Patricia Reis
Da Meia-noite às Seis
Como o próprio título indica, Da Meia-noite às Seis, o mais recente romance de Patrícia Reis é uma viagem pela noite dentro. Pelo mundo, em tempos de pandemia, mergulhado na escuridão, “com todas as certezas da civilização a morrer em agonia, a esmorecer”. A narrativa desenvolve-se entre duas mortes: a do marido e a da mãe da protagonista, Susana Ribeiro de Andrade, animadora de rádio. Perdas que ocorrem num tempo que estragou “todos os rituais de consolo que os homens inventaram para enfrentar a morte”. A história de Susana cruza-se com a de Rui Vieira, jornalista que, na sequência dos traumas causados por um violento acidente de viação, perdeu a voz. Porém, Da Meia-noite às Seis, é também o título do programa de rádio que juntos vão criar, abraçando o trabalho como forma de sobrevivência. Através desta experiência vão redescobrir, madrugada após madrugada, a amizade e a importância de se ligarem a um mundo ainda “cheio de gente”. Num tempo em que a subsistência se fazia com muito pouco, os ouvintes do programa “entravam numa ilusão, da meia -noite às seis sonhavam e era gratuito.” Dom Quixote
Louise Glück
A Íris Selvagem
Louise Glück era uma ilustre desconhecida dos leitores portugueses quando, no passado mês de outubro, foi anunciado o Prémio Nobel de Literatura 2020. Porém, a poeta já havia já recebido o Prémio Pulitzer, o National Book Award e o National Book Critics Circle Award, entre outros. A Íris Selvagem é o seu primeiro livro de poesia editado em Portugal. A questão de “deus” surge com o tema central desta extraordinária obra. Nalguns poemas, a autora interpela diretamente o criador sobre o seu silêncio, a sua ausência, sobre o “vazio do céu” (“Pai inacessível”, “Deixei de me perguntar onde estás”, “Nesta tua longa e prolongada ausência”). Noutros, “deus” assume a voz e contempla, ora com desdém, ora com compaixão, a sua criação (“Minha pobre e inspirada / criação, não passais / de distracção, de meros / epígonos: sois afinal / demasiado diferentes de mim / para me agradar”). Neste contexto, Glück canta o “terror dos filhos de deus”, o desespero da existência (“ser algo é ser quase nada”), a trágica consciência da finitude (“é árduo ser o animal descartável”), o sofrimento de viver neste mundo “exilado do céu”. Contudo, uma luminosa metáfora percorre o livro; o jardim. A paz momentânea através da comunhão com a natureza: árvores, flores, vegetais que se plantam na terra. Talvez a humanidade, como aponta um destes poemas, gaste “demasiado tempo / a olhar adiante” e o exemplo possa estar na flor que pode, simplesmente “florir, sem esperança de viver depois”. Tradução de Margarida Vale de Gato. Relógio D’Água
William Melvin Kelley
Um Tambor Diferente
Em junho de 1957, todos os habitantes negros de Sutton – cidade criada pelo autor – pegam nos seus haveres e abandonam o local com destino incerto. O êxodo é iniciado por Tucker Caliban, último membro de antigos escravos pertencentes à família Wilson, descendente do fundador da cidade. Esta notável parábola sobre as tensões raciais na América é escrita com um requinte técnico formal que lembra As I Lay Dying de William Faulkner – nonólogos interiores e uma narrativa polifónica em que várias testemunhas (os brancos que permanecem na cidade) contam a sua visão do acontecimento central. Contrariamente ao habitual na literatura afro-americana, Kelley não pretende narrar na primeira pessoa a experiência traumática de vida no ambiente de segregação, racismo e violência da sociedade norte-americana. Ao autor interessa “saber como é ser branco” ou como é, “para os americanos em geral, viver sob as condições de supremacia branca e o racismo do quotidiano”. O mais extraordinário é que o tenha conseguido sem quaisquer vestígios de maniqueísmo. Celebrada como “obra-prima esquecida da literatura afro-americana”, esta é uma “história daquelas que [lamentavelmente] continua depois do fim.” Tradução e prefácio de Salvato Teles de Menezes. Quetzal
Maurice Blanchot
Thomas o Obscuro
Maurice Blanchot (1907-2003) é considerado um dos mais inovadores e prestigiados escritores, críticos e filósofos do século XX francês. Publicado em 1941, Thomas o Obscuro foi reescrito e republicado em 1950. A obra, que cruza filosofia e literatura, promove a seguinte reflexão: é possível existir um sujeito neutro? E, nesse caso, se é possível existir uma narrativa conduzida por um personagem neutro? Thomas (“Eu penso, logo não sou”) é a personificação do conceito de neutro que Blanchot explorou na sua literatura, figura sem personalidade que permite uma análise única do ser humano e simultaneamente do ser literário. A propósito do título, alguns pensam tratar-se de uma referência ao filósofo pré-socrático Heráclito, dito “o obscuro”, devido às sentenças oraculares da obra Sobre a Natureza. Porém, há quem veja também neste livro de Blanchot uma alusão a Jude the obscure, romance de Thomas Hardy, enquanto outros ainda dizem que estas pistas se destinam a confundir o leitor-intérprete. Segundo Michel Foucault: “Nada em Blanchot é previsível e isso faz dele um autor único no panorama das letras modernas. Este é um antirromance com um personagem neutro, vogando entre a leitura e a perda.” E.Primatur
Craig Adams
Os Seis Segredos da Inteligência
O que significa “como pensar”? Para o linguista Craig Adams, significa saber distinguir factos de opiniões, saber distinguir quando a linguagem é utilizada como retórica para nos afastar do que é importante. Há mais de 2000 anos, na Grécia antiga, Aristóteles tinha já descoberto o modelo da mente humana. As mais recentes descobertas da ciência cognitiva demonstram que o modelo de Aristóteles se aplica à subtileza de pensamento, à capacidade de pensar bem. No entanto, até hoje temos usado um modelo educativo demasiado simplista. Usando o modelo de Aristóteles condensado em seis segredos, os três princípios fundadores da escola aristotélica – dedução, indução e analogia – combinados com os três princípios da verdade – realidade, significado e evidência -,o autor revela-nos os padrões para todos os debates e discussões e ensina-nos a não nos deixarmos manipular, independentemente do tópico em debate. Uma obra que reflete sobre os tempos em que vivemos, promovendo também a capacidade individual para contornar os social media e as fake news. Temas e Debates / Círculo de Leitores
Thomas Hardy
Longe da Multidão
Poucos escritores se distinguiram igualmente na poesia e na prosa, Thomas Hardy foi um dos mais brilhantes. Os seus poemas, longe de preciosismos, escritos numa linguagem próxima do discurso falado, prepararam o caminho para a poesia inglesa moderna. Os seus romances realistas, profundamente pessimistas, recebidos com a maior severidade pela sociedade vitoriana, perspetivavam o Homem como refém das duas maiores influências da civilização ocidental: a tragédia grega clássica e a noção de destino, o cristianismo e o conceito de culpa. As suas magistrais descrições da natureza, mesmo sem humanidade à vista, surgem sempre impregnadas das negras desolações humanas. O sucesso de Longe da Multidão, romance publicado em 1874, levou o autor a abandonar a carreira de arquitecto par se dedicar inteiramente à literatura. A história do amor do lavrador Oak pela bela e orgulhosa Bathsheba é uma das suas narrativas menos trágicas, levando uma personagem a concluir: “Mas, sendo as coisas como são, poderia ter sido pior, e dou graças a Deus por isso”. Presença
Oliver Jeffers
O Destino de Fausto
O mito de Fausto configura, na literatura universal, o símbolo do homem condenado a ser um eterno insatisfeito, destruído pela sede de saber, pela necessidade de tocar o eterno e compreender o misterioso. A Oliver Jeffers, premiado artista multidisciplinar, cujo trabalho se estende por diversos meios, da pintura à instalação, passando pela ilustração e a escrita para crianças, não é alheio o mito fáustico quando cria o presente livro. Contudo, Fausto, o protagonista desta história, é um produto perfeito dos tempos em que vivemos, alheio às questões éticas, filosóficas e metafísicas do seu ilustre antecessor. Numa sociedade marcada pela obsessão do consumo, este homem reduz-se à necessidade de ser dono de tudo. Primeiro de uma flor. Depois avança, reclamando para si uma árvore, um lago, uma montanha. Porém, insatisfeito, Fausto prossegue em direção ao mar. Mas a sede de poder revela-se fatal. Esta brilhante parábola política recria o destino de pequenos e grandes tiranos de todos os dias, mostrando a escala insignificante do homem face à natureza, e promovendo a reflexão sobre a importância da liberdade e o poder da resistência. Orfeu Negro
A última vez que falámos foi quando lançaste Mão Verde, o teu disco para crianças. Entretanto foste mãe. De que forma é que a maternidade influenciou a tua forma de olhar o mundo e, consequentemente, a forma como fazes música?
