O tema que abre Criterion of the Senses, o seu disco mais recente, é Lost Connection to Prague, que volta a deixar bem clara a influência dos norte-americanos Steely Dan na sua música. Concorda que eles são para si uma espécie de matriz? E o que ficou a faltar aos Steely Dan com o falecimento do guitarrista e compositor Walter Becker (1950-2017)?
Os Steely Dan são uma influência e uma obsessão em relação aos padrões de estúdio, à exigência na forma de construir as composições, os arranjos, são uma grande referência para mim. Costumo dizer que assim como Charles Mingus tinha uma grande obsessão por Duke Ellington, nunca como imitação mas como continuação da proposta anterior, isso também se dá com os Steely Dan, onde adiciono algo da música negra através da minha voz, e na forma de fazer arranjos com a influência do soul. Com o falecimento do Walter Becker a sonoridade passa a ser essencialmente o som do Donald Fagen, que também é parte fundamental na sonoridade deles.
No álbum Perpetual Gateways (2016) teve a possibilidade de gravar com alguns dos seus heróis musicais (Greg Phillinganes, Marvin Smitty Smith, Curtis Taylor) mas em todos os seus discos, sem excepção, a qualidade dos músicos, sejam brasileiros ou internacionais, é excelente. O que tem para si de tão particular o som de Perpetual Gateways?
Foi um disco gravado espontaneamente com esses grandes músicos norte-americanos, um disco gravado num padrão um pouco diferente do que eu faço. Geralmente demoro muito tempo no estúdio, existe uma pós-produção imensa, e no momento de gravar é tudo com muita acuracidade. Não que isso não tenha sido cuidado, mas teve o tratamento de um disco de jazz, algo mais espontâneo gravado ao vivo, em poucos dias. Em menos de uma semana foi feito o disco todo, e geralmente os meus discos levam seis a sete meses a serem gravados atrás do take perfeito de cada instrumento.
As letras das canções de Criterion of the Senses são assinadas por si e várias remetem para universos de fantasia e situações algo irrealistas. Atribui grande importância às letras deste disco ou considera que são sobretudo um veículo para a sua voz?
O Criterion of the Senses é o meu disco que tem as letras mais interessantes, bastante influenciadas por guiões de cinema noir, por exemplo a música The Tiki’s Broken There, onde se quebra um tiki, aqueles objectos da Polinésia, e dentro do tiki haveria um papiro, a juntar ao envolvimento do tenente da cidade com uma mulher, uma típica história noir bastante cinematográfica. Pela primeira vez, as letras estão à altura da música, do que eu gostaria que o texto das minhas músicas fosse. Comecei a fazer letras de música no disco anterior, o Perpetual Gateways. Não são canções de amor, não são canções de situações pessoais, são guiões. Em alguns momentos existem temas que revelam influências da literatura de ficção científica, de Stanislaw Lem ou de Kurt Vonnegut, de Isaac Asimov, mas mais uma vez com influências também de vários letristas da música pop como Ben Sidran e Donald Fagen.
É importante para si encontrar noutros projectos da música atual uma espécie de “companheiros de estrada” que partilham os mesmos valores que a sua música aponta, ou basta-lhe os exemplos da música do passado para reforçar o sentimento de que está a fazer o caminho certo?
Não sinto que tenha tido algum companheiro de estrada na vida, ninguém com quem me identificasse esteticamente da minha geração. Sinto-me completamente desconetado da minha geração. Nunca ouvi hip-hop, a minha música não tem influência daquilo que grande parte da minha geração adora. O olhar vai desde a música do cinema dos anos [19]30-40-50-60, passando pela música dos anos 60, a pop, o rock, o jazz, mas, sobretudo, essa música produzida dos anos 80 para trás. Nunca me senti parte de um movimento e dou graças a Deus por isso. Se achasse que estava fazendo parte de um grupo de pessoas que fazem a mesma coisa, alguma coisa estava errada.
A sua música parece encontrar um ainda maior reconhecimento fora do Brasil, e de si diríamos que emana a imagem de um intelectual que desfruta dos prazeres da vida com um grau de sofisticação europeu. Alguma vez considerou mudar-se para o velho continente?
Nos últimos três discos a minha música passou a ter um maior reconhecimento fora do Brasil. Fiz muito sucesso no Brasil desde sempre, desde o meu primeiro disco, que já tem mais de 30 anos, mas eu encontro no mercado europeu uma boa vontade muito grande em escutar o trabalho que faço, que não é o trabalho de uma música vigente hoje no mundo. A minha música é feita de forma orgânica, natural, com instrumentos de verdade, com músicos preparados tecnicamente, não tem máquinas, tem a edição natural que qualquer orquestra sinfónica usa. Pensei a minha vida inteira em me mudar para o velho continente mas agora, aos 47 anos, não tenho vontade de mudar. Tentei morar por um curto período na Alemanha, quando lancei o disco Perpetual Gateways, mas infelizmente não me adaptei ao modo de vida, que tem um código que é o absoluto oposto do meu. Prefiro vir à Europa para tocar, trabalhar, aproveitar as coisas de que gosto, ir a Paris a toda a hora… Claro que se fosse possível obter um visto e ter um apartamento com o conforto que tenho no Brasil, numa cidade como Paris, estaria lá ontem, porque ali tem tudo o que eu amo.
Os seus fãs têm de si a imagem de alguém dotado de uma musicalidade exuberante e incessante. Dir-se-ia que poderia gravar um novo disco todos os meses, ou pelo menos uma vez por ano. Porque é que isso não acontece?
Sou muito cuidadoso no processo de gravação dos discos. Demoro a fazer as músicas, depois vou fazendo os arranjos, preciso de conviver com elas. Não faço discos a toda a hora porque demoro bastante dentro do estúdio. Preciso de um orçamento minimamente razoável para chegar a um resultado. Não me sinto apto a gravar todos os meses, acredito num sistema de criação extremamente organizado. Adoro música espontânea, há vários discos de jazz que adoro gravados numa só tarde, mas não é isso que tenho vontade de fazer. Gosto de fazer uma música toda controladinha na régua e esquadro, toda dentro de um sistema que domino.
Qual dos seus discos foi mais importante enquanto afirmação de uma estética e de uma individualidade que são as suas? Dwitza (2002), talvez…
Dwitza é um dos mais importantes. O Aystelum [2005], o Chapter 9 [2008] que é um disco onde toco todos os instrumentos sozinho e que só tardiamente foi apreciado pelas pessoas que acompanham o que eu faço. E os três mais recentes, principalmente o AOR [2013] e o Criterion of the Senses [2018].
Já lhe aconteceu ter um papel mais regular enquanto divulgador musical, na rádio, ou até mesmo o de promotor, por exemplo, à semelhança do que acontece com o DJ Gilles Peterson?
Já tive alguns programas de rádio no Brasil, desde 1992, em Minas Gerais. Depois fiz um programa em São Paulo, por dois anos, na rádio El Dorado, que se chamava Empoeirado. Sinto falta do meu programa de rádio, mas tudo mudou muito, a internet trouxe algo muito democrático e as pessoas talvez não precisem tanto de uma pessoa para escolher músicas.
Quem ficará com a guarda da sua sumptuosa colecção de discos no dia em que deixar de ser você a ocupar-se dela?
Puxa.. não sei. Quem estiver vivo e for relativo a mim. De parentesco. Vai ficar com ela e não sei o que vai ser feito. É uma incógnita. Pensei muitas vezes em vender a minha colecção e parar de fazer shows, parar de viajar, parar tudo, e só gravar discos que é o que eu realmente gosto. Trabalhar no estúdio, muito mais do que tocar ao vivo. Fiz alguns cálculos, a colecção daria um dinheiro, mas se eu investisse esse dinheiro, em acções, não daria para ficar sem trabalhar. Então, se não dá para ficar sem trabalhar eu fico com os meus discos mesmo.
