Em janeiro, o Coliseu recebe oito espetáculos de Madonna e o Campo Pequeno serve de palco a concertos de James Arthur e Keane. No mês seguinte, Devendra Banhart atua em dose dupla no Capitólio e a Aula Magna acolhe os Tindersticks.

Janeiro é marcado pelos oito concertos de Madonna no Coliseu dos Recreios. ©Ricardo Gomes

 

Em março, os americanos Cock Robin atuam no Coliseu para um público nostálgico. Abril traz Nick Cave and The Bad Seeds e Bon Iver à Altice Arena. E maio é um mês de grandes concertos: o britânico Michael Kiwanuka atua no Campo Pequeno, os alemães Alphaville no Coliseu, e Harry Styles na Altice Arena.

Em junho, é a vez de rever James Blunt no Campo Pequeno e, em julho, a escolha promete ser difícil: a Altice Arena recebe os Kiss, os Aerosmith e Lenny Kravitz.

Os norte-americanos Guns n’ Roses regressam ao Passeio Marítimo de Algés, menos de três anos depois de terem esgotado o recinto.

 

Fora de portas, mais especificamente no Passeio Marítimo de Algés, e antes da entrada em cena de um NOS Alive estrelado por Kendrick Lamar,Taylor Swift, Billie Eilish ou Faith No More, 20 de maio é a data de arranque da segunda fase da digressão europeia da Not In This Lifetime Tour dos Guns n’ Roses.

Lawrence Ferlinghetti

Rapazinho

Publicado em 2019, aos 100 anos de idade, Rapazinho constitui uma espantosa manifestação de vitalidade criativa. Lawrence Ferlinghetti é o decano dos poetas americanos e um dos membros mais importantes da Geração Beat. Considerado o seu testamento literário, este é um livro sobre a memória, descrita pelo escritor como: “uma ampulheta e quando a viramos todos os grãos de areia da vida passada fluem por ela confundindo-se as areias do tempo recentes e antigas todas aleatoriamente misturadas”. Por isso, esta obra torrencial e estimulante é, simultaneamente, autobiografia, recordação, balanço de vida, evocação de um universo literário, reflexão última sobre o sentido da existência, sonho, profecia… Como escreve o autor: “E isto não é nenhum romance é uma espécie de epifania contínua a que o tempo dará clareza (…) não há aqui história para um romance porque também não há na vida, há apenas a hesitante construção das palavras entre o sono e a vigília”.

Quetzal

David Mourão-Ferreira

Obra Poética

Num poema que evoca os seus quarenta anos de poesia, David Mourão-Ferreira (1927-1996) escreve: “Já dez anos vezes quatro / deste meu órfico ofício”. “Órfico ofício” porque, como salientou Eduardo Prado Coelho, a poesia de David Mourão-Ferreira é, acima de tudo, “celebração da própria poesia”. E assim foi, desde 1948 com o início de uma “Secreta Viagem” inscrita sob o signo de Eros, dando, nas palavras do poeta, “primazia à alusão, à sugestão, à imaginação”. Na realidade, o corpo feminino surge como tema central da sua obra (“Esta mulher / no centro/ do corpo traz uma ilha”). Poesia do erotismo, mas que apresenta outros temas marcantes: a Itália e a cultura clássica de Roma (no poema Ar de Itália: “Mesmo que seja só de passagem / esta é a brisa que me renova”); a fugacidade do tempo (“E por vezes ah por vezes / num segundo se evolam tantos anos”); a memória e o esquecimento (“Há de vir um Natal e será o primeiro / em que nem vivo esteja um verso deste livro”). Da presente obra, organizada e revista por Luis Manuel Gaspar com a colaboração de David Ferreira, fazem parte todos os livros e conjuntos de poemas organizados e publicados pelo autor e a sua obra posterior: Lisboa – Luzes e Sombras (1992), Música de Cama (1994), e Rime Petrose, cinco sonetos publicados na revista Colóquio/Letras em janeiro de 1995. Inclui ainda o Cancioneiro de Natal, iniciado em 1960 e que o autor considerava uma “obra “aberta” ou “em suspenso”, e agora concluído com um poema de 1995, Som de Natal.

Assírio & Alvim


Michael Palin

Diário da Coreia do Norte

Michael Palin foi um dos membros fundadores do célebre e inovador grupo de comédia Monty Python. A partir do final dos anos 80 iniciou uma segunda brilhante carreira como escritor e autor de séries de viagens. Em 2018, partiu à descoberta da República Popular da Coreia para uma série a transmitir pela ITN e o Chanel 5. Este livro é o diário dessa viagem “fora do comum”. É um relato sem preconceitos, honesto e de grande humanidade, mais revelador do que muitas análises pretensamente políticas ou sociológicas. Palin retrata os norte-coreanos como “enclausurados num sistema que exige lealdade inquebrantável, mas oferece em troca segurança, e em cujos limites estreitos alguns têm a possibilidade de desfrutar da vida e prosperar”. Aqueles que conheceu, ao longo de quinze dias de viajem, vivem o quotidiano “não alquebrados ou vergados, mas orgulhosos do seu país e satisfeitos por nos interessarmos pela sua forma de vida”. Os leitores que desejem ter um vislumbre do dia-a-dia na secretista Coreia do Norte, encontrarão em Michel Palin o guia mais compreensivo.

Bizâncio

James Baldwin

Se o Disseres na Montanha

James Baldwin (1924/1987) fez parte, com Ralph Ellison e Richard Wright, de uma geração de escritores negros que, no pós-guerra, exploraram o tema da raça como questão fundamental para a identidade da América. Romancista, ensaísta, poeta e ativista dos direitos civis, foi, com Gore Vidal, um dos mais lúcidos espíritos críticos que a América produziu no século XX e um dos seus maiores intérpretes. Se o Disseres na Montanha é a obra mais pessoal de Baldwin (“Se só pudesse escrever um livro na vida, seria este”), um violento requisitório contra o papel repressivo da religião. O autor foi triplamente discriminado pelo racismo e pela igreja, como negro, homossexual e ateu (pregador entre os 14 e os 17 anos, experiência que lhe inspirou este romance, Baldwin perdeu a fé na idade adulta). A figura do pai, ministro da Igreja Pentecostal, hipócrita, fanático e prepotente, personifica a domínio da religião contra a qual o jovem protagonista se insurge em busca da sua identidade e da liberdade moral, emocional e sexual.

Alfaguara

Pieter M. Judson

História do Império Habsburgo

Pieter M. Judson é professor de História Moderna no célebre Instituto Universitário Europeu, em Florença. Tem centrado a sua investigação na história europeia moderna, séculos XIX e XX, nos conflitos nacionalistas e nos movimentos sociais revolucionários. Recebeu em 2011 o Prémio Nina Maria Gorrissen, de História, da Academia Americana de Berlim, bem como, em 1997, o Prémio da Associação Histórica Americana e o do Instituto Cultural Austríaco, pela sua obra Exclusive Revolutionaries: Liberal Politics, Social Experience, and National Identity in the Austrian Empire 1848-1914. Na presente obra historia a dimensão e a pluralidade do Império Habsburgo que, durante séculos, conseguiu governar um conjunto invulgar de povos e territórios em diferentes estágios de desenvolvimento, com credos diferentes e dezenas de línguas. Porém, as revoluções de 1848 e as aspirações da população, inflamadas por movimentos nacionalistas, e as várias guerras (a de 14-18 em particular), levaram à desagregação do Império e à criação de vários Estados. Ironia derradeira, na sua maioria, os Estados resultantes desta desagregação acabaram por replicar o modelo imperial: territórios multilingues, por vezes conquistados pela força, com várias minorias étnicas.