É uma transformação muito profunda que acaba sempre por mudar a nossa forma de estar na vida e, por consequência, o nosso trabalho. No meu caso, isso notou-se sobretudo no Madrepérola, o disco que saiu o ano passado, que foi escrito e gravado maioritariamente durante a gravidez, e aí já se começa a perceber esse impacto, de certa forma mais com o que tem a ver com a gravidez e com o parto, e não tanto com a maternidade em si. Esse processo de me tornar mãe ainda está em curso, é uma coisa que vai acontecendo e em cada fase há novas descobertas. Acho que vou sentir mais isso num próximo disco, porque quem o vai escrever vou ser eu nesta fase, com as dores de crescimento já mais digeridas e pensadas. Nesse sentido, a minha vida mudou muito. O eixo no qual a minha vida gira, bem como o meu tempo e as minhas prioridades, mudaram. Emocionalmente também mudou muita coisa, mesmo em termos do que gostamos de fazer, com que amigos nos identificamos mais, que filmes, discos e livros queremos consumir com o pouco tempo que temos… Há muitas coisas que mudam que são muito subtis, mesmo no nosso ser individual, para além do que tem a ver com a maternidade em si, mas isso é uma descoberta que está em curso e que só terá eco num próximo disco, ou nos próximos trabalhos, não necessariamente discos. Também tenho escrito sobre isto nas crónicas que faço para a Visão. É um assunto sobre o qual gostava de escrever num futuro próximo, de forma mais alongada, porque me interessa enquanto tema, mais em forma de escrita do que propriamente de música, embora na música também tenha tido impacto. No caso destes últimos dois anos, a pandemia foi tão forte, o ano passado mudou tudo tão de repente, que ainda há muitas coisas para digerir.
Consideras Madrepérola um trabalho ‘mais solar’ do que os anteriores. Classifica-lo assim por ter sido gravado em plena fase de estado de graça?
Tem a ver com a proposta de disco que fiz a mim própria. Queria fazer um disco que tivesse uma abordagem mais solar, mais irónica, mais dançável, mesmo que os temas fossem sérios. Senti que já tinha explorado um lado mais sério e mais político-social e emocional da minha escrita e menos o lado mais airoso, mais luminoso, mais irónico, e gostava de equilibrar um bocado essa balança mesmo falando de temas sérios e de emoção, e fazer um disco mais aberto ao mundo, com cruzamentos com outras músicas, com outras vozes, e daí ter muitos convidados, com instrumentais mais dançáveis. Tentei fazer esse exercício criativo para também não repetir fórmulas e evoluir enquanto artista. É um disco muito inspirado no Brasil, um disco de língua franca com a Missiva, o Rael e produtores brasileiros. Fiquei fascinada pela forma brasileira de criar, mais intuitiva, mais espontânea, menos cerebral, menos filtrada, como eu tinha mais tendência para escrever. Por essa quantidade de fatores o disco já seria mais solar de qualquer forma, mas o facto de o ter escrito maioritariamente grávida (só uma música é que foi escrita depois) fez com que a felicidade daqueles meses de otimismo e esperança em relação ao futuro também ficasse muito marcada no disco, com uma certa falta de filtro, com as hormonas e as emoções à flor da pele.
Como foi dar a conhecer um álbum em plena pandemia?
Fiquei muito frustrada, na verdade. Foi difícil para todos os artistas, e para os músicos, que dependem das atuações ao vivo para viver, mas foi especialmente ingrato porque tinha acabado de lançar um disco novo depois de um ano em que tinha abrandado porque tinha tido um bebé e estive de licença de maternidade, por isso para mim foi um segundo ano de confinamento [risos]. Fiz um grande esforço pessoal para terminar o disco com um bebé muito pequeno, para voltar à minha própria individualidade, voltar ao trabalho, voltar à vida para além das paredes de casa e acabou por ser tudo ao contrário. Ao princípio fiquei um bocado frustrada, mas depois percebi que aquele disco falava precisamente sobre isso, de fazer das dificuldades as nossas pérolas. O disco chama-se Madrepérola por causa dessa ideia de que as ostras só fazem pérola quando têm um grão de areia a incomodar e vão criando uma espécie de baba que remexe no grão de areia e acabam por, inadvertidamente, criar uma pérola. Acho que essa metáfora é muito eficaz para descrever aquilo que é o meu processo criativo e da maioria dos artistas, e também a própria ideia de uma atividade que também precisa de muita superação e espírito de sacrifício. Depois percebi que o disco fala sobre isso e que me estava a dar os mantras para eu sobreviver a esta frustração e a esta fase difícil. É um disco muito aberto, muito positivo e que fala sobre essa capacidade de tornar o desconforto em beleza, em sublimação, em renascimento… Acabei por perceber que tinha feito o disco certo para o momento certo, mas claro que essa frustração não desapareceu totalmente, porque tinha muita vontade de tocar o disco ao vivo. Acredito mesmo que os discos só se consumam no palco e só se terminam quando chegam ao público, e a meia dúzia de concertos que demos em 2020 não chegou para matar essa fome. Foi isso que me motivou a gravar o tal EP que comemora o aniversário do Madrepérola e que se chama Encore.
Portanto, Encore, que inclui canções gravadas ao vivo em concertos no Porto e Aveiro, é um prolongamento de Madrepérola?
Vejo-o como um prolongamento da experiência de estar em palco. A pandemia fez com que valorizasse muito essa experiência, porque cada concerto foi uma oportunidade vivida com muita gratidão, com muita alegria. Nunca sorri tanto num palco como nesta meia dúzia de concertos que dei o ano passado. Estes dois concertos que estão gravados no EP foram realizados com seis meses de atraso, e um deles teve dois reagendamentos. As pessoas tinham o bilhete comprado há meses e esperaram, foram de máscara e sem poder dançar livremente, mas foram. Este EP é também para imortalizar as palmas que recebemos naqueles dias. O Encore acaba por não ser só o prolongamento do próprio Madrepérola, porque tem duas músicas do disco que foram regravadas ao vivo por terem crescido tanto em palco. Tem uma música nova, o Encore, cuja letra fala sobre as transformações emocionais destes últimos meses e que tem um poema no refrão que fala sobre a necessidade de, a partir dos escombros, construirmos os reencontros, portanto muito apropriada para falar destes tempos. Também se chama Encore porque as outras duas músicas de discos anteriores eram o encore dos concertos de apresentação. Por um lado, o EP celebra o palco no momento em que estamos privados dele, por outro, pretende agradecer às pessoas que fizeram questão de estar presentes naqueles concertos de 2020 que foram tão especiais, e ainda celebra o aniversário de um disco que foi muito desejado e que eu acho – mesmo que mais ninguém ache – que é o meu melhor disco, e que não teve a vida na estrada que merecia ter tido. Este EP veio resolver um bocadinho todas estas pendências.
Como viveste a primeira fase do confinamento? Foi uma altura proativa, de inspiração, ou foi precisamente o oposto?
Tinha acabado de lançar um disco, o confinamento começou praticamente um mês depois do Madrepérola sair. Estava muito envolvida nessa etapa de apresentar o novo disco quando ela foi completamente boicotada pela pandemia. Naqueles meses iniciais de confinamento, além do que toda a gente fez, que foi organizar coisas em casa e tentar manter a saúde mental à tona, o que fiz foi refletir acerca daquilo que eu queria para a minha carreira para não ser tão dependente dos concertos e da música em particular. Isso foi importante para tentar diversificar as minhas formas de sustento, mas sobretudo para perceber as possibilidades de desdobramento da minha escrita noutras coisas. Foi muito interessante para mim porque tenho vários projetos – dos quais ainda não posso falar – ligados à escrita, mas noutras áreas que não têm a ver com a música e que me estão a estimular muito. Estou também a fazer alguns cursos de escrita para diversos formatos e tenho aprendido muito. Os meses de confinamento deram-me para perceber que não preciso – e não devo – ficar limitada a apenas uma coisa, mesmo que ela me faça muito feliz. Nem quando era adolescente sonhei algum dia viver da música e acho que é um bocadinho imprudente, é pouco sensato, no mundo em que vivemos, depender de uma coisa só. Pôr o peso de pagar as contas em cima de algo que se ama tanto é como depender de alguém que amamos muito. Nunca me passou pela cabeça ser sustentada por um marido, da mesma forma que não quero ser sustentada única e exclusivamente pela minha música. Deu para fazer essa reflexão e pensar também que temos de, cada vez mais, valorizar o que fazemos. No caso da música, com todo este cenário do streaming mal pago, da banalização dos downloads gratuitos, da banalização dos concertos online durante a pandemia, há uma tendência para banalizarmos o que fazemos e as pessoas habituaram-se a ter música sem dar nada em troca. Isso é uma coisa perversa, porque quem acaba por ser prejudicado são os artistas e, por consequência, a própria música, no sentido em que, se as pessoas não puderem fazer a sua música e ser pagos por isso, acabam por ir fazer outras coisas. Há todo um pensamento que temos de fazer enquanto classe. Enquanto trabalhadores da Cultura também há toda uma reflexão que tem sido feita, de exigências e de luta que temos de continuar a fazer cada vez mais.
Essa fórmula que adotaste para ti, de te reinventares, de alargares os teus horizontes para além da música, pensas que outros artistas deveriam adotar também?
