António Mota (texto) e David Penela (ilustração)
A Minha Família
Qual é o significado da palavra família? Que sentimentos desperta nos mais pequenos quando a ouvem? O que é que lhes fará lembrar? Ao autor deste livro, a palavra família faz lembrar um bando de pássaros. Pássaros a voar, pássaros a dormir, pássaros a trabalhar, pássaros a nascer, pássaros a envelhecer… Esta palavra-ninho de António Mota conta com ilustrações de David Penela. ASA
Guilherme Karsten (texto e ilustração)
Boleia
O Verão é sinónimo de passeios, viagens e aventuras. É também a altura perfeita para ler este álbum repleto de humor, que conta a história de um surfista que quer chegar à praia, mas que vai dando boleia a várias personagens pelo caminho. Até porque, como se sabe, o caminho é mais importante do que o próprio destino. Com ilustrações experimentais e divertidas, Boleia foi o vencedor do prémio Jabuti, o mais prestigiado galardão literário do Brasil. FÁBULA
Ondjaki (texto) e Gozblau (ilustração)
Senhor Feroz
Neste livro habitam pessoas, guitarras, pássaros, festas, casas, sombras, cacos, patos de borracha e um avô muito especial. Trata-se de um verdadeiro elogio à liberdade de pensamento, aos laços familiares e aos sentimentos que moram em cada um de nós. Ilustrado por Alex Gozblau, este conto poético foi escrito para ser descoberto, lido e sonhado em família. CAMINHO
Souleymane Mbodj (texto) e Magali Attiogbé (ilustração)
O Colar Mágico
Há muito, muito tempo, quando as pessoas e os animais falavam a mesma língua e se entendiam, viveu um feiticeiro chamado Karamoko. Entre os animais da savana corria o rumor de que ele criava um colar mágico, que tornava invencível aquele que o usasse. Inspirada na literatura oral africana, esta fábula, cheia de cor e humor, tem todos os ingredientes para agradar aos mais pequenos. ORFEU NEGRO
Colin Stuart (texto) e Ximo Abadía (ilustração)
A Tabela Periódica
Os elementos da tabela periódica estão carregados de factos e histórias fascinantes. Através deste guia original, que promete revolucionar o mundo da química e salvar a disciplina a muitos estudantes, vai ser possível descobri-los e memorizá-los de forma divertida. Porque se aprende muito mais rápido se se relacionar o silício com Silicon Valley, ou se se souber que o nome Heavy Metal está relacionado com os metais pesados dos instrumentos. LILLIPUT
Míriam Tirado (texto) e Marta Moreno (ilustração)
O Fio Invisível
O umbigo guarda um segredo e Sara descobriu-o. Agora, ela já sabe que do umbigo sai um fio invisível que a liga a todas as pessoas que ama. Graças a ele, Sara nunca mais terá medo de estar longe da ãe ou do pai, dos avós ou dos tios, dos primos ou dos amigos, porque sabe que eles estão ligados para sempre. Esta é uma história sobre os vínculos que nos unem a quem mais amamos e sobre a descoberta de que as coisas mais importantes são aquelas que não se veem. NUVEM DE LETRAS

Radka Janská (texto) e Lida Larina (ilustração)
Os Animais Mais Bizarros do Mundo
Qual é o animal com a cauda mais ágil? E o que tem a língua mais comprida? Neste livro, vai ser possível desvendar os truques engenhosos de alguns dos animais mais incríveis e estranhos do planeta. través de recortes e páginas desdobráveis, os leitores são convidados a aprender tudo sobre estas estranhas criaturas! Consegues adivinhar que animal se esconde em cada página? BOOKSMILE
Isabel Minhós Matins (texto) e Bernardo P. Carvalho (ilustração)
Apanhar Ar / Apanhar Sol
Apanhar Ar, Apanhar Sol é uma homenagem ao nosso lugar no espaço, ao Sol, à atmosfera, à Terra. Repleto de informação, atividades, páginas para respirar fundo e outras só para divertir, este livro uplo, ilustrado por Bernardo P. Carvalho, responde a perguntas para as quais a Ciência já encontrou resposta, mas também conta histórias que envolvem sementes voadoras, abelhas ou aves… e pessoas, claro! PLANETA TANGERINA
Ingrid e Dieter Schubert
O Velho Pirata
Will é um pirata reformado e resmungão que não quer ser incomodado. Um dia, ajuda um menino a recuperar um papagaio de papel que encalhou no seu telhado, convencido de que depois pode voltar à sua vida. Mas Frank é persistente… Esta é uma divertida história sobre o nascimento de uma amizade intergeracional entre um pirata rezingão e o menino que o leva de volta ao mar. BERTRAND
Paul Verlaine
Festas Galantes
Originalmente publicado em 1869, Festas Galantes é agora dado à estampa com as belíssimas ilustrações de Georges Barbier criadas para a edição de 1928. Neste delicioso conjunto de poemas, Paul Verlaine explora, sob a aparência de frivolidade, o tema da sedução num ambiente de festa e mascarada que evoca a graciosidade e malícia da pintura setecentista de Wateau, Fragonard ou Lancret. Contudo, Stefan Zweig distingue nestas paisagens galantes “um doloroso pressentimento”, salientando: “Sob as máscaras e a pantomima, o rosto do poeta, dolorosamente perdido, contempla o espelho negro da realidade…”. No poema Art Poétique da recolha Jadis et Naguère, Verlaine escreve: “Música acima de qualquer coisa / (…) Porque nós queremos sempre as Cambiantes”. De facto, o ritmo dos seus versos e os jogos de sonoridades tornam-no no poeta francês mais musicado. Se dúvidas houvesse, bastaria ouvir o magnífico duplo CD do grande contratenor Philippe Jaroussky, Green, inteiramente dedicado à obra daquele que foi consagrado, em 1894, Príncipe dos Poetas e que inspirou compositores como Chabrier, Debussy, Fauré, Hahn, Honegger, Massenet, Saint-Saëns, Varése ou ainda Charles Trenet, Georges Brassens e Léo Ferré. [Luís Almeida d’Eça] Guerra & Paz
Isaac Asimov
Eu, Robô
No ano de 2060, a humanidade já não tem memória de um mundo sem robôs. “Tempos houve em que o ser humano enfrentava o universo sozinho sem um amigo. Agora tem criaturas para o ajudar, criaturas mais fortes do que ele, mais fiéis, mais úteis, e absolutamente dedicadas a ele.” Eu, Robô não é propriamente um romance, mas um conjunto de histórias, uma série de memória esparsas da robopsicóloga Susan Calvin sobre experiências focadas em diversos incidentes com robôs. O seu autor, Isaac Asimov (1920-1992), russo emigrado nos Estados Unidos, foi um dos nomes cimeiros da literatura de ficção científica do século XX, dotado de profundos conhecimentos científicos, de singular capacidade de antecipação e notável engenho narrativo. A obra defende que os robôs são “uma linhagem mais limpa, melhor do que a nossa”. E avança uma ideia provocadora que merece ampla reflexão, a de que sob o reino das máquinas “não pode haver qualquer conflito sério na Terra, em que um grupo ou outro consiga obter mais poder do que tem em nome daquilo que pensa que é melhor para si, independentemente de não o ser para a humanidade como um todo”. [Luís Almeida d’Eça] Relógio D’ Água