Casa do Coreto (Lua Cheia)
Rua Neves Costa, 45
Criada em 1996, a Lua Cheia – Teatro para Todos ocupa, desde 2015, a Casa do Coreto, uma antiga serralharia transformada em espaço cultural. Até essa altura, a companhia funcionava no Bairro Padre Cruz onde já era bem conhecida da comunidade. Depois de um convite da Junta de Freguesia e de vários anos de obras, o espetáculo inaugural aconteceu a 27 de março desse ano, no Dia Mundial do Teatro. A companhia recebe atividades regulares de Teatro e Comunidade, Selftelling, oficinas criativas para crianças, teatro, dança, concertos e workshops, seja no interior do espaço, ou cá fora, no antigo Coreto de Carnide. Os dois grandes eventos anuais são a Mostra Gargalhadas na Lua (à base do humor e do clown), e o Cucu! Festival de Artes para a Infância (que este ano decorre de 1 a 19 de maio). Há ainda os Bailaricos Cómicos (uma atividade dirigida aos mais velhos), o Dia do Vizinho ou a participação na Feira da Luz (com vários espetáculos e robertos). As marionetas são construídas de portas abertas para que a comunidade possa saciar a sua curiosidade.
Lavadouro Público de Carnide
Estrada da Correia (junto ao Centro Paroquial e Social de Carnide)
Quem desce a Estrada da Correia encontra, do lado direito, um lavadouro público aberto à população. O lavadouro é património municipal, gerido atualmente pela Junta de Freguesia de Carnide. O edifício tem mais de cem anos, e, para além de servir o seu propósito principal, foi também palco de vários concertos de rock. Em 2011, o Teatro do Silêncio (com direção artística de Maria Gil e Miguel Bonneville) ocupou o espaço, com a condição de que este fosse partilhado com a população. Durante o dia, entre as 08h30 e as 17h, o lavadouro está aberto ao público (basta pedir a chave na receção do Centro Paroquial de Carnide, mesmo ao lado), ainda que haja muito pouca gente a usá-lo com esse fim. A partir das 17h e ao fim-de-semana, o espaço é ocupado pelo Teatro do Silêncio, uma companhia que cria e produz projetos de experimentação artística. Nos últimos domingos do mês, até 18 de junho, o lavadouro recebe a atividade À Descoberta do Lavadouro!, uma visita encenada onde os mais pequenos vão poder assistir à performance de Jessica Lopes e Mariana Marques, finalistas do curso de Teatro da ESAD (Escola Superior de Artes e Design) das Caldas da Rainha. Para além de interpretarem, as duas jovens são autoras desta peça, que fala de bonecas e que conta a história do Teco, um gato muito viajado que gosta de poesia e de dançar, e cujo hobbie era fazer companhia às senhoras enquanto a roupa secava. A sessão termina com um workshop de lavagem de roupa à mão.
Teatro da Luz (Teatro D. Luiz Filipe)
Largo da Luz, 2
Localizado no Largo da Luz (conhecido pela mítica Feira da Luz), o Teatro da Luz facilmente passa despercebido a quem não conhece a zona. Por trás da fachada, todo um universo com história se esconde. O espaço foi inaugurado a 2 de março de 1903, por ocasião das comemorações do primeiro centenário do Colégio Militar. Para além de ser a casa do Teatro da Luz, o edifício alberga também a sede da Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar e a Associação das Antigas Alunas do Instituto de Odivelas. Atualmente, o Teatro da Luz é ocupado pela Companhia da Esquina, que este ano comemora 15 anos de vida. Formada em 2003, quando um grupo de atores se juntou após uma formação no Teatro da Trindade, a companhia é residente desde dezembro de 2014 e conta com Jorge Gomes Ribeiro como programador e encenador de serviço. Para além das peças de teatro para adultos e para o público infantil, a companhia dispõe de uma componente de formação. Neste momento, tem em cena A Última Ceia (a partir de Dan Rosen) para o público adulto e, para os mais novos, Estória de uma Gaivota e do Gato que a ensinou a Voar, que pode ver até 26 de maio.
Teatro de Carnide
Azinhaga das Freiras
Há seis anos a gerir o Teatro de Carnide (TC), Pedro Rosa esteve vários anos a trabalhar no Teatro da Luz como acrobata aéreo. Um dia participou numa produção para o TC, e por ali ficou. O espaço nasceu da fusão da Sociedade Dramática com o Grupo de Teatro de Carnide (fundado em 1953 por Bento Martins). O ator e encenador (com um jardim inaugurado em seu nome na Quinta da Luz) levou ao palco do Teatro de Carnide autores como Shakespeare, Luís Stau Monteiro ou Steinbeck. O espaço mantém viva essa memória, sendo um agente cultural de referência na cidade. Em março, o TC acolheu Mulheres nascidas de um Nome, espetáculo com textos de Claudio Hochman declamados por mais de cem mulheres, que incluía música e dança. As peças infantis são um dos pontos fortes do TC, com um público muito regular. Em breve, o TC irá repor o Dragão Cor de Framboesa, do ator João Ricardo (falecido recentemente). Para além das peças de teatro, o TC também recebe cursos de formação em teatro. Muitas pessoas procuram estes cursos não só pela curiosidade em experimentar teatro, mas para trabalharem dificuldades de comunicação ou mesmo para vencerem a timidez. Outra das valências do TC é a organização da Marcha Popular de Carnide, que acontece desde 1966.
Biblioteca Natália Correia (traseiras)
Rua Prof. Pais da Silva, 28
Situada no Bairro Padre Cruz, a Biblioteca Natália Correia faz parte da rede municipal de bibliotecas de Lisboa. Foi inaugurada em 1962 na Rua Rio Tejo, onde permaneceu até 1997. Atualmente encontra-se inserida num edifício polivalente (futura Casa da Cidadania de Carnide), paredes meias com o Centro Cultural de Carnide. Para além do empréstimo de livros, a biblioteca disponibiliza computadores com acesso à internet, promove ações de literacia digital e dá apoio às bibliotecas escolares da zona. É um espaço familiar, onde toda a gente se conhece. Há leitores assíduos que ali vão desde pequenos, e que ali foram adquirindo hábitos de leitura. Promove atividades com idosos que visam divulgar o bairro e as memórias afetivas, e recebe horas do conto para famílias. Há ainda uma atividade para adolescentes, que consiste em mostrar-lhes que a biblioteca não serve só para ler: pode usar-se a poesia para fazer rap, e ainda ficar a conhecer o património da cidade. A ideia é perceberem que a biblioteca não é um lugar aborrecido e que os livros têm o dom de os levar para fora de portas, já que muitos nunca saíram do bairro. Outra das propostas é Às 6as com Chá: todos os meses, um escritor é convidado a falar sobre a sua obra, enquanto os visitantes ouvem, atentos, acompanhados de chá e bolachas. A clientela é sobretudo local, mas por estar inserida num bairro periférico, a Biblioteca Natália Correia é local de passagem para muitos. Um espaço familiar que leva muita gente a parar ali para requisitar livros com atendimento personalizado.