O que devia acontecer era as pessoas fazerem o que gostam e viverem condignamente com isso. O Carlos Paredes dizia que gostava demasiado da música para viver dela, o Sam the Kid fez um refrão célebre em que dizia o contrário, em que gostava demasiado da música para não viver dela. Cada artista tem uma posição muito individual, pessoal e intransmissível em relação à forma como quer viver com – e da – sua música. Acho que os artistas têm o direito – até porque a Cultura é um bem constitucional e essencial à nossa vida coletiva e individual – de poder fazer o seu trabalho com dignidade. Claro que as escolhas estratégicas de carreira de cada um dependem muito da sua forma de estar. No meu caso, como sempre gostei de fazer coisas diferentes e nunca ambicionei viver da música, isso faz sentido. Diversificar é algo que me entusiasma bastante, mas se calhar para outra pessoa pode ser uma pressão desnecessária. As pessoas deviam poder viver do seu ofício exclusivamente. O que acho que esta experiência trouxe, não só aos músicos ou a trabalhadores da Cultura, foi o repensar de uma série de coisas que têm a ver com o nosso estilo de vida e com a nossa vida coletiva e com a forma como organizamos as nossas sociedades. Desde o ponto de vista ecológico até ao ponto de vista laboral, repensaram-se imensas coisas que deviam ser trabalhadas para não repetirmos os mesmos erros. Há uma ideia de regresso à normalidade, mas eu acho que devíamos construir uma nova etapa em vez de voltarmos à normalidade, porque ela estava cheia de coisas insustentáveis que ficaram muito óbvias nesta experiência.
És a grande referência feminina no universo do hip hop nacional. Por que motivo é o hip hop um meio maioritariamente masculino?
Ultimamente têm aparecido mais mulheres a competir pela visibilidade mediática e pelos streamings taco a taco com muitos homens, portanto acho que isso é uma coisa que tem tendência a transformar-se e ainda bem. O hip hop sempre foi um boys club e durante muitos anos foi um meio um bocado hostil para as mulheres na perspetiva de que, para fazer rap, é preciso um conjunto de características, ferramentas e qualidades que não são estimuladas culturalmente na socialização das mulheres, como por exemplo, ser competitiva, ter espírito de liderança, dar opiniões de forma mais assertiva, muitas vezes de forma desbocada, um conjunto de coisas que é habitual ver nos rappers homens mas que nas mulheres não é muito cultivado. Depois também não é um meio muito atrativo para as mulheres no sentido em que é preciso romper várias barreiras simbólicas ou alguns entraves um bocado subtis que dificilmente se ultrapassam sem uma grande determinação. Comecei a fazer rap com uma amiga, a M7, e também tive a sorte de encontrar produtores, nomeadamente o Mundo, dos Dealema, e o D-One, que trabalha comigo até hoje, que sempre me trataram de igual para igual. Também tive a sorte de colaborar com outras mulheres, como por exemplo a Eva Rap Diva. Fui encontrando pessoas que, de certa forma, me fadaram o caminho. Eu também tinha algumas características pessoais que ajudaram. Já era uma feminista, já tinha alguma capacidade de pensar nas questões de igualdade de género, do que é preciso em termos de espírito crítico para ir desmontando e desconstruindo essas barreiras simbólicas, e acabei por estudar Sociologia, o que também me ajudou. A cultura hip hop vem, originalmente, da comunidade afro-americana de Nova Iorque, e nasceu em Portugal também da comunidade afro-portuguesa. Houve muitas mulheres que começaram por ser as pioneiras do rap nacional, mas que foram desistindo. O facto de ser uma mulher branca, do Porto, de certa forma mais privilegiada, e que conseguiu ser a primeira a construir uma carreira longeva no rap também diz muito acerca da falta de oportunidades das mulheres negras de bairros mais periféricos da zona de Lisboa, que sempre estiveram em desvantagem competitiva e comparativa. Se calhar se vivêssemos num país um bocadinho mais justo e menos racista, teria sido uma mulher negra a primeira a conseguir uma carreira longeva no rap nacional.
Tens alguma ideia de quando poderás voltar à estrada?
Tinha concertos marcados para janeiro e março. Neste momento estão todos suspensos e creio que até acabar o confinamento que estamos a viver não haverá possibilidade disso. Creio que só a partir de maio/junho é que vamos começar a ver um reacender da vida cultural com todas as restrições que havia até aqui e que funcionaram bem. As pessoas não estavam minimamente em risco e fomos viabilizando algumas coisas. Outras não foi possível realizar, como os festivais, ou eventos que deixaram de ser financeiramente viáveis com metade da lotação. Houve muitas contingências e encontrou-se uma solução de compromisso, mas foi melhor do que nada, no sentido em que não só os trabalhadores da Cultura precisam de trabalhar, como as pessoas precisam muito de ir ver espetáculos a bem da sua saúde mental. Se não houver espetáculos e Cultura acessível a todos, as pessoas vão sempre ter mais tendência a fazer festas ilegais e aglomerações em casa.
Até lá, onde podemos saber novidades tuas?
Podem-me ir lendo na Visão, podem-me ir ouvindo nas plataformas digitais, e podem sempre comprar os discos online. Tenho sentido muito apoio por parte das pessoas ao longo dos últimos meses de pandemia. Fizeram questão de comprar CDs, T-shirts, de ir aos concertos, de encher as salas dentro da sua lotação autorizada para mostrar que estavam de facto a apoiar os artistas e, no meu caso, que tinham gostado muito do Madrepérola e queriam retribuir. Sinto-me muito abençoada por, no meio deste caos todo, ter conseguido, pelo menos, passar a mensagem de que o disco estava lá e ter conseguido dar concertos muito especiais que ficaram registados para sempre neste EP.
A chamada Época do Ouro em Hollywood foi a que produziu maior número de duplas românticas no cinema. Estes casais permanecem, ainda hoje, no imaginário do público. Atualmente na indústria cinematográfica dificilmente se encontram atores que contracenem de forma regular como par romântico. Ainda assim, encontrámos alguns.
Groucho Marx e Margaret Dumont
A loucura anárquica que os Irmãos Marx (Groucho, Chico, Harpo) personificaram na sétima arte era dirigida contra todas as convenções e formas de poder instituído, da política aos militares, dos meios universitários aos financeiros, do domínio do desporto profissional ao da música clássica. Margaret Dumont, uma viúva multimilionária e conservadora, corporizava (e que grande corpo tinha!) o universo das elites socias e económicas e constituiu um dos alvos preferidos das investidas demolidoras do impagável Groucho. Ele tentava seduzi-la, interessado nos seus milhões, enquanto flirtava com outras mulheres mais jovens e belas. Ela, ora se deixava aliciar, ora se indignava com as atitudes e piadas depreciativas de Groucho. Da dinâmica deste par improvável, ao longo de sete filmes, nasceram algumas das cenas e dos gags mais geniais e divertidos da história do cinema. No final de Um Dia nas Corridas (1937), Margaret aceita o pedido de casamento de Groucho. Em contrapartida, ele promete não voltar “a olhar para outro cavalo”.
Sugestão: Uma das hilariantes comédias dos famosos Irmãos Marx, que reuniu a dupla Groucho e Margaret pela quinta vez, Um Dia nas Corridas, de Sam Wood.
Olivia de Havilland e Errol Flynn
Os fantásticos filmes de aventura produzidos em Hollywood marcaram o encontro entre Olivia de Havilland e Errol Flynn. A dupla conheceu-se na produção de O Capitão Blood (1935), onde a muito jovem Havilland foi escolhida para contracenar com Flynn. Este filme é o primeiro de oito onde os dois atores são o par protagonista. Ele é o herói perfeito, ela a eterna donzela que se deixa conquistar. Embora tenham vivido na tela belas histórias de amor, nunca se envolveram na vida real. Para Errol Flynn esta foi uma época áurea e o ponto alto da sua carreira.Não voltou a encontrar uma atriz que com ele formasse um par amoroso tão perfeito. Já Havilland, embora estivesse à vontade em filmes de ação e aventura, queria mais… Posteriormente a sua carreira foi marcada por outros sucessos e dois Óscares. A verdade é que nunca mais houve um par como este, nem se voltou a celebrar o espírito de aventura com tamanha pureza.
Sugestão: Um clássico do cinema de aventura em que Errol Flynn interpreta o lendário herói inglês e Havilland a sua apaixonada Marian, As Aventuras de Robin dos Bosques, de Michael Curtiz e William Keighley.
Ginger Rogers e Fred Astaire
A dupla que animou a América durante a Grande Depressão é uma das mais conhecidas mundialmente e o par de dança mais famoso da história do cinema. Ginger Rogers e Fred Astair revolucionaram o género musical e criaram com os seus passos de dança magia na grande tela. Personificavam um ideal que espelhava glamour, graciosidade e romance e com os seus prodigiosos números de dança, aliados a canções intemporais fizeram, quem os via esquecer as agruras de uma época. Formaram pela primeira vez par em 1933, em Voando para o Rio de Janeiro (1933), onde tinham apenas um número de dança que acabou por ser o ponto alto do filme. Seguiu-se o primeiro musical, A Alegre Divorciada (1934), que marcou também a estreia de ambos como protagonistas. No total dançaram juntos em 10 filmes, reunindo-se pela última vez na tela, depois de uma década afastados, em 1949. Quem os conhecia afirma que se completavam na perfeição.