Joshua Ruah
Um judeu de Lisboa
António Valdemar, que prefacia a autobiografia Joshua Ruah. Um judeu de Lisboa, define-a como “uma descida às raízes”. Nascido em 1940, filho do reconhecido cirurgião Moisés Ruah e neto do famoso fotógrafo Joshua Benoliel, Joshua Ruah partilha neste livro as suas memórias judaicas, desde a infância até à idade atual, sem esquecer a juventude, o percurso como estudante e médico, o casamento, a ida para a guerra ou os tempos em que presidiu à Comunidade Israelita de Lisboa, o que lhe proporcionou encontros com figuras históricas como o Papa João Paulo II ou Yasser Arafat. Numa escrita sincera e despretensiosa, Ruah abre-nos a porta da sua vida, partilhando episódios como quando o avô fotografou o desembarque de D. Carlos e da família real, mas perdeu o momento do regicídio; a construção da Sinagoga de Lisboa; o 25 de Abril de 1974; a recuperação da comunidade de Belmonte; ou de quando viu pela primeira vez Álvaro Cunhal, de quem foi médico durante 14 anos. Antes d’ O fim, o médico ainda nos brinda com algumas fotos de família e revela que tem na calha um projeto para um livro sobre a história da Feira da Ladra. [Sara Simões] Caminho
Matt Haig
A biblioteca da meia-noite
Depois de renunciar a uma promissora carreira como nadadora olímpica, de ter abandonado o grupo musical de que fazia parte, de ter cancelado o casamento, de não ter conseguido cuidar do gato, Nora Seed é confrontada com a dura realidade: trabalha há 12 anos numa loja de música, sofre de depressão e não tem planos para o futuro. Com medo da vida e invadida por uma tristeza absoluta, decide morrer. É então que chega à Biblioteca da Meia-Noite onde encontra livros que são portais para todas as vidas que podia ter vivido e onde poderá decidir como quer viver. Mas, antes de poder escolher qualquer um destes livros, há um que tem obrigatoriamente de consultar: o Livro dos Arrependimentos. Com a ajuda da sua antiga bibliotecária, a Sr.ª Elm, Nora vai abrindo livros e experimentando várias vidas, até que, perante a morte, a vida lhe parece mais atraente. Sem corresponderem às expectativas, as vidas sucedem-se umas às outras, até que Nora se apercebe que “o verdadeiro problema não são as vidas que nos arrependemos de não ter vivido. É o arrependimento em si.” Viver é a única forma de aprender. [Sara Simões] Topseller
Alain Bergala
A Hipótese Cinema – Pequeno tratado sobre a transmissão do cinema dentro e fora da escola
Como escolher os filmes a mostrar aos alunos? Como expor as crianças a este encontro? O que nos oferece o DVD? Deve falar-se do cinema e da televisão? A educação em cinema passará obrigatoriamente pela passagem ao ato de realização na sala de aula? Como seria uma análise de filmes que visasse uma iniciação à criação? Em A Hipótese Cinema: Pequeno tratado sobre a transmissão do cinema dentro e fora da escola, Alain Bergala responde muito concretamente, com paixão e algum sentido de polémica, a toda uma série de questões que são colocadas àqueles que hoje se encontram na posição de passeurs. A questão preliminar e central da obra consiste em saber como ensinar o cinema enquanto arte em ambiente escolar, tendo em conta que a arte é e deve permanecer, precisamente, uma semente de mudança profunda na instituição. Este livro é, assim, uma tomada de posição, de intervenção, escrita ao sabor do momento, no calor da batalha, mas também um texto de reflexão, sustentado numa experiência de mais de 20 anos e em propostas concretas para uma iniciação ao cinema. [Ana Rita Vaz] Imprensa Nacional
Pelo nosso caráter gregário, “a vida humana tem pouco espaço para ser exercida fora de contextos determinados por regras ou acordos”. Quem o constata é Marta Carreiras, criadora destes Jogos de Obediência que não são mais do que metáforas da vida em sociedade.
Neste espetáculo, quatro concorrentes (Madalena Almeida, Rosinda Costa, Rui M. Silva e Vítor d’Andrade), guiados pela anfitriã dos jogos (Sílvia Filipe), disputam um campeonato de obediência. Perante os espectadores que ocupam os seus lugares munidos de auscultadores, aquelas pessoas, meramente designadas por números, são colocadas à prova numa sequência de jogos que ora exigem destreza física, ora psíquica e emocional. Até porque, tal como no mundo real, há consequências associadas à performance de cada um.
“Este recurso aos jogos permitiu-me refletir sobre como cada ser humano é treinado desde o nascimento para obedecer a regras, independentemente do lugar ou da situação em que se nasce e se cresce”, nota Marta Carreiras. “A nossa postura na vida, perante a empresa, o grupo de amigos, o namorado ou a namorada é, por norma, obedecer a um conjunto de regras que estão pré-determinadas”. Consequentemente, cada um de nós é instruído para dizer ‘sim’, quer “tenhamos ou não instrumentos para o fazer em consciência”. Até porque dizer ‘não’ depende em tudo das “condições que se tem para o fazer, sabendo de antemão que não é a regra perante a vida em sociedade.”
Jogos de Obediência é a segunda parte de uma trilogia iniciada com Pedro e o Capitão, texto de Mario Benedetti que Carreiras e Romeu Costa levaram a cena, também no São Luiz, em 2017, com interpretações de Ivo Canelas e Pedro Gil.
Como explica a autora, “se naquela peça acompanhávamos dois homens que escolheram percursos radicalmente opostos” – um, o prisioneiro, era ativista político de esquerda; o outro, o carcereiro, um militar ao serviço de um regime ditatorial –, “tendo em conta trajetos de vida, contextos ou ideologias”, em Jogos de Obediência “estamos no momento anterior às escolhas”, daí este ser “um espetáculo que nasce do trabalho com adolescentes, e que é, sobretudo, a eles destinado.”
Embora a ideia para o espetáculo seja anterior ao doutoramento em Estudos de Teatro na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa que Martas Carreiras desenvolve, foi em contexto académico que este projeto cresceu e ganhou forma. Através de uma bolsa atribuída pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, foi possível, entre outras atividades, desenvolver workshops com adolescentes (onde o recurso aos jogos foi “essencial devido à relação que têm com eles”) e fazer este espetáculo.
