e não era no Coliseu que ia mudar isso e fazer um concerto robótico só comigo em palco. Vou ter vários tipos de convidados e já anunciei o primeiro, a Teresa Salgueiro, que se vai juntar a mim para cantar pela primeira vez o tema que lançámos no Soma. Também vou ter convidados que vou anunciar e ainda outros que não vou anunciar. Portanto, vamos ter a sala cheia de música, talento e emoções. Vai ser um momento de Lisboa em palco – pelo menos aquilo que é a minha perspetiva da cidade. Acho que vai ser muito bonito orquestrar o momento com todas as pessoas e canções dos meus quatro discos, mais toda a discografia que está para trás.
Depois de atuar numa sala esgotada no concerto de apresentação do novo disco de Lena d’ Água, Tropical Glaciar, de que é o autor de todas as letras e músicas, Pedro da Silva Martins prepara-se para voltar ao Teatro São Luiz, no próximo dia 29 de novembro. Desta vez, irá com Cara de Espelho, a banda que o junta a Carlos Guerreiro, Luís J. Martins, Sérgio Nascimento e Maria Antónia Mendes. São também dele todas as palavras e composições do primeiro álbum do grupo, que saiu este ano e que tem temas orelhudos como Dr. Coisinho e Paraíso Fiscal. Outro projeto que o ocupa por esta altura é o espetáculo de Ainhoa Vidal, que será estreado em Lisboa, no início de 2025, no Centro Cultural de Belém (de 30 de janeiro a 2 de fevereiro). Em Aruna e a arte de bordar inícios, um teatro de sombras cantado por uma criança, sobre o que nos acontece depois de uma catástrofe, Pedro assina também a composição e as letras.
Podcast Histórias de Lisboa
Site SIC Notícias
Começou há menos de um mês e Pedro da Silva Martins não tem perdido um episódio. “Nas últimas semanas, tenho ouvido religiosamente.” Histórias de Lisboa, o podcast semanal do jornalista da SIC Miguel Franco de Andrade, tem convidado historiadores, arqueólogos e investigadores a partilharem histórias de uma Lisboa esquecida e já desaparecida. “Ajuda-nos a compreender e contextualizar a cidade que hoje conhecemos. É um trabalho notável de Miguel Franco de Andrade, que nos revela, por exemplo, a descoberta de uma casa pré-terramoto durante a instalação de um ecoponto no Rossio ou nos transporta ao antigo bairro do Mocambo, localizado onde hoje se encontra a Madragoa. Vale mesmo a pena ouvir!”
Documentário Por Ti, Portugal, Eu Juro!
Cinema City Alvalade, até dia 20, às 19h45
Estreou nas salas de cinema na semana passada, o documentário de Sofia de Palma Rodrigues e Diogo Cardoso, jornalistas da revista digital Divergente, feito a partir de uma investigação jornalística que relata a história dos Comandos Africanos da Guiné, uma tropa de elite que arriscou a vida e se viu abandonada depois da Guerra Colonial. “Mal tenha oportunidade, quero passar pelo Cinema City de Alvalade para assistir a este documentário, que aborda uma realidade muitas vezes esquecida da Guerra Colonial: os africanos que lutaram ao lado de Portugal e que, posteriormente, foram abandonados pelo país. Já li sobre o tema e estou bastante curioso”, diz.
Passeio por Monsanto
Todos os dias
Em Monsanto, é seguir aqueles que conhecem. Pedro dá as instruções: “Para quem, como eu, aprecia caminhar e aproveitar um belo dia de verão de São Martinho, recomendo um passeio que comece no bairro do Calhau, junto ao Palácio Fronteira (para quem não conhece, aconselho vivamente a visita guiada ao palácio). Daí, siga em direção ao Moinho das Três Cruzes e suba por um dos muitos trilhos até ao Forte de Monsanto, de onde poderá desfrutar de uma vista deslumbrante da nossa magnífica cidade. Pelo caminho, poderá descobrir algumas das pedreiras de onde se extraíram muitas das pedras da calçada lisboeta, hoje monumentos geológicos surpreendentes e desconhecidos para muitos lisboetas”.
Estádio Universitário com amigo de quatro patas
Todos os dias
Pedro da Silva Martins vive perto e escolhe este lugar para passeios com o cão. “Nada melhor do que um desvio pela Cidade Universitária ao fim de semana. É fácil encontrar estacionamento e há uma vasta área para explorar. Tanto no circuito do Estádio Universitário (entre o Hospital de Santa Maria e a Segunda Circular) como nos arredores: o Jardim do Campo Grande, a Azinhaga dos Barros (que conta com dois parques caninos) e, se ainda houver energia, uma descida até ao Parque Bensaúde, junto à Estrada da Luz”, indica. “Nestes espaços, conseguimos sentir um pouco de Lisboa onde ainda é possível caminhar, longe do caos do trânsito e da azáfama citadina.”
Foi nomeado diretor do Museu Arpad Szenes – Vieira da Silva em fevereiro deste ano. Já trazia ideias sobre o que queria fazer?
Chego à direção através de um concurso e estou a fazer aquilo a que me propus na minha candidatura. Quando há oportunidades destas, que não são assim tão frequentes, os profissionais da área pensam se é uma coisa que lhes interessa ou não e o que podem ou não trazer de novo à instituição. Eu pensei muito. Este é um museu de que as pessoas gostam muito, de modo geral. Não conheço ninguém que não goste deste museu. No meu caso, era principalmente por ser um museu com uma escala pequena e que tem uma escala simbólica bastante ampla devido, sobretudo, à obra de Vieira da Silva, que é a artista mais mediática dos dois, mas também devido a esta relação entre dois grandes artistas.
É um museu que nasceu de uma história de amor.