Sugestão: Considerado um dos melhores musicais de todos os tempos, inclui uma das mais perfeitas cenas de dança, Ritmo Louco, de George Stevens.
Elizabeth Taylor e Richard Burton
Uma apaixonada e conturbada dupla é formada por dois grandes nomes do cinema: Elizabeth Taylor e Richard Burton. O casal contracenou em Cleópatra (1963) e a paixão que viviam nas filmagens foi catapultada para a vida real. Na época os dois eram casados e o affair foi um escândalo. Casaram e divorciaram-se duas vezes, viveram uma vida de excesso e extravagância. No grande ecrã formaram par 11 vezes, muitas delas em filmes inspirados em obras literárias reconhecidas, cujo sucesso cinematográfico não estava à altura do livro. Interpretavam fortes paixões, mas também casais que se odiavam como Quem tem medo de Virgínia Woolf? (1966), sobre um casal em conflito, que valeu a Elizabeth Taylor o Óscar de Melhor Atriz. Apesar dos muitos sobressaltos mantiveram sempre o contacto e quando Burton morreu, a atriz confessou que nunca o deixou de amar.
Sugestão: Épico histórico que juntou a dupla pela primeira vez e que transformou definitivamente Elizabeth Taylor numa grande estrela e na mais bem paga atriz da época, Cléopatra, de Joseph L. Mankiewicz.
Sophia Loren e Marcello Mastroianni
Ao longo de 30 anos os atores italianos Sophia Loren e Marcello Mastroianni contracenaram em 11 filmes. A química entre os dois era perfeita e resultava de forma exemplar nas muitas comédias que fizeram juntos. Destaque para Matrimónio à Italiana (1964), de Vittorio de Sica, realizador que ajudou Sophia Loren a ganhar o Óscar de Melhor Atriz, em Duas Mulheres (1960). Os dois atores também interpretaram vários dramas e a intensidade da dupla transparecia no grande ecrã. Um Dia Muito Especial (1977), de Ettore Scola, onde ambos protagonizam almas solitárias e angustiadas, espelha bem essa energia. Loren e Mastroianni eram amigos na vida real, surgiram juntos no cinema pela primeira vez em 1955 e pela última em 1996, em Prêt-à-Porter. O percurso cinematográfico da dupla foi interrompido pela morte de Mastroianni, apesar disso, continuam a ser lembrados como o par mais famoso do cinema italiano.
Sugestão: Comédia de costumes adaptada da peça de Eduardo De Fillipo, que junta magistralmente a dupla de comediantes, Matrimónio à Italiana, de Vittorio De Sica.
Woody Allen e Diane Keaton
Um realizador neurótico e uma atriz complexa formam o par romântico ideal e são a temática perfeita para uma comédia intelectual. Woody Allen e Diane Keaton personificaram esse ideal, tanto na vida real como nos vários filmes (oito no total) em que trabalharam juntos. Annie Hall (1977), realizado por Woody Allen, é o expoente máximo dessa realidade, narrando de forma autobiográfica a relação entre ambos e revelando as suas verdadeiras personalidades. O filme ganhou inúmeros prémios, entre eles, o Óscar de Melhor Realizador e Melhor Atriz. A história do casal teve início na peça Play It Again, Sam (1969), que ele dirigia e onde ela representava. O sentido de humor de Keaton conquistou-o e mantiveram uma relação durante vários anos, no entanto, quando começaram a contracenar já não estavam romanticamente envolvidos. A dupla acabou por marcar uma geração com os seus diálogos existenciais, onde o humor sarcástico e autêntico elevou os filmes de Woody Allen ao patamar de culto, inspirando o público e muitos outros cineastas.
Sugestão: Comédia romântica que espelha com humor e ironia a relação neurótica de um casal e que arrecadou quatro Óscares, Annie Hall, de Woody Allen.
Lauren Bacall e Humphrey Bogart
Lauren Bacall, “The Look”, como era apelidada, tinha 19 anos quando contracenou pela primeira vez com Humphrey Bogart de 43 anos, no filme Ter e Não Ter (1944). Bacall não era grande fã de Bogart e quando o conheceu não houve uma ligação imediata. Durante as filmagens o ator ajudou-a a ultrapassar as inseguranças e os dois tornaram-se bastante cúmplices. A química que tinham enquanto par romântico transparecia na tela e acabou por manifestar-se também na vida real. Apaixonaram-se e casaram em 1945. No ano seguinte voltam a trabalhar juntos, já como marido e mulher, em À Beira do Abismo, um film noir cuja versão inicial foi adaptada para tirar o máximo partido do fenómeno de popularidade que representava a relação “Bogie e Bacall”. A dupla regressa como protagonista em mais dois filmes. A carreira de Lauren Bacall deixou de ser uma prioridade, dedicando-se ao casamento. Bacall afirmou mais tarde que nunca se arrependeu e que se tivesse investido na carreira teria perdido uma parte essencial da sua vida com Bogart. O casamento terminou 12 anos depois do enlace quando Bogart morreu.
Sugestão: Primeiro filme da dupla depois do casamento. Um film noir baseado no romance de Raymond Chandler, de 1939, À Beira do Abismo, de Howard Hawks.
Penélope Cruz e Javier Bardem
A dupla mais contemporânea das aqui apresentadas protagonizou quatro filmes como par romântico. Penélope Cruz e Javier Bradem tiveram o primeiro encontro, em Jámon Jámon (1992), o filme de estreia de uma muito jovem Penélope. As cenas quentes e o sex appeal dos atores chamaram atenção para o casal. No entanto, só passados 16 anos, na produção de Woody Allen, Vicky Cristina Barcelona, voltam a encontrar-se. E foi precisamente quando acabaram as filmagens que assumiram a relação. O filme, para além de ter impulsionado a paixão entre os atores, deu o Óscar de Melhor Atriz Secundária a Penélope, transformando-a na primeira atriz espanhola a consegui-lo. Ao contrário do que aconteceu noutras épocas, o casal é discreto em relação à sua vida privada, o que não deixa de fazer deles, um dos pares mais populares da indústria cinematográfica atual. Já casados voltaram ao grande ecrã como par romântico em Amar Pablo, Odiar Escobar (2017) e mais recentemente em Todos Sabem (2018).
Sugestão: O mais recente trabalho do casal, um thriller psicológico onde um reencontro familiar acaba por revelar segredos do passado, Todos Sabem, de Asghar Farhadi.
A partir de agora é muito fácil “desconfinar” a vontade de leitura. O projeto BLX à sua porta já está operacional, podendo os pedidos de empréstimo, e/ou devolução, dos livros da Rede de Bibliotecas de Lisboa ser realizados por telefone ou e-mail, de segunda a sexta-feira, das 10 às 17 horas. As entregas efetuam-se às segundas, quartas e sextas das 10 às 12h30 e das 14h às 17 horas, e as devoluções ocorrem às terças e quintas no mesmo horário.
A entrega em casa de qualquer livro deve ser solicitada previamente por telefone (218 173 090) ou e-mail (bib.galveias@cm-lisboa.pt) e abrange as 24 freguesias de Lisboa. O serviço pode ser requerido por qualquer pessoa residente no concelho de Lisboa que possua o Cartão da Rede BLX.
Ler com toda a segurança
Os membros da equipa das BLX que procedem às entregas e recolhas porta a porta cumprem todas as regras de segurança e usam os equipamentos de proteção individual aconselhados pelos serviços competentes da CML. Não entram em casa das pessoas, fazendo-se a entrega ou devolução à porta da residência, mantendo sempre a distância de segurança mínima de 2 metros.
As carrinhas de distribuição são higienizadas diariamente e a equipa de motoristas dispõe de material para garantir uma higienização sumária e regular ao longo do dia.
O serviço é gratuito. Mais informações aqui.
Ai Margarida, Camané (2013)
É, indiscutivelmente, uma das maiores vozes masculinas nacionais. Camané transformou o poema Ai Margarida, da autoria de Álvaro de Campos (heterónimo de Fernando Pessoa), em canção, com a ajuda de Mário Laginha, cujo piano assume aqui grande destaque. O tema surge na compilação O Melhor de Camané, 1995-2013.
Problema de Expressão, Clã (1997)
A canção dos portuenses Clã fala abertamente sobre o constrangimento que muitas vezes assalta quem fala sobre os seus sentimentos, e de como em português tudo se torna mais difícil de dizer. O tema faz parte do segundo disco da banda liderada por Manuela Azevedo, Kazoo, e foi o grande responsável pela explosão de popularidade dos Clã.
Zorro, António Zambujo (2010)
O menino bonito do fado gravou Zorro para o disco Guia, de 2010. O tema, escrito por João Monge e João Gil, é uma bonita declaração de amor, bem apropriada para dedicar à cara-metade. Aliás, todo o disco é uma boa banda sonora para a ocasião, com temas como A Deusa da minha Rua ou Poema dos Olhos da minha Amada.