Acabou por ser o mecanismo do jogo que “trazemos para o campo do teatro”, fazendo da dramaturgia do espetáculo (por Raquel S.) “uma experiência científica sobre a obediência”. Contudo, e como Marta Carreiras não deixa de sublinhar, “é teatro, mas também é jogo, logo há espaço para improvisar e convidar o público a jogar também. E, porque não, a ajudar a desobedecer”. Porque, apropriando-nos das palavras de Howard Zinn, o problema nas nossas sociedade humanas, independentemente do regime politico, não é a desobediência. O verdadeiro problema é mesmo a obediência.
Com estreia agendada para 31 de maio, numa sessão especial para escolas, Jogos de Obediência apresenta-se ao público em geral entre 3 e 11 e 14 e 19 de junho, com sessões às 19h30, exceto aos domingos, às 16 horas.
Como surgiu a ideia de usar a correspondência trocada entre o casal para realizar o filme?
A correspondência é um princípio de filme. Nesse sentido, há um convite do António Gomes de Pinho [presidente da Fundação Arpad Szenes – Vieira da Silva] para que eu pensasse na possibilidade de um documentário. E eu gosto desses materiais. Houve uma outra razão, muito específica: um filme era a única maneira de casar tudo. Ou seja, de ter a obra, as fotografias, a experiência de vida e, sobretudo, a pintura e o desenho em paralelo. Já tinha sido feita uma exposição, que era muito focada nas cartas, mas há sempre uma certa distância entre a carta e a obra, e no filme isso não se passa. A dificuldade maior foi mesmo conceber o fluxo. Descobrir o cinema da Vieira e do Arpad, porque eles trabalharam esse fluxo, eles sabiam qual a relação entre as cartas e as obras.
A correspondência, à semelhança do espólio dos artistas, é muito rica e em grande quantidade. Como fez a seleção desse material através do qual conta uma longa história?
Filmei em mudo, isto é, filmei as cartas não por aquilo que elas diziam mas pela sua visualidade. Há uma correspondência visual entre tudo no filme, entre a paisagem, os lugares, as cartas, a pintura. A pintura é a referência essencial. Li as cartas através da pintura e não o contrário. Comecei por filmar a pintura, filmei tudo seguido num sistema automático para não perder o foco. Era muito importante saber como filmar. Filmar a pintura ao baixo é uma coisa, fazê-lo ao alto é outra. O cinema é horizontal, isso determinou muito o tempo, que é uma coisa essencial no filme. Num museu a pessoa pode desligar-se do quadro que está a ver quando quiser, num filme não, as pessoas têm que ver os quadros com o tempo que lhes dou. É importante esse ritmo que o filme tem, que é o ritmo dele, é uma espécie de respiração própria. O trabalho mais desafiante foi respeitar essa respiração, que já estava lá.
O casal documentou a sua vida ao longo de várias décadas. Sente que a intenção de ambos era deixarem um legado que pudesse ser posteriormente divulgado?
A Vieira e o Arpad cuidaram muito bem da sua posterioridade. Acho que o filme foi comandado por eles. Na verdade, procurei fazer o filme que eu achei que eles gostariam que fosse feito. Cada peça era um convite que me empurrava a filmar isto ou aquilo. Portanto, não fiz nada, apenas tentei abrir-me a esse diálogo. Há neles esse lado da dádiva, inclusive um lado performativo. Quando filmei as cartas, a pintura, senti que estava a filmar essa performance. Tentei ser fiel à mensagem que estava nessa voz/documento. A minha questão centrava-se sempre em como merecer a presença deles e em fazer um filme que não os traísse.
Que influência teve, na realização de Vieirarpad, o documentário Ma Femme Chamada Bicho (1976), de José Álvaro Morais?
O filme do José Álvaro, pelo qual tenho uma grande estima, era o lugar onde os tinha vivos. Depois há uma questão no documentário Vieirarpad: como é que se torna uma memória permanente? Quando “eles” me entregaram uma arca com fotografias, cartas, pinturas, estão a dizer-me faz alguma coisa com isto. Tentei pegar em tudo o que havia e o Ma Femme Chamada Bicho era incontornável. Sempre achei que era possível encontrar um ponto de encontro, um momento em que não se percebe bem a diferença entre este filme e o outro. Uma espécie de não tempo. Esse momento surge numa conversa em casa do casal, onde eu repito a sequência do filme do José Álvaro com o mesmo diálogo. Há ali uma confusão de filmes e de tempos que é o nó onde o Vieirarpad foi concebido e acabado. A minha ideia nunca foi fazer um filme definitivo sobre a Vieira e o Arpad. Mas acho que há na vida deles a construção de uma figura, uma entidade, que não é nem um nem outro e essa entidade é o nome do filme: Vieirarpad. É algo que não tem uma forma, mas que embraia uma poética. A vida deles é marcada pela poética dessa figura que constroem em conjunto. Isto para dizer que, a coisa mais importante não é a arte, mas sim a vida, as pessoas.
Os vários locais onde viveram e o exílio influenciaram a obra dos artistas. A geografia determinou o imaginário que reproduziram na pintura. Que importância teve a geografia no filme?
Foi uma aprendizagem para mim. No Brasil, sobretudo, não viveram num sítio qualquer, foram escolhendo e acabaram por ficar longe do Rio de Janeiro, em Santa Teresa, um local que permite ao mesmo tempo uma proximidade e uma certa distância do Rio. A Vieira da Silva odiava o Rio, o Brasil, ao contrário do Arpad. Eu queria que o filme fosse autêntico na forma como transmitia isso. Nas filmagens do Brasil não há nenhum exotismo, porque eles não tiveram uma relação exótica com o Brasil, há, pelo contrário, uma relação sofrida. Isso foi uma aprendizagem do que é a paisagem de um exilado. O filme é também sobre o exílio. Eles sempre foram exilados, exilaram-se de todos os locais, e até a sua morte é exilada. Aliás, o filme começa com a sepultura que está num lugar de exílio. O último ponto do exílio é a pintura. Isso vê-se quando a Vieira está no Brasil e pinta a guerra na Europa. A arte é a única pátria.