Sim, uma história de amor entre artistas, o que não é raro… mas são sempre bonitas, não é? E entre dois artistas que tinham mundos solitários, mas que os foram entretecendo na sua relação. Fiz uma reflexão, comecei a pensar no que poderia fazer e depois instruí a candidatura e foi num crescendo. O museu é um dos poucos em Lisboa para se ver pintura, para se ver boa pintura. Quem diz pintura, diz desenho… E depois tem esta relação privilegiadíssima com a Praça das Amoreiras. Quando comecei a estudar a história do edifício e a procurar, não encontrei logo o ângulo de entrada que acabei por trazer, não ficou logo evidente – nem para mim, que já me interessava muito pelo tema da metamorfose e dos corpos que se transformam – este enfoque poético da importância da oralidade, da maneira como nos constituímos enquanto comunidade. Foi a partir desse estudo e dessa reflexão que surgiu o tema da metamorfose como uma evidência, surgindo quando olhei para a origem do edifício. E da origem do edifício fomos crescendo para outras questões, para a história do museu, que não conhecia em grande pormenor, para a história das exposições que aqui aconteceram…
Por isso, quis voltar à origem deste lugar, tanto nas alterações que foram feitas ao edifício como na exposição com que agora reabre?
Este limpar de camadas que aqui fizemos tem muito a ver com algo em que acredito: vemos melhor quando chegamos a um lugar que não é o lugar que habitamos há muito tempo. Pareceu-me evidente, por exemplo, que a fachada tinha de brilhar outra vez, por isso, voltámos ao amarelo, tirámos as telas e pusemos o nome em destaque. O museu tinha de ser devolvido à praça, ao jardim… Mas nada do que proponho é novidade. Este museu existe há 30 anos, tem uma história feita de grandes exposições e de muitos artistas incríveis, apenas achei que precisava de um novo olhar. O mote para voltar à origem foi o 30.º aniversário, com gestos muito simples e muito pragmáticos, muito funcionais, indo buscar coisas que já estavam escritas no projeto original. A cor do edifício, que tem a ver com a poética das cores dos edifícios em Lisboa, estava inscrita no projeto original. O nome na fachada é o bastante para as pessoas que já se encontram na praça serem conduzidas ao museu e serem convidadas a entrar. O museu abriu-se à luz. É literal, mas acho que resume bem o que aqui quisemos fazer. E Arpad e Vieira usaram a luz como uma das matérias principais, portanto, é conduzir essa luz para dentro do edifício. Abrimos as entradas de luz natural nas salas… e a luz conduz-nos também à alma do edifício e de Arpad e Vieira. E a única maneira de nos relacionarmos com estes dois seres que já não estão entre nós é pela luz, não é?
Parece que tudo se liga: a pintura de Vieira e Arpad, a sua história, este edifício que foi a Fábrica de Tecidos de Seda, este jardim…
Para mim, faz todo o sentido. Costumo dizer que é muito importante relacionarmo-nos com os artistas – sobretudo os artistas famosos que já desapareceram – pensando-os como jovens e pensando-os como pessoas não necessariamente alinhadas com as histórias que a História da Arte conta. É preciso haver uma certa insubmissão em relação ao que pensamos que já sabemos. Isso é um ponto de partida maravilhoso para se entrar no museu de novo: há coisas que não sei ou há coisas que me foram contadas que talvez não sejam exatamente assim ou, sendo exatamente assim, se calhar há uma dimensão escondida. Na Vieira há, de facto, uma dimensão escondida muito poderosa. Vejo-a como uma espécie de Aracne, uma espécie de feiticeira, muito poderosa. Uma mulher que tinha consciência da sua força, mas que não a mostrava necessariamente, e era tanto mais forte por causa disso. Zelou por muitas outras pessoas e por princípios de forma verdadeiramente inabalável, sem nunca gritar. Por isso, acho que o edifício também não deve gritar, deve estar lá com uma presença intensa, mas não gritante e deve olhar para estes artistas como jovens que foram – e que provavelmente se mantiveram – e olhar mesmo de outro ângulo. É o que queremos fazer. Queremos contar histórias e isso convoca sempre duas coisas que estão a desaparecer em muitos lugares, que é os dois lados: uma pessoa que fala e uma pessoa que ouve. O museu convoca uma ideia de escuta muito forte e isso liga-nos aos outros. Este exercício da escuta é algo que o museu propõe, seja em interação, seja por interposta pintura. É importante reencontrar a ideia de presença no museu, porque ela está muito desmaterializada. E não há melhor do que Vieira e Arpad e todos estes artistas que os acompanham nesta exposição, que é uma constelação… mais uma vez, a ideia de luz a ser importante aqui.
Além da luz, outra das ideias fortes desta exposição é a das texturas. Disse que essa materialidade nos museus é importante, porquê?
Sim, sabemos exatamente aquilo que nos faz falta, mas andamos em negação muitas vezes. A perceção de que as coisas têm uma textura parece-me fundamental. O material é muito importante para nos ligarmos à vida. Acredito que as realidades virtuais nos museus são desviantes e podem pôr em causa a apetência para apreciar uma pintura. O museu tem de ser político, não podemos ficar só no plano do estético. A exposição vai inaugurar numa altura que podia ser mais eufórica e um bocadinho depressiva, por causa deste momento político internacional, mas os museus, nunca esquecendo a sua dimensão fortemente enraizada na realidade, no quotidiano das pessoas, devem ser também universos de esperança e de reparação. Não quero parecer demasiado otimista, porque não sou, é o contrário do que sou, mas essa ideia de reparação através de um encontro connosco próprios pode ser muito intensa num museu. Os museus, atualmente, são dos lugares mais criticados, mais repensados e mais estigmatizados, mas continuam a existir, continuam a ter uma força muito grande e há que perguntar porquê – ou então, não perguntar porquê, mas continuar a vir aos museus. Dito isto, acho que o museu se tem de reinventar, os museus e este em particular, que é aquele de que nos ocupamos. Reinventar no sentido de não se deixarem adormecer, de não serem condescendentes para o público, de não acharem que o público sabe tudo, por um lado, e que o público não sabe nada, por outro, e de serem lugares, sobretudo, que propiciem encontros, lugares de abertura. Não é preciso muito mais. Esses encontros podem ser guiados ou não, mas a emancipação do espectador, como Jacques Rancière dizia, tem de ser feita confiando nele, dando a acessibilidade necessária. E a acessibilidade não é só ter elevadores ou ter entradas francas, a acessibilidade tem muito a ver com essa relação de confiança, não é?