Livraria Solidária
Rua General Henrique de Carvalho 3
A Rua General Henrique de Carvalho, conhecida por ser uma zona com várias vivendas (a maior parte delas devolutas), fica situada numa das entradas do centro histórico de Carnide. Nessa rua funciona, há pouco mais de um ano, num edifício da Santa Casa da Misericórdia, uma Livraria Solidária. A ideia da Boutique da Cultura foi ganhando forma quando a associação conseguiu o apoio do Bip-Zip (um projeto da CML dá apoio financeiro a projetos de juntas de freguesia, associações locais ou coletividades). O objetivo é simples: dar uma vida nova a um livro usado, gerando receita que irá ser investida em projetos comunitários. As doações de livros são feitas por particulares ou empresas (o único pré-requisito é que estejam em bom estado). Estes livros são então catalogados e colocados à venda por um preço simbólico (o máximo que vai pagar é 5€). Há duas salas cheias de livros dos mais variados temas: romances, livros técnicos, livros infantis, livros em línguas estrangeiras… Neste momento a livraria dispõe de cerca de sete mil livros em permanência. Para além da vertente literária, o espaço também é usado para apresentações de livros, sessões de contos e tertúlias.
Espaço Bento Martins
Largo Pimenteiras, 6
Situado no edifício da Junta de Freguesia de Carnide, o Espaço Bento Martins tem estado, nos últimos anos, sob gestão da Boutique da Cultura (BC). Dentro de poucos meses, a BC mudará a sua sede para um espaço ampliado da Incubadora de Artes, pelo que a sua gestão voltará em breve para a junta. Quando entramos no espaço, a sensação que nos invade é a de alguma nostalgia. A sala, embora tenha sofrido obras ao longo dos anos, mantém os tetos altos e abobados das cavalariças que ali funcionaram aquando da sua construção. Atualmente, o Espaço Bento Martins serve os mais variados fins: colóquios, exposições, peças de teatro, café-concertos, workshops, etc. A vida cultural desta freguesia não para de fervilhar, muito por responsabilidade desta junta que tudo faz para dar apoio e acolher associações que não têm um espaço próprio. Aliás, o próprio edifício da junta dispõe de salas que servem de escritório a algumas destas associações. Exemplo disso é a Associação Tenda que, em troca, produz alguns espetáculos de teatro e animação de rua para eventos como a Feira da Luz, ou ainda do Teatro do Silêncio, cuja atividade se iniciou no Espaço Bento Martins.
Centro Cultural de Carnide
Rua Rio Cávado, 3A
Inaugurado a 24 de março de 2011, data em que passou a ser gerido pela junta, o Centro Cultural de Carnide (CCC) chegou a ser um espaço do Departamento de Ação Social da Câmara Municipal de Lisboa que, mais tarde, foi cedido à Santa Casa da Misericórdia. Desde que a Santa Casa mudou de instalações, o espaço passou a ser gerido pela freguesia. O edifício é polivalente: o átrio acolhe exposições e há uma sala usada para workshops ou reuniões de moradores. No entanto, a estrela principal do CCC é o Auditório Natália Correia. Com 170 lugares, recebe os mais variados espetáculos, desde peças de teatro a concertos, passando por aulas de dança, canto e de teatro, sessões de cinema, festas de associações, colóquios ou debates. Fica no Bairro Padre Cruz, mesmo ao lado da Biblioteca Natália Correia. Em breve, será ali sediada a Casa da Cidadania, um mega edifício que albergará não só o CCC e a biblioteca, mas também algumas das instituições da junta. As obras, aguardadas há mais de três anos deverão começar ainda este ano.
Teatro Armando Cortez
Estrada da Pontinha, 7
Inaugurado em maio de 2003, o Teatro Armando Cortez é uma sala de espetáculos inserida na Casa do Artista. Logo nesse ano, o teatro acolheu o programa semanal da RTP Prós e Contras, que ali se manteve durante um longo período. No ano seguinte, o TIL – Teatro Infantil de Lisboa passou a ser companhia residente do Teatro Armando Cortez, sendo responsável por uma afluência muito grande do público infantil, nomeadamente escolas. Estreou-se com D. Quixote, e tem tido sempre peças regulares, como A Flauta Mágica, Romeu e Julieta – Uma História de Gatos, Soldadinho de Chumbo, Cinderela, ou, mais recentemente, O Feiticeiro de Oz. Para além da programação infantil, o Teatro Armando Cortez também tem sido palco de vários sucessos para o público adulto. Ao longo dos anos, houve várias produtoras a assegurar a programação simultaneamente com o TIL. Neste momento, a Yellow Star Company é a produtora residente. Em março, a companhia estreou Monólogos da Vagina, com encenação de Paulo Sousa e Costa e interpretação de Joana Pais de Brito, Júlia Pinheiro e Paula Neves, que estará em cena até 2 de junho. O Teatro Armando Cortez também recebe, regularmente, workshops de teatro por parte das Oficinas Teatro Lisboa, dirigidas pelo encenador João Rosa.
Incubadora de Artes
Av. Colégio Militar
Inaugurada em julho de 2017, a Incubadora de Artes de Carnide foi um dos projetos mais votados no Orçamento Participativo do ano anterior. O espaço é gerido em parceria entre a Boutique da Cultura e a Direção Municipal de Cultura da CML, e tem como objetivo promover o empreendedorismo e apoiar artistas emergentes. A Incubadora funciona num contentor com cerca de 200 metros quadrados, situado na Av. Colégio Militar. Inclui uma sala de co-working com capacidade para 12 pessoas, uma sala de formação e de reuniões, uma oficina com quatro artistas residentes (nas áreas da cerâmica, estampagem e marroquinaria), uma casa-de-banho equipada com duche, uma copa, armazém e loja. O nome, Incubadora de Artes, por ser muito abrangente, tem induzido algumas pessoas em erro, que se candidatam na área das artes performativas e até da gastronomia. Uma lacuna que será preenchida em breve, já que está a decorrer o alargamento do atual espaço. Para além das atuais valências, a Incubadora passará a ter, também, duas salas-estúdio para ensaios, um pequeno auditório para espetáculos e uma oficina maior. Prevê-se que a sua inauguração decorra nos próximos meses. Uma vez que o projeto foi votado pela comunidade, uma das formas de retorno da Incubadora é facultar formação credenciada, quer para os artistas residentes, quer para a comunidade em geral. Mesmo que não seja artista residente da Incubadora, pode sempre usar o espaço da loja para vender os seus artigos.
Não existe uma narrativa apreensível. Miguel Bonneville fez disso ponto de honra. A ideia para o espectáculo teve origem numa residência artística em França e a inspiração primeira veio do cinema: o Week End (1967) de Jean-Luc Godard e Ma mère (2004) de Christophe Honoré. Bataille era uma referência em ambos e Miguel Bonneville até pensou inicialmente em fazer um filme, projeto posto de parte face às óbvias dificuldades (custos) de tal produção. As ideias do guião que chegou a existir mudaram-se para o palco e os intérpretes escolhidos (Afonso Santos, Vanda Cerejo, Catarina Feijão e Francisco Rolo) para entrar num método de descoberta partilhada, tiveram autonomia para criar o seu próprio movimento, com abertura ao improviso.
Os gestos de cada um, primeiramente rígidos ou ao ralenti, parecem indicar que estão condenados a uma repetição de que não se conseguem libertar. Soltam-se mais tarde, por uma progressiva sexualização da “coreografia”, e por intermédio de um processo que os fará a todos interagir e, de certa forma, chegarem a fundir-se uns com os outros (a sugestão de uma possível orgia fica no ar). Poderá ver-se aqui uma ideia de utopia, da liberdade do sentido até ao encontro libertador das pulsões. Fica à consideração de cada espectador. Final em aberto, com música eletrónica dançante.
A Importância de Ser Georges Bataille estreia a 14 de maio, na Sala Mário Viegas do Teatro São Luiz.