Há um paralelismo com os dias de hoje e apesar de toda a evolução tecnológica, que nos deveria ajudar a evoluir, parece que regredimos. O filme também nos ajuda a refletir sobre isso…
Sim, esta é uma questão que está na ordem do dia. O mundo vai ser cada vez mais um lugar de exilados. As pessoas são obrigadas a deslocar-se para sobreviver. Podemos dizer que o exílio será, talvez, a condição pós-moderna, onde as pessoas quando nascem já estão no exílio. Nos dias de hoje também a internet é um lugar do exílio. O lugar onde se vive já não nos pertence. Por exemplo, em Lisboa é cada vez mais difícil ver a Lisboa da Vieira e do Arpad. Atualmente há um aspeto fulcral, a tecnocracia, que faz com que as pessoas que não vivem nesse mundo se tenham que exilar dele para sobreviver. O contacto com a tecnocracia é terrível, começou com o yuppismo nos anos de 1980, mas hoje assume uma dimensão tal onde, para mim, a figura mais emblemática é a do turista. O turista é a pessoa comum. Antes dávamos pelos turistas, hoje eles são a maioria. Nesse sentido, como é que alguém pode sentir que a Baixa de Lisboa é sua? Isso acabou. O filme pode ajudar um pouco a perceber aquilo que chamaria uma fenomenologia do exílio, isto é, aquilo que o exílio é para além de ser uma coisa que as pessoas temem. O exílio é uma condição que pode ser uma escolha de vida. Há uma série de movimentos de deriva, na América e na Europa, onde cada vez mais pessoas decidem passar o tempo todo a viajar, a mudar de sítio.
Realizou, ao longo dos anos, vários filmes de ficção. Pensou neste caso em particular fazer um filme biográfico, sem ser em formato documental?
Não, porque aquilo que era ficção na vida deles já existe. Há inclusive uma fotonovela, em que a Vieira faz um personagem chamada Joana que é pintora. Para mim não faz sentido acrescentar uma ficção à vida, mas sim, acrescentar um documento aos outros que já existem. Quando o artista se deixa filmar, não há mais nada a filmar. A ficção é mais um gadget. O personagem não existe, o que existe é a pessoa. O personagem é uma coisa da indústria. A ficção para mim tem a ver com a construção de um personagem. Aqui não é preciso. Eles foram tão fotografados, houve tanta vontade da parte deles de dar imagens… Tudo está lá, a pessoa, a personagem, é só seguir. A única coisa que tive de fazer foi escolher e definir um tempo.
A sua música parece viajar diretamente dos anos 70/80 do século passado para os dias de hoje. De onde vem esse gosto pela sonoridade dessa época?
Sinto que fui muito influenciado pela música que os meus pais ouviam em casa. Há vídeos meus com três, quatro anos a dançar ao som dos Dire Straits. Na verdade, este fascínio pela música dos anos 70/80 está muito relacionado com a minha infância.
Para além da sonoridade, também a estética – da roupa, aos acessórios e aos videoclipes – é inspirada nessa época. Faz parte de um personagem ou é mesmo assim?
Sou mesmo assim. Talvez isso se note mais nos concertos, porque tenho o cuidado de pensar em tudo ao pormenor para dar uma experiência especial ao público, mas normalmente sou assim. Claro que não me visto de forma tão excêntrica todos os dias, no dia-a-dia ando de forma mais descontraída.
É membro dos Zanibar Aliens. De que forma se deu esse salto para um projeto a solo?
Antes da quarentena, os Zanibar fizeram uma tournée europeia. Foi nessa altura que percebi que faltava qualquer coisa na minha vida. Sempre fui guitarrista, nunca tinha experimentado cantar sozinho, embora cantasse também na banda. Percebi que podia haver espaço para ter o meu projeto a solo em português, que era algo que tinha muita curiosidade em experimentar.
Que tipo de reação tem tido do público?
Tem sido fantástico. Nunca tinha experienciado ver as pessoas a cantarem as minhas letras e a agradecerem-me por fazer música. Incentivam-me para continuar. Não me posso queixar, o apoio do público tem sido maravilhoso. São os meus queridos fãs [risos].
Na banda canta em inglês, mas no seu projeto a solo optou por cantar em português. O que é mais desafiante para si?
As pessoas têm tendência para achar que cantar e compor em português é mais difícil, mas eu acho que é igual, dá o mesmo trabalho. Acho que existe essa perceção porque há muito mais consumo de música anglo-saxónica. Claro que temos uma grande cultura musical em Portugal, mas em termos de dimensão e de consumo, a nível mundial, não há comparação. Temos muito a ideia de que há coisas que em português soam mais “foleiras”. Eu dizer ‘amo-te’ em português parece mais intenso, em inglês tem outra leveza.
Quais são as suas maiores referências musicais?
Ouço um pouco de tudo. Gosto de consumir todo o tipo de música, não consigo eleger um disco preferido. Adoro a cultura musical dos anos 80, mas também gosto de coisas mais atuais. O meu Spotify é uma grande mistura de géneros musicais.

As suas músicas são leves, com letras simples. Em que se inspira?
Na minha vida. Naquilo que quero ser e no que quero partilhar com as pessoas. Apesar de ser novo já vivi muita coisa, acho que tenho muito para dizer. Há algumas coisas na minha vida que posso partilhar com os outros. Depois as pessoas avaliarão se se identificam com isso ou não. Mas também depende muito da canção, do que ela pede. Se pede uma letra mais séria eu correspondo, se pede algo mais descontraído eu tento dar isso. Passa muito pelo que a melodia pede e pelo que estou a sentir na altura.
Disse, numa entrevista, que gostava de “roçar o foleiro”. Não é difícil saber onde é a fronteira?
Estava a referir-me ao meu visual [risos]. Nos anos 80, esse visual não era considerado “foleiro”, era normal, era assim que as pessoas se vestiam. Na verdade, não o considero assim, parece-me até bastante cool [risos]. Mas não estou muito preocupado com o que as pessoas pensam sobre o que visto, não tenho medo de ser quem sou.
Em 2020, lançou dois EPs: Teorias do Bem Estar e Modéstia à Parte, para além de alguns singles. A pandemia não afetou o seu processo criativo…
Houve momentos em que me questionei quando é que a pandemia iria acabar, quando é que eu poderia voltar a pisar um palco novamente, mas, entretanto, as coisas começaram a abrir, começaram a fazer-se concertos com menos lotação… Foi nessa altura que dei os primeiros concertos a solo. Nesse sentido, foram fantásticos e foi uma ótima experiência. Claro que a pandemia foi um período terrível, até por todos os concertos que tivemos de cancelar, mas consegui ter tempo para me dedicar à minha música, lançar os EPs e escrever este novo trabalho, Mãos Atadas.
Mãos Atadas é o seu terceiro EP. Como define este trabalho?
Fala sobre essa experiência da pandemia, de nos sentirmos impotentes perante as circunstâncias. Reflete aquilo que eu sentia na altura, mas ao mesmo tempo é uma lufada de ar fresco, uma pop dos anos 80 mas moderna, uma evolução dos dois EPs anteriores.
Depois de ter lançado três EPs e alguns singles impõe-se perguntar: para quando o primeiro álbum?
Na realidade, este EP podia ter sido um disco, se eu tivesse juntado mais duas ou três músicas. Há uma vontade minha de não o fazer, não quero estar a meter músicas onde elas não fazem sentido. Quando estou a pensar num novo trabalho faço 20 músicas, por exemplo, e há cinco que passam e que se transformam num EP. Prefiro trabalhar assim a estar a forçar um álbum com várias músicas que sei que não encaixam ali. Mas nunca planeio nada, está tudo em aberto. Quem sabe será o próximo projeto a sair?