É necessário repensar também na forma como se chamam as pessoas para o museu.
Sim, é um trabalho que estamos a fazer, de que os museus precisam. Se tiverem uma intensidade que as pessoas sintam que existe, elas vêm, claro, mas temos muito trabalho a fazer. Estamos a viver num contexto único em Lisboa, não me lembro de um contexto tão rico em termos museológicos, com diferentes instituições de várias escalas, umas mais formais, outras mais informais, com um conjunto de programadores que se estimam uns aos outros, que querem trabalhar em conjunto e que também oferecem uma concorrência grande. As pessoas têm de escolher, claro, mas penso que temos argumentos muito importantes: temos uma das artistas portuguesas com maior prestígio à escala internacional, temos uma história de amor para contar, temos neste ano de celebração uma nova programação com novos nexos, novas linguagens e esta praça – e não há outra como esta em Lisboa! – portanto, são argumentos muito bons para que as pessoas venham. Ainda há um último: eu faço apologia dos museus mais pequenos, não aqueles museus gigantescos que têm exposições a perder de vista. As pessoas podem vir e ter aqui uma relação muito intensa com as peças.
Será esse o mote para os próximos 30 anos?
O mote para os próximos 30 anos é fortalecer este museu, elevá-lo, do ponto de vista orçamental e do ponto de vista das condições, a uma escala simétrica à escala simbólica e ao valor material que as obras de Vieira e Arpad têm. O museu tem de ser fortalecido e precisamos de colaboração para isso. Este é um museu que partiu de uma concertação de vontades muito poderosa, com várias instituições e pessoas. Começou por ser uma vontade de Vieira, que era humilde no início e depois foi crescendo com a ajuda de pessoas. Temos de provar que sabemos fazer e temos de honrar essa história, mas ao mesmo tempo temos de ser ambiciosos. Precisamos de ter a força de reivindicar e sermos dignos disso. Esse é o projeto para os próximos 30 anos.
Como é essa nova linguagem de que falou, mais próxima, menos formal?
Sim, a ideia aqui é contar histórias – não propriamente a História da Arte, mas outras: sobre este edifício, onde se aprendia o ofício da tecelagem, sobre as 331 amoreiras, um número poético porque estranho, que alimentavam todo o ecossistema dos têxteis… É desse ecossistema que queremos falar, da solidariedade entre as espécies vegetal, animal e humana. Acredito que, olhando para essas outras espécies, aprendemos sobre nós próprios. Vamos contar as histórias da História de Arte, queremos contar os intervalos da história, que são os intervalos dos pontos, da trama da História. Queremos contar uma história mais sensorial, mais humana, talvez… uma história que toque mais as pessoas, uma história que não está nos livros, é isso que queremos. O museu não é um livro de estudo, é outra coisa. Tem vários pontos de ancoragem que não são necessariamente feitos através da palavra ou do texto. Dito isto, este binómio têxtil-texto interessa-nos muito neste ano de programação, que também nos vai dar pistas sobre o que vamos fazer a seguir. Nesse sentido é uma exposição bastante experimental.
Falta-nos só falar da ideia de metamorfose que atravessa a exposição e que, como disse, sempre foi uma coisa que o fascinou.
Tenho trabalhado muito com a metamorfose, sempre me interessou a expansão da nossa perceção e a maneira como os sentidos de índices inferiores foram sempre relegados e reprimidos. O tema da metamorfose é intemporal. Há um momento na história do pensamento, que se situa na Grécia, em que há alguém que vem reprimir toda uma tradição sensorial materialista, a tradição pré-socrática – e é bastante injusto que os filósofos antes de Sócrates se chamem pré-socráticos – porque Sócrates e Platão vêm, de facto, censurar e estigmatizar essa abertura a outros sentidos e outras formas de perceção da realidade. Interessa-me muito que a visão não domine o nosso aparelho percetivo, porque a visão convoca uma nomeação e quando damos o nome a uma coisa, estamos a fixá-la numa forma. E só as coisas que têm forma é que podem ser nomeadas. A mim interessa-me o que não pode ser nomeado. Acredito que isto é também, de certa forma, estar acordado para o que está a acontecer hoje. Não me interessam muito os adjetivos, o woke, o wokismo, etc. Não, interessa-me perceber o que está a acontecer às pessoas e como é que os corpos mudados que Ovídio nos prometia se estão a realizar agora. Interessa-me fazer essa relação com os dias de hoje. No museu, queremos convocar também públicos jovens que talvez encontrem algumas respostas, que não têm, para o que lhes está a acontecer. Hoje não vemos uma árvore como víamos há alguns anos, já percebemos que são seres e que têm muito para nos ensinar. Também a relação que temos hoje com os animais é muito diferente. Temos de incorporar toda esta poética na nossa cultura, que é uma cultura cada vez mais alienada.
