Partiu do universo pessoal para contar esta história. O que a levou a fazê-lo?

O filme começou a ser pensado em 2014. Numa conversa com o meu pai e, no meio de assuntos completamente triviais, ele diz-me: “Catarina quero que saibas que o teu avô me pediu para queimarmos a correspondência trocada entre ele e a tua avó, Beatriz.” Achei interessante o meu pai estar a comunicar-me aquilo, como se adivinhasse que aquela ideia me ia cair mal. Lutei contra aquilo, porque não conhecia a minha avó Beatriz e pensava que através da correspondência, a poderia vir a conhecer de alguma forma. Mas o meu pai argumentou que apesar de ser a correspondência dos meus avós, era também a intimidade de duas pessoas. Essa conversa acabou por ser a semente para o filme. Achei que era profundamente injusto uma pessoa morrer duas vezes. Havia a morte física de Beatriz e agora esta morte literária, das palavras que lhe tinham saído das mãos. Comecei a pensar em fazer alguma coisa sobre Beatriz, sobre quem tinha sido esta mulher. Depois o meu pai falou-me de um disco vinil que a minha avó tinha gravado, em 1957, para enviar ao meu avô, que na altura estava no mar: de um lado havia uma espécie de carta de amor e do outro, as vozes dos filhos a saudarem o pai. Esta descoberta comoveu-me profundamente e achei que tinha de fazer o filme.

O filme retrata a sua família, mas, ao mesmo tempo espelha também a história de tantas outras famílias e de uma época. Concorda?

Este filme é sobre uma história completamente banal. Infelizmente muitos já passaram pela morte de uma mãe. O tempo que retrata reflete também aquilo que muitas famílias viveram na época: o ter a figura paterna fora, enquanto a mulher ficava a gerir a casa e os filhos. Foi o que a minha avó fez e tantas outras mulheres. Nos anos 50, 60 e 70, em Portugal, o papel da mulher estava muito relacionado com a ideia de cuidar e não com a de uma carreira, ao contrário dos homens, que no caso do meu avô fez a carreira de almirante na marinha. A História que tem vindo a ser contada é sempre a dos homens que vão para o mar, que vão à descoberta. É um mito que existe na nossa História. A história daqueles que ficam não é contada ou fica em segundo plano.

Como se consegue manter o distanciamento necessário para contar uma história tão pessoal?

Antes de fazer o filme tive uma conversa com a minha família, com o meu pai e com os meus tios, comuniquei-lhes as minhas intenções. Inicialmente acharam fantástico, algum tempo depois questionaram o meu interesse em fazer um filme sobre uma pessoa que eu não conhecia e por fim disseram-me que era uma péssima ideia fazer um filme sobre a mãe deles. (risos) Hoje já me consigo rir, mas na altura fiquei em pânico, porque tinha feito entrevistas extraordinárias com os meus tios, com o meu pai e com outros membros que tinham conhecido a minha avó. Foram entrevistas de uma enorme generosidade, que me deram muito e senti que tinha de partilhar isso de alguma forma. Há claramente uma proximidade, porque é a minha família. Mas este foi um longo processo que durou seis anos até o filme estar pronto. Durante esse período aconteceram muitas coisas. Às tantas o filme foi um bocadinho esquecido por parte da minha família, o que me deu a possibilidade de me afastar e trabalhar sobre estas pessoas próximas. Ao mesmo tempo esse distanciamento permitiu-me também ficcionar. Durante as entrevistas senti que havia coisas que não me contavam. A certa altura achei que havia um enorme segredo que me queriam ocultar. Mais tarde percebi que é assim que as famílias são, uma coleção de segredos. Há coisas que nunca são ditas. Isso também ajudou a distanciar-me e deu-me “carta-branca” para inventar os espaços que estavam por preencher. A informação que me davam e a que não me davam, o conhecer e o não conhecer a minha avó Beatriz, fez com que pudesse criar uma avó Beatriz.

A sua avó era uma mulher extraordinária e a principal força desta narrativa familiar. À medida que trabalhava no filme foi surpreendida por alguma das facetas que a caracterizavam?

Sempre senti que a minha avó era uma espécie de ausência presente. Não se estava sempre a falar dela, mas havia frequentemente referências, uma espécie de campainhas que me chamavam a atenção. Era uma mulher perseverante, de uma grande força. Surpreendeu-me a sua enorme fé em Deus, algo que eu não tenho. Essa fé possibilitava que ela enfrentasse a sua condição de mulher sozinha que cuidava de seis filhos e que tinha o marido em alto mar. Acreditava em Deus, acreditava no amor… Era uma mulher de múltiplas fés. Isso foi surpreendente.

Esta é ao mesmo tempo uma história sobre a perda da sua avó, mas também da sua mãe. Ao contá-la está de certo modo a exorcizar essa perda?

Há um processo de catarse, mas só me foi possível fazer o filme porque a minha mãe morreu há 18 anos, o que é mais de metade da minha vida. Durante um dos momentos mais difíceis na realização do filme a minha terapeuta questionou-me se este filme não seria também uma forma de estar mais tempo com a minha mãe. Isso fez-me pensar que se calhar fazer este filme é uma maneira de estar de facto mais tempo e mais próximo dos meus mortos.

A certa altura no filme revela-nos que depois de ler o guião o seu pai lhe disse que algumas coisas na história não refletiam bem a realidade. Aproveitando esse reparo pode dizer-se que o filme é um documentário ficcionado?

O filme começou por ser sobre a morte de uma mulher, mas para falar disso senti que era preciso explicar a importância que ela tinha. Era necessário falar primeiro sobre a família. Tornou-se visível que iria fazer o filme com os meus primos mais novos, que iriam interpretar os seus avós, que são os meus tios. A partir daí este filme, que ia ser uma coisa documental, passou a ter um lado muito mais ensaístico, muito mais ficcional verdadeiramente.

A natureza é fulcral em toda a história: o mar, as flores, as árvores, os pássaros. É o elemento que caracteriza o meio em que as personagens se movem, mas também as suas emoções, épocas e fases da vida. Porquê esta utilização tão acentuada da natureza?

Numa das conversas com a minha família descobri que a minha avó Beatriz chamava a um dos seus filhos “periquito”, achei delicioso. Ao mesmo tempo há um terreno no Alentejo que a minha família adquiriu e que a minha avó fez um grande esforço para plantar com os filhos. Ainda hoje me comove comer laranjas que foram plantadas pela minha avó, é como se as mãos dela nos continuassem a alimentar. A relação com as árvores, com a natureza, era uma coisa que a minha avó tinha e a minha mãe também. Embora fossem sogra e nora partilhavam isso e era algo que as unia. Não creio em Deus, não tenho essa fé, mas sinto que a natureza nos dá um imenso consolo face à perda, porque há este lado extraordinário: depois do inverno vem a primavera. As coisas morrem, mas depois continuam de uma outra forma. Nesse sentido a natureza acabou por ser uma metáfora para coisas que não fazem muito sentido, como a morte. Mesmo sendo a coisa mais natural da vida, temos uma relação incómoda com a morte.

O texto narrado é de uma enorme beleza poética e há uma simbiose perfeita com a imagem que surge no ecrã. Qual o processo que utiliza para ligar tão bem estes dois elementos?

Escrevi um guião cena a cena onde explicava sobretudo como seria o filme a nível de imagens e tinha uma nota sobre o que seria a voz-off. Filmámos tudo ao longo de três anos, porque queria apanhar as estações do ano. Depois disso fiz um primeiro corte. Quando a montagem estava terminada estive cerca de cinco meses sozinha a escrever. Imprimi todos os stills do filme onde escrevi várias notas e a partir disso nasceu o texto.

A Metamorfose dos Pássaros foi o filme português mais premiado em 2020. O que representam para si estes prémios?

Fico muito grata e comovida com a reação ao filme. Não estava à espera e fiquei muito contente. Percebi que não há língua para a morte, para o sentimento de perda, é uma coisa universal. Continuamos a fazer cinema em Portugal com muito pouco, é um milagre haver cinema em português. O que gostávamos mais era que houvesse um reconhecimento cá dentro, sem menosprezar obviamente os prémios internacionais. Um reconhecimento pelas políticas culturais que não existem, pela defesa do cinema português, do cinema de autor.

Juntos publicaram um livro de fotografias que retrata o bairro de Campolide. Em vossa opinião quais as características essenciais do bairro que o distinguem dos demais da capital?

José Vieira Mendes (JVM): A malha urbana, o facto de estar num dos pontos, ou melhor, numa das colinas mais altas (senão a mais alta colina da cidade, o Alto de Campolide), o facto de ser uma zona de transição e passagem (fica ali à saída da autoestrada para Cascais, fica relativamente perto do centro da cidade), estação dos comboios da Linha de Sintra e onde começa o túnel do Rossio. Poucos lisboetas sabem que existe este túnel. E o facto ainda de se misturarem edifícios e vestígios pombalinos (Alto do Carvalhão, Rua do Arco do Carvalhão), com a modernidade das Torres das Amoreiras, que são vistas quase como nave espacial no centro da malha urbana. Onde está uma grande ícone e monumento da cidade: o Aqueduto das Águas Livres, que sobreviveu ao terramoto de 1755.

Sociologicamente é também um bairro muito interessante, onde persiste ainda um certo status ou estratificação social bem diferenciada: os mais pobres vivem nas habitações sociais do vale (Quinta da Bela Flor, por exemplo), os mais abonados no Alto de Campolide (na Av. Conselheiro Fernando de Sousa e, recentemente, na Nova Campolide). Eu, que pertencia à classe media, vivi e cresci ao meio, no bloco de prédios da Calçada dos Mestres. Apesar da evolução, Campolide permanece um bairro um pouco esquecido, sem grande status (comparado, por exemplo, com Campo de Ourique), envelhecido, sem uma livraria, sem atividades culturais (recordo que foi lá que nasceu o Grupo de Campolide do Joaquim Benite, que deu origem à Companhia de Teatro de Almada), sem uma biblioteca, e também com as velhas coletividades de recreio a definharem, aliás, como o comercial tradicional.

