Têm ambos formação de atores na Escola Profissional de Teatro de Cascais. O que devem a esta instituição e à figura de Carlos Avilez?
José Condessa: A escola tem formado imensos atores ao longo dos anos e tem um leque excepcional de professores que continuam a exercer a sua profissão, e que por isso estão atualizados no tempo. Essa é uma das grandes marcas da escola. O Carlos Avilez, enquanto pessoa e encenador, é quem nos lança no teatro profissional e quem tem apostado mais em nós ao longo destes anos.
Barbara Branco: Devo-lhe a minha carreira toda. O Carlos é o responsável pelo respeito que temos pela profissão, pelo palco e pela representação em si. O Carlos foi o mestre que tivemos e que nos passou tudo isso.
Popularizados pela televisão, consagram uma parte importante da vossa carreira ao teatro. Porquê?
JC: O teatro é a base. Fiz uma formação em teatro, não em televisão ou cinema. No entanto, considero que se um ator souber representar nas três vertentes é um ator completo. Mas acho que a base é sempre o palco pelo contacto direto com o público, pela dificuldade, pela complexidade das personagens e, acima de tudo, pelos grandes textos que temos oportunidade de reviver.
BB: Mais do que gostar, eu preciso de fazer teatro. Acaba por ser a raiz. O teatro dá-nos um contacto com o público que é o nosso maior juiz. O público dá-nos uma emoção e um contacto direto que não temos em televisão e isso é muito importante para um ator, sobretudo para um ator que está a começar.
Ao representar Shakespeare, qual o maior desafio?
JC: Shakespeare é quase perfeito. No Hamlet, por exemplo, que é praticamente a bíblia do teatro, encontramos respostas para quase tudo, até o “teatro dentro do teatro”. Shakespeare, a meu ver, é um autor que acima de tudo entende o ator. Tem uma grande proximidade com a palavra que encaixa facilmente na boca do ator. O texto é sempre muito belo e possui uma grande força. Representar Shakespeare é uma responsabilidade.
BB: Creio que a maior dificuldade de fazer Shakespeare é justamente acartar com a responsabilidade de o representar. Tirando isso, as suas peças são muito generosas para com o ator, no sentido em que o texto nos dá tudo e não precisamos de fazer grande coisa para além de o ler e saborear.
Mais de quatrocentos anos depois, o que mantém Romeu e Julieta atual?
JC: Tudo. Os temas são universais. Morte, vingança, amor/desamor, guerra, ambição, são as palavras-chave das tragédias de Shakespeare. No Romeu e Julieta, o amor, o desencontro e a morte, são as palavras que mais se ouvem ao longo da peça. O amor é sempre universal e intemporal.
BB: Um amor na sua forma mais pura e inocente. No fundo eles são crianças. A Julieta tem 14 anos e o Romeu 16. Um amor hipoteticamente contrariado, porque, afinal, os pais de ambos nunca sabem que ele existe.
A propósito, Julia Kristeva salienta o facto de esse amor nascer do ódio das famílias opostas e de ser propiciado pela noção de interdito e de secretismo. O que pensam?
JC: A nível dramatúrgico isso é verdade. Tudo começa por um desafio: Romeu surge no baile de máscaras da família inimiga onde não devia estar. E, como são jovens e vivem intensamente, conhecem-se, apaixonam-se e morrem em três dias. Se não houvesse ódio, não havia morte e, se calhar, também não havia amor.
BB: Eu vejo o amor da Julieta como algo tão inocente que não consigo pensar no outro lado. Se não houvesse este ódio, será que este amor era igualmente intenso e levado ao limite? É possível…
O facto de serem namorados na vida real ajuda-vos a personificar os eternos amantes de Shakespeare?
JC: Sim e não. A parte boa é que não há barreira a quebrar no sentido de conhecer o colega. E a nível físico, os beijos. Mas, por outro lado, já nos conhecemos e já não se dá a descoberta do outro.
BB: Nós como atores, antes de namorarmos, já nos dávamos muito bem em cena. O facto de namorarmos torna tudo mais rápido porque o contacto físico e a relação com o colega já existe.
JC: No fundo, acho que não ajuda a personagem, mas ajuda o ator porque é uma segurança.
Que contributo pessoal podem trazer a estas personagens tantas vezes representadas?