No Dia do teu Casamento, A Garota não (2019)
Cátia Mazari Oliveira é a voz de A Garota não. A cantora setubalense lançou, em 2019, o disco de estreia, Rua das Marimbas, nº 17, onde se inclui o tema No Dia do teu Casamento. Uma canção que fala de um amor que terminou, em que uma das partes segue em frente com a sua vida enquanto a outra relembra o que correu mal na relação. Deprimente, mas bonito.
Primeiro Beijo, Cabeças no Ar (2003)
Os Cabeças no Ar surgiram pouco tempo depois do fim dos Rio Grande, um projeto dos grandes nomes da música portuguesa Rui Veloso, Tim, Jorge Palma e João Gil. Desta superbanda nasceu um disco, homónimo, que inclui os clássicos A Seita tem um Radar e Primeiro Beijo. Este último aborda um tema em que qualquer pessoa se revê: o amor inocente que surge em idade escolar.
Cedo, Samuel Úria + Monday (2020)
Samuel Úria é um cantautor que utiliza muitos recursos expressivos nas letras das suas canções, o que torna, muitas vezes, algo ambígua a sua interpretação. Em Cedo, do disco Canções do Pós-Guerra, de 2020, une a sua voz à da doce Monday (alter-ego de Catarina Falcão), para cantar sobre a beleza de envelhecer ao lado de quem se ama.
Cantiga d’Amor, Rádio Macau (2008)
Os Rádio Macau são uma das grandes bandas de rock dos anos 80. Donos de clássicos que viriam a marcar para sempre o rock português como O Anzol, O Elevador da Glória ou Amanhã é sempre longe demais, fizeram furor sobretudo no início dos anos 90. Em 2008, a banda lançou Oito, álbum onde se inclui o tema Cantiga d’Amor.
Deixa Ser, David Fonseca + Márcia (2015)
Em 2015, o camaleónico David Fonseca surpreendeu os seus fãs ao lançar, corajosamente, o seu primeiro disco em português, Futuro Eu. O álbum assume um cuidado rigoroso com as palavras, tendo obtido excelentes críticas. Num dos temas mais bonitos do disco, Deixa Ser, o tom grave de David Fonseca encontra-se com a melodiosa voz de Márcia.
Anda estragar-me os Planos, Salvador Sobral (2019)
Na edição de 2018 do Festival da Canção, Joana Barra Vaz interpretou o tema Anda estragar-me os Planos, de Francisca Cortesão e Afonso Cabral. A canção passou à final, mas perdeu para O Jardim, de Isaura. Salvador Sobral gostou tanto da música que resolveu dar-lhe uma nova vida, cujo registo se pode ouvir no disco Paris, Lisboa.
Namora Comigo, Cristina Branco (2018)
Em 2018, Cristina Branco lançou o disco Branco, que contou com várias colaborações de luxo (Kalaf, Jorge Cruz, Mário Laginha, Afonso Cabral, entre outros). Um dos temas, Namora Comigo, foi escrito pela também cantora Beatriz Pessoa. Um tema pueril, que fala sobre o amor jovem e inconsequente e que reflete a jovialidade da sua autora.
A Noite passada, Sérgio Godinho (1972)
Sérgio Godinho é uma das vozes mais icónicas do nosso País. Um autor que associamos à ‘canção de intervenção’ e um verdadeiro homem dos sete ofícios: escritor, poeta, músico, cantor, ator… Já pisou inúmeros palcos e gravou dezenas de álbuns. A Noite passada, do disco Pré-Histórias, é uma das suas canções mais emblemáticas. Para ouvir em loop, em qualquer dia do ano.
Os Búzios, Ana Moura (2007)
Ana Moura é uma das maiores cantoras nacionais da atualidade. É dona de um timbre único, e o seu nome indissociável do fado. No entanto, a artista tem uma voz verdadeiramente camaleónica, tendo dividido o palco com estrelas internacionais como Mick Jagger ou Prince. A canção Os Búzios, que surge no disco Para além da Saudade, de 2007, foi escrita por Jorge Fernando.
Paixão, Black Out (1995)
Os Black Out foram um grupo de soul e funk português que surgiu no início dos anos 90. Com a voz de Kika Santos nos comandos, o grupo lançou, em 1995, o disco homónimo, de onde saíram canções como A Sinfonia do Amor ou Paixão. Em 1998, a banda lançou um novo álbum, mas dissolveu-se pouco depois, tendo Kika Santos prosseguido com uma carreira a solo.
És onde quero estar, Mind da Gap (2012)
Os Mind da Gap surgiram nos anos 90, no Porto. O grupo de hip hop composto por Ace, Presto e Serial encerrou atividade em 2016, mas no seu percurso alcançou grande sucesso com músicas como Todos Gordos, Bazamos ou Ficamos ou És onde quero estar. Esta última faz parte do álbum Regresso ao Futuro, e conta com a participação do rapper Sam the Kid.
Frequentou o curso de cenografia da Escola Superior de Teatro e Cinema. O que passou desta aprendizagem para o seu trabalho no domínio das artes visuais?
Fiz um ano na Escola Superior de Teatro e Cinema não porque me interessasse trabalhar em teatro. O meu objectivo era mesmo ir para as Belas Artes, para escultura. Aquele foi um ano de aprendizagem de outras coisas que também me interessavam. Queria passar por ali e fazer essa transição.
Podemos dizer que a sua obra procura criar uma narrativa num determinado espaço?
Não estou interessada em construir essa narrativa. Penso que no meu trabalho existem uma série de pesquisas nas quais as pessoas entram ou não. Podem ficar pela forma que os objetos têm, mas se repararem nos títulos eles induzem, algumas vezes, certos personagens. A partir desses personagens percebemos algumas ligações a esculturas que podem ou não estar nesse espaço, relacionadas com um tempo e uma história.
A sua obra é sempre criada como resposta a uma dada situação espacial?
Nem sempre, mas nos últimos anos tenho tido a sorte de encontra pessoas incríveis que conhecem a minha obra e me convidam a fazer exposições em museus e instituições muito interessantes. Conhecendo a natureza do meu trabalho, convidam-me sabendo que gosto de me concentrar no contexto em que esses espaços se inserem.
Usa frequentemente materiais suspensos como a corda, o latão, a madeira, a cortiça. Porquê?
Faço muitas esculturas suspensas no espaço porque me interessa trabalhar sobre o sentido de gravidade e de sentir que o peso daqueles materiais seja o peso que as pessoas veem. Alguns deles vão deformando com o peso, outros não. As cordas são um suporte de resistência e comecei a trabalhar com elas por serem uma espécie de unidade de medida, uma unidade standard de comprimento, porque as questões de aferição e medição me interessam. Uso muito cânhamo que é natural e se vai degradando com o tempo. Uso também metais, nos últimos tempos o latão que está associado a alguns instrumentos musicais e é um ótimo transmissor de som, mas ao mesmo tempo também é utilizado, com um sentido mais decorativo, em edifícios e em mobiliário associado à questão do detalhe que é um elemento importante no meu trabalho. No caso do couro, ele é um material natural. Acho interessante pensar na arte como um ente que temos de tratar. Para ela perdurar temos que tratar dela. Por isso às vezes uso plantas que têm que ser regadas. O couro também tem de ser tratado, senão ao fim de algum tempo começa a secar e a perder a forma. Interessa-me a ação do tempo sobre os objetos e materiais. Serem datados da época em que foram produzidos, mas podermos reconhecer neles a passagem do tempo.
Quer falar da relação da sua obra com a arquitetura modernista?
Acho que a história que nos foi ensinada nem sempre é a mais interessante ao nível da arte, da arquitetura e do design. Houve muitas figuras que foram esquecidas e que acho muito importantes. Estou interessada em revisitar o trabalho dessas pessoas, nomeadamente uma série de mulheres arquitetas e designers. São uma cadeia de mulheres e não casos isolados, embora possa citar nomes como os da Lina Bo Bardi e da Clara Porset, mas são muitas mais. Há um entendimento de espaço e um conceito de modernidade inerente a todas elas. Tinham em comum o interesse por uma arquitetura vernacular e, em certos casos, pelas comunidades indígenas locais.
Que fatores apontaria na sua obra como determinantes para a sua internacionalização?
Saí de Portugal porque não conseguia arranjar aqui um contexto para o meu trabalho e queria muito viver dele. Sabia mais ou menos com quem queria trabalhar e que interlocutores gostaria de ter e fui mapeando o meu terreno. O contexto das pessoas com quem nos damos e por onde circulamos permite a construção de uma identidade quase comunitária.
Esteve radicada em Berlim durante 16 anos. Porque voltou para Lisboa?
Vim porque tive oportunidade de trabalhar no espaço dos Ateliês dos Olivais e porque me interessa produzir alguns trabalhos aqui. Quis conhecer pessoas em Portugal com quem colaborar, procurando estabelecer uma plataforma de trabalho. Mas não abandonei Berlim, estou entre cá e lá.
Que trabalho desenvolve no ateliê municipal dos Olivais?