Anna Sant’Ana parece andar numa relação com Marilyn desde 2010. Nesse ano, a atriz brasileira interpretou “uma faceta” da sua congénere Leila Diniz, símbolo da emancipação feminina no Brasil durante os anos 1960 e 1970, que se identificava explicitamente com aquela que terá sido a estrela mais popular de Hollywood na década de 50 do século passado. Pouco tempo depois, a iconografia de Marilyn volta a cruzar-se com Anna, quando em palco veste a pele de uma mulher que partilha com o marido uma fantasia sexual que consiste em reproduzir a famosa cena do vestido esvoaçante de O pecado mora ao lado.
Estas aparentes “coincidências” motivaram a atriz a tentar saber mais sobre quem foi Marilyn Monroe. Um aturado trabalho de pesquisa preencheu a década seguinte, revelando a Anna facetas da lenda que desconhecia por completo. “Fui-me deparando com a mulher que havia por trás da imagem do ícone sexual. O outro lado do mito era, afinal, uma mulher como tantas outras, que tentava enfrentar seus momentos de depressão, sua baixa autoestima e a imensa solidão. Ela só queria mesmo ser amada. Tudo isso me fez identificar com Marilyn, perceber que partilhávamos muitas feridas, muitos traumas”, explica a atriz.
Ao longo do trabalho de pesquisa, para além dos filmes que interpretou e inspirou, das entrevistas que se podem encontrar na internet e de uma vasta bibliografia em torno de Marilyn, Anna destaca como essencial para aquilo que haveria de ser o espetáculo o livro de Keith Badman The Final Years of Marilyn Monroe. “Nessa biografia muito detalhada, [o autor] desmonta muitas mentiras que se contam sobre Marilyn, sobretudo sobre a relação dela com os Kennedy.” Esse livro acabou por ser muito importante na construção do “documento de umas 70 páginas onde resumi os 36 anos da vida muito preenchida de Marilyn”, afirma a atriz. Será esse “documento” que Anna acabará por entregar a Daniel Dias da Silva para ser transformado num texto dramatúrgico.
De Norma Jeane a Marilyn
Na sequência de uma passagem de Anna Sant’Ana por Lisboa, a encenadora portuguesa Ana Isabel Augusto entra no projeto ao dirigir a atriz numa leitura de parte do texto de Daniel Dias da Silva. “No fundo, a Anna queria experimentar colocar o texto em cena para ver no que dava e, sem qualquer tipo de compromisso, pediu-me que dirigisse a leitura”, conta.
Mesmo sem o texto terminado, a entrega de Anna à personagem e o esboço do trabalho de desenho de luz de Renato Machado faziam perceber que havia “um espetáculo a ganhar forma”. Embora o objetivo fosse fazê-lo no Brasil, o contributo de Ana Isabel Augusto foi tido por Anna como essencial. “Era a pessoa perfeita para conduzir o carrossel de emoções que vivo a fazer a Marilyn”, sublinha a atriz.
O espetáculo acompanha as derradeiras horas de Marilyn, entre álcool e barbitúricos, naquele que acabará por ser o seu leito de morte. Na mais profunda solidão, temendo o esquecimento, lutando contra todas as frustrações e abusos sofridos, a atriz revive episódios da sua vida, desde o tempo em que era apenas a incógnita Norma Jeane até se tornar Marilyn Monroe, a mais desejada das estrelas de Hollywood da década de 1950.
No dito “carrocel de emoções” que caracteriza Marilyn, por trás do espelho, Anna Sant’Anna desdobra-se entre os múltiplos papéis de Norma Jeane/Marilyn. Da criança abandonada e abusada à estrela em declínio, passando pelos papéis de dumb blonde com que conquistou as telas, ao mesmo tempo que a tornavam no símbolo sexual de uma América a antecipar a revolução sexual vindoura, na sua composição da lenda de Hollywood, Anna oferece não “a imagem da ‘loira burra’, mas a da mulher que lutou muito para sair desse estigma e ser vista como inteligente e como excelente atriz”.
Embora a imagem da sex symbol continue muito presente no imaginário de várias gerações, a Marilyn para lá do mito continua a ser um enigma por decifrar. Se, é certo, isso interessou a Anna Sant’Ana ao longo de tantos anos de pesquisa, a atriz não deixa de sublinhar a importância que ela teve na subversão de vários estereótipos sobre o papel da mulher, ao mesmo tempo que os estúdios lhe impunham outros. Algo bastante sublinhado no espetáculo é “a questão de, ao assumir a sua liberdade sexual, Marilyn ser extremamente objetificada” e vítima constante de relações abusivas, “como se essa liberdade sexual desse direito a ser usada e manipulada como um objeto pelos homens”.
Depois de dois anos de digressão por Rio de Janeiro, São Paulo, Fortaleza e Brasília, e ter sido distinguido, em 2022, como melhor monólogo e melhor texto original nos Prémios Cenym, atribuídos pela Academia de Artes no Teatro do Brasil, o espetáculo sobe agora ao palco da Sala Estúdio do Teatro da Trindade, permanecendo em cena até 22 de dezembro, com récitas de quarta a domingo às 19 horas.
É entre os dois lados do rio Tejo que Vânia Doutel Vaz costuma passar os dias. No final deste mês, a bailarina e coreógrafa vai estar em residência na Casa da Dança, em Almada, e abre as portas ao público do Alkantara Festival, no dia 30, para partilhar o processo de criação de violetas, o seu primeiro espetáculo de grupo que será estreado na edição do próximo ano. Neste Portas Abertas, mostra um pouco daquela que descreve como “uma peça íntima de dança onde se existe e resiste num ambiente minimalista”. Escreve: “Aqui o corpo que dança é único e suficiente. violetas – que dispensa música, cenário ou luz – joga com a expectativa e com a perceção. Instalada na penumbra, cria universos múltiplos, de maleabilidade, complexidade e subjetividade. Propõe uma reflexão sobre o que projetamos e o que pressupomos”.