Não é de todo especulativo afirmar que o teatro sonhado (e fundado) pelo Visconde de São Luiz Braga no final do século XIX é um marco na vida de Lisboa. Tanto que, para assinalar os 125 anos do atual teatro municipal, o Teatro Praga concebeu um musical festivo onde se funde o cabaret e a opereta, e até mesmo a revista à portuguesa – ou a liderar o elenco não estivesse o versátil e sempre surpreendente ator José Raposo.
Com a sua habitual irreverência, os Praga criaram vários quadros ilustrativos da história do Teatro (que se confunde, inevitavelmente, com a da cidade e do país), desde a noite em que a “francesa” Rainha D. Amélia o inaugurou com uma opereta de Offenbach, até aos dias de hoje, marcado por uma espécie de “renascimento” iniciado sob direção de Jorge Salavisa, e continuado por Aida Tavares, atual diretora artística do teatro.
Ao longo do exigente trabalho de pesquisa e investigação feito para o espetáculo, André e. Teodósio, coautor e também ator, descobriu que “a história do São Luiz é uma surpresa permanente”. “Foi particularmente interessante perceber como ao longo do tempo este Teatro apresentou propostas artísticas que contrastavam com uma Lisboa atávica”. Teodósio lembra a passagem pelo São Luiz das grandes vedetas internacionais que deliciavam a sociedade lisboeta, mas não esquece as vanguardas, e até mesmo os primeiros espetáculos de transformistas no fim do século XIX, demonstrando que o São Luiz foi sempre “um espaço de diversidade e liberdade, mesmo quando os tempos não se coadunavam com estes conceitos.”
Toda esta ideia conjuga-se, simultaneamente, com a de um Teatro “transformista”, ou seja, em constante mutação, que passou por fases tão diversas e tão díspares. “Houve um período áureo, o das grandes vedetas, que praticamente se fecha com o incêndio; depois vieram os anos do cinema, a que se seguiram longas décadas com uma programação errante.”
O musical dos Praga define-se assim como uma celebração de todo esse percurso, com o São Luiz a afirmar-se como o grande protagonista ao longo de quadros protagonizados pelo Visconde de São Luiz e pela Rainha D. Amélia; pelas divas Eleonora Duse e Sarah Bernhardt; pelos futuristas e modernistas, como Santa Rita e Almada Negreiros; pelo ideólogo António Ferro ou pelo cineasta Leitão de Barros; e até pelos recentes diretores artísticos, Jorge Salavisa e Aida Tavares.
Com José Raposo como “grande mestre de cerimónias”, os Fado Bicha como “guest stars mais do que simbólicas da ideia de transformação”, todo um conjunto de atores que fazem parte da família Teatro Praga (para além de André e. Teodósio, o elenco conta com Cláudia Jardim, Diogo Bento, Jenny Larrue, Joana Barrios, Joana Manuel e João Duarte Costa), uma banda e bailarinos, que xtròrdinária é a história do São Luiz.
Nesta recente criação, Rui Neto quis falar dos homens, da nossa sociedade, de uma Europa em crise. Mas, antes de tudo, o autor e encenador foca-se na família como instituição humana, demasiadamente humana. “Tal como humana é toda a mitologia”, sublinha.
Em cena, encontramos três deuses expulsos do Olimpo, refugiados incógnitos à procura de um sentido para as suas existências terrenas. Eles são Zeus, Hera e Ares. Perdida a guerra contra os homens, são submetidos a “uma lobotomia divina” que lhes apaga a memória. Instalados num apartamento em Odivelas, cidade dos arredores de Lisboa, comportam-se como uma banal família de classe média. Distantes de imaginar o que foram, Hera prepara diariamente as refeições e vai lidando com as rotineiras infidelidades do marido, Zeus, à maneira “divina” – ou seja, com todo o poder do ciúme e da fúria que se lhe reconhece.
Com eles vive o filho, Ares, aluno difícil, adolescente sombrio, obcecado com os livros que podem dar um sentido à sua existência e à da família. Até porque depressa percebe que o tempo não lhes toca nem lhes impôe a finitude, pelo que é essencial encontrar o caminho que os reencontre com a sua condição divina.
“Esta é, sobretudo, uma peça sobre a memória e a busca da identidade, onde figuras mitológicas são um pretexto para um conjunto de reflexões muito atuais”, sublinha Rui Neto, destacando o seu gosto particular pelas “ficções heroicas, desde o universo dos super-heróis aos monumentos de Homero e Ovideo.”
3Gods ganha assim os contornos de epopeia, e com um sentido de humor ácido coloca os protagonistas perante a crise de valores que afeta o mundo à sua volta. São deuses tornados homens como os outros, pessoas que se debatem com erros, frustrações e mentiras, numa busca infinita por resgatar a memória e descobrir quem, de facto, são ao longo da incessante marcha do tempo.
Os mascarados vêm de longe, do norte da Península Ibérica, da região centro de Portugal, de Itália, da Hungria, da Colômbia e de Macau, para celebrar uma tradição cuja origem se perde no tempo, um tempo em que os homens viviam em comunhão com a natureza. Em Portugal, é sobretudo na região de Trás-os-Montes que se mantem viva a memória de ritos seculares, celebrados durante as Festas de Inverno que se iniciam com o solstício (21 de dezembro) e se estendem até ao Entrudo. Nessas Festas, onde se fundem elementos pagãos e cristãos, as protagonistas são as máscaras. Atrás delas estão homens que noutros tempos seriam obrigatoriamente solteiros, reproduzindo rituais de iniciação ou cerimónias de purificação, fertilidade e fecundidade.
Hoje, com o despovoamento das aldeias e o envelhecimento das populações, as regras mudaram e todos podem participar. Vestidos com trajes de lã coloridos e as máscaras terríficas que, nalguns casos, passam de geração em geração, correm pelas ruas ao som das gaitas-de-foles e dos chocalhos. Assumem-se como personagens fantásticas que, num mundo complexo feito de ritos, magia e simbologia, expurgavam os males da comunidade. Ei-las em todo o seu esplendor.
Caretos de Grijó (Bragança)
Os caretos saem à rua em Grijó da Parada durante as Festas de Santo Estêvão (26, 27 de dezembro), o padroeiro dos rapazes. Os ritos cumpridos nestas Festas datam provavelmente da época celta e são liderados pelo “Rei” e pelo ”Bispo”. Com os seus trajes de lã de cores garridas, onde predomina o vermelho, e as suas máscaras de latão de onde pendem línguas, animam o público com gritos, saltos e o som dos chocalhos, cujo número varia em função da riqueza do traje. Transportam um cajado que serve para disciplinar a assistência e uma bexiga de porco que, segundo alguns estudiosos, sugere fecundidade.
Máscaros de Vila Boa (Vinhais, Bragança)
Inicialmente vinham para a rua por altura das Festas de Santo Estêvão. Agora é no Carnaval que, em pequenos grupos, tomam conta das aldeias em busca das suas “vítimas”: as raparigas solteiras. As chocalhadas, assim se chamam as investidas dos caretos sobre as mulheres, têm na sua origem uma intencionalidade sexual, ligada à fecundação. Por este motivo, noutros tempos, as raparigas assistiam aos festejos da janela e as mulheres casadas eram impedidas de sair pelos maridos. Os trajes de lã coloridos dos Máscaros de Vila Boa, de onde pendem franjas, contrastam com as diabólicas caraças talhadas a canivete na madeira de castanheiro ou em folha-de-flandres.