Costumo dizer, meio na brincadeira, que Campolide parece dominada e conhecida por ter um Centro Cultural do Frango Assado, (a Valenciana, que já ocupou um quarteirão e aquele prédio lindíssimo do Alto de Campolide, a velha Pastorinha e, diga-se com mérito, porque tem o melhor ‘frango assado do mundo’!). Nada contra, mas parece que falta, apesar das mudanças, qualquer coisa para ganhar status e cultura de bairro, que creio se foi perdendo. E não é preciso ser popular ou popularucho: simplesmente cultura de proximidade e bairro! Mas creio que há esperança, pois começaram a chegar jovens residentes e franceses, atraídos por preços de habitação e consumo mais baixos (do que Campo de Ourique, que está um bairro completamente afrancesado) e, claro, pelo Liceu Francês, que já existia quando eu era criança e que é uma escola muito boa.

Jorge Lima Alves (JLA): Na minha opinião, Campolide é um bairro desvalorizado, mal conhecido, um pouco à margem da pulsação da cidade. Todos os dias, muitos milhares de pessoas passam por aqui, de carro ou no autocarro, a caminho do centro ou de outros bairros com mais escritórios, mais oficinas e lojas mais modernas. Muitos procuram as Amoreiras ou Campo de Ourique, por exemplo, onde a oferta de bens e serviços é ampla e concentrada. A verdade é que Campolide tem pouco para oferecer ao forasteiro, tirando a sua vida pacata e a sua arquitetura muito particular. Se não há uma livraria ou uma biblioteca, também não há uma piscina, e os parques infantis que existem são inóspitos, pouco adaptados às necessidades lúdicas das crianças, muito expostos ao sol e à poluição causada pelo trânsito. Por isso, aos meus olhos, as vantagens de Campolide são essencialmente a sua centralidade e a paz de que gozam os locais pouco procurados.

Como surgiu a ideia de publicar este livro?

JVM: Foi durante a quarentena, ou melhor, durante os confinamentos. Vivo na fronteira entre Campolide e Campo de Ourique e decidi fazer os meus passeios pelas seis e meia, sete da manhã, já que sempre tive o hábito de acordar cedo. Fascinou-me (cumprindo as regras de não sair muito da minha área de residência) ver as ruas vazias e, por outro lado, reviver as memórias, os locais da minha infância, da Campolide onde vivi até aos 25 anos e onde a minha família chegou há cem e viveu até há pouco mais de três, quando faleceu o meu pai. Não vivendo lá, fui muitas vezes ao bairro para visitar e proporcionar o melhor aos meus pais. Fotografo obsessivamente e tenho mais de mil fotos de Campolide e muitas, mesmo muitas de Lisboa, que faço durante as minhas caminhadas, por uma questão de bem-estar e saúde. Reparei nas redes sociais que o meu amigo Jorge Lima Alves, que vive em Campolide há uns 15 anos, estava a fazer o mesmo: a fotografar o bairro. Quando isto aliviou das limitações sanitárias, desafiei o Jorge (ele já tem uns livros de fotografia publicados, em edições de autor) a fazermos um livro um bocadinho mais ambicioso, onde as nossas perspetivas e fotografias de autor se pudessem destacar. As fotografias acabam por dialogar e complementam-se, com visões e uma vivência diferente do bairro. É bastante divertido e interessante verificar isso, já que as fotografias de um e outro, no livro, só estão identificadas num índice final.

JLA: De facto, foi o José Viera Mendes quem teve a brilhante  ideia de me desafiar para este projeto, que abracei imediatamente por várias razões, como explico no texto de introdução que incluí no livro. Para mim, este projeto é um tributo à nossa amizade e uma forma de eu agradecer ao bairro que me acolheu com simpatia há 15 anos. Algo que não disse nesse prefácio, mas que tenho de dizer agora, alto e bom som: é precisamente o facto de Campolide ser um bairro tão desconhecido dos outros lisboetas que torna esta nossa iniciativa tão importante.

O José Vieira Mendes nasceu em Campolide. De que forma a vivência no bairro moldou o seu crescimento e influenciou o ser humano que é?

JVM: Viver num bairro onde vivem pessoas de estratos sociais e níveis de formação e cultura muito diferenciados, moldou muito a minha maneira de ser. Como estava no meio sempre soube olhar para os que estavam abaixo e para os que estavam acima e aprendi a respeitar todos de igual maneira. Os meus amigos eram de todos os estratos e é curioso que, indiferentemente do seu status, houve vários que ficaram pelo caminho e outros, como eu e o meu irmão (infelizmente já falecido), seguimos as nossas vidas de uma forma estável e, posso dizer, até bem-sucedida.

Há 50 anos, Campolide ficava um pouco afastado do roteiro dos principais cinemas da capital. Como surgiu a paixão de José Vieira Mendes pela sétima arte, e que salas frequentava na infância e adolescência?

JVM: O que está a dizer não é exatamente verdade! O bairro tinha o maravilhoso Campolide Cinema, na Rua Leandro Braga. Aos fins-de-semana realizavam-se matinés duplas a dois escudos e cinquenta centavos. Foi a minha cinemateca de bairro, onde vi grandes clássicos do cinema, de todos os géneros. Era um cinema muito elegante quando foi inaugurado na década de 20, já estava um bocadinho degradado quando eu era miúdo, mas funcionava e estava sempre cheio de miúdos, sobretudo nas matinés. Não havia muito aquela questão das classificações: o irmão mais velho levava o mais novo, mesmo que não fosse irmão de verdade. Encerrou em 1977 (eu tinha 17 anos), o edifício original creio que foi demolido e substituído por uma barracão ocupado por uma tipografia. Tenho fotografias do edifício agora, mas é tão feio, e nada tem nada a ver com o edifício original, que não merece sequer figurar no nosso livro. De qualquer modo, também vivia a 15 minutos a pé (menos de bicicleta ou de motorizada) da Avenida da Liberdade, onde estavam o São Jorge, o Tivoli, o Condes, o Odéon, entre outros (e, mais tarde, a Cinemateca Portuguesa); e também muito perto do Europa e do Paris em Campo de Ourique. Mais uma razão para dizer que Campolide fica perto de tudo, e por isso não se compreende porque sempre foi apenas um bairro popular sem o status de outros bairros de Lisboa. Um bairro um pouco esquecido, lembro-me que quando dizia que morava em Campolide, era quase como viver num ‘bairro de índios’.

O livro está apenas disponível em algumas livrarias de Lisboa.

 

O Jorge Lima Alves nasceu no ex-Congo Belga e viveu em França. Reside em Campolide desde 2005. Que vivências lhe proporciona o bairro que não tenha experienciado nos outros locais onde viveu?

JLA: Tive várias casas em Portugal, nomeadamente em Algés e em Benfica, mas tanto num local como no outro não podia verdadeiramente andar a pé, uma das minhas atividades preferidas. Estava sempre muito dependente dos transportes públicos, pois quase tudo o que me interessava ficava longe da minha residência. Em Campolide posso ir a pé à Gulbenkian, ao Corte Inglês, ao Parque Eduardo VII, às Amoreiras ou a Campo de Ourique, tudo locais onde não me canso de ir. Quase nem sinto a falta do Metro, que é uma das lacunas mais graves desta zona da cidade.

O Jorge é autor, entre outros, de livros de viagens. Em seu entender o que tem Campolide para oferecer ao visitante (nacional ou estrangeiro) que não viva no bairro?

JLA: Uma das razões que nos leva a viajar é a curiosidade, a necessidade de conhecer outras realidades. O que eu sugiro a quem queira conhecer Campolide é que deambule pelo bairro como se estivesse numa cidade estrangeira. Todas as coisas ganham interesse quando nos interessamos por elas. Quem por aqui passeie com os olhos bem abertos, encontrará muito mais do que imagina: as surpresas são constantes e as recompensas mais que muitas.

Como surgiu a vossa paixão comum pela fotografia?

JVM: Falo por mim: sou neto de um dos primeiros ardinas de Campolide e daí nasceu a minha paixão pela leitura e pelas imagens e pelo jornalismo. Trabalhei com o Jorge Lima Alves no Expresso, com quem aprendi muito sobre jornalismo e imagens. Ou seja, como trabalhar com as imagens no contexto de um jornal ou revista, como destacar um artigo ou fazer uma boa capa, por exemplo! Quando tinha 23 anos fiz o Curso de Fotografia do IPF e o resultado é um conjunto de fotografias que só agora vou ter oportunidade de mostrar na exposição Aqui Lisboa: Anos 80, que inaugura no dia 30, no Arquivo Municipal de Lisboa – Fotográfico. Ao longo da minha vida profissional, sobretudo de crítico e jornalista de cinema, tenho uma quantidade enorme de fotografias e reportagens de viagens, espetáculos, festivais de cinema, rodagens de filmes, atores, fotografias de rua que parecem cinema, enfim, um gigantesco portfólio que estou aos poucos a tentar organizar em paralelo com a minha atividade profissional. Digamos que, além das câmaras fotográficas, analógicas e digitais, de que sou colecionador, a câmara de um bom smartphone veio facilitar-me também essa obsessiva relação como o olhar, a fotografia e o cinema.

JLA: Comecei a tirar fotos quando me ofereceram uma máquina fotográfica. Depois, pouco a pouco, comecei a perceber que olhar para o mundo através de uma lente me permitia vê-lo melhor. Para se ser bom fotógrafo é prestar ao mundo a atenção que ele merece. Por exemplo: todas as casas de Campolide têm uma história que aflora na sua fachada. Uma casa é como um rosto, cada uma tem a sua personalidade. Todas, sem exceção, têm pormenores únicos. E depois há as pessoas que, em Campolide, como em qualquer outro lado são fascinantes se repararmos verdadeiramente nelas. No modo como se vestem, como falam, como se deslocam, como comunicam.

Porque consideram Campolide um “bairro fotogénico”?

JVM: Em parte isso está explicado numa destas respostas acima, mas, em síntese, Campolide é um bairro de contrastes a todos os níveis, entre o baixo, o alto, o antigo e o moderno, entre o velho e o novo. São estes contrastes que são revelados nas nossas fotografias, curiosamente num formato quadrado que bem poderia ser o velho 6X6.

Campolide mudou muito nos últimos anos. Houve algo que se tenha perdido e de que sintam saudades? O que falta ainda mudar?