Lançamento de Pornland, de Gail Dines
11 novembro, 19h
Livraria Travessa
A jornalista e ativista brasileira Yasmin Morais apresenta em Lisboa a edição brasileira do livro Pornland, de Gail Dines, que fala do impacto da pornografia no fortalecimento de uma cultura que normaliza a misoginia e a exploração sexual, pela forma como trata e objetifica as mulheres. Para Vânia, será uma conversa a não perder. “Não conheço a escritora nem quem vai apresentar o livro, mas este é um tema muito atual e que me interessa”, nota, acrescentando que ultimamente tem lido bastante. “Penso que é a minha fase mais ativa de leitura, mas a maior parte dos livros que tenho escolhido são em inglês, por isso sugiro este que ainda não li. Além disso, adoro a livraria Travessa, encontro lá muitas traduções para português de livros que quero ler e chegam primeiro ao Brasil.”
Caminhanti é Caminho / Caminho di caminhante
12 novembro, 10h às 17h30
Culturgest
Este é um workshop em cuja preparação Vânia começou por estar envolvida, mas de que acabou por se afastar por incompatibilidade de agenda. Organizado pela UNA – União Negra das Artes, associação da qual faz parte, leva o subtítulo de Rotas de Cuidado na Prática das Artes Performativas em Portugal. “Tem como propósito a criação de um manual antirracista, que oriente as instituições no sentido de se evitarem situações constrangedoras de discriminação e interações desconfortáveis, usando a experiência de todas as pessoas. Mais do que um lugar acusatório, queremos que seja uma tentativa de diálogo, para aprendermos com todas as pessoas e para impactarmos todas as pessoas”, explica. Dirigido a profissionais das artes performativas, requer candidatura prévia.
Festival A(r)tivismo
Até 1 dezembro
Avenidas
No mês da Consciência Negra, celebrado em novembro, Vânia destaca a programação do Avenidas – Um Teatro em Cada Bairro, que organiza a segunda edição do Festival A(r)tivismo. Exposições, filmes e documentários, concertos, conversas e debates, oficinas, leituras, um mercado e um magusto compõem uma programação que se quer dedicada “ao ativismo representado nas várias formas de expressão artística”, na promoção da igualdade e diversidade e dos direitos humanos enquanto direitos fundamentais. “Uma programação cheia.”
Estamos No Ar, de Diogo Costa Amarante
Emília Perez, de Jacques Audiard
Já em cartaz / estreia 14 novembro
São dois os filmes aconselhados por Vânia, ainda mesmo de ver qualquer um deles – certo é que os trailers a convenceram. “Fiquei com muita vontade de ver ambos. Estamos No Ar começou por me chamar a atenção porque entra o Romeu Runa, meu amigo, e pareceu-me ‘meio Almodóvar’, com crises identitárias, de género e de sexualidade, meio absurdo, sobre a essência humana de estarmos mal mas arranjarmos sempre espaço para uma reflexão sobre o que é estar vivo”, descreve. Em relação ao musical Emília Perez, que deu que falar no Festival de Cinema de Cannes pela história de uma narcotraficante transsexual, a bailarina conta: “Quando vi as imagens, aquilo pareceu-me uma dança, parecia que todos os movimentos estavam coreografados. Fui ver a ficha artística e descobri que a coreografia é de um amigo meu, Damien Jalet. Vou querer muito ver. Pareceu-me hiper-realista e gosto disso”. A bailarina acrescenta ainda uma sugestão: ir vê-los ao Cinema Ideal, a sua sala favorita em Lisboa.
Roda de Samba do Coletivo Gira
15 novembro, 20h às 24h
Casa da Gira
É um dos programas habituais de Vânia: as noites de Roda de Samba do Coletivo Gira, formado por mulheres multi-instrumentistas brasileiras que vivem em Lisboa e lutam por uma maior representatividade feminina dentro do samba, resgatando os clássicos do género musical e dando-lhes um novo olhar. “Tem sido sempre muito bom. A coisa mais linda é estar toda a gente a cantar e estarmos ali a tentar apanhar a letra, é muito forte.” A noite de 15 de novembro tem como pessoa convidada Didi, dj e artista transdisciplinar, ativista em questões relacionadas com a negritude, as comunidades LGBTQI e os movimentos anti-racistas.
Passeios African Lisbon Tour e Bairro Árabe
Qualquer dia / todas as sextas-feiras
“Nunca fiz uma nem outra, mas tenho muita curiosidade”, diz Vânia. “A African Lisbon Tour é feita de tuk tuk, na Baixa, e tem como foco a história africana da cidade, contam-se coisas que não são faladas em lugar nenhum, nem nas escolas nem nos livros. Também a existência árabe neste território me interessa muito. Fiz uma caminhada semelhante no Porto, uma vez, e gostei de ver outras coisas que não as que encontramos nos livros.” Marcações prévias aqui e aqui.
Travessia de barco Lisboa – Almada
Todos os dias
“Como orgulhosa ‘margem sulense’ que sou, recomendo uma travessia no Cacilheiro para ver Lisboa deste lado. O catamaran tem uma janela muito longa em que se consegue ver a cidade e foi ali que descobri finalmente o sentido daquela frase de que diz ‘Lisboa a flutuar’. Nunca tinha visto essa imagem até andar de catamaran. Vê-se Lisboa inteira, parece um museu quase!”
“Sempre que um nómada digital chega a Portugal 2 golfinhos saltam do oceano para fazer a forma de um coração.” A frase, em inglês, é acompanhada por uma imagem a condizer e está num dos autocolantes espalhados pelas paredes dos Coruchéus – Um Teatro em cada Bairro. São reproduções daqueles que Wasted Rita criou em 2022 e que batizou assim: I don’t know how to manifest, so passive aggressiveness and cynicism are my favorite forms of living [Não me sei manifestar, por isso, a agressividade passiva e o cinismo são as minhas formas de vida favoritas]. O título podia servir de resumo à sua obra e à exposição que inaugura este sábado, a que deu o nome de works from before hang out with works from now and works from between before and now, in the same room [trabalhos de antes juntam-se a trabalhos de agora e a trabalhos de entre antes e agora, na mesma sala].