Caretos de Podence (Macedo de Cavaleiros)
Distinguem-se pelas máscaras vermelhas em folha-de-flandres e pelos fatos de lã tricolores (amarelo, verde e vermelho) com capuz, de onde pende um entrançado (ponta do rabo) usado para fustigar as raparigas. Animam o Entrudo Chocalheiro de Podence, considerado o mais genuíno do país o que justificou a candidatura a Património Imaterial da Humanidade em 2018. Nestas festas, que correspondem às bacanais de março, caracterizadas pelos banquetes, mascaradas e bailes, evoca-se a ancestral ligação à natureza, à agricultura e à fertilidade.
Cardadores de Vale de Ílhavo (Ílhavo)
No Domingo Gordo e no dia de Carnaval, os Cardadores surgem de todo o lado, anunciados pelo barulho ensurdecedor dos chocalhos que trazem à cintura. A tradição está relacionada, como o nome indica, com o cardar da lã que aqui se converte em cardar as raparigas. Os preparativos da festa são feitos pelos homens sob grande secretismo, evocando antigos rituais de iniciação. O traje é feito de roupa interior feminina, combinação, lenço de tricana, meias e sapatilhas. A máscara, muito sofisticada e que pode pesar até 5 quilos, faz-se de cotim, cortiça, bigodes de bovino, duas asas de aves, gazetas (fitas) e fio de vela. Tudo envolto em perfume Tabu.
Caretos da Lagoa (Mira)
No concelho de Mira, só em Lagoa existem caretos. A tradição de saírem no Carnaval é antiga, mas não se sabe com rigor a data do seu início. Certa, parece ser a ligação a rituais pagãos de iniciação dos rapazes à idade adulta. A máscara dos caretos, a Campina, é pintada e ornamentada com cornos e peles de animais. Trajam saia vermelha, numa alusão ao pecado e camisa branca que simboliza a pureza. Trazem presos em correias de couro os inevitáveis chocalhos.
Los Carnavales de Villanueva de Valrojo (Zamora)
Pela sua longevidade e originalidade, o Carnaval de Villanueva de Valrojo tem grande fama na província espanhola de Zamora. As festividades remetem para antigos ritos pagãos de purificação e fertilidade. Os mascarados, com trajes garridos e máscaras de plástico, cortiça ou cobre, perseguem as raparigas pelas ruas das aldeias com tenazes compridas.
“Sem um parceiro de longos anos como o Teatro Maria Matos e com o São Luiz a comemorar 125 anos, toda esta edição do FIMFA foi um enorme desafio para nós enquanto programadores”. Luís Vieira e Rute Ribeiro, diretores d’ A Tarumba-Teatro de Marionetas, sublinham esta conjuntura para explicar muito daquilo que é a programação desta edição do mais importante festival de marionetas de Lisboa que, quase a comemorar 20 anos, aposta fortemente em espetáculos de rua, sobretudo no Castelo de São Jorge que será palco de “um quase mini-festival” que vai “ter um conjunto de propostas que até aqui nunca foi possível apresentar no festival”.
Outra grande aposta desta edição é toda uma “programação radical”, segundo as palavras da dupla, especialmente reservada para as famílias. É que Lisboa tem agora um teatro para o público infanto-juvenil, o LU.CA – Teatro Luís de Camões, e essa oportunidade não poderia ser perdida.
À margem destes eixos, desafiámos Luís Vieira e Rute Ribeiro a fazer a sempre difícil escolha de seis espetáculos tidos como absolutamente imperdíveis nesta 19.ª edição.
FIMFA Lx19 – Festival Internacional de Marionetas e Formas Animadas
★ Vem aí o FIMFA!! ★ #FIMFA Lx19 – Festival Internacional de Marionetas e Formas Animadas???International Festival of Puppetry and Animated Forms9 a 26 de Maio -9 to 26 May – #LisboaConsulte o programa em * Check out the programme: www.tarumba.ptEspaços de apresentação: CASTELO DE S. JORGE, São Luiz Teatro Municipal , @Teatro Nacional D. Maria II, @LU.CA – Teatro Luís de Camões , Teatro do Bairro, Teatro da Trindade, Teatro Taborda – Teatro da Garagem, @Museu de Lisboa – Palácio Pimenta, Cinemateca Portuguesa-Museu do Cinema, @Museu Nacional do Teatro e da DançaVídeo de / by Flúor#fimfa19 #fimfalx19 #fimfa2019#tarumba #marionetas #puppets #puppetry #puppetfestival #fimfalx #titeres #figurentheater #marionnettes #marioneta #atarumba #festival #Lisbon
Posted by A Tarumba Teatro Marionetas on Monday, 6 May 2019
Hans Christian, you must be an angel
Teatret Gruppe 38 (Dinamarca)
Teatro do Bairro, 10 a 12 de maio
Uma memória de Hans Christian Andersen. O público vai ser recebido por dois mordomos e experienciar toda a magia que 20 personagens criadas pelo autor dinamarquês oferecem à volta de uma mesa. É um espetáculo absolutamente deslumbrante… Certamente, o próprio Hans Christian ficaria fascinado por ele se o pudesse ver.
Vu
Cie Sacékripa (França)
Teatro Taborda, 10 a 12 de maio
É quase um espetáculo de novo circo em miniatura. Sem palavras, com torrões de açúcar, uma máquina de café ou uma chávena de chá, Etienne Manceau vai fazer-nos pensar sobre as nossas vidas, sobre o nosso quotidiano. Uma verdadeira pérola presente na programação do FIMFA.
Portraits in Motion
Volker Gerling (Alemanha)
Teatro do Bairro, 14 e 15 de junho
Gerling é um realizador e diretor de fotografia alemão que se apaixonou pelos flipbooks. A génese deste espetáculo está na sua itinerância pela Alemanha, que o artista percorreu munido de flipbooks com fotografias próprias, que ia mostrando como se fosse uma exposição itinerante. A partir daqui, foi fotografando pessoas e ouvindo histórias, reproduzindo muitas delas neste espetáculo premiado capaz de nos vai fazer rir, mas também comover.
Chambre Noir
Plexus Polaire (França/Noruega)
Teatro do Bairro, 17 a 19 de maio
O trabalho dos Plexus Polaire e da sua criadora Yngvild Aspeli tem sido seguido atentamente por nós nos últimos anos. Neste regresso ao FIMFA, Aspeli usa marionetas de tamanho humano, vídeo e música ao vivo para contar a história de Valerie Jean Solanas, a mulher que tentou matar Andy Warhol. É um trabalho assombroso, um daqueles espetáculos que não se pode mesmo perder por toda a envolvência que cria, capaz de transportar o espectador para os anos áureos da Factory, o estúdio de Warhol em Manhattan.
A Filha do Tambor-Mor
Opereta de Jacques Offenbach (Portugal)
São Luiz Teatro Municipal, 22 a 25 de maio
Esta grande produção do São Luiz dá-nos um particular orgulho, uma vez que A Tarumba assina a cenografia e as marionetas. É a opereta cómica que inaugurou o Teatro há 125 anos, e para ela formámos uma equipa de colaboradores, especialistas nas mais diversas áreas. Em palco vai estar um burro, o Martin, quase em tamanho real; uma caixa de encomendas que é animada por bailarinos; uns quadros italianos de época que ganham vida; e até uma madonna que desce do púlpito, e… é melhor não desvendar mais! Em resumo, uma opereta divertida com contornos bem ”marionetisticos.”