No último sábado do mês de maio, dia 28, têm início mais umas Festas de Lisboa. O músico e compositor cabo-verdiano Tito Paris apresenta o espetáculo O que nos Une. A seu lado, em palco, um naipe de grandes vozes: Cremilda Medina, Joana Amendoeira, Paulo Gonzo e Djodje. Um concerto para dançar ao som de mornas e coladeiras à beira-rio, nos jardins da Torre de Belém, naquela que é também uma celebração dos 40 anos de carreira do artista.
Este ano, e como não podia deixar de ser, o Fado volta a ser rei no Castelo de São Jorge. Uma vez mais, este é o palco privilegiado para encontros musicais improváveis: Ricardo Ribeiro junta-se ao pianista de jazz João Paulo Esteves da Silva (dia 17) e Teresinha Landeiro interpreta duetos inéditos com os artistas Agir e Mimi Froes (dia 18).

As Marchas Populares também estão de volta, assinalando da melhor forma o arranque do mês de junho, com as primeiras exibições na Altice Arena (a 3, 4 e 5 de junho). Na noite de Santo António, o ansiado regresso à Avenida da Liberdade, num desfile encabeçado pela Marcha Popular de Vale do Açor, convidada desta edição, e com a participação, pela primeira vez, da Marcha Infantil das Escolas de Lisboa, como poderá conhecer com mais pormenores na edição de junho da Agenda Cultural de Lisboa.
As celebrações populares contam este ano com o protagonismo das Casas Regionais da cidade – embaixadas na capital da cultura regional do país – que vão levar ranchos folclóricos, tunas, bombos e Fado até à Quinta das Conchas para um encontro de dois dias (a 25 e 26 de junho).
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A 9, 10 e 11 de junho, por ocasião das comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, promete-se “uma surpresa para a cidade”: uma mão e um pé, uma boca, um nariz, uma orelha e um olho vão circular pelos jardins e praças de Lisboa, numa performance protagonizada pela companhia Snuff Puppets, comunidade de artistas de Melbourne.

Para encerramento das Festas, na Praça do Comércio, o concerto Cheira a Lisboa homenageia o Parque Mayer –berço das Marchas Populares e antigo epicentro da vida artística lisboeta – em ano de centenário. Sobre o palco, a Orquestra Metropolitana de Lisboa, dirigida por Cesário Costa, acompanha seis grandes vozes da atualidade: Anabela, FF, Katia Guerreiro, Luís Trigacheiro, Lura e Marco Rodrigues, que recriam 22 clássicos da música popular com a roupagem dos arranjadores Filipe Raposo, Pedro Moreira e Lino Guerreiro. Um espetáculo inédito para ouvir canções intemporais que contam a história do local e da própria cidade, com o atrativo adicional de partilhar com o público algumas raridades, como o tema Santo António, de João Villaret, que foi alvo de censura em 1956.
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Para além das muitas dezenas de arraiais populares, das exposições e das visitas temáticas em torno da história da cidade e do seu santo de eleição – Santo António, quem mais? –, as Festas de Lisboa incluem ainda o Lisboa Mistura, a Festa da Diversidade, o Arraial Lisboa Pride, o CineConchas ou o Bairro em Festa.Toda a programação está disponibilizada no site oficial das Festas de Lisboa.
Comecemos pelo título do primeiro single deste EP, Good Kids. Refere-se a esta parceria entre ti e o Paulo Furtado ou é uma coincidência?
É uma coincidência. Sendo uma música lançada por duas pessoas e sendo nós amigos, já tinha pensado nessa associação, mas é mera coincidência já que a letra nada tem nada a ver connosco e com a nossa relação.
O vídeo de Good Kids é quase uma espécie de diário em vídeo. Querias passar essa ideia de autenticidade?
A ideia veio no seguimento do que já tínhamos feito no Califórnia: viajar até algum lado, montar um estúdio, gravar música e tentar ser o mais espontâneo possível. O objetivo, com o vídeo, era documentar esse processo, desde a viagem à casa onde ficámos, ao estúdio improvisado, àquilo que eram os nossos dias entre tocar e passear pela praia. A ideia era ser quase um documentário para que as pessoas conseguissem perceber exatamente como foi feito.
Esta parceria musical remonta a 2018, à road trip que fizeram pela Califórnia. Recordas-te como tudo começou?
O Califórnia surgiu porque o Furtado ia gravar o Misfit, no [estúdio] Rancho de La Luna, em Joshua Tree. Uns dias antes estávamos a beber um copo na ZDB e eu disse-lhe “ainda bem que vais, estou muito feliz por ti. Vou aproveitar para te visitar quando estiveres em estúdio porque gostava de fazer parte do processo, de estar lá contigo”. Já tínhamos tido uma longa conversa sobre um disco meu a solo, era um assunto que já vinha de há uns anos, mas que ia sendo sempre adiado. Às tantas ele diz-me: “esta é a altura perfeita. Vais ter comigo aos Estados Unidos, fazemos uma road trip, trazes a guitarra e gravamos o teu disco”. E assim foi, não pensámos muito mais sobre isso.
Em novembro do ano passado voltaram a fazer as malas…
Fazendo fast forward para 2020: estávamos em plena pandemia e eu comecei a pensar em coisas que gostava de fazer e desafiei o Furtado a fazer outro capítulo. Já tínhamos falado sobre várias hipóteses para dar continuidade a este trabalho. De repente comecei a elaborar uma ideia. Inicialmente, o previsto era irmos para Tânger porque o primeiro disco tinha sido muito à volta da beat generation e há uma ligação forte de Tânger à beat generation. A ideia era dar continuidade histórica e de contexto. Só que, entretanto, a viagem começou a transformar-se num pesadelo logístico por causa da pandemia, vistos, material de gravação… Cansámo-nos de estar à espera. Em novembro do ano passado metemo-nos no carro e fomos até ao sul de Espanha. Tínhamos visto umas fotografias da casa onde acabámos por ficar, apaixonámo-nos por ela e resolvemos não pensar nem adiar mais. Simplesmente fomos…
Como geriram a parte logística?