Bookbuilders

A Igreja de São Cristovão de Lisboa

A Igreja de São Cristovão resistiu particamente incólume ao Terramoto de 1755,conservando um espólio artístico de valor inestimável. O templo é um notável exemplo da arte total do barroco Português que alberga pintura, talha, imaginária, mobiliário litúrgico e outras artes, remanescências de um singular programa integral datável da época áurea de D. Pedro II, o final do século XVII e o início do século XVIII. Nascido de um movimento comunitário exemplar, o projecto “Arte por São Cristóvão”, mobilizou artistas, população, instituições públicas e associações locais em torno da belíssima igreja com o objetivo de angariar fundos para a urgente intervenção de que carece. A presente publicação insere-se nessa campanha e tem como local exclusivo de venda a Igreja de São Cristovão. As receitas revertem integralmente a favor das obras de restauro do edifício.

Câmara Municipal de Lisboa

Miguel Pureza

Os Inimigos da Liberdade – Peça para Três Escravos

Estreada no passado mês de novembro no Teatro da Trindade, a peça de estreia de Miguel Pureza, nome reconhecido pela realização de séries de televisão e da curta-metragem A Bruxa de Arroios, distinguida com o Prémio MoteLx em 2012, surge agora publicada em livro. Vencedora da edição 2018/2019 do Prémio Miguel Rovisco – Novos Textos Teatrais, iniciativa anual da Fundação INATEL com o fim de promover e estimular novos autores para a escrita de textos originais para teatro em língua portuguesa, Os Inimigos da Liberdade – peça para três escravos é, segundo o autor, uma alegoria sobre “uma ditadura sem rosto”. Partindo do mito de Sísifo, o antigo monarca condenado eternamente a carregar uma pedra até ao cimo do monte, o texto acompanha a tragédia de três homens agrilhoados a uma pedra gigante, que puxam sobre as areias do deserto num círculo infinito. Excedendo as barreiras do tempo e do espaço, os homens acabam por esquecer quem são e, no dia em que se libertam das correntes, debatem-se com um conceito com o qual não sabem lidar: o da liberdade. FB

Inatel

Charles R. Cross

Mais Pesado do que o Céu – A biografia definitiva de Kurt Cobain

A 5 de abril de 1994, com 27 anos, Kurt Cobain pôs fim à vida, inscrevendo o seu nome num panteão de ícones rock onde já figuravam Brian Jones, Jimi Hendrix, Janis Joplin ou Jim Morrison que, com a mesma idade, deixaram o mundo dos vivos. 25 anos depois, o jornalista Charles R. Cross lança aquela que é “a biografia definitiva” do líder dos Nirvana, depois de em 2001, por ocasião dos 10 anos do lançamento de Nevermind, ter publicado uma primeira versão. Suportada por mais quatro anos de intensa investigação e centenas de entrevistas, Ross decifra, ao longo de meio milhar de páginas, esse “puzzle complicado” que foi a vida de Cobain desde o nascimento em Aberdeen, Washington, até ao suicídio, ocorrido na efervescente capital do grunge, Seattle. Construída como espelho de uma época – ou não tivesse Cobain sido, provavelmente, o último grande rocker do “mundo analógico” – Mais pesado do que o céu (título retirado do slogan usado na digressão inglesa dos Nirvana e dos Tad, em 1989) é uma obra essencial para os fãs do criador de Smells like teen spirit. FB

Pim! Edições

Como surgiu a ideia de fazer um filme sobre os primeiros tempos da maternidade?

Comecei a pensar fazer um filme sobre este período quando estava a passar por ele. Quando fui mãe, embora não tenha gozado o tempo oficial da licença de maternidade, achei que era uma altura muito particular. Talvez por ser inverno, havia uma certa reclusão: o espaço da casa, os dias pautados pelas visitas e pela presença da minha mãe que me ajudava com o bebé. Todos aqueles visitantes estavam envolvidos naquele espaço de intimidade enquanto eu dava de mamar. Falavam das suas vidas e havia quase um lado confessional. Era uma verdadeira troca. Esse momento que estava a viver era uma espécie de cápsula do tempo e achei muito interessante a ideia de fazer um filme a partir desse ponto de escuta: uma mãe, enquanto dá de mamar, ouve uma série de histórias que têm ligação àquela vida que está ali a começar.

Como chegou ao casal presente no filme?

A ideia era prévia à experiência deles e havia um dado adquirido para o trabalho: teria de ser feito com uma mãe a amamentar. Conhecendo a Marta [Lança] e a abertura dela, e estando ela grávida, achei que seria a pessoa que procurava. Depois deu-se um processo que foi discutido e falado em diversos momentos. Penso que a Marta estava mais disponível do que o Pedro [Castanheira], uma vez que ele não me conhecia. Mas, com o tempo, fomos estabelecendo uma forma de fazer o filme, bastante adaptada à realidade que eles estavam a viver e que implicava rotinas de trabalho muito suaves.

Porque não recorreu a atores?

Ainda pensei nisso, mas teria de ser uma atriz que estivesse grávida. Seria bastante complicado fingir essa realidade.

Houve algum tipo de direção?

Houve sempre direção. O filme é feito totalmente com as ferramentas do cinema de ficção.

O filme é uma ficção, mas no fundo o dia a dia destas pessoas é real. Como distingue a fronteira entre o documentário e a ficção?

É um processo que estou ainda a delapidar. Não me interessa nada apagar as condições do real em que vou fazendo os meus filmes, ou impingir uma psicologia às personagens que não é a delas. Interessa-me muito trabalhar as histórias das próprias pessoas, fazendo talvez algumas sínteses, algumas elipses, alguns elementos de composição para contar essas histórias. Tenho tentado apurar os meus próprios meios que são um acumular de experiências, e o facto de filmar com alguma regularidade permite que neste processo os filmes vão trazendo coisas de uns para os outros.

O seu trabalho tem sempre por base a realidade, mesmo quando se trata de um trabalho ficcional. É este o registo que mais lhe interessa?

Quando comecei a filmar foi na lógica do documentário, de um cinema mais observacional. O Tempo Comum é o primeiro filme em que trabalho os textos. Trabalho as histórias que as pessoas me transmitem, transpondo essa oralidade para o plano. Interessa-me explorar linhas mistas, projetos em que não tenha de definir previamente um estilo. Talvez queira assegurar coisas que têm mais a ver com o trabalho de ficção, como ter os atores disponíveis para o trabalho de um filme.

Seria então mais fácil trabalhar com atores profissionais?

Do ponto de vista do resultado, acho que não é mais fácil. Mas no sentido da disponibilidade física e temporal de um ator profissional, sim. Preciso dessa disponibilidade, nesse aspeto é mais fácil do que trabalhar com uma pessoa que tem outra vida profissional para além do filme. Porém, o facto de não serem profissionais não é a questão.

A meio do filme há um confronto entre o passado e o presente do país, que é feito através da história de duas personagens: uma vizinha idosa que vive no Alentejo e um tio que esteve na Guerra do Ultramar. As histórias dessas pessoas surgiram naturalmente ou foram intencionais?