A Filha do Tambor-mor – ensaios cenografia
É de revirar os olhos, a cenografia de A Filha do Tambor-Mor, J. Offenbach #saoluiz125anos!www.teatrosaoluiz.pt/espetaculo/a-filha-do-tambor-mor
Posted by São Luiz Teatro Municipal on Friday, 3 May 2019
Vies de Papier
La Bande Passante (França)
São Luiz Teatro Municipal, 25 e 26 de maio
É uma espécie de teatro de objetos documental. Os autores compraram um álbum de fotografias numa feira da ladra e decidiram ir à procura das histórias das pessoas que ali foram retratadas. O interesse sobre o percurso daquela família, que remonta aos tempos do nazismo, leva-os a um trabalho de arqueologia teatral onde a pesquisa vai confrontar os próprios “investigadores” com as suas vidas pessoais e familiares. É um percurso emocionante, uma fantástica viagem a um mundo de outros que é, inevitavelmente, também o nosso.
António Sousa Homem
O Crepúsculo em Moledo
Pela quinta vez em duas décadas, António Sousa Homem (ASH) reúne em livro as suas crónicas. As que aqui se apresentam têm origem nas páginas do Correio da Manhã. Os leitores que acompanham a escrita semanal deste outrora advogado que encontrou em Moledo o seu reduto de vida, já concluíram que os livros de ASH são tratados filosóficos disfarçados de volume de crónicas. Ele será menos o reacionário minhoto que a capa indica em subtítulo, e mais um conservador suficientemente antigo para se alegrar com as constantes da vida e comentar o que é frívolo e passageiro com a elegância da sua doce ironia. Os principais traços do autor foram empregues em título no livro anterior, Páginas de Melancolia e Contentamento (2013). O segundo estado decorre do primeiro, e ambos possibilitam uma tão especial relação com a história familiar, a agitação mundana, e principalmente a alternância das estações observada na natureza. A botânica será das maiores paixões deste cronista que trata a língua portuguesa com a delicadeza de um paciente horticultor.
Porto Editora
Alberto Franco
As Guerras do Fado
“Foi com verdadeiro assombro e indignação que ouvi (…) a transmissão de um disco com a voz de Amália (…) cantando versos do imortal Luís de Camões. (…) Porque sou portuguesa e respeito tudo o que a nossa História e Tradição nos legaram, acho que não devia ser permitido editar Luís de Camões em fado corrido”. A opinião desta leitora do Diário Popular foi, à época (1965), partilhada por intelectuais como José Cardoso Pires, ou José Gomes Ferreira. Já no século XIX, para as figuras literárias da Geração de 70 o fado era inseparável do Portugal que criticavam. No século XX, Fernando Lopes Graça considerava-o uma “canção bastarda”. Ao longo da sua história, o fado contou também com defensores de renome e sobretudo com a personalidade e a voz inigualável de Amália que lhe conferiu universalidade. A genial cantora acabou por partilhar com Camões a condição de símbolo cultural nacional. Alberto Franco traça uma brilhante análise sobre os debates e polémicas da história do fado, desde os seus dias menos felizes até à sua consagração pela UNESCO como património Cultural Imaterial da Humanidade.
Guerra & Paz
Michel Pastoureau
Verde – História de uma Cor
Michel Pastoureau afirma que a cor não é tanto um fenómeno natural quanto uma construção cultural complexa, um facto social: “é a sociedade que ‘faz’ a cor, que lhe dá a sua definição e o seu sentido, que constrói os seus códigos e valores, que organiza as sua práticas e determina as suas implicações”. Neste livro, inventaria a história da cor verde desde a Antiguidade grega até aos nossos dias. Difícil de fabricar e de fixar foi, ao longo dos séculos, associada a tudo o que era efémero e volúvel: a infância, o amor, a esperança, a sorte, o jogo, o acaso, o dinheiro. Só na época romântica se tornou definitivamente a cor da natureza e, mais tarde, da liberdade, da saúde, da higiene, do desporto, da ecologia. Porém, as reacções à cor verde ainda hoje são contraditórias. Na Europa, cerca de uma em cada seis pessoas tem-na como cor preferida, vendo-a como símbolo de vida e esperança, mas cerca de dez por cento detestam-na ou pensam que dá azar, ligando-a aos atributos da desordem, do veneno, do diabo e das suas criaturas.
Orfeu Negro
Elsa Morante
A História
Elsa Morante nasceu num bairro pobre de Roma em 1912, cidade onde residiu até à data da sua morte em 1985. Em 1941 casou-se com o escritor Alberto Moravia – o casal separar-se-ia em 1962, sem jamais se divorciar – e conheceu por seu intermédio muitos dos pensadores e escritores italianos da época. A História é, simultaneamente, um romance épico sobre a cidade de Roma durante a II Guerra Mundial e um relato intimista e poético de uma relação familiar. Ida, frágil viúva, judia pela parte da mãe, tenta proteger os seus dois filhos do fascismo, do racismo, da ruína da guerra, da fome e dos massacres. O pequeno Useppe, o filho mais novo, produto da violação de Ida por um soldado alemão, é um dos personagens de eleição da autora, crianças ou adolescentes penosamente solitários e inadaptados. Um “piralho doce de mais para este mundo” que acaba tragicamente contaminado por ele. Uma obra poderosa sobre a violência perpetrada nos humanos por uma História hostil. E como escreve Elsa Morante, no final do romance: “A História continua…”
Relógio D’Água
José António Rodrigues Pereira
Homens do Mar
Criada com a nacionalidade, a marinha portuguesa tem uma história que se confunde com a da Nação, pois Portugal está ligado ao mar desde os seus primórdios. Ao longo dos seus quase 900 anos de história, muitos foram os homens que se evidenciaram como navegadores, descobridores, cartógrafos, cientistas, estrategas, construtores navais. José António Rodrigues Pereira, antigo director do Museu de Marinha, apresenta-nos mais de 50 homens que foram fundamentais para a história marítima portuguesa. De D. Fuas Roupinho, comandante das galés de D. Afonso Henriques e que foi o primeiro a obter uma vitória no mar contra os mouros, até Alpoim Galvão, oficial da Armada que se distinguiu na Guerra do Ultramar. E também figuras incontornáveis como Gil Eanes, Diogo Cão, Pedro Álvares Cabral, Fernão de Magalhães, Pedro Nunes ou os reis D. Luís I e D. Carlos. Mas este livro resgata ainda personalidades menos conhecidas como Pedro e Jorge Reinel, considerados os melhores cartógrafos do seu tempo, Gabriel Ançã, que se destacou no socorro a náufragos, ou Afonso Júlio de Cerqueira, oficial da Armada que se notabilizou nas campanhas militares no Sul de Angola, durante a Primeira Guerra Mundial. Todos estes homens marcaram de forma inequívoca a História Marítima portuguesa pelo seu saber, a sua visão inovadora e a sua coragem.
A Esfera dos Livros
Inês Barahona e Miguel Fragata
Ciclone
M., Bernardo, Carla e Anabela são quatro adolescentes, entre os 13 e os 19 anos, que, em determinado espaço e tempo, vão escrevendo nos seus diários. Em comum, têm pelo menos uma coisa: uma montanha-russa chamada Ciclone, com 26 metros de altura, que já toda a gente experimentou, ou experimentará, ao caminhar para a idade adulta. Dos anos 70 até aos dias de hoje, este diário de emoções reúne páginas de loopings, subidas alucinantes, descidas vertiginosas, suspensões, expectativas, impressões e algumas desilusões, tal como a própria vida. O livro, que conta com as ilustrações de Mariana Malhão, é inspirado no texto do espetáculo Montanha-Russa, de Inês Barahona e Miguel Fragata, que se estreou no palco do Teatro Nacional Dona Maria II em 2018 e que regressou no início deste ano. Esta edição constitui um precioso testemunho da qualidade da editora portuguesa Orfeu Negro, eleita a melhor da Europa pela Feira do Livro Infantil de Bolonha 2019.