Estou a trabalhar nalgumas exposições que vou ter este ano em Bruxelas, no Japão, em Los Angeles e em Paris. Estou a tentar trabalhar no ateliê sem me deslocar o que é um bocado estranho. Eu viajo muito, por causa das minhas pesquisas visito muitos arquivos. Um dos espaços onde vou expor nunca o vi. Nunca trabalhei assim. Vou aos locais, faço pesquisas e começo a desenhar e construir as minhas peças. Aqui comecei a trabalhar com materiais que nunca tinha usado: a cerâmica, o, bambus e as canas. Porém, os materiais surgem sempre associados a pesquisas que estou a fazer.
Que projetos tem para o ano de 2021 e de que forma a pandemia de COVID 19 os condiciona?
Com a pandemia as pessoas já não vem exposições já não viajam. É triste para os artistas. Nós trabalhamos tanto e esforçamo-nos tanto para as coisas acontecerem e de repente elas já não são visitadas. Acho que a arte só pode ser experienciada ao vivo, não através dos livros ou das imagens dos media. É importante estarmos na presença do objeto artístico, caso contrario não sabemos o que ele é. Não poder viajar é o maior entrave ao meu trabalho. Não posso deixar de montar as minhas próprias exposições porque são tudo trabalhos novos e mesmo que as coisas estejam construídas antes tenho que ver como funcionam no espaço. Muitas vezes as decisões são tomadas in loco.
Uma outra forma de ver teatro é ouvi-lo, e na plataforma RTP Play é possível encontrar inúmeros registos emitidos através da radio. Ao longo dos últimos anos, uma das presenças regulares nas emissões da rúbrica Teatro sem Fios da Antena 2 são os Artistas Unidos. De entre as dezenas de peças de teatro radiofónico apresentadas pela companhia dirigida por Jorge Silva Melo, selecionámos quatro da autoria de grandes autores contemporâneos.
O Tempo
Uma obra especialmente delicada e subtil sobre a relação entre um homem e uma mulher, separados pela classe social e pelo tempo, mas surpreendentemente unidos pela vida. Da autoria da dramaturga catalã Luisa Cunillé, Jorge Silva Melo, que a dirige, considera-a, através dos seus silêncios e diálogos prosaicos, “uma espécie de música secreta” que cabe ao espectador escutar e descobrir. Com Maria João Falcão e Américo Silva. Ouvir aqui.
Não me lembro de nada
Américo Silva e Isabel Muñoz Cardoso, dirigidos por Pedro Carraca, protagonizam esta peça curta de Arthur Miller. Numa cidade do interior dos Estados Unidos, uma viúva rica, cuja vida parece ter sido suspensa após a morte do marido, e um desenhista retirado, comunista convicto, amigo e colega de trabalho do seu marido, lamentam a passagem do tempo e a memória que se perde ao correr dos dias, e retira significado à vida. Ouvir aqui.
O Borrão/ O Consultório
Duas peças em um ato da autoria do dramaturgo português Augusto Sobral, datadas de 1961, que, segundo os Artistas Unidos, “romperam com o teatro que se fazia por cá”. Jorge Silva Melo lembra a estreia de O Borrão no Capitólio, pelo Grupo de Estudantes da Universidade de Direito, que imediatamente chamou a atenção de Amélia Rey Colaço, a poderosa diretora da Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro, que depressa o levou para o Teatro Nacional D. Maria II. “Um teatro irónico sobre o pesadelo da identidade e da burocracia”, aqui dirigido por António Simão. Ouvir aqui.
Ilha do Desporto/ Ilha do Futuro/ Noé
Três peças curtíssimas que revelam o teatro “surpreendente, enigmático, divertido, ligeiro, profundo, analítico, rigoroso, disfarçado de ingénuo”de Ricardo Neves-Neves. As peças sublinham o universo muito particular do autor, esse “quotidiano fantasiado e brincado, mas também aterrador”, pintado com referências pop e uma candura quase infantil. Pedro Carraca, Vânia Rodrigues e Andreia Bento interpretam; Jorge Silva Melo dirige. Ouvir aqui.
O Teatro à conversa em podcast
Duas grandes instituições teatrais da cidade, o Teatro Nacional D. Maria II (TNDM II) e o Teatro da Trindade INATEL (TdT), já se renderam à moda do podcast.
Quinzenalmente, em várias plataformas de streaming (como o Spotify ou o YouTube), o TNDM II apresenta um novo episódio de Teatra, uma conversa “sem guião”, conduzida por Mariana Oliveira. O mais recente é protagonizado pela atriz, dramaturga e encenadora Teresa Coutinho, mas por lá podemos encontrar registos com atores incontornáveis do teatro português, como Rui Mendes, Miguel Guilherme, Rita Blanco ou Paula Mora; com valores seguros da nova geração, como Sara Barros Leitão e Ana Guiomar; e até mesmo com o artista plástico Alexandre Farto e a escritora Dulce Maria Cardoso.
Mais recente, o podcast (In)Equivoco, de periodicidade mensal, marca a chegada do TdT a este formato. O conceito é semelhante, com Margarida Pinto Correia a encetar uma conversa com alguns dos protagonistas dos espetáculos que passam pelo histórico teatro do Chiado. O elenco de conversas disponíveis inclui José Raposo, Marcantonio del Carlo e João Didelet, Custódia Gallego e Gabriela Barros.
Depois de, em março do ano passado, ter sido uma das primeiras companhias a reagir aos efeitos da pandemia na atividade cultural, com a disponibilização de vários espetáculos online, o Teatro Aberto responde ao novo confinamento com uma mini-série de quatro episódios em vídeo e em podcast, com realização de João Lourenço e Nuno Neves, a partir de entrevistas conduzidas por Tiago Palma ao elenco de Só Eu Escapei.
Preparada para estrear em maio do ano passado, a peça, da autoria da dramaturga britânica Caryl Churchill, que esteve em cena no Teatro Aberto até à atual suspensão da atividade cultural, numa encenação de João Lourenço, juntou em palco um leque excecional de atrizes: Márcia Breia, Catarina Avelar, Lídia Franco e Maria Emília Correia. Elas que são, nas palavras de Lourenço, “a história viva do teatro português, do século XX aos nossos dias.”
André Gide
Os meus Oscar Wilde
No final de 1891, em Paris, o jovem André Gide conhece Oscar Wilde. Quatro anos depois reencontram-se no Norte de África e desenvolvem uma influente amizade. A obra Os Frutos da Terra, publicada em 1897, celebração de uma relação mestre/discípulo, foi lida como uma evocação dessa amizade. Gide não confirmou este pressuposto referindo que continha “apenas um pouco de verdade”. O presente livro reúne três textos que o grande escritor francês, Prémio Nobel de Literatura de 1947, dedicou a Oscar Wilde: In Memoriam, escrito após a sua morte, um excerto da autobiografia Si le Grain ne Meurt e um texto de louvor à publicação de De Profundis. Gide, que elegeu a sinceridade como um dos motores fundamentais da sua obra, escreveu: “Wilde tomou o partido de fazer da mentira uma obra de arte. Nada há de mais especioso, mais tentador, mais elogioso, do que ver na obra de arte uma mentira e, reciprocamente, considerar a mentira uma obra de arte”. Tradução, prefácio, interfácio (que inclui uma selecção dos mais significativos momentos dos processos judiciais de Oscar Wilde) e posfácio de Aníbal Fernandes. Sistema Solar
Helder Carita e José Manuel Garcia (Coordenação)
A Imagem de Lisboa
Os textos reunidos neste catálogo constituem um conjunto de comunicações apresentadas, em 2016, no colóquio A Imagem de Lisboa: O Tejo e as Leis Zenonianas da Vista do Mar, com o objectivo de promover a reflexão sobre a relação entre o Tejo e a imagem da cidade de Lisboa, abrindo novas perspetivas sobre a história da capital e do urbanismo português da época moderna. As Leis Zenonianas, promulgadas durante o reinado do Imperador Cezar Zenão (474-491), no contexto do Império Romano do Oriente, resultaram de um conjunto de normativas para a reconstrução de Constantinopla após um grande incêndio, incluídas mais tarde no Codex Justiniano. Na passagem do direito romano para o direito português, estas leis vão ligar as metrópoles de Constantinopla e Lisboa, que apesar de situadas em extremos opostos da Europa, radicavam as suas origens e destinos na relação com o mar e as rotas marítimas. Assumindo as vistas como um direito e um privilégio e agregando à sua volta um universo de conceitos estéticos que valorizam a imagem da cidade em função do Tejo, estas normas contribuíram de forma decisiva para o urbanismo da capital. CML-FCSH/NOVA
Romain Gary
Uma Vida à sua Frente