JVM: Mudou muito, sim, e para melhor também, em certos aspetos! Obviamente o que vou dizer não está nas fotografias, porque foram tiradas numa altura muito excecional. Mas uma das coisas que noto é uma população envelhecida e, sobretudo, que faltam crianças no bairro, falta um bom jardim arborizado. Lembro-me que no passeio largo em frente à casa dos meus pais, na Calçada dos Mestres, e nas ruas do Bairro da Calçada dos Mestres, havia sempre muitos miúdos a brincar, a jogarem à bola ou a andarem de bicicleta, com eu e o meu irmão. Agora não se vê ninguém! A Calçada dos Mestres, por exemplo, era uma rua muito movimentada e com muito comércio tradicional, como o Vieira Mendes Alfaiate, o meu pai, as mercearias, os cafés, as drogarias, as lavandaria. Agora, a rua está deserta e a maioria das lojas fecharam. Enfim, acho que se perdeu um bocadinho essa cultura de bairro, o bairro envelheceu. Mas está mais bonito, principalmente o Alto de Campolide, com o quiosque e o regresso dos elétricos 24. Confesso que não sei exatamente o que é preciso mudar para melhorar! Pode ser, pelo menos, que o livro e as fotografias deem notoriedade a Campolide e isso atraia pessoas. Aliás, parece-me que estão a fazer-se novos e modernos empreendimentos imobiliários, e que isso arraste também a cultura e a peculiaridade e a sensação de proximidade e vizinhança que traz o comércio de bairro. Sei que é injusto, mas tenho sempre a forte tentação de comparar com Campo de Ourique, onde vivo desde que sai de Campolide.

JLA: Nos 15 anos em que aqui vivo, não se perdeu nada de essencial, a não ser talvez as agências bancárias Por isso, como disse um famoso poeta, do que tenho mais saudades é do futuro. Campolide merecia mais do que tem tido até agora. É um bairro cheio de potencialidades, porque há ainda muita coisa a fazer aqui. Neste momento, estão a construir-se vários condomínios de luxo e sei que os novos habitantes do bairro vão mostrar-se mais exigentes dos que já cá estão. E isso enche-me de otimismo.

Se vos pedissem para recomendar, de forma sucinta, este livro a um potencial leitor, como o fariam?

JVM: Não se trata de um livro de leitura, portanto não tem potenciais leitores! Tem potenciais visualizadores ou observadores, que também são importantes e pontos de partida para outras viagens pelo bairro. I Love Campolide é um álbum de fotos artísticas, é um livro no qual a fotografia contribui significativamente para o objetivo geral, que é dar uma visão do bairro de Campolide para a memória futura. Um álbum de fotos obviamente está relacionado com as memórias, mas também pode ser usado como um livro de mesa ou objeto de estudo dessa malha urbana e populacional. Para mim, e creio que também para o Jorge, é uma declaração de amor a Campolide, a ‘minha terra’ e a ‘terra onde ele vive”.

JLA: Se gostam de Campolide, este livro é indispensável. Se querem ter uma boa ideia de como é o bairro, espreitem o livro, creio que ele apanha bem a sua “essência”. Ou a sua “alma”, se preferirem. Este livro destina-se ainda a todos os que gostam genuinamente de fotografia e de objetos bonitos.

Na primeira pessoa, Pedro Penim dirige-se à plateia para contar as múltiplas incidências por que tem passado com o marido desde que, há cerca de três anos, decidiram ser pais através de um processo de gestação por substituição, a decorrer no Canadá.

Como esclarece, em conversa com a Agenda Cultural de Lisboa, o monólogo inicial de Pais & Filhos não pretende ser uma “démarche para reivindicar algum direito negado” a casais homossexuais. Antes, é esse prólogo autobiográfico que abre caminho à ficção, neste caso, à adaptação livre de um dos mais famosos romances do século XIX, Pais e Filhos, do escritor russo Ivan Turguéniev.

“Quando há uns dois anos a Aida Tavares [diretora artística do Teatro Municipal São Luiz] me desafiou a adaptar um clássico, assustei-me porque não é algo que esteja habituado a fazer, nem sequer me interessa particularmente”, explica. “Geralmente, nos meus projetos, faço o aproveitamento de um facto biográfico ou de um acontecimento político ou social, qualquer coisa do mundo real, por assim dizer, que me dê vontade de falar sobre.”

Nessa altura, Penim estava “tão emocionalmente envolvido no processo de surrogacy”, ou seja, de gestação por substituição (vulgarmente denominado por barriga de aluguer), que procurava ler tudo o que encontrasse sobre o assunto. E, na teoria queer vem a descobrir pontos de vista dispares sobre a matéria, “uns a favor, outros ferozmente contra”. Dai, assumir a inevitabilidade de “qualquer projeto artístico” em que se envolvesse, acabar “contaminado pelo que estava a acontecer na vida real.”

Um dia, no escaparate de uma livraria, salta à vista do encenador um exemplar de Pais e Filhos, romance que lera no final da adolescência e que poderia ser, “pelo tema, pela abordagem ao conflito de gerações no seio da família, pelo retrato das mudanças sociais, culturais e políticas”, o clássico.

Na peça, Rita Blanco encarna uma atriz de teatro, mãe de uma “niilista queer” interpretada pela atriz João Abreu.

Juntando ao “velho” Turguéniev (que reescreveu ao longo de dois meses, resultando “300 páginas de teatro irrepresentável”) a teoria queer acerca de filiação, parentalidade e família – destacando-se todo um conjunto de interrogações que são levantadas sobre eliminação dos laços de sangue e a abolição da família por autoras como a comunista Sophie Lewis ou a anarquista Alyson Escalante –, Penim construiu um espetáculo que do clássico resgata muito mais do que o título. “Mantive a forma do romance e as personagens principais, dando-lhes o vocabulário e os temas contemporâneos.”

À procura da “nova” família

O monólogo introdutório de Pedro Penim dá testemunho da complexidade, para lá da ciência médica, que acarreta um processo de gestação por substituição (aliás, suficientemente pormenorizado durante o testemunho em nome próprio). Trata-se apenas do ponto de partida para interrogações em catadupa que vão sendo colocadas pelas personagens ao logo da peça. E toda e qualquer certeza pré-concebida que tenhamos acerca do assunto, arrisca-se a ser abalada cena a cena.

“Uma grande virtude do texto”, salienta Hugo van der Ding, ator que representa na peça o marido de Penim, “é entregar a cada personagem as dúvidas e incertezas com que o Pedro se deparou na vida real”. Um exemplo, logo no início: a jovem gestante, Katya (Ana Tang), procura o casal para anunciar que desistiu de fazer parte do processo de surrogacy, independentemente do dinheiro que iria ganhar, o qual, por ser “uma rapariga pobre”, lhe faz falta.

Katya crê numa reação compreensiva por parte do casal, estando certa de que se adotassem “também [iriam] adorar a criança”. Porém a resposta que ouve incide sobre o argumento da “ligação biológica”, depressa considerada pela jovem como resultado de uma noção burguesa e conservadora de família, mesmo que renovada sob a perspetiva daquilo que caracteriza como “o mundo de merda dos veadinhos neoliberais.”

No ato seguinte, o estudante Arkasha (personagem interpretada por David Costa, e que a traço grosso é o ingénuo e idealista Arkádi do romance de Turguéniev) está de regresso a casa do pai (Diogo Bento), trazendo consigo Eugénia, “a camarada” (João Abreu), uma assumida niilista queer que vem anunciar a destruição de toda a infraestrutura do mundo capitalista (para usar a terminologia marxista de onde, aliás, todas as teses expostas descendem).

No topo da lista de Eugénia – personagem que é a versão queer de Bazarov (precisamente, o niilista no romance de Turguéniev) – estão conceitos como género e família, este último referido como o mais influente na perpetuação da ordem social capitalista, não só por simbolizar a reprodução biológica, como a reprodução dos valores sociais. Profundamente influenciado pela amiga “genial” (como o próprio a considera), Arkasha entra em profundo conflito ideológico com a família, sobretudo com o pai, devoto do mais sincero amor filial pelo filho, e com os tios gay, incapazes de compreender como é que a abolição da família pode ser operacionalizada no futuro.

Nestes dois exemplos, condensam-se os polos temáticos da peça, desde os conflitos geracionais (muito bem representados nas diferentes faixas etárias que compõem o elenco) à urgência revolucionária proposta pela teoria queer ao colocar o conceito de família no seu epicentro.

Com engenho, mas sem nunca perder algum sarcasmo, Penim baralha o jogo, trabalhando a harmonia familiar, sublinhada na relação cúmplice e fraterna entre os irmãos, e assim esvaziando de sentido a tese de abolição da família. É verdade que a família pode ser o inferno (a violência doméstica, o carater patriarcal e outros abusos no seio familiar vão sendo referidos ), mas é grande o desconforto que se sente quando se ataca uma instituição geralmente considerada intocável. Afinal, ao pô-la em causa é como se “estivéssemos a atacar quem amamos”, sublinha o encenador.

A atriz Rita Blanco, que na peça interpreta a mãe de Eugénia, e surge como um contraponto à ideia dos laços de sangue significarem necessariamente amor, relembra a experiência, de certo modo desconcertante, por que passou ao chegar aos ensaios de Pais & Filhos. “Ao tomar contacto com toda esta problemática, e refletir sobre estes assuntos, percebi que tinha todo um conjunto de preconceitos que jamais me ocorreu considerar. Alguma vez tinha imaginado questionar a família enquanto instituição?”

Pais & Filhos abre certamente um manancial de questões que servem para indicar caminhos apontados a respostas concretas. E à boa maneira marxista, , confronta a “tese” à “antítese” para projetar uma “síntese”, que mais não é do que uma nova conceção de família, distante da fórmula hierárquica, patriarcal e exclusiva em que a cultura judaico-cristã a concebeu.

Talvez seja “ficção científica”, como se diz no final da peça, mas ao dessacralizar e reinventar o conceito, a “nova” família imerge mais igualitária, mais plural e mais justa. E, inevitavelmente, abre o caminha à esperança naquilo que podemos vir a conceber como um mundo melhor.

A presente seleção de miradouros percorre, de oriente a ocidente, a paisagem ao longo do rio.