No dia em que se celebra o primeiro aniversário dos Coruchéus, abrem-se as portas, às 16 horas, desta pequena exposição onde a artista reúne 37 peças (“algumas nem lhes chamaria peças, são só escritos que costumo ter na parede do meu ateliê”) e um vídeo. Um arquivo de trabalhos criados entre 2012 e 2024, que achou pertinentes para esta exposição. De fora, ficaram alguns mais antigos, sobretudo sobre relações interpessoais, que Rita Gomes considerou já não serem “apropriados”, e também “as peças boas, porque foram todas vendidas”, acrescenta, a rir.
Em cada uma, reconhecemos o seu tom característico, inundado de sarcasmo, de ironia, de niilismo e de acidez. Tal como tinha acontecido na exposição na galeria Underdogs, no ano passado, Wasted Rita volta a sublinhar a crise da habitação em Lisboa. “Penso que acaba por ser uma mostra da frustração de viver numa cidade com tanta especulação imobiliária. Mas aconteceu sem querer, sem eu pensar nisso. E até tem graça porque estão aqui trabalhos da época em que me mudei para Lisboa e em que ainda estava encantada. Pelos vistos, nunca me consigo ver livre da minha acidez!”, diz. “É o revisitar do meu processo de desencantamento com Lisboa. Neste momento, o que me liga à cidade é apenas o meu ateliê”, nota, congratulando-se por ter um espaço, que lhe foi atribuído, há quatro anos, no Complexo Municipal dos Coruchéus, o conjunto de edifícios em Alvalade, criado em 1970 para artistas plásticos.
Da angústia ao escapismo
misfortune messages (mensagens de infortúnio) foi a primeira peça que escolheu para expor agora: dois mupis cor de laranja, feitos a convite da GAU – Galeria de Arte Urbana há quase 10 anos, para um projeto que não chegou a avançar. Nunca foram mostradas neste suporte, apesar de terem feito parte da sua primeira exposição, impressas em pequenos papéis guardados dentro de bolas de plástico que se tiravam de uma máquina a troco de uma moeda: “Always be yourself unless you want to have some friends, then always be someone else” [Sê sempre tu próprio a não ser que queiras ter alguns amigos, se não, sê sempre outra pessoa]; “All you need is a nice-loooking ass and a cool pair of sneakers” [Tudo o que precisas é um rabo bem-parecido e um par de ténis cool].
Quase nenhum dos trabalhos é inédito, aponta Rita, uma vez que vai mostrando as novas peças no Instagram. No entanto, apenas três delas estiveram expostas antes. A tela T.I.R.E.D. – “All my friends are tired and underpaid” [Todos os meus amigos estão cansados e mal pagos] –, por exemplo, foi criada este ano e muito partilhada nas redes (por esta altura, o post soma mais de 15 mil gostos). Já o desenho de Gil, a mascote da Expo 98, em cima de um golfinho, sobre um fundo amarelo néon, com a frase “There’s nothing left to romanticize here [Não resta nada para romantizar aqui] esteve na galeria AINORI, em Lisboa, em 2023.
Numa vitrine, estão muitos dos “escritos” vindos das paredes do seu ateliê. “São coisas que tenho lá porque me fazem sentir mais sana e que quis trazer para aqui”, conta. Alguns são apenas rascunhos de ideias reunidas durante os processos de criação, folhas de vários tamanhos e de vários cadernos diferentes, uma delas pisada, outras rasgadas – mas todas com mensagens que não nos deixam indiferentes, sempre entre o riso e o amargo de boca.
Da angústia literal à “vontade de escapismo e de procurar outras oportunidades e outros caminhos”, Wasted Rita instalou num canto dos Coruchéus, pintado a amarelo, um ecrã onde passa, em contínuo, um vídeo da instalação cure my SAD, apresentada em Eindhoven, nos Países Baixos, no ano passado. Duas espreguiçadeiras e dois chapéus de sol num pedaço de areia era o cenário para um dispositivo de realidade virtual onde se via um outro areal só com toalhas de praia e vibradores. Aqui, retemos o vídeo dentro do vídeo de um pôr do sol sobre o mar onde corre um texto com reflexões existenciais sobre golfinhos e cachalotes. Este trabalho, descrevia na altura, “convida toda a gente a relaxar em relação ao presente e a preocupar-se com o futuro”. A acompanhar, um desenho “a pensar nos dias bons, de praia com os amigos, a beber água de coco”.
‘Do It Yourself’
Sempre ácida, como se reconhece, Rita Gomes vai fazendo das frustrações incentivos de criação – da aflição de se aperceber sem casa numa cidade cada vez mais gentrificada às estranhas realidades que vê em volta ou aos comentários que ouve na rua. Na vitrine dos Coruchéus expõe uma das peças mais causticas: um anúncio em forma de banda desenhada que inventou depois de, em Nova Iorque, ter sido seguida ao longo da rua por um homem que, do carro, lhe repetia que devia ter deixado o rabo em casa por ser demasiado distrativo e poder causar acidentes. “É isso que vou tentando fazer: transformar todos esses sentimentos em estímulos”, conclui.
works from before hang out with works from now and works from between before and now, in the same room não está numa grande galeria, como aquelas por onde têm passado as obras de Wasted Rita, no entanto, isso não a inibiu. “Comecei em modo Do It Yourself e em espaços pequenos e agora voltei a aceitar expor num lugar que, para mim, faz todo o sentido existir”, afirma. É quase um regresso ao início, mas cheio de bagagem, esta mostra de arquivo, que tem entrada livre e pode ser visitada até 25 de janeiro de 2025, de terça a sábado, das 13 horas às 19 horas. No dia 7 de dezembro, a artista faz ainda uma oficina de desenho para crianças dos cinco aos nove anos, e estão marcadas três visitas guiadas por Lénia Loureiro, da Divisão de Ação Cultural da Câmara Municipal de Lisboa, a 30 de novembro, 21 de dezembro e 11 de janeiro (tudo requer marcação prévia).