Dessa parte quem tratou foi o Furtado. Eu faço as canções e ele trata do estúdio. Estou muito mais verde nessas questões [risos]. Ele tem um estúdio montado em casa e consegue ter sempre um set up mais simplista, que é basicamente um estúdio que dá para montar em qualquer lado. Levámos a carrinha cheia de material. Quando chegámos foi só montar o estúdio. Estivemos três dias na casa a trabalhar…
Este ambiente foi bem diferente do que viveram na Califórnia. Mais melancólico e chuvoso…
Em relação ao clima não conseguimos antever. Marcámos a casa e, passados uns dias, o dono mandou uma mensagem a avisar que o tempo ia estar horrível. Até perguntou se queríamos adiar para outra altura. Andávamos há imenso tempo a querer fazer esta viagem, as nossas agendas não são fáceis e já tínhamos aquelas datas trancadas. Decidimos manter a viagem e eu disse ao dono da casa que, para nós, o clima era indiferente. Íamos estar num sítio bonito em frente ao mar. Mesmo que estivesse a nevar iríamos [risos]. Abraçámos as condições que tínhamos. Estava bastante vento e chuvoso, mas isso acabou por trazer essa atmosfera para o disco. Quando editámos o vídeo do Good Kids, achei que a música casava perfeitamente com a imagem. A canção em si – e a forma como foi arranjada e produzida – casa muito bem com essa melancolia do próprio clima.

As músicas já estavam pensadas antes da viagem?
Tinha as músicas escritas, ou seja, em termos dos acordes de guitarra e de letras estava tudo bastante alinhado. A única música que acabei de escrever lá foi o Randomly, em que parte da letra foi escrita em Espanha. Não tínhamos era nada do ponto de vista dos arranjos. Só tinha as canções à guitarra acústica e as letras. Tudo o que está gravado nas músicas e que vai para além disso foi feito lá, e basicamente por impulso, ou seja, eu gravava a guitarra e a voz, e a seguir o Furtado agarrava nos teclados e começava a fazer os arranjos. Era uma coisa muito espontânea, uma resposta muito direta àquilo que ele tinha acabado de ouvir. Íamos trocando ideias e fomos avançando assim, música a música.
Nestas aventuras a meias com o Paulo Furtado, como dividem os papéis?
Eu faço as músicas e as letras. No Califórnia, o Furtado montou a parte de estúdio e gravou o som. Neste disco já teve um papel mais preponderante, ou seja, além de gravar fez todos os arranjos. Tocou todos os instrumentos adicionais que não são a guitarra e a voz lead. Eu gravei só a guitarra acústica e a voz e ele gravou todos os outros instrumentos. Além de engenheiro de som e de produtor, aqui também foi arranjador e instrumentista.
O vídeo também foi feito por vocês…
Sim, foi filmado pelos dois e depois editado pela Ana Viotti. Chegámos cá com as imagens em digital e em super 8 e a Ana montou o vídeo. As fotografias também foram todas tiradas pelo Furtado. Isto é basicamente um microcosmos auto subsistente [risos].
California e Andaluzia: duas viagens, dois EPs. Qual o destino que se segue?
Temos várias coisas na manga, mas não sei quando é que isto pode voltar a acontecer. Para já não vou adiantar muita coisa, mas há pelo menos dois ou três destinos possíveis onde gostávamos de ir. Vamos ver se a vida nos permite ter tempo para nos dedicarmos a esses projetos. Mas isto é algo que pode perfeitamente existir em capítulos espaçados, sem ser algo muito planeado, como por norma são as carreiras dos artistas e das bandas. É um projeto que podemos ir levando avante cada vez que haja oportunidade e vontade de irmos para um sítio criar música num estúdio improvisado. Há aqui duas premissas: viajarmos juntos e criarmos música em sítios inesperados que não sejam estúdios profissionais.
Para além do formato digital e do CD, haverá também uma edição muito limitada em vinil. Porquê esta aposta no vinil?
Primeiro porque somos fãs do vinil, e depois por uma questão de continuidade, porque também lançámos o Califórnia em vinil. A única diferença é que agora o processo foi muito mais manual e, portanto, temos uma edição ultra limitada de 30 discos, que estarão à venda exclusivamente na Casa Tigre, nos Anjos. Cada disco vai ter uma fotografia assinada por nós, é um objeto de coleção. Vai haver também uma edição em CD e em formato digital.
Em maio, apresentas este EP na ZDB. Tens saudades dos palcos?
Gosto muito de fazer concertos a solo porque é uma experiência radicalmente diferente. Por um lado tem-se muito mais liberdade, mas também se está muito mais em perigo. Não há rede de suporte, estás completamente entregue à tua capacidade (ou não) de puxar o concerto para a frente. Quando se toca com banda há sempre alguém que segura as pontas. A solo estás completamente sem rede. Por outro lado, dá-te liberdade de levares as coisas como queres – se queres abrandar numa canção abrandas, se queres acelerar aceleras, se te apetece saltar para outra música podes fazê-lo. Há uma liberdade absoluta de fazeres o que queres a todo o momento, o que é muito entusiasmante.
Para além deste projeto a solo, tens também os Sean Riley & the Slowriders e os Keep Razors Sharp. Como geres tudo?
Há ainda a Casa Tigre, uma loja que tenho com o Paulo Furtado e com o Rai [Keep Razors Sharp, Poppers]. São vários projetos que se gerem com algum esforço e vontade, mas também com algumas privações. Às vezes temos menos tempo útil a nível pessoal, mas costuma dizer-se que quem corre por gosto não cansa. Não acho que seja exatamente assim, acho que cansa, mas é um cansaço bom.
O que marca esta terceira edição do Festival Lisboa 5L?
O que mais distingue esta edição das anteriores é que vai ser a primeira edição presencial. A edição de 2020 nem sequer se realizou. Veio a pandemia e os promotores decidiram cancelá-la. Comemorámos apenas o dia 5 de maio porque quisemos aproveitar a oportunidade desse dia ter sido designado pela UNESCO e, poucos meses antes, o Dia Mundial da Língua Portuguesa.
O que o diferencia de outros festivais literários nacionais?
O que o distingue de qualquer outro festival literário, nacional ou internacional, é o facto de não ter nem tema nem autor celebrado ou homenageado. No festival de Lisboa, é a própria celebração dos 5Ls (Língua, Leitura, Literatura, Livro e Livraria) que orienta e define a construção da programação. O envolvimento dos parceiros de programação, editores, livreiros, instituições, acrescenta um valor inestimável na composição de um programa diversificado e de qualidade. E, nestas áreas da leitura, do livro e da livraria, o 5L expande-se pela cidade ocupando espaços públicos e privados: bibliotecas, livrarias, casas de escritores, cafés, restaurantes e hotéis literários. E não é só o Festival 5L que se distingue dos outros; a própria cidade também se distingue de muitas outras pela proliferação de livrarias históricas, pelas bibliotecas com condições excecionais, pelos muitos cafés e hotéis frequentados por literatos, pelas casas dos escritores mais relevantes da literatura em português.
Estas três edições permitiram a consolidação da iniciativa?
Não. Ainda não foi possível atingir o grau de notoriedade e de reconhecimento que pretendemos para este festival literário. Para que esse reconhecimento e notoriedade sejam alcançados, e mais do que a qualidade dos participantes que é de grau muito elevado, o Lisboa 5L precisa de se afirmar pela repetição, ano a ano, e por uma maior divulgação.