Eu gostava que no filme estivesse presente a ideia de como os filhos, os bebés, eram criados num certo passado não assim tão longínquo. E que houvesse um contraste com a ideia contemporânea de uma mãe da cidade fechada num apartamento. Encontrei a Maria de Jesus, uma vizinha da Marta, no monte alentejano onde eles passam algumas temporadas, e resolvi filmar a cena onde ela fala das dificuldades que as mães tinham no tempo em que era nova. Relativamente ao tio da América, o Joaquim é alguém que não faz parte da vida da Marta e que eu trouxe para o filme. A presença dele tem muito a ver com um lado meu que gosta de compilar histórias e factos, sem ter propriamente uma intenção ou uma ligação ao que se está ali a passar.

Já existem projetos para o futuro?

Estou acabar a montagem do meu próximo filme que se chama No Táxi do Jack, que é feito com o Joaquim, o tio americano no Tempo Comum. É um filme sobre amizade em tempos adversos. Para o próximo ano, conto preparar também uma longa-metragem de ficção que se chama Cidade Rabat.

Henry Bergson

O Riso

O filósofo Henry Bergson, Prémio Nobel de Literatura de 1927, opôs-se ao positivismo e ao materialismo desenvolvendo uma análise crítica do conhecimento fundamentada nos conceitos de memória, duração e intuição. Ao adoptar a biologia, a fisiologia e a psicóloga como bases do seu pensamento influenciou várias áreas da criação artística como o cinema e a literatura (Marcel Proust incluiu na sua obra monumental Em Busca do Tempo Perdido conceções de Bergson sobre a memória). O presente livro reúne três artigos sobre o Riso, analisado através do método que consiste em determinar os “processos de fabricação “ do cómico e, ao mesmo tempo permite descobrir qual a intenção da sociedade quando ri. O autor escreve que não pretende responder às interrogações sobre o significado do riso visando “encerrar numa definição a fantasia cómica. Vemos nela, antes do mais, algo de vivo. Tratá-la-emos, por muito leve que ela seja, com o respeito que devemos á vida. Limitar-nos-emos a vê-la crescer e desbrochar.”

Relógio D’Água

Paulo José Miranda

Um prego no Coração

Natureza morta

Vício

Em 1999, Paulo José Miranda tornou-se o primeiro vencedor do Prémio José Saramago com a novela Natureza Morta, reeditada neste volume, 20 anos depois. Escreve poesia, ficção, teatro e ensaio e publicou recentemente uma biografia de Manoel de Oliveira, A Morte não É Prioritária. O presente livro, de requinte gráfico assinalável, com belíssimas ilustrações de Tiago Albuquerque, reúne os três primeiros romances do autor, através dos quais procurou penetrar, em linguagem límpida e pensamento fino, os meandros da criação a partir de três artistas de grande relevo, dois poetas e um músico: Cesário Verde, João Domingos Bomtempo e Antero de Quental. Mais do que uma trilogia de recorte histórico, estes textos escritos em diferentes estilos – epistolar, narrativo e diarístico – mergulham na relação dos autores com as suas próprias obras e com as interrogações que nelas expressam.

Abysmo

Michel Pastoureau

Vermelho

O presente livro é o quarto de uma série em curso iniciada com Azul (2000), Preto (2008) e Verde (2013).Um quinto deverá suceder-lhes, dedicado ao amarelo. Á semelhança dos anteriores, é um livro de história que estuda o vermelho nas sociedades europeias, do paleolítico aos nossos dias, sob todos os seus aspectos, do léxico aos símbolos, passando sobre a vida quotidiana, pelas práticas sociais, pelos saberes científicos, pelas aplicações técnicas, pelas morais religiosas e pelas criações artísticas. Segundo o autor, o vermelho é a cor arquetípica, a primeira a ser reproduzida pela humanidade em pinturas parietais e adornos corporais. Vinculado ao fogo e ao sangue desde épocas remotas, é a cor do Graal e do amor nos romances de cavalaria. Será também a cor dos proscritos, das forças do mal, indiciando perigos e interdições. Marginalizado por Newton e renegado pela Reforma protestante, perde o seu estatuto de primeira cor e torna-se demasiado vistoso, e até imoral. Permanecerá, no entanto, como a cor do erotismo, da alegria e da revolução.

Orfeu Negro

José Luandino Vieira

Luuanda

O escritor José Luandino Vieira estava preso há quatro anos no Tarrafal quando, Em 21 de Maio de 1965, a Sociedade Portuguesa de Escritores deliberou atribuir-lhe o Grande Prémio de Novela, pela sua obra Luuanda. Nessa mesma noite a sede da SPE foi assaltada e por elementos da PIDE e da Legião Portuguesa. Nessa mesma data, o Ministro da Educação Nacional, extinguiu a Sociedade Portuguesa de Escritores. “Fechou os olhos com força, com as mãos, para não ver o que sabia, para não sentir, não pensar mais o corpo velho e curvado da vavó, chupado da vida e dos cacimbos, debaixo da chuva remexendo com as suas mãos secas e cheias de nós os caixotes de lixo dos bairros da Baixa”. Este pequeno excerto da obra é revelador da rutura que causou ao estabelecer uma norma angolana, distinta da portuguesa, na escrita e representação cultural, através do recurso a uma mistura de português e inúmeras palavras e expressões em quimbundo que recriavam a oralidade da linguagem da vida real. Luuanda reúne três contos sobre o tema da sobrevivência nos musseques angolanos, os bairros pobres da cidade.

Caminho

João Eduardo Ferreira e Paulo Romão Brás

O Ciclo Curvo das Noites

Fundada em 2017, de periodicidade eventual, a revista A Morte do Artista tem ilustrado temas como A Queda, O Outro e A Mentira. Nos três números já editados homenagearam-se Mário de Carvalho, Gonçalo M. Tavares e Lídia Jorge, que contribuíram com textos inéditos. E publicaram-se textos de escritores como Adolfo Luxúria Canibal, Aldina Duarte, Carlos Bessa, Hugo Mezena, Nuno Moura, Rita Taborda Duarte, Yolanda Castaño, entre outros. A Morte do Artista estreia-se agora como editora ao publicar O Ciclo Curvo das Noites, obra que reúne 34 poemas e um texto de João Eduardo Ferreira e 16 trabalhos gráficos de Paulo Romão Brás. A obra alterna poemas intimistas e poemas que revelam a veia satírica do autor (Elevante, Carta a uma Senhora, Dilema, Definir Estratégias). Possui, sobretudo, o condão de relembrar que toda a boa poesia, como a vida, tem segredos por desvendar e que só aprendemos a disfrutá-la plenamente quando renunciamos a decifrá-los. Como escreve o poeta: “Se não houvesse segredos, / na prática poderíamos dispensar até a própria vida.”

A Morte do Artista

Fernando Venâncio

Assim Nasceu uma Língua

Formado em Linguística Geral e docente de língua e cultura portuguesas nas universidades holandesas de Nimega, Utreque e Amsterdão, Fernando Venâncio considera a Língua portuguesa “um idioma em circuito aberto”. Para o provar recua à época em que o idioma se formou orientando-nos numa caminhada que toca a língua galega ou o português brasileiro, evidenciando as profundas derivas que lhe deram forma. Para o autor falar da história da língua portuguesa é falar das origens, influências, elasticidade e ainda das derivações que resultaram, por exemplo, no português do Brasil. Do polémico Acordo Ortográfico de 1990, Fernando Venâncio garante que foi, no mundo real, um devaneio inútil e dispendioso. No mundo real, português brasileiro e português europeu acham-se num processo de afastamento irreversível em todos os aspectos do idioma. Ao autor, nunca deixaram de inquietar as formas e as estruturas da sua língua materna, e também os processos históricos na origem delas. Assim Nasceu Uma Língua é o relato, simultaneamente apaixonado e rigoroso, dessa inquietação incessante.