Inspirando-se no seu trabalho, da poesia à publicidade, passando pelas peças de teatro, canções e filmes, a sala de teatro de Lisboa que se assume como um lugar para as crianças, os jovens e as artes, criou um pequeno programa a várias vozes, intitulado Ciclo O’Neill.
Susana Menezes, diretora do LU.CA, diz que quando se decide a fazer um ciclo temático é porque acredita que existe “um lugar de fala” e que se vão “acrescentar experiências várias e conhecimento” a quem visita o teatro. “Neste caso escolhi Alexandre O´Neill, porque é um sujeito singular na produção literária portuguesa do século XX, para além da comemoração, no final deste ano, dos 100 anos do seu nascimento. Talvez seja um tema pouco óbvio quando se trata de programar para as crianças, mas considero que esta é também a nossa função e objetivo, apresentar propostas artísticas que são alternativas, contextualizadas e na língua adequada, apontando para novos ou reinventados assuntos, para que as crianças e jovens de hoje possam conhecer outras leituras e descobrir o que ainda não conheciam”, diz.
Pensado em diferentes formatos, tempos e linguagens, a criação do ciclo contou com a colaboração determinante de Luís Leal Miranda, que escreveu o espetáculo central (a peça Um Poeta em Forma de Assim: visita guiada à cabeça de Alexandre O’Neill), cocriou a exposição e ainda preparou uma playlist. “Quando me convidaram para escrever um espetáculo sobre o O’Neill, percebi que não queria fazer uma biografia chata sobre o seu nascimento, onde estudou, o que fez, etc. Percebi que queria fazer uma coisa um bocadinho diferente”, adianta Luís. Na peça, cocriada por Malu Vilas Boas, contextualiza-se O’Neill numa viagem ao interior da sua cabeça, da sua vida e obra, um guia do Museu do Pensamento Poético leva o público numa visita guiada pelos objetos desta invulgar “cabeça-museu”, que permite conhecer de perto a forma de ser e escrever do poeta.
Além deste espetáculo, o Ciclo O’Neill compreende outros eventos para que os mais novos fiquem a conhecer este poeta português um pouco melhor. Entre eles, Tomai lá de O’Neill, uma playlist também criada por Luís Leal Miranda com músicas e poemas inspirados pela obra do escritor, uma espécie de banda sonora para um filme que não existe, mas que todos podem ir fazendo na sua cabeça. E há ainda Poemas para Estes Dias, uma programação online de poesia, interpretada por Miguel Fragata e Pedro Mourão, que levam ao site e às redes sociais do LU.CA poemas-vídeo do universo de Alexandre O’Neill. Porque não há hora certa para nos cruzarmos com palavras que nos despertam.
Imperdível, A Loja a fingir do Museu Imaginário, uma exposição de Lavandaria e Luís Leal Miranda, disfarçada de loja de souvenirs, memorabilia ou recuerdos relacionados com a vida e obra do poeta. A mostra surge como complemento à peça de teatro Um Poeta em Forma de Assim, transformando-se numa delegação do Museu do Pensamento Poético. Nenhum dos artigos expostos está à venda, porque esta é, literalmente, A Loja a Fingir do Museu Imaginário.
A completar o ciclo, AlfabetO’Neill é uma oficina de Ana Ribeiro que tem como inspiração os poemas-comentários conhecidos como Divertimentos com Sinais Ortográficos, que Alexandre O’Neill escreveu para a revista Almanaque. Esta oficina convida os mais novos a divertirem-se fazendo desenhos com letras e brincando com o alfabeto mesmo que ainda não saibam ler.
Ao espectador, o único elemento entregue à partida é um título, “que se quer impactante”, e, depois, “um texto poético, cheio de paisagens e imagens”. A jusante, pretende Marta Lapa, “cada pessoa deverá fazer a viagem, incorporando e reconhecendo cenários numa leitura” guiada pelos corpos de quatro mulheres. O movimento coreográfico que protagonizam situa-se num espaço amplo e vazio, ocupado, num primeiro instante, de um modo quase harmónico, logo “mais confortável para o espectador”. Com o evoluir da “viagem”, dá-se uma espécie de “libertação” rumo ao “agradável abismo” em que os corpos de cada uma delas se reinventam e libertam.
A origem da peça remonta ao início deste século, quando uma pessoa que muito amou lhe legou a frase “este corpo já não me serve”. “Veio de um lugar trágico, mas também sublime, e colou-se-me desde então, sabendo que um dia conseguiria libertá-la do meu contexto biográfico e afirmá-la num objeto artístico”, esclarece Marta Lapa, salientando a vontade de prosseguir com esta peça a pesquisa em torno da “reinterpretação do movimento pelo corpo do outro”. Aliás, esta “investigação” coloca as suas criações, de novo, muito mais próximas da área da dança, de onde é oriunda, do que do teatro.
Através de audições, Marta Lapa chegou às atrizes Gracinda Nave, Catarina Rabaça, Júlia Valente e Teresa Moreira, selecionadas entre um último grupo de 12 que a encenadora afirma, “se tivesse orçamento”, gostar de ter integrado no projeto. Sobre as escolhidas, acrescenta: “é a primeira vez que estou a trabalhar com elas e tem sido absolutamente extraordinário a sintonia e a cumplicidade que estabelecemos entre todas”.