Uma Vida à sua Frente, de Romain Gary, foi um dos maiores êxitos do único escritor duplamente galardoado com o Prémio Goncourt, em 1956, com As Raízes do Céu e, em 1975, com este romance, facto possível apenas por o ter publicado sob o pseudónimo literário de Émile Ajar. Verdadeiro tratado de humor e ternura, narra, na primeira pessoa, a história de Momo, um rapaz árabe de 14 anos, abandonado pelos pais, e da sua relação com a velha prostituta que o acolhe, Madame Rosa, uma judia sobrevivente de Auschwitz. O jovem narrador reúne, com surpreendente credibilidade, atributos aparentemente inconciliáveis: a inocência e ingenuidade da infância e a capacidade precoce de entender o mundo e de lidar com o sofrimento humano. A adaptação do romance ao cinema por Moshé Mizrahi, em 1977, valeu a Simone Signoret, no papel de Madame Rosa, uma das suas últimas grandes criações. Eloquente testemunho de como o amor pode vencer o preconceito e a discriminação, este é um livro que nos ajuda a viver a vida à nossa frente. Livros do Brasil
Edward Gibbon
História do Declínio e Queda do Império Romano
Segundo a opinião autorizada do historiador Edward Gibbon (1737-1794) “o período da história do mundo em que a condição da raça humana foi mais feliz e próspera decorreu entre a morte de Domiciano até à entronização de Cómodo”. Porém, salvaguarda o escritor: “Os anais dos imperadores [romanos] revelam um variado e enérgico retrato da natureza humana (…). A conduta destes monarcas dá-nos um quadro das linhas extremas do vício e da virtude; a mais elevada perfeição e a mais vil degradação da nossa espécie”. Usando unicamente fontes primárias – textos e documentos escritos por pessoas que viviam na época dos eventos descritos – Gibbon demorou mais de 15 anos a escrever este livro que acompanha o percurso do Império Romano desde o seu auge, no ano de 98 d.C., até ao ano de 1580. Esta edição apresenta a versão reduzida da monumental obra de Gibbon (6 volumes), que o jornal The Guardian elegeu como uma das cem melhores obras de língua inglesa de todos os tempos e o melhor livro de história, também em língua inglesa, preparada por D. M. Low e publicada em dois volumes. Bookbuilders
Mónica Baldaque
Sapatos de Corda
Mónica Baldaque começou a escrever este livro ainda a mãe (a escritora Agustina Bessa-Luís) era viva. A ideia surgiu-lhe aquando da leitura das cartas que Agustina escrevia à sua mãe (avó de Mónica), muitas delas aqui reproduzidas. A obra leva-nos ao encontro de uma outra Agustina, através das impressões da filha, fundindo-se as duas na memória que habita estas páginas. A autora fala-nos, com delicadeza e grande sensibilidade, do tempo passado com os seus pais em Coimbra, no Porto, em Vila do Conde e na região do Douro, revelando aspetos inéditos da vida e personalidade de Agustina, como este: “Quando lhe perguntaram se tinha tido pena de não ganhar o Nobel, ela respondeu que só tinha tido pena por não ter dançado com o rei! Pois vesti-lhe [quando morta] um vestido de baile para que fosse preparada para uma dança, com o rei, com Deus!” A capa do livro reproduz o esboço de uma mulher com o olhar fixado no mar. Tem um vestido comprido, está ligeiramente curvada, com o queixo pousado na mão. Toda a paisagem é da cor do linho. Do mesmo linho que Agustina vestia nos dias quentes de verão. Relógio D’Água
Patrícia Silva
Jobs For the Boys?
Sobre um fundo amarelo vivo recorta-se uma pasta negra fechada. Uma pasta vulgar, como as que usam tantos funcionários públicos administrativos. O presente ensaio pretende abrir esta pasta negra. “Jobs for the boys”. “Dança das cadeiras”. “Boycracia”. “Assalto ao Estado”. Todos conhecemos estas expressões, que sugerem a existência de favoritismo e politização na atribuição de empregos na administração pública. “É difícil encontrar um contexto democrático em que os atores políticos não procurem controlar a administração pública, socorrendo-se das nomeações”, escreve a autora, doutorada em Ciência Política. A obra enquadra a questão e identifica possíveis pontos de equilíbrio entre o controlo democrático da administração e a limitação da margem de manobra dos políticos na escolha de dirigentes. Termina avançando três propostas que prometem estimular a discussão sobre estratégias para conter os danos da politização dos serviços públicos. Porque é urgente “limitar, melhorar e exigir.” Fundação Francisco Manuel dos Santos
David Machado e Paulo Galindro
O Tubarão na Banheira
Um menino vai pescar com o avô. Mas, sem óculos, o avô não vê um palmo à frente do nariz, e acaba por levar para casa um tubarão em vez de um peixe! E agora? O tubarão não cabe num aquário! A única solução é pô-lo na banheira! Mas como reagirão as pessoas que moram lá em casa? O menino, aquele que pescou o tubarão, tem um caderno de palavras difíceis onde descreve todas essas reações. David Machado, vencedor do Prémio da União Europeia para a Literatura e do Prémio Salerno Libro d’Europa, tradutor de Bioy Casares e Mario Benedetti, conta uma história absurda e muito divertida. Paulo Galindo, ilustra de forma minimal, sem cenários, usando para a personagem principal roupa real: a roupa dos seus filhos. De regresso às livrarias, eis um dos grandes sucessos editorias da literatura infanto-juvenil portuguesa da última década, agora em 13.ª edição! Caminho
Vim ao mundo na Clínica de S. Gabriel, em S. Jorge de Arroios, às 04h20, do dia 21 de Fevereiro, de 1972. A minha mãe, então uma jovem de 19 anos, no momento do parto berrou e insultou as parteiras, a quem chamou de cabras e putas para aliviar a tensão das entranhas abertas e da passagem lenta da minha cachola. Nasci cabeludo, cabeçudo como um pepino, mas depressa fiquei careca, e assim estive, reboludo, bochechudo e calvo, durante um ano.
Alvalade foi o meu primeiro bairro. Ali fiz o tirocínio das artes da guerra que são as de crescer na rua, entre uma rapaziada danada da breca e ciganada dos bairros periféricos do Cambodja e Vietname (em Chelas).
Nos primórdios da adolescência, por curiosidade antropológica, comecei a visitar a aldeia cigana ao cimo da Avenida dos EUA (1). Queria ser adoptado pelo rei dos ciganos e tardava em voltar a casa, deixando-me estar até anoitecer deitado à etrusca nos tapetes da família Lelo que vivia de expedientes de feira e outros, dos quais não me apercebi ao certo, mas deviam ser marginais. Mais tarde vim a saber que eram contrabandistas e traficantes de haxixe e isso explicava os carros de luxo, os molares doirados e o ceptro (uma moca cravejada de diamantes) do grande chefe. Havia sempre guitarras, dança, cantos e lamentos, gataria e vira-latas e um vozear roufenho. Chamavam-me o russo de má-pêlo e acolhiam-me como um dos seus, mal sabendo que Salazar era de origem romani.
Fui parar ao ramo dos tuk tuks por causa do Frederico Duarte Carvalho, um carolas da História e das narrativas orais, além de escritor prolífico e de valor (com quem editei há pouco o livro Cartas do Confinamento [ed. Âncora]. Sabia dos ventos de glória de um par de antigos compagnons de route do Jornalismo, que ali viram uma forma de compensar a míngua das redacções, continuando a fazer da arte de comunicar a bordo de um riquexó o seu ganha-pão, com a tripla vantagem dos vazios legais, o ajuste de contas poético com o Sistema e o grito de liberdade. Dava-me jeito para compensar um azar de percurso e vim a descobrir na vida de feirante um verdejante pasto de crónicas e reportagens, que me levariam a escrever O Moturista Acidental [ed. A23], e a gravar uma série homónima para TV (por estrear). Para quem nunca experimentou a vida de tuktukeiro, isto é, visto de fora, e julgando o monge pelo hábito, quem o faz não passa de uma estirpe de diletantes. Um escol de janados, maltrapilhos, indigentes, impostores. A escória da sociedade, que, não tendo onde cair morta, caiu no cockpit de um tuk para arrebanhar uns cobres fáceis.
Ora, o guia, se tiver brio, estuda e dedica-se. Além de saber meia-dúzia de línguas, os meandros da História, e de entreter, tem que usar da fineza dos vendedores avisados. Está na rua, mas podia estar numa livraria ou alfaiataria, a dissertar sobre a obra de autores ou a vender fatos por medida. Se sabe quem foi o olisipógrafo Júlio Castilho ou quem são Appio Sottomayor e a Maria João Martins, tanto melhor. Se pode levar o viajante à mesa do British Bar onde Cardoso Pires escreveu o seu Lisboa: Livro de Bordo ou à viela onde desafinou o papillon de Baptista-Bastos por avanços sobre a sua esposa; ao Martinho da Arcada, onde Pessoa bebeu absinto e caligrafou A Mensagem; ou à passagem esconsa e sombria junto às Portas de Santo Antão onde Luís Vaz se travou de argumentos que o levariam ao cárcere ali vindo a escrever o primeiro canto de Os Lusíadas, melhor ainda. Se anda munido dos mistérios desvendados por Victor Mendanha ou sabe dos passos secretos e da geometria dos maçons, é pura questão de gosto e apreço pelo que não está à vista.