Como perspetiva a evolução do 5L?
O próximo será sempre melhor que os precedentes. É da sua própria natureza. Os participantes, os organizadores e os parceiros vão adquirindo mais conhecimento, vão acrescentando entusiasmo, vão tecendo redes de afinidades e de cumplicidades que nos permitirão cumprir todos os objetivos: realizar na cidade de Lisboa um festival literário internacional que seja exemplar. Não posso deixar de referir que o Lisboa 5L pode contribuir para que, num futuro bem próximo, a cidade de Lisboa possa vir a integrar a rede mundial das restritas Cidades Criativas da Literatura UNESCO.
John Fante
A primavera há de chegar, Bandini
Considerado um dos grandes autores da sua geração, John Fante (1909-1983) não obteve reconhecimento em vida, ficando a dever a divulgação da sua obra a Charles Bukowski que escreveu: “Fante teve uma grande influência em mim. Fante era o meu deus.” A primavera há de chegar, Bandini, publicado em 1938, é o seu título de estreia e o primeiro de quatro volumes dedicados a Arturo Bandini, seu alter ego literário. No rigor do inverno de uma cidadezinha do Colorado, Arturo, aos 12 anos de idade vive o primeiro desgosto amoroso e confronta-se com a extrema pobreza da família, o adultério do pai, pedreiro sem trabalho, e o fanatismo religioso da mãe. Relato duro e comovente (“feito de coração e tripas”, segundo Niccolò Ammaniti), que contraria a narrativa tradicional da América como terra das oportunidades. Realidade de um país em plena Depressão Económica que só a evasão torna suportável: o pai através do recurso ao álcool, a mãe à religião e Arturo ao basebol e ao cinema, dois dos principais paradigmas da poderosa mitologia popular norte-americana do século XX. [Luís Almeida d’ Eça] Alfaguara
André Gide
A porta estreita
Assim como é estreita a porta que conduz à santidade, as narrativas na primeira pessoa de André Gide são breves, por serem tão depuradas. A história que aqui se conta é a de um amor não consumado entre dois primos, Jérôme e Alissa; a de duas servidões humanas que existem para os seus breves encontros, que conduzem à frustração e à desistência do amor por parte do rapaz, e a uma consumição física em nome da sublimação da alma, no que diz respeito à rapariga. A porta estreita é também uma narrativa epistolar, mas as cartas são sempre interpretadas de acordo com a interioridade de Jérôme, e são também suas outras observações relativas ao comportamento esquivo da prima, que parece querer estabelecer com ele um pacto que conduza o amor de ambos para o plano divino. A porta estreita foi o primeiro sucesso literário de André Gide, corria o ano de 1909, e podemos ver nele o reverso de O Imoralista (1902), narrativa igualmente curta e confessional onde pontificam o desejo e a transgressão. [Ricardo Gross] Cavalo de Ferro
Itamar Vieira Junior
Doramar ou a odisseia
Itamar Vieira Junior ficou conhecido entre nós com Torto Arado (vencedor do Prémio Leya), editado em 2019. Sucede-lhe agora Doramar ou a odisseia, uma coletânea de histórias que o autor brasileiro escreveu antes e depois do primeiro romance e que dedica “às mulheres, maternas, ancestrais, que se fizeram movimento em meu caminho”. 11 dos contos que compõem o livro, prestam homenagem às mulheres. Mulheres obrigadas a lutar contra todas as adversidades, quase sempre em busca da sua liberdade e de respeito, como Alma, a quem tiraram todos os filhos e que um dia se veste com o vestido mais bonito da senhora e parte em busca de um lugar onde possa ser livre; ou Maudigá, a velha parteira que vive no interior de uma floresta onde se prevê construir uma usina hidroelétrica e que se recusa a abandonar a sua velha cabana, na esperança do regresso do seu filho. Um livro no feminino com exceção para manto da apresentação, onde mergulha no universo de Arthur Bispo do Rosário, artista plástico diagnosticado em jovem com esquizofrenia que viveu recluso num hospital psiquiátrico e cuja obra é comparada à de Marcel Duchamp. [Sara Simões] Dom Quixote
Ricardo Fonseca Mota
As aves não têm céu
Segundo romance do vencedor do Prémio Revelação Agustina Bessa-Luís 2015 (com a obra Fredo) que narra a história de Leto, um homem perdido em busca de salvação. Traído e abandonado pela mulher, Leto fica um ano sem ver a filha. A primeira semana de férias com ela traz ansiedade e um plano de atividades cerrado, sem espaço para improvisos. As noites, porém, fogem ao planeado. Sem conseguir adormecer a criança, Leto recorda que ela costumava dormir com o carro em andamento e recorre ao antigo método. Cansado, não consegue evitar o acidente de viação que resulta na morte da filha. A partir daí, Leto “deseja morrer mas não quer parar de sofrer. Quer sofrer mas sente vergonha de estar vivo.” A sua história cruza-se com a de Raul e Cid, com quem partilha o mesmo espaço, “mas cada um no seu lugar.” Um espaço habitado por vozes e demónios que os atormentam diariamente. [Sara Simões] Porto Editora
Não é possível falar da Comuna sem recordar o percurso anterior do João Mota. Em 1972, já tinha voltado a Portugal há algum tempo…
Sim. Eu voltei do Peter Brook e fundámos logo a seguir Os Bonecreiros, onde encenei uma peça infantojuvenil que foi um grande sucesso. Mas, devido a questões políticas, dá-se uma rutura e eu venho, com o Carlos Paulo, a Manuela de Freitas, o Melim Teixeira e o Francisco Pestana, fundar a Comuna.
Porque é que, como a sua irmã [a atriz Teresa Demarcy-Motta], não ficou por França, onde poderia continuar a trabalhar com uma figura do teatro como a dimensão do Peter Brook?
Tínhamos acabado de voltar da Pérsia quando o Peter Brook me pergunta se eu não queria ficar a trabalhar em França. Só que nessa altura já tinha tomado a decisão de voltar, porque sentia, perdoe-se-me a arrogância, que havia muito a fazer em Portugal e que eu poderia ser útil aqui.
Qual era o panorama geral do teatro português nesse início da década de 1970?