1 – Telecabine de Lisboa

Parque das Nações | ©Humberto Mouco

A oriente, esta instalação de 40 cabines suspensa a 30 metros de altura do rio, não sendo propriamente um miradouro, possui uma das melhores vistas da cidade. Num percurso de 1230 metros, avista-se o estuário, os jardins, o Oceanário, o Pavilhão de Portugal, a Doca dos Olivais, a Ponte Vasco da Gama, entre outros pontos de interesse.

https://www.telecabinelisboa.pt
Parque das Nações. Passeio de Neptuno – Estação Sul (próximo do Oceanário)
Tel. +351 218 956 143
Horário: Varia ao longo do ano. Consultar o site antes da visita. Entrada paga.

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2 – Terraço do Panteão Nacional – Igreja de Santa Engrácia

Panteão Nacional | ©Francisco Levita

A igreja de Santa Engrácia, fundada na segunda metade do século XVI, foi reconstruída nos finais do século XVII. Em 1906, foi-lhe atribuída a função de Panteão Nacional.
O edifício de arquitetura barroca e planta de cruz grega, situado em local privilegiado, possui um terraço com uma vista excepcional sobre a cidade e o rio.

Campo de Santa Clara
Tel. +351 218 854 820
Horário: De 3ª feira a domingo, 10h-13h (última entrada às 12h40) e 14h-17h (última entrada às 16h40). Encerrado: 2ª feira, 01/01, domingo de Páscoa, 01/05, 13/06 e 25/12. Entrada paga.

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3 – Miradouro das Portas do Sol

Miradouro de Santa Luzia | ©Francisco Levita

Continuando na zona oriental da cidade, o Miradouro das Portas do Sol possui uma das vistas mais icónicas de Lisboa, sobre o tradicional e labiríntico bairro de Alfama e o rio Tejo. O seu nome deriva da antiga Porta do Sol, uma das antigas entradas da primitiva muralha de Lisboa. No largo, existe uma estátua do padroeiro da cidade, São Vicente.
Muito perto, situa-se o miradouro de Santa Luzia, adornado de pérgulas de flores e painéis de azulejos decorativos, com uma vista pitoresca sobre os telhados de Alfama e o rio.

Largo das Portas do Sol, Alfama
Horário: 24h

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4 – Miradouro do Castelo de São Jorge

Castelo de São Jorge | ©Francisco Levita

Considerado por muitos o mais importante miradouro de Lisboa, com uma vista panorâmica sobre a cidade, daqui avista-se a Baixa Pombalina, o Convento do Carmo, o Chiado, Alfama, a Sé, o Campo de Santa Clara, a Basílica da Estrela, o Parque Eduardo VII, o rio Tejo e a outra margem, além de muitos outros pontos de interesse.

Rua de Santa Cruz
Tel. +351 218 800 620
Horário: Todos os dias. De 01/11 a 28/02 – 09h-18h. De 01/03 a 31/10 – 09h-21h (últimas entradas 30 minutos antes da hora do fecho)
Encerrado: 01/01, 01/05, 24, 25 e 31/12. Entrada paga.

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5 – Miradouro do Elevador de Santa Justa

Elevador de Santa Justa | ©Francisco Levita

Inaugurado em 1902, o Elevador de Santa Justa, de estilo neogótico, é um dos poucos exemplares da arquitetura do ferro da cidade, sendo atualmente o único elevador de ascensão vertical em Lisboa. O miradouro situa-se no terraço do edifício, a 45 metros de altura, e oferece uma panorâmica extraordinária sobre o Convento do Carmo, o Rossio, o Teatro Nacional Dona Maria II, a Baixa Pombalina, o Castelo de São Jorge, a Sé e o rio.

https://www.carris.pt
Rua de Santa Justa, entre os nºs 94 e 103
Tel. +351 213 613 000
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6 – Miradouro do Jardim de São Pedro de Alcântara

São Pedro de Alcântara | ©Francisco Levita

O Jardim António Nobre (também conhecido por Jardim de São Pedro de Alcântara), de inspiração romântica, foi construído no século XIX. Tem um miradouro de onde se contempla uma panorâmica ímpar sobre Lisboa, com vista sobre a Praça dos Restauradores e Avenida da Liberdade, áreas novas da cidade a norte, colina do Castelo, Baixa, Mouraria, Alfama, rio Tejo e margem sul. Um telescópio e um mapa em azulejos facilitam a identificação de alguns locais.

Rua de São Pedro de Alcântara
Horário: 24h
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7 – Miradouro da Rocha do Conde de Óbidos

Rocha Conde de Óbidos | ©Humberto Mouco

Situado no Jardim da Rocha do Conde de Óbidos (também conhecido por Jardim 9 de Abril ou Jardim das Albertas) e ao lado do Museu Nacional de Arte Antiga, o miradouro possui uma vista panorâmica sobre o porto e o rio Tejo, a Ponte 25 de Abril e a margem sul. Ao fim da tarde, a paisagem que daqui se avista, torna-se ainda mais bonita. Duas escadarias permitem o acesso à Avenida 24 de Julho, junto do Cais.

Miradouro da Rocha de Conde de Óbidos
Rua Presidente Arriaga
Horário: 24h
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8 – Miradouro do Padrão dos Descobrimentos

Padrão dos Descobrimentos | ©Francisco Levita

O Padrão dos Descobrimentos, edifício isolado à beira-rio, evoca a expansão ultramarina portuguesa. O monumento, na forma de uma caravela estilizada, eleva-se a mais de 50 metros de altura e possui, no seu terraço, um miradouro cuja vista magnífica abrange Lisboa, o rio, a Ponte 25 de Abril e a margem sul do Tejo.

Avenida Brasília
Tel. +351 213 031 950
Horário: março a outubro – todos dias – 10h-19h (última entrada 18h30)
novembro a fevereiro – De 3ª feira a domingo – 10h-18h (última entrada 17h30)
Encerrado: 01/01, 01/05, 24, 25 e 31/12. Entrada paga.

“O teatro como lugar de questionamento e reflexão”, assume a diretora artística Aida Tavares, é a trave-mestra da Temporada 2021/2022 do Teatro São Luiz. E esse lugar começa já a perfilar-se com o primeiro espetáculo a subir ao palco da Sala Luís Miguel Cintra (a principal do teatro municipal). Pais e Filhos, projeto nascido do desafio feito há dois anos por Aida Tavares a Pedro Penim no sentido de adaptar um clássico, tornou-se algo mais do que trazer o influente romance de Ivan Turguéniev para o teatro.

Para este espetáculo, Penim agarrou num facto autobiográfico, como a vontade de abraçar a paternidade, e expôs o processo a que recorreu – a vulgarmente chamada “barriga de aluguer” – para abordar teses tão controversas como a da abolição da família. E ao reescrever a primeira adaptação que fez de Turguéniev (que “resultaria numa peça com umas cinco horas de duração” como o próprio confessa), foi “integrando esse assunto do foro intimo e pessoal e outros contributos”, lançando as bases para uma peça que, à boleia de um clássico, apela à reflexão sobre o modo como se entende a parentalidade e o conceito de família nos nossos dias.

Da noção de família para o meio educativo, que dela parte para a escola, e numa temporada em que a programação Mais Novos alarga o seu âmbito à criação para a adolescência, a diretora artística destaca o novo espetáculo dos criadores de Montanha Russa, Inês Barahona e Miguel Fragata, que em março do próximo ano estreiam Má Educação – Peça em 3 Rounds. “Da mesma forma que o Pedro Penim questiona a noção de família, este espetáculo vai fazê-lo com o tema da educação, propondo uma reflexão sobre o modo como se educa e para quem se educa, hoje”, sublinha Aida Tavares. A propósito do espetáculo, a 9 de março, o São Luiz recebe uma conferência com o desafiante título O meu Ministério da Educação.

A aposta em dar enfase a temas que partem da intimidade e da vida privada para entrar na esfera pública, e consequentemente política, está também vincada no ciclo, agendado para dezembro, dirigido por Daniel Gorjão e o Teatro do Vão, Um Coração Normal. Através de dois espetáculo (Vita & Virginia, de Gorjão, a partir da correspondência entre Virginia Woolf e Vita Sackville- West; e Gejaco, de João Villas-Boas, a propósito do processo interior de assunção da homossexualidade), e uma conversa informal que alia testemunhos na primeira pessoa e a voz de especialistas, abordam-se temas relacionados com identidade de género.

“Fraternité, Conte Fantastique”, de Caroline Guiela Nguyen ©Christophe Raynaud de Lage

Nunca indiferente ao questionamento e ao debate está Miguel Bonneville, artista que rasura o nome próprio como expressão de alguém que está em permanente transição, e que neste arranque de temporada veste o papel de curador do ciclo Recuperar o Corpo. Assumindo este protagonismo como uma continuação do seu trabalho enquanto criador, Bonneville reúne sete solos marcantes da performance em Portugal, para procurar refletir sobre a relação “entre arte e corpo” e a “necessidade de entender o ser humano e a relação com o seu corpo próprio.”

Recuperar o Corpo percorre cerca de 20 anos de performance, desde Notforget-Not Forgiven (1999) de Carlota Lagido a Julieta Bebe uma Cerveja no Inferno (2018) de Tiago Vieira, que abre o ciclo a 30 de outubro. Até 14 de novembro, voltam ao palco Maria Duarte com A Balada e Morte do Porta Estandarte Christoph Rilke, Odete com Anita escorre branco, Sónia Baptista com Haikus, Mónica Calle e Rita Só com Interior e Tiago Barbosa com A Grande Sombra Loira.

Para fechar o capítulo dos grandes ciclos (pelo menos para já), Aida Tavares destaca uma programação ainda em construção, comissariada por Tiago Bartolomeu Costa, que visa celebrar os 48 anos do 25 de Abril. “Uma celebração fundamental, mais a mais no preciso ano em que a democracia ultrapassará em longevidade a ditadura, a que demos o título de Mais Um Dia“. Para além de muito debate, reflexão e pensamento (sobretudo num teatro que coabitou, paredes-meias com a sede da polícia política do salazarismo), o ciclo inclui música – um especialíssimo concerto encenado de Luca Argel -, o regresso ao palco do espetáculo de Joaquim Horta Memórias de uma falsificadora, a partir do livro autobiográfico de Margarida Tengarrinha; e a estreia em Portugal de um dos espetáculos sensação do último Festival d’Avignon: Fraternité, Conte Fantastique, peça escrita e dirigida por Caroline Guiela Nguyen, que apenas uma semana antes levará o aclamado Saigão ao Teatro Nacional D. Maria II.