Orfeu Mini
O primeiro disco, #batequebate, teve imenso sucesso. Isso colocou-vos muita pressão?
Alex: Sim, mas acho que não foi só a pressão que nos levou a demorar tanto a fazer um segundo álbum. Foi também o facto de termos tocado durante quatro anos seguidos o mesmo disco. Quando demos por nós já tinham passado quatro anos…
Ben: Só nos apercebemos quando a nossa manager nos alertou que era preciso fazer outro disco. O tempo passou a voar, mas é sinal que estivemos ocupados. Dentro da música apareceram uma série de outras oportunidades de que não estávamos à espera. O tempo foi passando sem darmos conta, mas penso que tão cedo não voltamos a cometer esse erro. Há cerca de dois anos começámos a compor para outras pessoas, que era algo que já queríamos fazer há muito, e de repente toda a gente queria trabalhar connosco. Quando nos começámos a focar no segundo disco, tivemos que dizer “não” a muita gente e houve pessoas que ficaram um bocado chateadas. Penso que aprendemos a fazer melhor essa gestão. Há certas alturas em que temos que nos focar apenas em nós. Acho que se isso tivesse acontecido já estaríamos, facilmente, no terceiro disco.
Têm uma identidade muito própria, muito presente também neste disco, embora nele transpareça outra maturidade…
Alex: Nestes quatro anos vivemos muita coisa. Nota-se a experiência de uma banda que já tocou ao vivo. Foi um período de busca de identidade, de nos interrogarmos quem eram os D’alva e qual era o nosso som. No processo de gravação deste disco é que percebi, efetivamente, quem éramos musicalmente, mas a nível pessoal também, tanto eu como o Ben vivemos muito coisa…
Como é que surgem as letras, qual é a vossa metodologia de trabalho?
Ben: É importante perceber o que temos para dizer. Uma das coisas que fizemos para este disco andar para a frente foi uma residência artística. Quisemos fazer uma pausa em tudo o que estava a acontecer, isolar-nos, o que acabou por nos sincronizar. Claro que há músicas que precisam de mais tempo, outras acontecem de repente, mas a criatividade tem de ser trabalhada. Quanto mais fazes, mais facilmente a coisa acontece, por isso é que os artistas têm de ter rotinas. Na prática, estivemos três meses a trabalhar neste disco, nem pensámos muito na estética. Para nós foi uma surpresa perceber como o disco estava mais coeso do que o outro e que o tínhamos feito em tão pouco tempo. Percebemos que, num curto espaço de tempo, conseguimos fazer um disco. Matámo-nos, mas conseguimos [risos].
Alex: No entanto, o gatilho é sempre emocional. As letras do disco são mais emocionais. Colocámo-nos numa posição mais vulnerável do que no primeiro.
Essa partilha não vos deixa desconfortáveis?
Alex: Quando era mais novo as minhas letras funcionavam como um diário. Quando conheci o Ben, ele alertou-me que isso talvez não fosse uma boa ideia…
Porquê?
Alex: A lição que retive foi: as canções são como as tatuagens, uma marca permanente de um estado de espírito temporário. Por outro lado, ao fazer este disco percebi que há alturas em que o melhor é ser-se completamente honesto.
Ben: Para nós foi sempre importante contextualizar a perspetiva de quem recebe a canção, de que forma é que as pessoas se identificam com a mensagem. Tentamos fazer algo, agora com outra maturidade. Algumas das canções podem ser mais crípticas do que outras, mas tentamos escrever as letras na perspetiva de quem já deu a volta à situação. Antes de escrevemos passamos muito tempo a conversar, a ler ou a informar-nos sobre determinado assunto que seja relevante. Às vezes passamos mais tempo a falar do que com os instrumentos nas mãos. Mas sim, é um bom veículo terapêutico, toda a gente sabe disso [risos]. No início até tínhamos a ideia – que é um bocado um cliché – de fazer um disco que fosse meio lado B, mas a vida já é assim, por isso nem pensámos nesse conceito, que acabou por acontecer naturalmente. Acho que este segundo álbum é um bocado como o primeiro: começa de forma mais efusiva e depois vai ficando mais denso, mas não é intencional. Ficámos muito felizes, por exemplo, com a forma como tanta gente se identificou com o Verdade sem Consequência.
No primeiro disco, havia uma canção, Só porque Sim, que falava sobre o poder destrutivo da crítica. Acham que, com o passar dos anos, conseguem lidar melhor com essa questão?
Alex: Não deixamos de nos sentir menos bem com uma crítica negativa. Uma canção como Pódio, por exemplo, é um lembrete de que não tenho que ter um espírito competitivo. Se houver um jogo ou uma competição eu não quero fazer parte disso. Não foi para isso que comecei a aprender instrumento e a querer fazer parte de uma banda.
O álbum chama-se Maus Êxitos. Porquê este título?
Alex: Antes de começarmos a fazer o disco estava a sentir muita pressão. Lembro-me, quando lançámos o #Batequebate, de pensar que não sabia se algum dia iríamos fazer um disco melhor. Sentia muito esse medo de falhar. Resolvemos fazer a tal residência artística, onde juntámos várias amigas, bailarinas, fotógrafas, performers e fizemos vários exercícios inerentes à conceção de um espetáculo. Um dos exercícios consistia em escrever uma palavra numa folha enorme que estava na parede, e uma dessas palavras foi ‘falhanço’.
Ben: O que o Alex escrevia pendia muito para a depressão e havia muita tensão. Filmámos algumas coisas e os movimentos de corpo dele eram sempre muito rígidos, e ali era suposto o corpo estar disponível e ele estava sempre tenso. Foi bom, porque percebemos que isto estava muito enraizado nele, e trabalhámos muito esse lado. Chegámos à conclusão de que errar é a coisa mais natural do mundo, ninguém faz tudo bem. É quando alguém erra que a Humanidade avança, seja na Ciência, nas Artes… Por que é que temos tanto medo de falhar, se é nessas alturas que aprendemos, que damos o salto? Assumimos que íamos tentar viver nesse espaço a que toda a gente foge, que é o erro, e ver o que acontecia… Acho que, no que diz respeito à questão da diferença de idade, o Alex acusa um pouco mais de pressão na gestão das expectativas dos outros. Até porque ele está mais exposto do que eu, mais facilmente o reconhecem a ele, mas estamos juntos e ele sabe que não o vou deixar pisar em falso. Estou aqui para o apanhar e vice-versa.
Alex: Quando discutimos sobre as palavras que tínhamos escrito no papel, fomos ao dicionário ver a definição de falhanço, e uma delas era “mau êxito” e achámos graça. Pensámos: se é para falhar que seja mal. É uma coisa um bocado antagónica: como é que um êxito pode ser mau? Além disso tem piada, por ser o oposto de “greatest hits”.
A capa foi concebida pelo designer gráfico Bráulio Amado. Qual é o conceito?
Alex: Basicamente demos carta branca ao Bráulio para fazer o que quisesse. Ele ouviu o disco e teve esta ideia de uma capa onde aparecessem várias pessoas e onde cada elemento representaria uma canção do álbum. As nossas mães aparecem, inclusivamente, e isso também foi ideia dele.
Elas gostaram do resultado?
Ben: Só souberam quando o disco saiu [risos].
Alex: A minha mãe ficou muito contente por estar na capa. Ainda em relação ao conceito, o Bráulio usou muito o vermelho, ao contrário do que estávamos à espera, mas isso também está relacionado com o título, Maus Êxitos, porque o vermelho tem uma espécie de conotação negativa. Quando há um sinal de alerta ele é vermelho… O Bráulio estava a imaginar um carimbo vermelho a dizer ‘Failure’.