Existia um teatro universitário muito bom e estavam a surgir grupos de teatro amador extremamente interessantes, como o Grupo de Campolide e um outro, sediado em Carnide, liderado pelo Bento Martins, com quem havia trabalhado alguns anos e de quem fui sempre muito amigo. No teatro profissional havia, claro, a companhia da Amélia Rey Colaço, onde me estreei e onde estive antes de ir para a guerra [João Mota cumpriu cinco anos de tropa, dois deles em Angola] ou o Ribeirinho, que foi um dos meus mestres… O problema é que, não sendo mau, o teatro profissional em Portugal não via o ator como um criador, mas sim como alguém que é bom a debitar textos. Ora, o Peter Brook ensina-nos que o ator é o criador onde habita o texto, ou como dizia Pessoa, “o ator é um fingidor que finge que é dor a dor que deveras sente”. Quando regresso e começo a falar de improvisação, de técnica de corpo e de voz, perguntava-se “o que é isso?” É preciso não esquecer que Brecht era proibido, que ninguém tinha ouvido falar de [Jerzy] Grotowski e de teatro-laboratório…
A Comuna é reconhecida por ter começado a alterar esse estado de coisas…
Os Bonecreiros foram o ensaio para isso, já que por lá experimentámos muito daquilo que viríamos a fazer na Comuna. É muito interessante que, logo no início, havia um grupo de pessoas, onde se incluíam, entre outros, o João Bénard da Costa, o Nuno Bragança, a Maria Velho da Costa ou o pintor Noronha da Costa, que não só iam aos espetáculos como vinham ver-nos ensaiar.
É verdade ou é mito que a Comuna foi batizada através de uma votação num programa de rádio?
Eu tinha sido convidado pela Radio Renascença para dar uma entrevista e, a dado momento, desafio o público ouvinte a escolher entre três nomes possíveis para a nova companhia: “Os Cómicos”, “Os Comediantes” ou “Comuna”, sempre com “teatro de pesquisa”. Como se sabe foi escolhido o nome de “Comuna”, que tinha sido pensado em homenagem à Comuna de Paris e às comunas de hippies. Mas nem imagina os problemas que o nome deu, curiosamente, logo depois do 25 de Abril…
A sério?
Havia taxistas que se recusavam a trazer-nos aqui, acusando-nos de ser comunistas. Mas o pior foi, quando viemos para este espaço, em 1975, o jornal O Dia acusar-me diretamente de estarmos a tornar mais feia a Praça de Espanha por causa do nome do grupo. Aquele período a seguir ao 25 de Abril foi complicado, ora levávamos com o rótulo de monárquicos, ora de comunistas. Logo eu que nunca tive partido, logo a Comuna que teve artistas de todos os partidos, do PSD ao PCP ou ao MRPP…
E durante a ditadura? Como é que o regime lidou, por exemplo, com essa nova forma de fazer teatro?
Nesse tempo eramos acusados de ser hippies, de ser drogados… Começámos a Comuna com uma criação coletiva, com textos de Gil Vicente, chamada Para Onde Is? Deu logo problemas com a censura que ainda a tentaram proibir. Tinha muita improvisação. Era todo um território de liberdade…
A liberdade é algo absolutamente fundamental para si…
Foi algo que me foi incutido pela minha mãe, a par do sentido de responsabilidade. Sempre me bati pela liberdade. Lembro de ouvir o Peter Brook dizer “nunca percam a vossa individualidade, a vossa personalidade, porque estar num grupo de teatro significa que cada um mantenha a sua maneira de ser e de estar. É com isso que se vai trabalhar”. Imagine ouvir esta conceção de liberdade quando vou para França, no final de 1968, vindo do fascismo… Isto marca o modo como vejo o trabalho de um criador: ele tem de ter liberdade para dar aos outros, os que trabalham consigo, a mesma oportunidade de serem livres.

Não queria afastar-me da história da Comuna, mas o seu percurso confunde-se com o da companhia que dirige há 50 anos, por isso, pergunto se, para além de Peter Brook, mas também de Ribeirinho (a quem há pouco chamou “mestre”), teve outras figuras referenciais no teatro?
Sim, claro. Aprendi muito com o [Adolfo] Gutkin, com o Pedro Lemos (tão esquecido!) na Companhia Rey Colaço/Robles Monteiro, com a Laura Alves, com a própria Amélia Rey Colaço, com o Rui de Carvalho e com o Canto e Castro, com os quais fiz uma tournée em África e ficámos amigos para sempre…
Voltando à censura, sei que o espetáculo que estava em cena pouco antes do 25 de abril de 74, A Ceia, deu ainda maiores problemas…
Foi terrível. Cheguei mesmo a ser chamado aos censores. Havia uma cena em que o Francisco Pestana interpretava a Igreja e o Melim Teixeira o Estado. Jogavam uma partida de ping pong com a Manuela de Freitas a fazer de rede e a bola, de cor vermelha, era retirada da zona do ventre dela. Então não é que os censores pretendiam saber, veja-se bem, porque é que a bola não era, como convencional, branca mas sim de cor vermelha. Lá lhes expliquei que não podia ser branca porque a mesa e a roupa da Manuela também o eram, mas proibiram-na. Aquilo revoltava-me muito, como aquela coisa de, quando se ia aos ministérios ou aos censores, nos avisarem para deixarmos a “mala de hippie” e irmos de fato e gravata.
Nessa altura ainda não estavam instalados na Praça de Espanha.
Não, isso só acontece mais tarde, em 75. Estávamos numa sala da fábrica da Cervejaria Portugália, na Almirante Reis. Antes disso, a primeira casa da Comuna foi uma garagem em frente ao Liceu Camões, cedida pelo Vasco Morgado, que andava a desafiar-me para fundar uma companhia para ocupar o Capitólio ou o Avenida.
A Comuna é o seu maior orgulho?
A Comuna é um orgulho meu e de muitas outras pessoas, porque sempre fomos um coletivo. O meu maior orgulho foi dar aulas e ter contribuído para formar grande parte dos atores que ai estão. Até porque, para mim, encenar é uma experimentação. No teatro, o centro de tudo é o trabalho do ator.
Mas o talento também conta…
Os atores têm ou não têm alma. Há uns que são muito bons tecnicamente, mas nunca poderão ser uma Eunice Muñoz, uma Mariana [Rey Monteiro] ou uma Carmen Dolores. Por acaso, ainda tenho aqui, na Comuna, alguns atores com essa alma, como o Carlos Paulo e a Ana Lúcia [Palminha].
Este aniversário, este meio século vai ser assinalado com um novo espetáculo. Mas há mais…
Para além da minha encenação do Fausto, estamos a finalizar um documentário sobre a companhia, realizado pelo António Cunha, que será estreado, ainda em data a anunciar, no Teatro Nacional D. Maria II, casa onde me estreei como ator e que dirigi durante três anos. Depois há de ser exibido aqui na Comuna e na RTP 2. Na noite de 30 de abril para 1 de maio, logo a seguir ao espetáculo, vamos fazer uma festa no café-teatro onde gostaria muito de contar com a presença da Manuela de Freitas, atriz que quero homenagear e pessoa a quem, a par de mim e do Carlos Paulo, a Comuna deve tudo.
Ainda acredita num teatro capaz de mudar o mundo?
Sabe, o teatro exige um grande amor, mas um amor apaixonado. E é sempre preciso ter fé e esperança. Eu acredito nos atores com quem trabalho e acredito no público. É essa fé que move a Comuna há 50 anos.
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