Regressos com estreias e muita música

A marcar a temporada, o São Luiz volta a ser palco dos novos trabalhos de alguns dos artistas “muito da casa”: Cristina Carvalhal apresenta, já este mês, Sou uma ópera, um tumulto, uma ameaça; Rita Calçada Bastos prossegue o seu tríptico (semi-auto) biográfico, iniciado em Eu Sou Nina, com Eu Sou Clarice, dedicado à vida e obra de Clarice Lispector; o coreógrafo Victor Hugo Pontes volta a trabalhar com Joana Craveiro em Meio no Meio; e Ricardo Neves-Neves dirige a Companhia Maior, numa criação ainda sem título definido que estreia no final de junho de 2022.

Também regressam ao teatro municipal Rogério de Carvalho e o Teatro Griot, com Uma Dança das Florestas, de Wole Soyinka; António Pires com Senhora Weigel – A Última Refeição, de António Cabrita; Leonor Keil com Histórias de Além Terra; ou Jorge Silva Melo e os Artistas Unidos numa nova incursão à obra fundamental de Noël Coward, com a peça Vida de Artistas.

Para além do teatro e da dança, o São Luiz é palco de inúmeros concertos. Nos três primeiros meses do ano, destacam-se as homenagens a Manuel Alegre, nos 85 anos do poeta (6 de outubro); ao maestro Christopher Bochmann, com a Orquestra Sinfónica Juvenil que o próprio dirige (31 de outubro); e a José Saramago, celebrando o centenário do nascimento do escritor (16 de novembro). O fado faz-se ouvir nas vozes de Gil do Carmo (4 de dezembro) e Marco Oliveira (5 de dezembro). A fechar o trimestre, em duas noites (20 e 21 de dezembro) que prometem ser inesquecíveis, os Dead Combo despedem-se definitivamente dos palcos, colocando ponto final a um percurso notável de 18 anos de carreira.

Toda a programação pode ser consultada no site oficial do São Luiz.

A menos de um ano de assumir a direção artística do Festival d´Avignon, Tiago Rodrigues prepara-se para passar a “pasta” ao também ator, encenador e dramaturgo Pedro Penim, que assumirá, já a partir do próximo ano, a condução dos destinos do Teatro Nacional D. Maria II (TNDM II). Para os próximos meses, Rodrigues preparou uma programação que compreende cerca de três dezenas de produções, muitas delas prometendo ser momentos altos da temporada cultural lisboeta. O arranque da Temporada 2021/2022 acontece já no próximo dia 23, com a estreia mundial de Andy, a primeira incursão do cineasta norte-americano Gus Van Sant no teatro.

Como sublinha Rodrigues, “esta é uma temporada para encapsular as anteriores”, sublinhando e consolidando aquela que tem sido a matriz do TNDM II desde o último trimestre de 2014, quando assumiu funções. Ou seja, um teatro “aberto e plural” que não se limita às paredes do edifício do Rossio e se estende em rede pelo país e o mundo, um teatro que sublinha “o património literário e dramático da humanidade”, embora esteja sempre aberto às “novas palavras”, através das cada vez mais “plurais escritas do teatro contemporâneo.”

A programação gizada para a atual temporada é particularmente representativa de todas essas características. Há Gil Vicente (Pranto de Maria Parda segundo Miguel Fragata), Dante (o capítulo final, ou seja, o Paraíso, do tríptico A Divina Comédia, pelo Teatro O Bando) ou Molière (a assinalar os 400 anos do nascimento do comediógrafo francês, Tónan Quito dirige O Tartufo, no âmbito do projeto Nós). E por falar em clássicos, há também o muito aguardado O Cerejal, de Anton Tchékhov (9 a 19 de dezembro), protagonizado por Isabelle Huppert e dirigido por Tiago Rodrigues, numa grande coprodução entre o TNDM II e vários teatros franceses (com o Odéon-Théâtre de l’Europe, à cabeça).

A peça de grande sucesso de Tiago Rodrigues “Catarina e a beleza de matar fascistas” regressa em 2022. ©Pedro Macedo

Pelo TNDM II vão ainda passar as mais recentes criações de alguns dos mais consagrados criadores e companhias portuguesas – como Joana Craveiro e o Teatro do Vestido (Juventude Inquieta), Miguel Seabra e o Teatro Meridional (Ilhas), Jorge Andrade e a mala voadora (OFF e Cornucópia) ou Nuno Cardoso e o Teatro Nacional de São João (Espectros de Ibsen) – a par de algumas das vozes mais emergentes do teatro português da atualidade – Os Possessos, com uma criação de Catarina Rôlo Sagueiro e Leonor Buescu (Ainda Marianas, a partir das Novas Cartas Portuguesas), a Aurora Negra de Cleo Diára, Isabél Zuaa e Nádia Yracema (Cosmos) e Sofia Santos Silva, vencedora da quarta edição da Bolsa Amélia Rey Colaço, promovida pelo TNDM II (Another Rose). Destaque ainda para novas criações de Pedro Gil (O Inesquecível Professor), Isabel Abreu (com o projeto online Diários da Peste), Cláudia Lucas Chéu e Albano Jerónimo (Orlando), Hotel Europa (Esta é a minha história de amor) e Marta Carreiras e Romeu Costa (Maráia Quéeri).

No plano internacional, e para além do TNDM II continuar a ser palco de acolhimento de excelência de diversos espetáculos integrados no Alkantara Festival, FIMFA Lx, Festival de Almada ou no novíssimo Feminist Futures Festival (projeto em rede que alia 11 instituições de igual número de países em torno da criação feminista), os grandes destaques vão para a estreia em Portugal do espetáculo Saigão, escrito e encenado por Caroline Guiela Nguyen, e que se tornou, desde a estreia em 2017, um dos maiores sucessos de público e de crítica em França; e para o regresso do coreógrafo congolês Faustin Linyekula com o inédito Lisbon, My Lisbon. Nota ainda para o reagendamento de O Silêncio e o Medo, arrojada peça em torno da cantora norte-americana Nina Simone, assinada por um dos mais promissores autores do atual teatro europeu, o francês David Gelson.

A temporada é ainda marcada por regressos a palco de várias espetáculos que conquistaram o público nos últimos tempos. Marlene Monteiro Freitas volta a apresentar Bacantes – Prelúdio para uma purga e António Fonseca volta à integral de Os Lusíadas. Em junho do próximo ano, e depois de correr o país e alguns dos principais palcos da Europa, Catarina e a beleza de matar fascistas, a aclamada e aplaudida peça de Tiago Rodrigues, sobe ao palco da Sala Garrett para uma curtíssima temporada (6 a 10 de julho de 2022).

Mas, a esse propósito, há uma boa nova, sobretudo para quem acusa as salas de espetáculos das “temporadas relâmpago”: já em janeiro próximo nasce a parceria D. Maria Matos que, unindo o TNDM II ao Teatro Maria Matos (atualmente gerido pela Força de Produção), visa prolongar “a vida dos espetáculos na cidade”. A peça Última Hora, escrita por Rui Cardoso Martins, encenada por Gonçalo Amorim e protagonizado por Maria Rueff e Miguel Guilherme, é a primeira a merecer uma temporada extra.

Toda a programação, incluindo outros espetáculos programados e as mais variadas iniciativas do TNDM II, encontra-se disponível aqui.

Louise Glück

Vita Nova

No livro de poemas Meadowlands, publicado em 1997, Louise Glück, Prémio Nobel de Literatura 2020, registava o colapso do seu casamento, um ano depois do seu traumático divórcio (“E no centro do eu, / uma mágoa a que não pensei jamais sobreviver”). Vita Nova (1999), o livro subsequente, é dedicado ao tema do recomeço, ao início de uma nova vida (“Só porque / o passado é mais longo que o futuro / não quer dizer que não haja futuro”). Nesta obra austera, a grande poeta desnuda as feridas da alma através de um doloroso e incessante exercício de autoconhecimento, mantendo o habitual paralelismo com a mitologia clássica. Orfeu é, aqui, o mito referencial: como ele, Louise Glück perdeu o seu amor (“Diz-lhes que perdi o meu amor / que estou agora completamente só. / Diz-lhes que não há música assim / sem dor real.”) e atravessou o Inferno (“Não o fim da carência, mas carência / elevada ao máximo poder”). Finalmente, canta a “Vita Nova”, o “desejo de sobreviver / que é penso eu, o desejo humano mais profundo” e a capacidade “de olhar em frente” de “olhar para o mundo” e “de me mover até ele”. Tradução de Ana Luísa Amaral. Relógio D’Água

Muhammad Chukri

Pão Seco

Pão seco é como refere o tradutor desta obra, Hugo Maia, pão “sem conduto, em especial o pão dos pobres. Chukri via no pão seco a imagem por excelência da pobreza extrema”. De facto, a fome marca presença nesta narrativa desde a sua primeira página: “É a fome no Rife. A seca e a guerra. Uma tarde, não consigo parar de chorar. A fome dá-me dores. Chupo os dedos sem parar.” Relato autobiográfico do escritor Muhammad Chukri (1935-2003) dos seis anos de idade até aos 21, quando decide aprender a ler, descreve a sua errância de vagabundo e a sua vida de pequeno criminoso, revela a sua revolta contra a tirania do pai e de Deus, que aos seus olhos assumem a mesma prepotência (“O meu pai assemelha-se a Deus, aos profetas e aos santos.”) e aborda, de forma explícita e amoral, assuntos tabus no mundo árabe: álcool, drogas e sexo (incluindo prostituição e homossexualidade). Fá-lo com um desalinho narrativo, uma crueza de linguagem e uma indisciplina gramatical que desafiaram a tradição. Publicado originalmente em 1973, na tradução inglesa de Paul Bowles, só em 1982 conheceu uma primeira edição em árabe. Entretanto, tornou-se uma obra de culto e um pilar da literatura marroquina e árabe contemporânea. Antígona