Alvalade, é falar do meu Sporting, indo um pouco mais além. Avô e pai Gomes, adeptos do Sporting, trouxeram-me, por ADN, a paixão leonina. Tenho bem presente o baptismo no velho estádio José Alvalade (2). Era uma tarde ensolarada e lá fomos, eu, pai e avô (das poucas vezes que nos recordo juntos) assistir a uma partida do campeonato. Vi-me fascinado com o espectáculo ao vivo, embora me lembre de ter passado mais tempo ocupado a comer queijadas e a emborcar sumóis de ananás. Ganhámos o jogo e por cada golo (uma cabazada) vi-me içado como um papagaio de papel entre leões em êxtase. A emoção do golo tem a sua razão de ser na explicação para a irracionalidade do clubismo.
Ao passear um turista em Lisboa dou por mim a pensar no poema Invitation au Voyage, de Baudelaire, e de como a minha ideia de Portugalidade insiste em ser a de um lugar ao sol onde povos sucessivos campearam para se instalarem, mas no final sobrou um gueto feliz, oásis de turistas em sobressalto, um dos poucos lugares do mundo onde é possível uma mesma rua alojar um muçulmano, um judeu e um ateu sem a noite acabar num paiol de pancadaria.
Penso em discussões pífias de futebol, em poetas e versejadores, em mandriões e mânfios e tanas e badanas e sacanas (como lhes chamou o Nuno Bragança) mas tudo malta convencida de que é porreira e de bom coração, penso no Ernesto Sampaio que dizia ser esta uma terra de bimbos, mas a ocidente não conhecer outra melhor.
Viajar fez-me concluir que o português emigrado é um tipo orgulhoso do seu torrão deixado para trás onde sempre voltará, de peito feito à conquista da terra escolhida como canteiro adoptivo mas sem nunca perder de vista a pátria por mais anafada a conta bancária.
Dei por mim, na qualidade de exilado (que me levou a escrever o livro de crónicas e contos Quo Vadis, Salazar? Escritos dos Exílio [ed. Escritório], saudoso de um pão capaz, uma sopa da avó, uma diatribe de bola olho no olho na tasca do senhor Abílio, o mar ao sair da porta, a luz coada do Verão quando ainda é Inverno, o burburinho das ruas estreitas da Mouraria e Alfama onde sempre voltei e me vi guia acidental.
Se professor é quem ensina (a andar, falar, pensar…) a minha avó Vessadas foi a primeira e grande mestra da minha vida. Antes de sentar o rabo na 1ª classe, no Bairro de S. Miguel, comecei por ir com a minha avó para o Campo de Santa Clara (3), onde ela dava aulas aos neófitos. Eu ficava à retaguarda, nos bancos dos fundos, ao lado de um calmeirão angolano. Como era o neto da “stôra”, olhavam para mim de lado, mas com o tempo, acabei por ser incluído e ganhei mesmo a alcunha de Tintim, graças a um redemoinho no meio da testa que perdurou até aderir ao semblante heavy-metal na adolescência. Nas aulas da avó Vessadas aprendi o bê-á-bá (e as linhas de caminhos-de-ferro e os rios e a tabuada) como os mais velhos costumam dizer “à moda antiga” (com açoites de régua e demais ensinamentos).
Qualquer miradouro de Lisboa nos leva à pose de contempladores de mundos, mas tenho especial carinho pelo alto do Parque Eduardo VII (4), onde D. Carlos e o rei inglês se divertiam como ardentes monteiros e bebedores de cátedra. Um dia, a passear um casal de americanos, ouvi este diálogo.
– Estou a fazer 43 biscas não tarda e que sei disto, do ofício de viver? Ando a ver se consigo pelo menos chegar à fase do quanto menos penso, mais existo. É tramado quando começas tarde a praticar e estás viciado em pensar achando que pensas bem mas apenas ruminas. Mas acho que os resultados estão a aparecer. Esta semana, por exemplo, consegui estar a olhar para uma parede branca meia hora sem pensar em quase nada tirando como pagar a este, àquele e aquele outro e como fazer com que me paguem a mim, para a coisa fluir com boas energias.
– Deixa-te lá de coisas e faz-te à vida. Estás porreiro, tirando essa malapata. Lê o Balzac e “A arte de pagar as suas dívidas e de satisfazer os seus credores sem gastar um cêntimo”. Pensa que há credores sensíveis e bondosos que acabam por se afeiçoar ao devedor. Olha para mim com 67. Devo a meio mundo, querem cortar-me o pescoço, depenar-me e continuo a fazer a minha vida como se nada se passasse.
Quando a Praça de Camões (5) se desvenda ao subirmos a Rua do Alecrim (6), e se dá de caras com a estátua do poeta, o mais certo é o embarcadiço do tuk tuk questionar quem é o fulano da pala. Conta-se então, conforme a inspiração do dia, estarmos diante do mais alto vate da nação. Se for cliente italiano, diremos estarem Os Lusíadas para A Divina Comédia, e Luís Vaz no degrau de Petrarca e Alighieri. Por razões que a razão desconhece, dou por mim a exortar os meandros da Ilha dos Amores, certo de que nenhum outro canto expressa tão avisadamente o que poderá ser a alma lusitana. Perro no italiano, desabrido no inglês e pomposo no francês, quando me chega a hora de impressionar a freguesia nada mais adequado do que pegar num velho exemplar camoniano da biblioteca do meu avô Garcia, empoleirado no banco do meu tuk tuk e de mão direita a desenhar voos picados por cada soneto lido. Aos franceses, comparo-o a Baudelaire como podia trazer à liça Verlaine ou Rimbaud, não tendo Celine parido poesia digna de registo. Aos brasileiros, nada mais os impressiona do que acordar o poeta Pessoa, e aí há que descer à Rua Garrett (7), ao Largo do S. Carlos (8) e às artérias da Baixa, se queremos esbarrar com a alma do poeta total. Camões, Bocage, Pessoa, Mário de Sá Carneiro, Cesário Verde, o poeta Chiado, navegam a bordo do meu tuk tuk como podiam navegar nas ruas do Rio de Janeiro Clarice Lispector, Vinicius ou Tom Jobim.
Podia contar a história de um sem número de viajantes ocasionais, levados a bordo do meu tuk tuk amarelo, a quem chamo com carinho de machimbombo. Falo aqui de um casal aposentado do Surrey. Vi Kevin a primeira vez numa esquina da Rua Garrett. Linda, a mulher, esperava-o, e não se pode deixar uma mulher à espera ou trocar-lhe os planos. Estavam casados há 35 anos e viviam a reforma dourada. Os filhos criados, o negócio vendido e o suficiente para darem um par de voltas ao mundo até se esfumarem nos ares unidos pelo seu amor antigo. Depois de uma carreira bem sucedida de vendedor,salesman you know, dizia, Kevin era agora na reforma um fotógrafo apaixonado. Antes de zarparmos, deu-me um par de directivas. Queria frequentar ruas sem gente e paisagens dramáticas. Guinei ao cimo do Príncipe Real (9), aos ziguezagues pela Rua das Adelas (10), a Praça das Flores (11), a rua dos Prazeres, até chegar ao meu miradouro secreto nas traseiras do Jardim Botânico. O segredo, estava na hora de dizer-lhe, era apenas um: achar a famosa luz de Lisboa, e descobrir porque esta era a cidade dos céus mais altos do mundo. Diante de si tinha a cidade escancarada, apenas para ele e Linda e o chaperone Salazar, com a colina do Torel (12) ao longe e a cúpula da casa dos galegos a fumegar para fazer daquele instante um momento inesquecível.
A presença da Roma antiga na nossa sociedade atual é maior do que porventura nos damos conta, até no nosso quotidiano de Lisboa. A língua que falamos, a organização social e administrativa, a estética e tantas outras facetas da sociedade romana moldaram de várias formas a nossa. Não temos um monumento de grande escala que torne essa influência óbvia, tal como um Coliseu de Roma, um Teatro de Mérida ou mesmo, noutra escala, um Templo de Diana, como o de Évora. O que temos é um conjunto enorme de vestígios mais subtis, ou mesmo com alguma envergadura, mas disfarçados nas sucessivas camadas de reorganização da cidade ao longo das épocas posteriores.
À medida que vão sendo realizadas cada vez mais intervenções arqueológicas, começamos a compreender melhor a dimensão da presença romana, da sua organização e do estilo de vida que a Pax Romana permitiu. O projeto Lisboa Romana/ Felicitas Iulia Olisipo, arrancou em 2017 com uma ambiciosa agenda para possibilitar um conhecimento mais profundo, sitematizado e abrangente desse período histórico, dos seus antecedentes e consequências .
Ao criar uma rede de colaborações entre instituições lisboetas e dos concelhos limítrofes que integram aquele que foi o antigo território do municipium de Felicitas Iulia Olisipo, vai permitir valorizar, no seu conjunto, o vasto acervo arqueológico da Área Metropolitana de Lisboa. Entre as várias realizações deste projeto, ficou disponível, desde 14 de janeiro, o site bilingue, em português e inglês, Lisboa Romana / Felicitas Iulia Olisipo para impulsionar a divulgação deste conhecimento junto do grande público, e que inclui a georreferenciação dos principais vestígios conhecidos, para além de um vasto conjunto de informação patrimonial.
Edições temáticas, um congresso e exposições farão parte da programação prevista num futuro próximo, sendo de destacar uma programação de eventos online onde pode seguir a temática com a orientação de destacados especialistas.
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