Guerra & Paz

Diogo Rocha e Mário Ambrósio

Queijaria do Chef

Perú ou bacalhau? Eis o dilema incessante do jantar de consoada. Independentemente da escolha, numa mesa portuguesa não pode faltar a tábua de queijos nacionais: a variedade é grande e a qualidade excepcional. O presente guia destaca os queijos de território nacional certificados com a designação de DOP (Denominação de Origem Protegida) e IGP (Indicação Geográfica Protegida), acrescentando ainda alguns queijos, seleccionados pelo Chef, de regiões como a Madeira e o Algarve. A acrescentar às características, método de produção, sugestão de petisco e harmonização com vinho de cada queijo, encontrará mais de 50 receitas em que poderá utilizar os melhores queijos portugueses. Passando pela facilidade com que preparamos qualquer refeição com queijo sem que tenhamos de cozinhar, limitando-nos a fatiá-lo acompanhando-o com pão, fruta, bolachas ou salada, até às receitas mais sofisticadas, incluindo vieiras ou lavagante, sem esquecer as apetitosas sobremesas, este livro constitui um eloquente tributo a um dos maiores tesouros gastronómicos do nosso país: os seus queijos.

Casa das Letras

Sérgio Franclim

Mitos Gregos

O Triunfo dos Deuses

Perseu e Outros Heróis

“O mito é o nada que é tudo”, escreveu Fernando Pessoa na Mensagem. O poeta lembra-nos que apesar do mito não passar de uma explicação fantasiosa do real, mais do que o facto histórico concreto, possui um estatuto criador: é ele que “fecunda” a realidade, são as suas possibilidades criadoras que dão sentido ao real. De facto, é possível definir melhor um povo pelos seus mitos do que pela sua História. Quando pensamos na civilização clássica grega, são os deuses do monte Olimpo que imediatamente lembramos, mais do que os acontecimentos históricos da época. Recordamos o conjunto de histórias protagonizadas por figuras que conjugam características inerentes da personalidade humana e das forças da natureza e que propõem uma explicação para o surgimento do Universo e da vida. Nestes dois livros, Sérgio Franclim apresenta aos mais novos, de forma acessível mas rigorosa, as aventuras e desventuras destes heróis grandiosos, deuses e semideuses que espelham os comportamentos, os anseios e medos dos simples mortais. Estas duas obras cumprem uma nobre função que tem mais de dois mil anos: de geração em geração, fecundam a imaginação dos leitores ajudando-os a compreender o mundo a que pertencem através da gloriosa herança do passado.

Zéfiro

No texto de apresentação do espetáculo refere que o título é uma provocação, “porque deixa o espectador desconfiado”. No final, acha que Canja de Galinha (com miúdos) conseguirá curá-lo da desconfiança?

Espero que aconteça qualquer coisa semelhante ao que sucedeu em Viseu, quando lá apresentei Ermafrodite [espetáculo-conferência com Guilherme Gomes e João Reixa, exibido em junho]. Houve uma espectadora que veio ter comigo e perguntou-me: “Ó Luís Miguel, o que é que é isto?” E eu fiquei muito contente com essa reação.

Porquê?

Porque acho que se entrou num sistema em que os espetáculos já estão previstos antes de se fazerem, parecendo quase todos encomendas. Este é a tentativa de fazer o contrário. Canja de Galinha (com miúdos) pretende ser um espetáculo muito colado aos atores, tendo em conta o ponto de vista deles quando pegam num texto, deixando que se perceba todo o processo imaginativo que possa surgir a partir de um espetáculo de teatro. Algo que não seja previsível, algo que seja pessoal. É teatro, não a mera produção de um produto…

Apesar de agora vermos recorrentemente a utilização do termo “produto cultural”…

Exatamente. Os programadores, e por detrás deles o dinheiro, é que gerem a atividade. Portanto, quem vai fazer o espetáculo tem que cumprir as previsões, tem de lhe dar determinadas características, tem de ter em conta um tempo de duração predefinido, tem de apresentar determinados nomes no cartaz, tem de saber que não tem dinheiro para cenários ou guarda-roupa… Ou seja, dá-se-lhe uns ingredientes que permitam fazer receita, e eu acho tudo isso muito contrário à natureza do teatro.

Parece-lhe que a culpa é dos programadores?

Não culpo propriamente os programadores, porque eles não são autores, são “profissionais de escritório”. A tirania dos números é que manda e o público acorre às salas porque se sente bem como consumidor. E isso quer dizer que é manipulado para ser passivo enquanto espectador. Tudo porque hoje a vida cultural é, também ela, passiva.

Então, este espetáculo vem contra todas estas tendências?

Aquilo que tenho tentado fazer após o fim da Cornucópia são experiências de relação diferente com o espectador. Acho que o principal num espetáculo é o que se gera de extraordinário entre o público e o espetáculo em si. O fenómeno teatral tem a ver com a plateia. Como artista, aquilo que desejo para o público são maneiras não previstas de pensar, fazer acontecer surpresas que façam funcionar a imaginação das pessoas como outras coisas não fazem, que deem uma experiência de vida, de pensamento, de relação com o mundo fora do habitual. Exatamente o oposto àquilo que normalmente se faz. O público não devia ser consumidor, devia ser autor. E é aquilo que proponho com Canja de Galinha (com miúdos)

Um título algo desconcertante.

Que até poderia ser “puré de batata”! [riso]

Ou seja, quis emprestar-lhe um toque gastronómico…

É uma brincadeira com o consumo, o do estômago. Aqui é para comer bem, e com uma receita tradicional. Mas, na verdade, é um espetáculo sobre as relações entre as pessoas, mais especificamente, as amorosas.

Para isso, foi buscar o Camilo dramaturgo, faceta quase desconhecida do grande romancista.

É verdade. Estranhamente pouco conhecido, raramente representado, apesar de ter escrito bem mais de uma dezena de peças, que podem ser encontradas na net, gratuitamente. Aliás, foi assim que descobri esta parte da obra do Camilo. Coisas muito engraçadas, de todos os géneros, incluindo musicais, com temas tradicionais portugueses, melodramas, uma peça histórica… Como se vê, a internet não tem só defeitos, também por lá há virtudes.

O Luís Miguel parte de duas peças: Entre a Flauta e a Viola e Patologia do Casamento

A primeira é uma farsa, cujo título tem uma ambiguidade fonética muito engraçada. Trata-se da história de um pai que vai levar a filha para casar, pernoitando numa estalagem, em Barcelos. Preocupado com os riscos que a filha possa correr, tenta prendê-la num quarto. Entretanto, aparecem umas personagens que vão cobiçar a rapariga. O que está em causa é a expetativa do amor e do casamento para aquela jovem mulher…

E a segunda?

Ora, eu criei uma associação entre as peças. Imaginando a cabeça da rapariga perante o mundo que a espera, introduzi Patologia do Casamento, também um título engraçadíssimo. A peça faz um retrato das relações sociais das meninas burguesas, com toda a hipocrisia da sociedade daquela época. Camilo era muito interventivo na defesa da liberdade feminina e do amor verdadeiro, e quando trata desses assuntos é muito violento, mostrando um mundo de futilidade e mentira. Tudo isto é tratado no espetáculo como que num mundo imaginário da rapariga da outra peça. No conjunto, quis abordar as relações humanas e o modo como a sociedade castra a possibilidade de amar. Até no matrimónio.

Camilo é um autor de eleição?