Covadonga Valdaliso

Museus de Lisboa

Por que razão as visitas aos museus não fazem parte da rotina quotidiana dos lisboetas? A diversidade de museus é enorme e o preço médio dos bilhetes 5 euros. Este livro, escrito a partir de visitas realizadas aos museus de Lisboa, menciona mais de setenta e assume-se como um convite aberto “materializando em palavras, impressões e intuições, procurando conexões e mostrando alguns dos infinitos percursos que podem ser desenhados, e transitados, a partir destes espaços anarquicamente espalhados pelo mapa da cidade”. Terminadas as visitas, a autora conclui: “Guardar para aprender e não ignorar é ainda, sem dúvida um dos principais objectivos dos espaços museológicos, Achar o desconhecido, recuperar o esquecido e mostrar o compreendido são, em muitos casos, tão importantes como admitir o que não se sabe e oferecer ao visitante facilidades para que ele próprio interrogue, investigue e discuta os discursos e as peças”. Porque, afinal, o legado dos construtores da cidade e dos que “criaram a substancia que dá forma aos alfacinhas de gema” está nas salas dos museus e não é possível conhecer a cidade sem as visitar. Fundação Francisco Manuel dos Santos

Lídia Jorge

Marido e Outros Contos

Quando este volume de contos (o primeiro de Lídia Jorge, após vários romances de sucesso) foi inicialmente editado, em 1997, nenhum dos textos reunidos era inédito. Uns tinham sido publicados em revistas e jornais (Visão, Vértice, Colóquio-Letras, Jornal de Letras), outros em livro, isolados ou em coletâneas. São por isso aparentemente muito diferentes entre si. Uma mulher submete-se à brutalidade do marido (no conto que dá titulo à compilação), um professor procura a presença de Deus no voo dos pássaros, uma sobrinha relembra a história de amor por um tio, uma visitante relata uma cena de perversão entre jovens num trigal, a narrativa de um antigo nadador salvador por quem cinco jovens se apaixonam… Existe, porém, um traço de união comum que, segundo José Nobre da Silveira, se materializa num conjunto de vozes cúmplices, de tonalidades irónicas “que indicam um projecto de denúncia que subjaz a toda a encenação narrativa: a beleza e o bem, tal como a escuridão e o mal, estão, de alguma forma, ocultos, são a perdição das figuras, mas também o que determina a sua sobrevivência em vários territórios de afirmação, o seu único retrato.” Dom Quixote

Michel Houellebecq

Intervenções

Neste volume está  contida a mais completa seleção de textos dispersos e de entrevistas com Michel Houellebecq, pela primeira vez disponíveis em Portugal, mas que em França já tinham conhecido publicações em 1998 e em 2009 (aumentada). Na prática o livro poderia chamar-se “Intervenções 3”, mas seguiu-se a simplificação adotada pelos franceses, e ainda bem. A cada dez anos, o conteúdo cresceu cerca de 50%, para enorme satisfação dos leitores de Houellebecq que, caso não conheçam as brilhantes entrevistas que aqui se incluem, irão provavelmente considerá-las o material mais precioso do livro. E com razão. Conversas de fundo com Jean-Yves Jouannais e Christophe Duchatelet (por alturas do primeiro romance, Extensão do Domínio da Luta); com Christian Auchier (no tempo de Plataforma); com Frédéric Beigbeder (o mais temido e o melhor crítico literário francês, segundo Houellebecq); com Marin de Viry e Valérie Toranian (à época de Submissão); e com Agathe Novak-Lechevalier (a mais recente, feita para o online e nunca antes publicada em papel). Alfaguara

Boris Vian

Vercoquin e o Plâncton

Boris Vian (1920/1959) foi escritor e músico, autor de Outono em Pequim, O Arranca Corações e A Espuma dos Dias, trompetista numa orquestra de jazz, compositor de canções. Os seus provocatórios romances surgem carregados de violência, erotismo e humor sardónico, num estilo pleno de trocadilhos, jogos de palavras e inovações linguísticas, que prenuncia os movimentos de contracultura dos anos sessenta. Tendo sofrido as consequências da vida entre as duas Guerras Mundiais, o antimilitarismo é um dos aspectos relevantes da sua obra que combina realismo com delírio onírico. Vercoquin e o Plâncton, de 1941, é o primeiro romance de Vian. O Major, personagem recorrente nas obras do autor, conhece a jovem e bela Zizanie e resolve pedi-la em casamento ao seu tio, vice presidente da CNU (Consórcio Nacional da Unificação), deixando-se absorver pelos procedimentos burocráticos da organização. O romance evoca o ambiente efervescente que se vivia em Paris no final da ocupação nazi: a acção decorre entre duas loucas surprise parties, popularizadas nesta época, espécie de assalto carnavalesco espontâneo a uma casa particular, sem conhecimento do proprietário. E-Primatur

Johanna Schaible

Era uma Vez (e muitas outras serão)

Johanna Schaible é uma artista e ilustradora residente na Suíça. O seu trabalho move-se entre as fronteiras da ilustração, da arte e do design. É graduada pela Escola de Arte e Design de Lucena, na Suíça. Em 2019, o seu projeto para o livro “Era uma vez (e muitas outras serão)” foi selecionado para o Unpublished Picturebook Showcase da plataforma Dpictus. Há milhares de milhões de anos, formaram-se os continentes. Há milhões de anos os dinossauros habitaram a Terra. Há milhares de anos, construímos as pirâmides. Há cem anos, as viagens demoravam muito tempo. Há um mês, ainda era outono. O que vais fazer amanhã? Como irás celebrar o teu aniversário para o ano? Onde vais viver daqui a 10 anos? O que desejas para o futuro? Um conjunto de questões, admiravelmente ilustrado, suscita uma reflexão para todas as idades sobre a passagem do tempo: o que já aconteceu, “o aqui e agora”, e sobretudo o que queremos, a partir deste instante, construir para o futuro. De acordo com a crítica da Swedish Library Review este é “um álbum filosófico, único: daqueles que se encontram apenas um em cada mil!” Planeta Tangerina 

O facto de ser filho de um músico influenciou o seu percurso?

Influenciou muito. A minha casa era uma casa de música. Mais do que cantor e instrumentista, o meu pai era compositor. Era uma profissão muito daquela época, hoje em dia já não se encontra muito. Não era artista de se apresentar ou tocar ao vivo, ele compunha as músicas e mandava-as para os cantores daquela altura. Era muito interessante, ele frequentava muitos saraus, rodas de samba… Nos estúdios de gravação havia umas salas que os compositores frequentavam para se encontrarem com os cantores e para lhes mostrarem as músicas. Eu ia muitas vezes com o meu pai porque gostava de assistir às gravações no estúdio. Para mim era um acontecimento incrível. A experiência no estúdio é muito sensorial, como se entrássemos dentro do som. Naquela época (final dos anos 70 e início dos anos 80), era incrível poder assistir aos músicos a gravarem presencialmente. O samba, que era o meio onde o meu pai estava mais inserido, é um meio muito alegre, as pessoas são muito divertidas. Tive contacto com vários instrumentos, fui aprendendo sem me aperceber.

Quando percebeu que esse seria também o seu futuro?

Sempre soube. Também gostava de desenhar e pintar e houve uma altura em que me dediquei mais à pintura do que à música. A determinada altura entrei numa escola não convencional, mais experimental, no Rio de Janeiro. Foi ali que, com 12/13 anos, conheci algumas pessoas que são meus amigos até hoje e que são músicos, como o Moreno Veloso. Havia muitos filhos de músicos nesta escola, e estas pessoas também me puxavam para a música.

A sua vida gira à volta da música e das artes visuais. Estes dois universos alguma vez entram em choque ou, por outro lado, são um complemento um do outro?

Acho que está tudo interligado. Temos a capacidade de ser cada vez mais renascentistas, no sentido de podermos ampliar o nosso conhecimento. Acho que todo o tipo de manifestação artística vem do mesmo lugar, o que muda é a forma. A música tem uma forma, a arte visual tem outra. A música, no Brasil, é sempre um encontro, são gerações que se encontram, é algo muito atrativo, muito forte. Já o processo das artes visuais é mais solitário, embora haja coletivos de artistas plásticos. Participo em alguns (aqui em Portugal, com Tomás Cunha Ferreira e no Brasil com outros parceiros). Gosto de ambos, complementam-se, só que a música tem uma demanda de tournées em que se acaba por perder aquela rotina de trabalho das artes visuais. Fica-se muito tempo sem fazer e depois demora até conseguir retomar essa rotina.

Também compõe bandas sonoras para teatro, dança e instalações. De todos os processos criativos, qual lhe dá mais prazer?

Só consigo ter alguma paz existencial se houver alguma ideia a fermentar, alguma coisa a acontecer, porque obriga-me a pensar e é isso que alimenta a vida. Mesmo quando não tenho nenhum projeto, como aconteceu durante o confinamento, tive que inventar. Comecei a compor música nova, conectei-me com outros compositores. É um processo que é contínuo e que nunca termina, não tira férias.

Já trabalhou com diversos artistas como Adriana Calcanhoto, Moreno Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, entre muitos outros… Houve alguém que tenha marcado particularmente o seu percurso?

Tive muita sorte de encontrar e de trabalhar com pessoas que admiro muito, como Gilberto Gil. No caso do Caetano Veloso, por exemplo, antes de ser artista era pai do meu amigo (Moreno Veloso), sempre tive uma grande convivência com ele, ensinou-me muito. Adriana Calcanhoto também foi muito importante, fizemos muitas tournées juntos. Também trabalhei com Domingos de Oliveira (dramaturgo e poeta). São artistas dos anos 60, que criaram a contracultura, a quem devemos muito hoje, todas as nossas vitórias sociais partiram dessa liberdade e da visão do mundo que eles trouxeram. Ter a oportunidade de trabalhar com estas pessoas foi determinante. Eles são muito livres, são generosos. Se nos convidam para trabalhar com eles é para colaborar, não é para nos dizer o que temos de fazer e isso é muito generoso.

“No Brasil, a música é sempre um encontro, é algo muito atrativo, muito forte”.