Na fase inicial do trabalho, “pretendi que estes quatro corpos e almas se apropriassem de códigos que eram meus, mas que depois viriam a tornar-se delas. A seguir, entre muita improvisação, muita troca de ideias, muita liberdade, dá-se a apropriação de um vocabulário coletivo, e daí surge esta dramaturgia construída”. Paralelamente, a atriz e autora Ana Sampaio e Maia já havia sido desafiada a escrever um conjunto de textos que acabariam, no melhor dos sentidos, por se revelar “profundamente poéticos”.
“O ponto de partida dado pela Marta foi a frase que dá título à peça”, lembra Ana que começou a escrever ainda antes de saber quais as atrizes que iriam interpretar o espetáculo. “A minha grande dúvida era perceber se aquelas palavras poderiam vir a servir aqueles corpos”. O certo é que o trabalho desenvolvido pela autora se revelou fundamental. “Todos os textos que ia escrevendo foram úteis para trabalharmos, mesmo aqueles que eram meras descrições de situações comuns”. Sendo, como sublinha a encenadora, “uma peça profundamente física, mais coreográfica do que verbal”, muitos deles acabaram por não ter espaço para integrar “vocalmente” a peça, embora tenham tido um papel “essencial” na referida “dramaturgia construída”.
Assumindo Este Corpo Já Não Me Serve como “um objeto artístico difícil, mas muito desafiador”, Marta Lapa sente tratar-se de um espetáculo capaz de “comunicar com o público, permitindo-lhe gozar de liberdade para incontáveis leituras”. Ao mesmo tempo, é “uma peça que se adequa perfeitamente ao contexto atual da companhia”, a Escola de Mulheres, que lidera com Ruy Malheiro desde o desaparecimento de Fernanda Lapa. “Consegui ter condições para trabalhar não com uma ou duas atrizes como vem sendo hábito, mas com quatro [mais Ana Sampaio e Maia, que também está em cena], e ainda continuar a afirmar a Escola de Mulheres como uma companhia assumidamente feminista.”
No Clube Estefânia a partir de dia 6, Este Corpo Já Não Me Serve permanece em cena até 24 de novembro, de quarta a sábado às 21, e aos domingos às 18 horas.
Tem sempre a agenda bem preenchida, adivinhamos. Diz que gosta “de caminhar, cozinhar para os amigos e desenhar elefantes”, mas para Yara Kono também nunca faltam as idas ao cinema, aos museus ou às salas de espetáculos. Acaba de ver chegar às livrarias, quase ao mesmo tempo, dois novos títulos ilustrados por si: As Peças Mais Pequenas, da Planeta Tangerina, e Uma Casa é uma Montanha é um Chapéu, editado pela Trienal de Arquitetura. O primeiro, escrito pela jornalista Miriam Alves, leva-nos a descobrir o invisível, numa viagem científica a células, micro-organismos, átomos, eletrões e quarks… O segundo é um livro táctil, com ilustrações em alto relevo e texto impresso em letras generosas e em Braille – um objeto acessível, de cores vivas, que nos fala de casas em todas as suas dimensões, das suas formas básicas às ruas e às paisagens onde se inserem.
Patrick Shiroishi e PMDS
5 novembro, 21h
Galeria Zé dos Bois
Se não fosse ver a Luana do Bem ao Tivoli neste dia (“não vou recomendar, pois já está esgotadíssimo”), Yara Kono escolheria este concerto. “De tempos em tempos vou espreitando a programação da ZDB e acabo por ir a alguns concertos, à descoberta. Fui espreitar os trabalhos de Patrick Shiroishi e de PMDS e o género musical agradou-me.”
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Alexandre Estrela: A natureza aborrece o monstro
Isabel Carvalho: Editoria Errância
Até 2 fevereiro
Culturgest
João Hogan: Algo que jamais tem fim – Obras da coleção da CGD
Até 1 dezembro
Panteão Nacional, Igreja de Santa Engrácia
Por acompanhar de perto a programação da Culturgest, Yara aconselha estas três mostras. “Costumo ir sempre que há exposições, porque gosto da curadoria do Bruno Marchand. E já que falamos de Culturgest, fã de podcasts que sou, não poderia deixar de mencionar a sua revista sonora, o Projeto Invisível, de que fiz a ilustração da capa do número 1.”
Narrativas do Eu, entre o público e o privado – Livros de artistas mulheres na Coleção da Biblioteca de Arte
Até 12 maio 2025
Átrio da Biblioteca de Arte Gulbenkian
“Gosto muito de ir à Gulbenkian, seja para estar com os amigos, ler, desenhar ou simplesmente passar o tempo no jardim, visitar as exposições e ir a concertos”, conta Yara, que ainda não conseguiu ir ver esta pequena exposição sobre a qual tem muita curiosidade. Deixa ainda uma nota: “Para quem não sabe, a Biblioteca da Fundação Calouste Gulbenkian tem uma incrível coleção de livros de artistas, que estão disponíveis para consulta durante a semana”.
LEFFEST – Lisboa Film Festival
Mémoires de Palestine, de Serge le Péron
10 novembro, 16h
Cinema Nimas
Tabu, de Miguel Gomes
10 novembro, 19h
Cinema São Jorge
O filme de Serge le Péron em que Leila Shahid, antiga representante da Autoridade Palestiniana em França e na Europa e voz essencial na defesa da Palestina, partilha as memórias da vida da sua mãe, Sirine Husseini Shahid, é uma das escolhas de Yara Kono no cartaz da 18.ª edição do LEFFEST – Lisboa Film Festival, que começa já a 7 de novembro. A outra, o filme de Miguel Gomes, que integra a retrospetiva dedicada pelo festival ao realizador, com todas as suas curtas e longas metragens: “Já vi e gostei muito”.
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