O gosto pelo Camilo ficou-me muito do contacto com o Manoel de Oliveira. Por sinal, apenas participei numa das obras que fez a partir do universo do Camilo, um filme muito bonito chamado O Dia do Desespero. Em tempos fiz também uma leitura integral do Amor de Perdição, que está gravada. É um autor de que gosto muito. Lembro que em tempos os professores nos liceus costumavam perguntar “de que autor gosta mais: do Camilo ou do Eça?” Eu não tenho qualquer dúvida de que gosto muito mais da violência do Camilo, daquela verborreia genial, daquele domínio incrível da língua portuguesa, muito colorido. Muito mais do que daquela coisa civilizada e palaciana do Eça de Queiroz.

“Acredito que o público não devia ser consumidor, devia ser autor. E é isso que proponho com Canja de Galinha (com miúdos).

 

O espetáculo vai ser apresentado, aqui, no Museu da Marioneta. Teve em consideração este espaço e a temática?

Sim. Vamos fazê-lo numa sala muito simpática, a antiga capela do palácio, com a estrutura das paredes e as pinturas intactas. Isso encantou-me, e abriu caminho para fazer do vício virtude, como aliás é costume. Ou seja, como há falta de dinheiro para fazer um espetáculo luxuoso decidi-me por um que parecesse improvisado, que tivesse um ar artesanal. Acho que fica muito bem com as marionetas, para além de remeter para as recordações de infância e para as muitas peças de marionetas que fiz. Depois, como no texto há um jogo com as figuras de Adão e Eva, ocorreram-me os Bonecos de Santo Aleixo e o Auto da Criação do Mundo, por sinal, marcantes no meu imaginário. No final, faço uma referência direta, com a intervenção de uma réplica do Adão, que, pondo os cordelinhos à vista, expõe a manipulação das pessoas numa peça teatral. É um jogo completamente livre na utilização dos objetos e na atuação dos atores, tentando repescar aquilo que é mais lúdico no teatro: “brincar”.

Sendo assim, o espaço permeabiliza o espetáculo…

Não posso estar a competir com a própria Cornucópia, com o tempo em que eu e a Cristina Reis [cenógrafa e codiretora da companhia] tínhamos uma casa. Por isso, tenho que criar uma realidade fingida, exigindo a mim próprio fazer coisas com sentido. Isto é, faço espetáculos de acordo com as salas e, para mim, isto não é um teatro, é uma antiga capela, hoje, o auditório do Museu da Marioneta.

O espetáculo é produzido por uma jovem companhia do Montijo, a Companhia Mascarenhas-Martins, com que já havia trabalhado em Um D. João Português. Como surgiu esta relação?

Conheci o Levi Martins [codiretor da companhia] quando ele era jornalista, no decorrer de uma entrevista que me fez. Encantou-me a maneira como falámos e entendemo-nos muito bem. Soube que ele se interessava por estas coisas do teatro e que tinha uma estrutura no Montijo. Foi quando me propôs que trabalhássemos em conjunto. E assim foi: quase a seguir ao fecho da Cornucópia conseguimos fazer Um D. João Português, projeto ambicioso que precisou de alguém com grande capacidade e interesse para fazer a produção, uma vez que envolvia várias estruturas locais e tinha uma logística complexa. O Levi diz que foi uma experiência fundamental para ele, e eu quis continuar esta relação. Por isso, confiei-lhes a execução disto tudo.

E com o Montijo? Já estabeleceu alguma relação?

É uma terra especial. Tão perto e tão longe de Lisboa. Agrada-me a vida das associações e das filarmónicas, muito intensa. E eu gostaria de me envolver nisso. O presidente da câmara de lá sabe que eu gosto de touradas e já o desafiei para, um dia, me deixar fazer um espetáculo na praça de touros. Tem é de ser no verão. [riso]

Já voltou à sua antiga “casa”, o Teatro do Bairro Alto desde a reabertura?

Não sei se lá irei tão depressa.

Razões sentimentais?

Não, não. É desconcerto mesmo. Passaram-se coisas que deixaram uma ferida muito grande e que prefiro nem falar. Há um lado absurdo e de injustiça, não para connosco, mas, sublinho, para com o público. Era uma casa de espetáculos única, a última onde ainda se faziam cenários, guarda-roupa… De um momento para o outro, tudo se desmantelou e, hoje, tem um objetivo oposto ao nosso. Se começo a falar nisso fico mal disposto…

… Não quero que perca o seu bom humor. Mudemos de assunto… Ainda vai regularmente ao teatro?

Ir ao teatro é uma decisão difícil de integrar na vida das pessoas e, quando se vai, deve ser para ver uma coisa excecional. Embora fisicamente me custe estar sentado tanto tempo, não tenho tido propriamente o desejo de ver nada. Quando o faço, opto por coisas mais marginais, normalmente fora das grandes instituições.

Houve algum espetáculo visto recentemente que lhe tenha agradado?

No outro dia fui a um que, em princípio, seria o mais institucional possível. Fui ao CCB ver o Bob Wilson e a Isabelle Huppert [Mary said what she said, integrado no Festival de Almada], e adorei. Aquilo era da primeira linha do circuito comercial-cultural, mas a entrega de uma atriz como a Huppert foi absolutamente extraordinária. Revoltou-me foi o snobismo saloio de alguns comentários que ouvi, de que “o Bob Wilson é sempre igual a si mesmo”, de que “a Huppert está muito vista”… é preciso uma lata para dizer coisas destas! Aquilo é uma obra-prima.

Tem projetos para o futuro?

Aquilo que me vai ocupar depois deste espetáculo é um filme sobre mim que vai ser feito pela Sofia Marques. Ela realizou Ilusão, filme sobre o que se viveu em torno de um espetáculo que fizemos na Cornucópia com atores não profissionais, e que ganhou um prémio no DocLisboa. Infelizmente, por questões de saúde, tenho pena de não estar a representar. Sabe, não sei se me apetece ter coisas previstas depois de ter tido um instrumento de trabalho tão bom como a Cornucópia. Por vezes, lamento não ter dado a mim próprio mais tempo para viver sem ser ligado às coisas do teatro.

Ao Teatro Infantil de Lisboa, Companhia da Esquina, Teatro do Eléctrico e Lua Cheia juntámos Filipe La Féria e Catarina Requeijo. Com as companhias e os criadores de espetáculos para gente pequena descobrimos que propostas prepararam para o mês do Natal.

Companhia da Esquina

Com 15 anos de atividade teatral como companhia independente, a Companhia da Esquina surgiu quando um grupo de atores se juntou após uma formação no Teatro da Trindade. Jorge Gomes Ribeiro, responsável pela companhia, congratula-se com o facto de, durante estes 15 anos, a associação ter sido capaz de ser independente em termos de escolhas, apresentando consistentemente um reportório que se pauta pela desconstrução dos clássicos reformulando-os na contemporaneidade que o teatro de hoje exige.

Residente no Teatro da Luz desde dezembro de 2014, o que permitiu uma maior produção teatral, a companhia contempla três vertentes principais: o teatro de autor, o teatro para a infância e o teatro pedagógico, este último dirigido a escolas com textos propostos pelo Ministério da Educação, como é o caso das obras de Gil Vicente e de Luís Sepúlveda.

Rita Fernandes é a Fada Azul em Pinóquio, e Pedro Pernas, o Serapião de A Loja dos Brinquedos

Jorge Gomes Ribeiro acredita que o teatro para a infância se deve fazer valer do texto, nunca infantilizando demasiado a peça, até porque as crianças acompanham e compreendem melhor do que os adultos pensam, o que nota pelo tipo de questões que colocam. Este mês, a Companhia da Esquina conta com dois espetáculos em cartaz: Pinóquio, numa adaptação com forte componente musical do original de Carlo Collodi, e A Loja dos Brinquedos, uma peça concebida a partir do clássico Arlequim e Columbina, personagens da Commedia dell’Arte, um género de teatro popular que surgiu em Itália, e que conta com a encenação de Guilherme Filipe e do próprio Jorge Gomes Ribeiro.