A diferença de idades traz riqueza musical e troca de influências?
Alex: Isso acontecia bastante no início. A música mais antiga que comecei a ouvir foi muito por incentivo do Ben. Também havia coisas novas que era eu que trazia para cima da mesa. Não conhecia assim tão bem, por exemplo, Fleetwood Mac e ontem passei o dia todo a ouvir. Depois, às vezes, tenho aquelas surpresas de descobrir que determinadas músicas de que gostava muito eram desse artista que estou agora a descobrir.
A sonoridade anos 80 está muito marcada na vossa música. Como chegaram a essa identidade musical?
Ben: Penso que não temos só influências dos anos 80, também temos de uma parte dos anos 90. Às vezes é difícil distinguir. E há muita coisa dos anos 90 que é o Alex que traz. Acho que é o nosso cunho. Se não estiver presente parece que não é o nosso som. Tentamos não ficar presos a uma sonoridade, usamos o que faz sentido. Quando começámos a trabalhar deu para perceber que esse tipo de som funciona bem com a voz do Alex. É um casamento sónico que faz todo o sentido. Tentamos ir atrás de sons que complementem a voz dele.
Foram convidados a participar na edição deste ano do Festival da Canção, mas optaram por pedir à Ana Cláudia que interpretasse o vosso tema, Inércia. Porquê?
Alex: Sempre quisemos fazer isto, foi um momento muito importante para nós. Era um momento tão bonito que achámos que tínhamos que o partilhar com as pessoas que nos são próximas. A canção que fizemos funciona muito bem com a voz da Ana Cláudia.
Nunca colocaram a hipótese de serem vocês a interpretar a canção?
Alex: Sim, passámos várias semanas a discutir esse assunto… Quando recebemos o convite não era uma altura boa para mim a nível pessoal, para me expor a todo o mediatismo que o Festival traz, a ter que lidar com o escrutínio e com os comentários. A Ana Cláudia não só tem o talento, como é alguém que tem a maturidade para saber lidar com isso.
Ben: O disco novo tinha saído há pouco tempo e achámos que fazia todo o sentido partilhar este momento com uma pessoa com quem temos uma ótima relação. E, sinceramente, isso tirou alguma pressão de cima dos nossos ombros.
Participaram recentemente no concerto de apoio a Moçambique. A música também deve ter um lado social de dar voz a quem não a tem?
Alex: Claro que sim.
Ben: A música unifica tudo. Tanto eu como o Alex crescemos a cantar num contexto de igreja, e isso é algo extremamente comunitário. No Festival da Canção, ou no espetáculo de apoio a Moçambique, a experiência foi idêntica. As pessoas podem ser o mais diferentes possível, mas estão sincronizadas no mesmo tempo, com os batimentos cardíacos acertados. Mais do que ser combativa ou de intervenção, a música determina o que tu vestes, a forma como te expressas, como pensas… Mais do que ser uma forma de expressão, penso que é uma forma de comunicação. Tu dizes, alguém ouve, e isso cria uma reação. A nossa relação surgiu assim: eu escrevi uma coisa sobre a qual estava a passar e com a qual o Alex se identificou, e isso levou a uma reação da parte dele. Todos nós temos referências de artistas que provocaram reações em nós.
Em 2016, participaram no concerto de homenagem à Dina pelos seus 40 anos de carreira, no São Luiz. O que retiraram desse encontro artístico?
Alex: Para a Dina o mais importante eram as canções. Ela falava muito sobre a questão das canções terem três vidas: o momento em que as fazemos, o momento em que as pomos cá para fora, e o momento em que elas chegam às pessoas e deixam de ser nossas. Temos que encontrar um lado libertador nisto. Ela respirava com ajuda da botija, e quando subiu ao palco teve de a largar e cantar como se não se passasse nada, e ela estava muito mal nessa fase. Nesse momento era como se não houvesse problemas no mundo, estava tudo bem e a música fazia-nos sorrir.
Ben: A música tem esse poder. É muito frequente termos de tocar quando estamos doentes. É muito comum aos músicos não se estarem a sentir bem fisicamente antes de atuarem e, de repente, há qualquer coisa de mágico a acontecer no palco que faz com que tudo passe. No concerto do Porto, a Dina estava pior e as pessoas não imaginam a força imensa que ela fez para estender as palavras o mais possível. O que eu retive da Dina foi a leveza muito grande para alguém que teve uma vida bem difícil. Isto pode ser um mundo de serpentes, mas devemos tentar manter alguma inocência na altura de criar. Não vamos fazer música ressabiada. Acho que isso é desonesto, e sente-se quando alguém faz isso. Ela é um bom exemplo de quem não queria saber o que os outros pensavam, sendo sempre fiel àquilo que sentia.
Por ocasião do 125.º aniversário do Teatro Municipal São Luiz, a diretora artística Aida Tavares desafiou um conjunto de artistas e criadores a percorrer as memórias daquele que é um dos mais importantes teatros da cidade. De entre esses criadores estão Joana Craveiro e o Teatro do Vestido, que decidiram levar o desafio mais além ao propor uma ocupação integral de todos os espaços do edifício da Rua António Maria Cardoso.
“Sabendo de antemão que os artistas convidados se iriam dedicar mais à história deste Teatro, decidimos debruçar-nos mais especificamente sobre as memórias do fazer teatral”, explica Joana Craveiro. Portanto, “mais do que contar a história do Teatro São Luiz, a nossa proposta passa por criar paisagens poéticas relacionadas não apenas com o espaço, mas com histórias que ouvimos, com memórias pessoais e artísticas dos atores que formam o elenco, com a cidade e o modo como as pessoas comuns a recordam.”
A autora e encenadora encara Ocupação como “um espetáculo em montagem”, talvez mesmo “um pouco anárquico”, feito quase como se fosse “um ensaio”. São cinco percursos, para um total de 65 espectadores, que percorrem cada espaço do Teatro e ao longo dos quais se encontram, por exemplo, fragmentos de peças que nunca se chegaram a fazer, ora por motivos políticos (como A Mãe de Mitkiewicz, por Artur Ramos, em 1972) ora por infortúnios (como As Três Irmãs que ficaram suspensas após o trágico incêndio no Chiado, em 1988). Bem viva, e com particular destaque no espetáculo, está a memória da encenação por Fernando Gusmão de A Voz Humana, de Cocteau, que Maria Barroso interpretou numa única noite, em 1966, antes da polícia política ter irrompido violentamente pela sala e proibido as restantes récitas. “Foi muito importante termos tido o testemunho de um espectador que estava no São Luiz naquela noite”, sublinha Joana Craveiro.
Como é habitual nas criações do Teatro do Vestido, Ocupação dedica um especial enfoque à história do Portugal contemporâneo, visando aqui recuperar também pequenas memórias da cidade e todo um conjunto de histórias que a relacionam com a ditadura e o 25 de Abril. Como sublinha a encenadora, é quase impossível referir o São Luiz e não recordar toda a carga contida na morada do teatro: “esta era a rua da PIDE, e ainda hoje, quando peço a um taxista com mais idade que me leve à Rua António Maria Cardoso se percebe o impacto que um nome de rua pode causar.”
São, assim, todo um conjunto de fragmentos de vidas comuns, de “peças aprisionadas” na memória de um teatro ou os acontecimentos históricos que ainda ecoam entre as paredes de dentro e de fora do São Luiz que este espetáculo-percurso pretende evocar. Uma Ocupação necessária para que, no futuro, a memória não se abandone ao esquecimento.
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