Raio é o seu terceiro disco em nome próprio. O que inspirou este trabalho?

Estou sempre a fazer músicas novas e a pensar na possibilidade de um disco. Acho que o disco tem um formato equivalente a um filme ou um quadro. Gosto de pensar na relação das músicas, no lado A, no lado B… Quando tenho um bom conjunto de músicas começo a gravar, mas de forma lenta porque também nunca tenho orçamento para fazer tudo de uma vez. O disco vai amadurecendo, vai crescendo, algumas coisas deito fora, outras refaço. Em relação a este disco, Raio, houve duas coisas que o impulsionaram: uma foi o convite de Lúcia Koch (artista plástica brasileira) para a Bienal de Kansas City. Ela queria fazer uma instalação de arte que tivesse música. Eu compus seis músicas, fizemos uma mixagem em 5.1 e enterrámos, como se fossem uns cogumelos de som. As pessoas que passassem por ali, se quisessem ouvir, tinham que circular. Não era a música inteira que passava pelas pessoas, mas sim as pessoas que tinham que procurar os arranjos andando mais para a direita ou mais para a esquerda, para ter uma ideia da totalidade da música. Fiz os temas e, entretanto, mudei-me para Lisboa e comecei a trabalhar nuns trechos de letras. Outro fator que influenciou este álbum foi o facto de, nos últimos anos, eu ter tido bastante convivência com alguns indígenas brasileiros, sobretudo o povo Huni Kuin. Foi uma verdadeira escola porque eles têm uma visão e uma perspetiva do mundo muito diferente. Estão sempre a partilhar ensinamentos, e às vezes fazem-no de uma forma não verbal, foi algo que me influenciou muito. A arte e a cultura deles são muito antigas, influenciaram muito este disco.

Mudou-se recentemente para Lisboa. De que forma é que esta nova experiência influencia o seu trabalho?

Influenciou muito. No processo artístico podemos ter as nossas raízes, que reverberam ao longo da nossa vida, mas o lugar onde vivemos é muito determinante. É o ar que se respira, a comida que se come, a língua que falamos… Cheguei cá, escrevi algumas músicas, gravei-as, comecei a trabalhar com pessoas de cá e também com brasileiros que moram aqui e tudo isso influencia o trabalho de um artista.

Isso quer dizer que podemos esperar, daqui a algum tempo, um disco inspirado em Lisboa?

Já tenho as músicas feitas [risos]…

No concerto de lançamento deste disco, que acontece em setembro, no Teatro Maria Matos, conta com a colaboração de vários outros músicos. O palco é para estar rodeado de amigos?

Com certeza. A música também é isso: estar ali, naquele momento, a dividir o palco. Com esta crise que se vive atualmente no Brasil, com este novo direcionamento fascista, muitos brasileiros estão a mudar-se para Portugal. Músicos como Ricardo Dias Gomes, João Erbetta, Cláudio Andrade (meu colega de escola)… há muitos músicos brasileiros que moram cá já há algum tempo.

Pegando nessa questão política de que falava, nos movimentos de extrema-direita que têm surgido um pouco por todo o mundo, acha que os artistas – músicos em particular – devem usar a sua voz como forma de combate?

Sem dúvida nenhuma. Quando as coisas estão bem não precisamos de pensar em política, mas quando as coisas correm mal, tudo o que fazemos transforma-se em política nas coisas mais fundamentais, como amar alguém, ter liberdade de fazer música ou querer proteger a floresta. Coisas que são tão óbvias, de repente passaram a ser atos políticos. A arte é o outro lado da moeda do fascismo, é o extremo-oposto. Toda a gente passa a ser um soldado, uns com mais destaque, outros com menos, mas todos a lutar para derrubar o sistema, para poder transformar essa maldade em adubo que possa florescer numa sociedade melhor. É como se tivéssemos uma panela na mão para as pessoas acordarem. Não podemos ficar adormecidos neste período tão determinante da História da Humanidade.

A música salva?

A música estabelece pontes entre essas culturas que conseguiram permanecer conectadas com a natureza e com a própria ancestralidade, seja a cultura negra ou a cultura indígena. A música é uma ponte entre a espiritualidade e o mundo real em que vivemos, é essa a função da arte.

1 – Parque Botânico do Monteiro-Mor

Parque Botânico do Monteiro-Mor
Parque Botânico do Monteiro-Mor

O parque possui uma vasta coleção de espécies botânicas. Aqui encontra-se a primeira Araucaria heterophylla conhecida em Portugal continental. De entre a fauna existente, são de salientar as aves e uma colónia de morcegos-de-peluche.

http://www.museudotraje.gov.pt
Largo Júlio de Castilho – Lumiar, 1600-483 Lisboa
Tel. +351 217 543 920 (bilheteira)
Horário do Museu e Parque Botânico: Terça-feira a domingo, das 10 às 13 horas e das 14 às 18 horas
Encerrado ao público: Segunda-feira, 1 de janeiro, domingo de Páscoa, 1 de maio, feriado municipal (13 de junho), 24 e 25 de dezembro.

2 – Jardim da Fundação Calouste Gulbenkian

Jardim da Fundação Calouste Gulbenkian
Jardim da Fundação Calouste Gulbenkian | © Humberto Mouco/CML-ACL

Construído na década de 60 do século XX, é um dos jardins mais representativos do modernismo em Portugal. Inspirado na paisagem portuguesa, na sua dimensão ecológica e cultural, sofreu transformações ao longo do tempo. Desenvolveu-se numa floresta densa e variada, incluindo um lago e refletindo, no seu conjunto, uma ideia de paraíso. Vários percursos são propostos: da luz e da sombra, do lago, da orla, dos cheiros e das vistas.

https://gulbenkian.pt/jardim/
Av. de Berna 45A, 1067-001 Lisboa
Tel.: +351 217 823 000
Horário: Aberto todos os dias, do nascer ao pôr-do-sol.

3 – Parque Eduardo VII/Estufa Fria

Estufa Fria
Estufa Fria | © Humberto Mouco/CML-ACL

Construído na 1.ª metade do séc. XX, é o maior parque do centro de Lisboa. Possui uma faixa central, coberta de relva e buxo, ladeada por passeios e zonas verdes. A noroeste do parque situa-se a Estufa Fria e, a leste, o Pavilhão Carlos Lopes. A norte, encontra-se um miradouro com ampla vista sobre Lisboa, o rio Tejo e a outra margem.

https://informacoeseservicos.lisboa.pt/contactos/diretorio-da-cidade/parque-eduardo-vii
Parque Eduardo VII. 1070-051 Lisboa
Horário do parque: 24 horas
Estufa Fria: Horário de verão das 10 às 19 horas.
Encerra a 1 de janeiro, 1 de maio e 25 de dezembro
http://estufafria.cm-lisboa.pt/
Tel. +351 218 170 996

4 – Jardim Botânico de Lisboa

Jardim Botânico de Lisboa
Jardim Botânico de Lisboa

Jardim científico, inaugurado em 1878, faz parte do Museu Nacional de História Natural e da Ciência. Entre outras, possui diversas espécies tropicais naturais da Nova Zelândia, Austrália, China, Japão e América do Sul, grande variedade de palmeiras originárias de todos os continentes, e cicadáceas, atualmente raras e um dos ex-libris do Jardim.

http://www.museus.ulisboa.pt/jardim-botanico
Rua da Escola Politécnica, 58, 1250-102 Lisboa
Tel. +351 213 921 800
Horário: Todos os dias, exceto 1 de janeiro e 25 de dezembro.
Inverno: das 10 às 17 horas | Verão: das 10 às 20 horas

5 – Jardim do Príncipe Real

Jardim do Príncipe Real
Jardim do Príncipe Real | © Humberto Mouco/CML-ACL

Jardim de inspiração romântica e inglesa, foi construído em meados do século XIX, ao redor de um lago de planta octogonal. Possui vários elementos de estatuária e das várias espécies arbóreas existentes no jardim, destaca-se o grande e secular cedro-do-Buçaco com mais de 20 metros. O espaço possui vários equipamentos, entre os quais, quiosques, esplanada e parque infantil. No subsolo, encontra-se o Reservatório da Patriarcal, pertencente ao Museu da Água.

https://informacoeseservicos.lisboa.pt/contactos/diretorio-da-cidade/jardim-franca-borges
Praça do Príncipe Real, 1250-096 Lisboa
Horário: 24 horas

6 – Jardim da Estrela

Jardim da Estrela
Jardim da Estrela | © Humberto Mouco/CML-ACL

O Jardim Guerra Junqueiro, conhecido por Jardim da Estrela, foi inaugurado em 1852. Jardim público, delimitado por gradeamento, foi construído ao estilo dos jardins ingleses, de inspiração romântica. Habitado por fauna diversa, o jardim possui várias plantas exóticas entre a sua diversa vegetação, lagos, cascatas, estatuária, um miradouro e um coreto entre outras edificações.

https://informacoeseservicos.lisboa.pt/contactos/diretorio-da-cidade/jardim-guerra-junqueiro
Praça da Estrela, 1200-667 Lisboa
Horário: Todos os dias., das 7 às 24 horas

7 – Jardim Botânico Tropical

Jardim Botânico Tropical
Jardim Botânico Tropical | © Humberto Mouco/CML-ACL

Jardim científico, foi criado em 1906 para dar apoio ao ensino de agronomia tropical. Possui relevantes coleções botânicas com cerca de 600 espécies, sobretudo de origem tropical e subtropical, destacando-se espécies raras como as cicas e os encephalartos. Do património edificado datado do século XVII ao século XX, são de realçar a Casa do Fresco, o Palácio da Calheta e a Estufa Principal.

https://museus.ulisboa.pt/jardim-botanico-tropical
Largo dos Jerónimos, 1400-209 Lisboa
Tel. +351 213 921 808
Horário: Todos os dias, exceto 1 de janeiro e 25 de dezembro.
Inverno: das 10 às 17 horas | Verão: das 10 às 20 horas

8 – Jardim Botânico da Ajuda

Jardim Botânico da Ajuda
Jardim Botânico da Ajuda | © Francisco Levita/CML-ACL

Fundado em 1768, é o primeiro Jardim Botânico em Portugal. A arquitetura do jardim é de modelo renascentista e os ornamentos aí existentes são de influência barroca. Organizado em 2 terraços, tem vista sobre o rio Tejo e é habitado por pavões e outras aves. Possui mais de 1600 plantas, entre as quais, um dragoeiro com mais de 400 anos.

http://www.isa.ulisboa.pt/jba
Calçada da Ajuda s/n, 1300-011 Lisboa
Tel. +351 213 653 157
Horário: Dias úteis, das 10 às 17 horas. Fins de semana e feriados, das 10 às 18 horas
Horário de verão: Dias úteis, das 10 às 18 horas. Fins de semana e feriados, das 10 às 20 horas
Encerra a 1 de janeiro e 25 de dezembro

O IndieLisboa – Festival Internacional de Cinema acontece este ano, excecionalmente, no verão, ocupando ao longo de 15 dias o Cinema S. Jorge, Culturgest, Cinema Ideal e Cinemateca Portuguesa com a exibição de obras que estão, grande parte delas, fora do circuito comercial de exibição. Esta 18.º edição apresenta nas várias secções inúmeras estreias internacionais e nacionais, uma retrospetiva da cineasta francesa Sarah Maldoror e um programa dedicado ao realizador colombiano Camilo Restrepo.