Filipe La Féria Produções

Antes de ser encenador, Filipe La Féria foi ator durante 12 anos. Depois de ter estado em Londres a estudar encenação, La Féria regressou a Lisboa para assumir, durante 16 anos, a direção da Casa da Comédia. Fixou-se, há 22 anos, no Teatro Politeama, que reconstruiu e por onde já passaram dezenas de espetáculos da sua autoria.

Conhecido, não só mas também, pelos seus musicais para famílias, La Féria refuta a ideia de se infantilizar os espetáculos, porque acredita que, ao fazê-lo, está a imbecilizar-se as crianças. Considera que o teatro ou é bom ou é mau, e defende que A Rainha da Neve, o seu mais recente espetáculo para famílias, poderia muito bem estar na Broadway, tal é a sua qualidade. Esta peça parte do conto homónimo de Hans Christian Andersen, obra-prima da literatura para a infância e juventude, mas voa muito para além dele. O encenador transformou-o num espetáculo musical que alia o teatro, a música e a dança aos grandiosos cenários e guarda-roupa a que já nos habituou. A Rainha da Neve é um apelo à imaginação, uma reflexão sobre as relações afetivas e familiares, num ambiente de encantamento e magia.

Dora em A Rainha da Neve

O espetáculo estará em cena no Politeama até depois da Páscoa e tem sessões aos fins de semana para famílias e durante a semana para escolas, mediante marcação. Nas épocas festivas e, por conseguinte, nas férias escolares, os espetáculos chegam a subir ao palco cinco vezes por dia!

TIL – Teatro Infantil de Lisboa

A viagem do TIL – Teatro Infantil de Lisboa teve início em janeiro de 1976, com a peça O Rapto das Cebolinhas, ainda no Teatro do Nosso Tempo. Depois disso, a companhia passou pelo Teatro ABC, Espaço Promotora, Teatro Aberto, Teatro Calvário, Teatro Maria Matos para, em 2004 se fixar definitivamente no Teatro Armando Cortez. Ao longo destes 44 anos, o TIL já deu a conhecer muitos autores nacionais e estrangeiros, tendo adaptado clássicos literários, óperas e bailados, pautando-se sempre pela qualidade.

Kim Cachopo, responsável pela cenografia de Heidi, o espetáculo que o TIL tem em cena atualmente, defende a importância da criação teatral para os mais novos, sublinhando a necessidade da criação de novos públicos. O cenógrafo, e também ator, acrescenta que o teatro musical é uma forte aposta da companhia porque o elemento música ajuda muito a que as crianças se sintam mais ligadas ao espetáculo.

Marta Lopes Correia é Heidi

A mais recente criação do TIL, Heidi, é uma adaptação de uma das histórias infantis mais populares do mundo e uma referência incontornável da literatura para crianças da autoria de Johanna Spyri. Kim Cachopo promete um espetáculo divertido, com uma forte componente plástica, que aborda temáticas como a igualdade de género, a inclusão e a aceitação da diferença.

Lua Cheia – Teatro para todos

A Lua Cheia existe desde 1996, tendo-se constituído como associação cultural dois anos depois. Sempre trabalhou para a infância, desenvolvendo trabalhos numa articulação constante entre ator, objeto e marioneta. Dinamiza, desde 2015, a Casa do Coreto, uma antiga serralharia transformada num espaço cultural em parceria com a Junta de Freguesia de Carnide.

Maria João e Sandra José

À procura do ó-ó perdido, um espetáculo de marionetas de um encenador francês, destina-se a bebés com mais de um ano e é o espetáculo mais emblemático da companhia, comemorando, em 2020, 20 anos de existência. Em maio deste ano, Maria João, responsável pela companhia, aceitou o desafio de Sandra José, autora de Bebeethoven, para estrear a peça no CUCU! Espetáculos para bebés, um projeto da Lua Cheia que assume o formato de festival e reúne diferentes propostas de sensibilização às artes desde a primeira infância. É esse mesmo espetáculo que, até dia 15 de dezembro, poderá ser visto na Casa do Coreto, retomando, depois, em fevereiro.

O espetáculo, destinado a bebés entre os 6 e os 36 meses, está disponível para famílias aos fins de semana, e para escolas durante a semana. Apesar de a Lua Cheia se deslocar às escolas sempre que o mesmo é solicitado, Maria João considera importante que as crianças tenham experiências fora das suas zonas de conforto, neste caso da creche.

Catarina Requeijo e Boca Aberta

Catarina quis ser atriz e, apesar de ainda ter trabalhado como tal, foi na encenação que descobriu o seu caminho. Admite que, no início, a ideia de trabalhar para os mais pequenos não a seduzia nada, talvez por considerar o trabalho com crianças um trabalho aborrecido e menor. Mas graças à insistência de Madalena Vitorino, com quem se cruzou a determinada altura, experimentou. Começou por fazer oficinas e objetos mais pequenos, em duplas de artistas. Rapidamente percebeu que, ao trabalhar com crianças, o primeiro impacto é muito mais direto porque, como não há filtros, percebe-se na hora se gostam ou não do que estão a ver.

Sandra Pereira, a Menina do Casaco Vermelho, e Gonçalo Egito, o Lobo Mau

Mas o que realmente apaixona Catarina é o facto de, encenando para os mais novos em projetos que, sobretudo, trabalham com escolas, consegue abarcar um tecido social muito maior e chegar a crianças que, de outra forma, nunca se aproximariam da cultura e das artes do espetáculo. Abre a carta, Lobo Mau! faz parte do Boca Aberta, um projeto do Teatro Nacional D. Maria II em parceria com a Câmara Municipal de Lisboa que se dirige às crianças do pré-escolar da rede pública de Lisboa.

Neste espetáculo, o Lobo Mau recebe a visita da Menina de Casaco Vermelho às quintas-feiras, como ficou combinado no espetáculo anterior, leva-lhe os seus bolinhos preferidos e leva-lhe também o correio, onde vêm umas cartas que o Lobo tem vindo a receber mas que não quer abrir por ter medo. E é entre o medo do Lobo abrir a carta e a insistência da menina que se desenha este espetáculo.

Teatro do Eléctrico/ MPMP

Em 2018, tinha o Lu.Ca – Teatro Luís de Camões acabado de abrir, Martim Sousa Tavares contactou a programadora do espaço, Susana Menezes, para lhe apresentar o projeto do espetáculo A Menina do Mar. O maestro considerou que fazia todo o sentido celebrar o centenário de Sophia naquele teatro, sendo que o mesmo partia, precisamente, de um conto para a infância. A ideia era criar algo intemporal, sem idade, ao mesmo tempo acessível e com qualidade poética e de conteúdo extraordinária. A proposta passava por uma peça com música, uma parte relativamente fácil de orientar, uma vez que o próprio Martim é músico.

Teresa Coutinho é A Menina do Mar

Neste espetáculo, e apesar de ter acompanhado todo o trabalho de criação, Martim é somente intérprete; a partitura, que considera extraordinária, é da autoria de Edward Ayres d’Abreu. Para a encenação, não teve dúvidas de que Ricardo Neves-Neves, diretor artístico do Teatro do Elétrico, seria a pessoa ideal, até porque tinha muita experiência em trabalhar com música, com resultados fantásticos. A principal preocupação era tentar ser fiel e respeitador do texto e deixá-lo comandar tudo. A verdade é que não se mudou um ponto ou vírgula ao conto intemporal de Sophia, o que resultou no nascimento de uma obra de arte que tem tudo para perdurar muitos anos.

Com entrada livre, o roteiro musical acontece entre os dias 1 e 21 de dezembro, com viagem pelo património histórico e cultural da cidade, de Alvalade ao Beato e do Lumiar a Santa Maria Maior, passando ainda por Carnide, Arroios e Olivais.

Nesta edição são sete as igrejas que recebem a música de orquestras e coros – quatro delas pela primeira vez –, num programa que se estende a outros espaços de culto, como o Centro Ismaili de Lisboa ou o Templo Radha Krishna e conta, para além dos concertos, com visitas guiadas, workshops, atividades para crianças e sessões de meditação.

Na programação destaca-se um concerto na Sé de Lisboa com o Coro Regina Coeli e a Banda da Armada. Naquele “palco” grandioso serão interpretadas duas grandes peças: Lauda per la Nativitá del Signore – uma obra raramente interpretada – do compositor italiano Otorrino Respighi, e o famoso Gloria, composto pelo britânico John Rutter, numa adaptação brilhante de um texto litúrgico a uma peça de concerto.

Igualmente imperdível será a atuação do Saint Dominic’s Gospel Choir no Aeroporto Humberto Delgado, no dia 19, às 19 horas, com aquela que será uma receção bem emotiva para quem chegar a Lisboa. No tom gospel, vão ser escutados alguns dos êxitos natalícios pop mundiais como All I want for Christmas is You, de Mariah Carey, e Sometinhg about Christmas Time de Bryan Adams.

Da responsabilidade da Câmara Municipal de Lisboa e EGEAC, a programação de 2019 de Natal em Lisboa estende-se ainda ao Cinema São Jorge, Teatro São Luiz, Museu de Lisboa e Paços do Concelho.

Toda a informação pode ser consultada aqui.

Se no mito de Sísifo, o antigo monarca é condenado eternamente a carregar uma pedra até ao cimo do monte, em Inimigos da Liberdade – Peça para três escravos a incumbência cabe a três homens agrilhoados. Aqui não há uma montanha para vencer, mas areias do deserto, e um círculo infinito que, vencendo o tempo e o espaço, os fez esquecer quem eram.

Certo dia, a pedra fica atolada e, estes homens sem recordações, experimentam o desnorte, sobretudo quando se libertam das correntes e se vêem perdidos no meio do nada. Quem são, afinal, estes personagens tão diferentes mas, ao mesmo tempo, tão iguais?

Manuel Pureza, autor e encenador, considera-os “escravos de si mesmos”, homens “que não têm passado nem futuro” inseridos numa “ditadura perfeita, sem rosto”, semelhante à que, de certo modo, “vivemos, hoje, quando carregamos a responsabilidade de fazer o sistema funcionar como quem carrega uma pedra, sem nunca questionar. Cumprindo, apenas”. “É curioso como nós próprios nos tornámos inimigos da liberdade, dispensando mesmo ser policiados”, reflete.

Quando o sistema encrava (a pedra que estaca na areia) e, como que por milagre, as correntes se soltam dos corpos, eles já não sabem viver sem elas. Desabafa um dos homens: “a corrente é parte de mim”. “Isto é um pouco como o mundo do trabalho. O objetivo é conseguir ser sempre o número um, independentemente de tudo o que nos rodeia.”

Estreia auspiciosa no teatro de Manuel Pureza – realizador conhecido por trabalhos para televisão, embora tenha dirigido a curta-metragem A Bruxa de Arroios, distinguida com o Prémio MoteLx em 2012 –, a presente peça foi a vencedora da edição 2018/2019 do Prémio Miguel Rovisco – Novos Textos Teatrais,  iniciativa anual da Fundação INATEL com o fim de promover e estimular novos autores para a escrita de textos originais para teatro em língua portuguesa.

É na rua imaginária do Quebra-Potes, “uma das artérias mais antigas de Lisboa de outros tempos”, que se desenrola a acção principal de Aconteceu No Bairro.

A Rua do Quebra-Potes é uma rua irregular e longa, muito longa! Parece traçar um diâmetro na Eternidade…

A qualquer hora do dia, tem uma cor de algodão sujo, que lhe dá o aspecto de menina órfã, trajando de preto.

A massa simétrica dos prédios, face a face nos dois lados da rua, acentua ainda mais essa imprecisa nota de tristeza, que parece pingar das telhas encarrapitadas no alto do casario.

É cortada por inúmeras travessas. E, assim, a Rua do Quebra-Potes tem esta pecaminosa desvantagem para os seus moradores: é uma rua de esquinas…

Eusébio Fonseca, merceeiro; Quim Fuligem, seu marçano; Luísa, amante de Chico das Luvas membro de uma quadrilha de assaltantes; D. Lili, dona da pensão local; Álvaro e Joana Graça, casal da pequena burguesia; Cacilda, prostituta e seu irmão Jeremias; Simões, taberneiro e tio Aleixo, vendedor de castanhas, são as personagens que povoam o romance. São todos moradores desta rua, cujas vivências se estendem a outros locais da cidade.

Talvez na alma daquela rua melancólica vibrassem as tristezas, as dores, as misérias e os dramas dos seus moradores…

Ou seria que as pessoas gozavam também daquela faculdade comum ao camaleão – tomar a cor do lugar onde pousava?

Avenidas Novas

Eusébio Fonseca dono da mercearia Estrela do Bairro, era “baixo e gordo, de uma gordura mole, espapaçada. (…) Mas aquela obesidade, amplamente espalhada pelo corpo todo com certa harmonia – diga-se de passagem – não o impedia de mover-se, saltitante, como um passarinho insatisfeito. Quim Fuligem o marçano, ao vê-lo naquele irrepousante saracotear, tinha a impressão de que um paio voara do armazém e dava voltas sobre si mesmo, suspenso sobre um fio invisível, no ar.

Eusébio estabelecera-se recentemente no bairro. Viera das Avenidas Novas onde tinha “uma charcuterie das boas, coisa fina, sim senhores! Freguesia da melhor: todos muito amáveis, gente rica, doutores…

Ele justificava-se dizendo que a roda da fortuna desandara e tivera que fechar as portas. Com o dinheiro de trespasse, estabelecera-se “naquela rua modesta, onde ninguém comprava ao mês e se pagava a prestações.

Na realidade, a sua mulher, “alta, morenaça, dando nas vistas”, agarrara-se ao “primeiro, o que estava mais à mão – o caixeiro do Sr. Fonseca.

“E isto explicava a tal história da charcuterie que ele habilmente deturpava por honra da firma.

Baixa Pombalina

Álvaro e Joana Graça são um casal da pequena burguesia (os únicos que têm criada) com pretensões acima do seu estatuto social. Ele, profundamente conservador, ela, em contraste com “a sua vida prosaica isenta de vibrações fortes”, dedicada à leitura consecutiva de romances de amor.

Joana, numa ida à baixa entra no Salão de Chá Imperial. “Mulheres saíam e entravam por uma porta envidraçada, que deixava escapar, ao abrir-se, um cheiro anestésico de perfumes e cigarros. De mistura exalava-se uma baforada agradável de bolos e pastéis.