As sugestões de Carlos Ramos, diretor e programador

The Sparks Brothers, de Edgar Wright, EUA, 2021, 140’

1 setembro, Cinema São Jorge | Sala Manoel de Oliveira

Diz-se que os Sparks são a banda favorita da tua banda favorita. Um segredo bem guardado para alguns, um perfeito desconhecido para outros. A verdade é que são uma das bandas mais criativas e influentes da história da música, ainda hoje, apesar de mais de 50 anos de carreira. Há pouco mais de um mês estreou o novo filme de Leos Carax, Annette, um musical com argumento e música original da banda e para quem se queira iniciar na música da banda nada como ouvir a obra prima Lil’ Beethoven. Os irmãos Ron and Russell Mael reinventam-se de ano para ano, não são catalogáveis e os seus concertos são um cocktail de humor, energia e classe. Este documentário traça finalmente a história da banda num formato nada convencional, como não podia deixar de ser para quem conhece os Sparks e o realizador, Edgar Wright, também ele de culto (Scott Pilgrim vs the World).

Boca do Inferno – Curtas

2 setembro, Jardim da Biblioteca Palácio Galveias
“Flex” de David Strindberg e Josefin Malmen

Aqui está um dos segredos mais bem escondidos do IndieLisboa. A Boca do Inferno é a secção do festival mais selvagem e as curtas desta secção são as mais livres, divertidas e assustadoras. Habitualmente são vistas para lá da meia-noite, durante uma maratona de filmes que acaba por volta das seis da manhã. Com a pandemia, a maratona Boca do Inferno está suspensa, mas pela primeira vez vão poder ser vistas numa sessão ao ar livre. Lutas sangrentas por um prato de comida típica, macacos do nariz que não saem dos dedos, monstros dentro de motores de carros, o fim do mundo, fantasmas que não aceitam o fim de uma relação, culturistas bizarros, o pior palhaço possível para uma festa de anos e um musical de nerds intergalácticos. Um cocktail explosivo para tomar em noite de lua em quarto minguante.

Competição Internacional de Curtas 6

4 setembro, Culturgest | Pequeno Auditório
“Tracing Utopia” de Catarina de Sousa e Nick Tyson

O IndieLisboa é um festival generalista de longas e curtas metragens e orgulha-se de dar a mesma atenção e importância a ambos os formatos nas várias secções do festival. A competição internacional é uma secção composta por primeiras, segundas e terceiras obras. A curta metragem é o formato de experimentação por excelência, permitindo uma liberdade narrativa e estética sem par. O programa 6 da competição é um exemplo da diversidade de formas e narrativas que pontuam o festival. Uma ficção filmada em película sobre o calor e corpos pendurados nas árvores a comer mangas, uma animação melancólica sobre uma amizade tóxica, um filme abstracto criado a partir de vídeos de satisfação instantânea encontrados na internet e um documentário sobre os sonhos e desejos de um grupo de adolescentes queer que vê o mundo com olhos diferentes e esperança no futuro.

Bom Dia Mundo! (+ 6 anos), Anne-Lise Koehler / Éric Serre, França, 2019, 61’

4 setembro, Jardim da Biblioteca Palácio Galveias

Uma das missões primordiais do IndieLisboa passa pela formação de públicos, contribuindo a secção IndieJúnior para a formação estético-cultural de crianças e jovens entre os 4 meses e os 15 anos. Foi também uma das secções mais afectadas pela pandemia. Todo o trabalho com as escolas está praticamente suspenso, no que diz respeito a ver os filmes em sala. Esta edição, tal como a passada, não terá a energia dos milhares de alunos das escolas a correr e a gritar de entusiasmo pelos foyers do cinema e a aplaudir e vocalizar as emoções dentro das salas de cinema. Mas continua a haver espaço para as famílias. Bom dia Mundo! é um delicado e delicioso filme, feito com figuras de papel machê animadas em stop motion e esculturas feitas à mão em cenários meticulosamente pintados. Uma sessão ao ar livre que se traduz num momento familiar mágico.

Vieirarpad, de João Mário Grilo, Portugal, 2020, 90’

5 setembro, Culturgest | Grande Auditório

Vieirarpad marca o regresso de João Mário Grilo ao IndieLisboa. Depois de filmes sobre os arquitectos Raul Lino e Gonçalo Ribeiro Telles é a vez de um documentário sobre Maria Helena Vieira da Silva e Árpád Szenes que arquitectaram também eles uma bela história de amor. O filme promove um olhar sobre a escrita íntima dos artistas plásticos, através de uma documentação exaustiva da vida do casal no período retratado. A relação é feita de enorme sensibilidade, protecção mútua e de respeito pelo espaço e imaginário do outro. O filme tem um olhar clínico e seguro. Que existissem mais histórias de amor assim.

As sugestões de Anastasia Lukovnikova, programadora

Shiva Baby, de Emma Seligman, EUA, 2020, 77’

2 setembro, Culturgest | Grande Auditório

Uma das sete mulheres realizadoras que integram a Competição Internacional do IndieLisboa deste ano, Emma Seligman diz que o seu filme, uma comédia, evidencia “como ser uma jovem mulher é um filme de terror”. A protagonista de Shiva Baby está, de facto, horrorizada, presa numa claustrofóbica cerimónia fúnebre entre os metediços membros da família, a ex-namorada, o sugar daddy, a mulher dele e o bebé deles. Ansiedade no lugar de uma faca cortante, pausas constrangedoras no lugar de poças de sangue, e talvez um abraço e um donut para acalmar as lágrimas depois da última luta, neste terror que é a existência diária de uma mulher que revemos nas nossas vidas, mas com sentido de humor.

The Inheritance, de Ephraim Asili, EUA, 2020, 101’

2 setembro, Cinema São Jorge | sala 3
3 setembro, Culturgest | Pequeno Auditório

Na sua primeira longa-metragem, que se junta à Competição Internacional do IndieLisboa, Ephraim Asili recria as próprias experiências vividas numa comuna marxista. The Inheritance retrata o dia-a-dia de um colectivo negro na Filadélfia em toda a sua glória de recitais de poesia Afro-Americana e seminários sobre línguas sudanesas, mas também nas suas quedas e lutas mesquinhas da vida comunal. Asili faz uma mistura improvável entre performance, palestra, trabalho de arquivo, catálogo e narrativa ficcional para trazer para o primeiro plano a riqueza da experiência negra e oferecer esperança no possível (diferente) futuro.

A Cidade dos Abismos, de Priscyla Bettim / Renato Coelho, Brasil, 2021, 84’

2 de Setembro, Cinema São Jorge | Sala 3

É uma noite quente de Natal na cidade de São Paulo e duas amigas, mulheres-trans e prostitutas, celebram num bar, mas a festa não durará muito tempo. Em breve, sangue será derramado, a festa tornar-se-á num film noir e começará uma luta por um final mais feliz, neste mundo onírico demarcado pelos grãos da película. Priscyla Bettim e Renato Coelho fazem desta primeira longa-metragem, A Cidade dos Abismos, um cocktail molotov dos momentos mais expressivos do cinema Brasileiro – do surrealismo de Peixoto, às cores saturadas de pornochanchadas, passando pela acção política do ambicioso Cinema Novo. O IndieLisboa providencia o espaço para a estreia mundial do filme na competição da secção Silvestre.

Sambizanga, de Sarah Maldoror, Angola / França, 1973, 102’

1 e 8  setembro, Cinemateca Portuguesa | Sala Félix Ribeiro

Uma peça fundamental na obra da pioneira do cinema africano Sarah Maldoror, Sambizanga, que retrata o início da Guerra Angolana pela Independência, desviando a câmara do campo de batalha para iluminar a resistência invisível daqueles deixados para trás: mulheres, crianças e idosos. Com esta primeira longa-metragem, Maldoror estabelece o enquadramento para a sua futura oeuvre, onde nunca pára de questionar o mundo pós-colonial, e que torna, no processo, uma ode à negritude como modo de vida, aliada às suas políticas e arte. O IndieLisboa leva 46 obras de e sobre Maldoror até aos espectadores Portugueses, muitos destes nunca antes mostrados em Portugal, numa retrospectiva co-programada com a Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema.

The Color of Pomegranates, de Sergei Parajanov, União Soviética, 1969, 78’

5 setembro, Cinema Ideal

Uma oportunidade rara de aproveitar a cópia recentemente restaurada da assombrosa obra-prima de Sergei Parajanov, The Color of Pomegranates é uma viagem inesquecível pela cultura e folclore da Arménia. O filme que retrata a vida do trovador do séc. XVIII Sayat-Nova através de uma série de tableaux vivant, que transplantam a poesia para a narrativa visual de forma única. O filme integra um programa no festival composto por quatro outros filmes que trabalham com géneros literários na sua base: um conto (2001: A Space Odyssey), uma peça de teatro (Enrico IV), um romance (Fahrenheit 451), uma novela (Morte a Venezia), num programa realizado em parceria com o festival literário Lisboa 5L.

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