Sentia-se bem alí, num ambiente chique. “Era (…) de bom tom, frequentar aqueles sítios…Uma pessoa não havia de viver como os brutos – porque a vida era isto, afinal: uma mesa de chá ao lado de outra mesa de chá…

Hotel Ritz

Cacilda é a figura trágica do romance, prostituta (a sua vida era “um negócio de comissões nos prazeres dos outros”) que sustenta um pai alcoólico. Jeremias, o irmão, é groom no Hotel Ritz, desde os 11 anos: “No principio tudo fora deslumbramento, emoção, êxtase. Ia às escondidas do pessoal rebolar-se nas camas fofas de lã, repoltreava-se nos maples e sempre que passava pela cozinha, tinha a pouca escrupulosa habilidade de surripiar dos grandes tabuleiros as iguarias que mais feriam a sua sensibilidade visual.

Uma embaixada de jornalistas americanos (“Manejavam o dólar como os latinos a palavra”) hospedara-se no Hotel Ritz (o atual Hotel Ritz só foi inaugurado em 1959, no romance surge como símbolo de hotel de luxo). Guilherme de Azevedo, membro oficial da comissão que os fora buscar ao aeroporto enamorou-se de uma jornalista alta e sardenta, “rebuscou no ficheiro da memória o cacifo onde armazenara provisões de inglês e emitiu na sua voz sibilante:

– How do you find Portugal?

Ela arreganhou os lábios grossos, mal carminados, deixando ver a dentadura sólida e reluzente:

– Lovely…quite lovely…

E enquanto Azevedo ia mentalmente comparando os dentes da sua interlocutora aos que nos magazines reclamavam os dentífricos Kolinos e Colgates, ela comunicava ao seu colega James, num inglês enxertado de slang, a sua bem pouco lisonjeira opinião sobre aquele doutorzinho português que lhe pedia as suas impressões acerca de um país de que ela apenas conhecia um aeroporto e um hotel.  

Pasteis de Belém

D. Lili, atriz reformada e dona da pensão, tinha a “pele de uma alvura de leite, conservava-se lisa de uma lisura falsa de massa estendia. Exagerava a pintura dos lábios e dos olhos. A opulência dos seios parecia querer romper a seda gasta do vestido, muito cingido ao corpo. Era gorda, segundo o figurino actual e o figurino de todos os tempos. Apenas os tornozelos excessivamente magros, eram frágeis como os de um cabrito maltês.

Todas as terças e sextas-feiras recebe a visita de António, na intimidade o seu Tonecas. Ele aparece “religiosamente com o seu ventre e o seu pacote de pastéis de Belém.

Era uma ligação antiga, reformada. Resistira aos últimos rebates do sexo e ficara como umas ruínas veneráveis a que a tradição se habitua”. Nesse fim de tarde, frente a António surge a “Lili de há dez anos” que, com sucesso, o seduz. “Dentro dela há uma virgem que cora, uma atriz que representa e uma velha depravada que imagina, que deseja…

Rua Rodrigo da Fonseca

Luísa está sozinha. O seu amante Chico das Luvas, membro de uma quadrilha de assaltantes, foi preso. Luísa “dava a vaga impressão de um lírio emurchecido, que por um milagre conservasse o viço e a cor. Não tinha o ar de uma mulher cansada, batida pelas intempéries de uma vida desregrada e hostil. Era antes uma criança triste, perdida num enorme jardim, sem ama nem brinquedos.

Resistindo a uma tentativa de violação por Zé das Fitas, cúmplice do seu amante, Luísa resolve mudar de vida e afastar-se definitivamente do meio. Um anúncio no jornal desperta-lhe atenção:

Demoiselle precisa-se, com apresentação, para tomar conta de uma criança de seis anos. Rua Rodrigo da Fonseca 159-2º.”

 Dirige-se à morada do anúncio: “Nunca entrara numa casa assim e, no entanto, sentia ser aquele o seu meio.

 O Dr. Eduardo, dono da casa, divorciado, pasmado “ante o poder estranho que se desprendia daquela rapariga”, pediu-lhe a sua direcção. Luísa mentiu:

“ – A minha direcção…é na rua da palma 160-1.º…

Sentia-se amarfanhada. (…) O passado marcava-a com o estilete de ignomínia.

Rua Garrett

Eduardo apercebe-se do desconforto de Luísa e sente que ela tem algo a esconder. Segue-a de táxi até à Rua do Quebra-Potes. Aí pede informações ao Tio Aleixo que vende castanhas frente à taberna do Simões:

Sempre lhe digo (..) que aquilo que ali está (…) é louça fina, da mais rara… Não se fabrica! Veio cá parar por engano.

Eduardo tirou da carteira uma nota que estendeu ao velho.

Guarde o seu dinheiro freguês. Não queira pagar a verdade com o que tem comprado tanta mentira.

À noite, descendo a Rua Garrett, à saída de um bar, Eduardo toma consciência que Luísa “escancarara a porta da sua vida sem lhe pedir licença e se instalara lá dentro sem pedir licença com uma estabilidade assustadora.” Escreve-lhe expressando os seus sentimentos e pedindo-lhe que se encarregue da educação do filho.

Luísa recebe a carta e resolve, numa atitude que espelha a audácia e inconformismo da autora, “desafiar a vida e as conveniências”, fugindo ao seu destino. Abandona a Rua do Quebra-Potes “aquela faixa cinzenta, irregular e comprida” que “tinha uma tristeza humana, como se as pedras chorassem dores antigas e futuras”, quebrando o “horrível fatalismo da raça.

É preciso dar qualquer coisa à vida e não apenas receber o que ela nos atira, quase sempre ao acaso…

Lisboa é a primeira capital europeia a aderir ao Fair Saturday, um movimento inovador que alia a cultura à solidariedade social. Segundo a organização, é “um dia para mudar o mundo, mobilizando a sociedade em torno das artes e da cultura, estrategicamente posicionado no dia seguinte ao Black Friday”. O projeto nasceu em Bilbao em 2014 e, hoje, integra artistas e organizações culturais espalhadas por uma multiplicidade de países e cidades da Europa e América do Sul.

A ideia que serve de base ao projeto é relativamente simples: convidam-se os artistas e produtores culturais a associarem-se mediante a criação de eventos ou a cedência de espaços para a realização das iniciativas. Os participantes são livres para escolher o modo como querem apresentar-se e são também livres de escolher se vendem ou não bilhetes e quanto cobram. Muitos optam por contribuições voluntárias, sendo certo que os participantes devem dedicar parte das receitas a uma instituição de solidariedade social à sua escolha. Por seu lado a organização tratará de disponibilizar gratuitamente consultoria, aconselhamento e divulgação. O Fair Saturday não discrimina entre artistas amadores, semi-profissionais e profissionais. Todos são bem vindos, mesmo aqueles que ainda não sabem que são artistas.

Na Comuna, uma Homenagem a João Villaret, por Carlos Paulo (às 17h)

 

O Pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Lisboa, em articulação com o Pelouro dos Direitos Sociais e em parceria com a Fundação Fair Saturday (FFS), irá coproduzir este festival ao qual a cidade aderiu no passado mês de junho. Em números, e para dimensionar a iniciativa, destaca-se que a última edição do Fair Saturday em 2018, integrou um total de 630 eventos, 130 cidades participantes, em favor de 322 causas sociais, contando com a participação de 12 hubs oficiais, localizados tanto na Europa como na América Latina: Bilbao, Biscaia, Málaga, Huelva e Santander, em Espanha; Bristol e Dundee, no Reino Unido; Milão, Pisa e Mesagne, em Itália; e Lima, no Peru.

Ver programa integral.

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