JC: Para o bem e o mal, é o nosso. Acima de tudo temos muita confiança no nosso trabalho e sentimos ter uma boa peça para mostrar. Temos um elenco muito jovem que torna a peça muito ágil. Estou muito orgulhoso.
BB: Não há atriz com a minha história, com o meu passado, e esse é um contributo singular na forma de experienciar este texto e esta personagem.
Já tinham representado Como Vos Aprouver . Que diferenças encontram na abordagem de Carlos Avilez e de João Mota ao universo shakespeariano?
BB: Apesar de tudo têm linguagens muito semelhantes. O nascimento da Comuna e do TEC (Teatro Experimental de Cascais) é coincidente e contemporâneo. São ambos muito clássicos e transmitem coisas semelhantes por métodos diferentes. O João Mota, porque foi ator, comunica com uma perspetiva de ator. Um dia tínhamos ensaio corrido à noite e à tarde ficámos a jogar à macaca e ao jogo do lencinho. Ele transmite-nos muito este lado de brincar, brincar a sério, brincar ao teatro. E isso mantém-se na peça, porque o teatro é um jogo.
JC: Essa é a marca do João Mota. O primeiro ato parece comédia, repleto de amor, de brincadeira, e também de muito erotismo. Só o segundo ato é que é trágico do princípio ao fim.
Que aspeto da encenação de João Mota gostariam de salientar?
JC: O cenário [de António Casimiro] é muito bonito, exactamente o que existia no Globe no tempo de Shakespeare: duas colunas, três portas e uma varanda. Toda a encenação parte daí, exigindo que as mudanças do espectáculo sejam feitas através da música original de José Mário Branco que não incorpora voz, mas usa muitos elementos de ranger de portas, bater de gavetas, espadas, gritos e assobios que nos transportam numa extraordinária viagem sensorial. É isso que dá o mote à cena…
BB: E o trabalho de luz do Paulo Graça.
Qual o papel que sonham representar no teatro?
JC: Como alguém já disse, é sempre próximo.
BB: Todos os que vierem. Proximamente, a Lulu de Wedekind que vou representar em Setembro, no TEC, sob a direção do Carlos Avilez.
Se é fã de “música da pesada”, o Estádio do Restelo recebe, no início de julho, o VOA – Heavy Rock Festival, com os cabeças de cartaz Slipknot, dia 4 de julho, e Slayer, no dia seguinte.
Também em julho acontece um dos maiores festivais de música do ano, o Nos Alive, no Passeio Marítimo de Algés. Aqui há muitos nomes sonantes e é difícil não gostar do alinhamento. No primeiro dia, 11 de julho, os The Cure dão o mote, colocando a fasquia muito alta. Também nesse dia atuam os nacionais Ornatos Violeta e Linda Martini. Dia 12 de julho destacam-se os Vampire Weekend, e, para acabar em grande, o último dia recebe The Smashing Pumpkins, The Chemical Brothers ou Thom Yorke.
Este ano, o Super Bock Super Rock regressa ao Meco, de 18 a 20 de julho. No primeiro dia há Lana del Rey, mas também o controverso Conan Osiris. Dia 19 pode ver e ouvir Phoenix ou Charlotte Gainsbourg, e, no último dia, destaque para as atuações de Janelle Monáe e Rubel.
Ainda no mesmo mês, Cascais recebe o EDP Cool Jazz, que acontece de 9 a 31 de julho. O cartaz assenta maioritariamente em nomes ligados ao jazz, como Jamie Cullum, Diana Krall ou Jacob Collier, mas há também concertos dos The Roots, Tom Jones, Jessie J, Kraftwerk ou os nacionais HMB e Best Youth. Também confirmada está mais uma edição do Sol da Caparica, mas ainda não são conhecidas datas nem artistas.
Numa vertente mais citadina, Lisboa receberá, como habitualmente, mais uma edição do Jazz em Agosto, na Gulbenkian, o Jazz im Goethe Garten, no Goethe-Institut, ou o Somersby Out Jazz, que espalha boa música por vários jardins da cidade.
[em atualização]
Sophia de Mello Breyner Andresen foi um dos grandes nomes da poesia de língua portuguesa do século XX cultivando, segundo António José Saraiva e Óscar Lopes “em imagens clássicas mediterrâneas, a identificação do eterno com a realidade humana e suas aspirações à justiça”. Os restos mortais da escritora repousam no Panteão Nacional, não longe da casa onde viveu, na Travessa das Mónicas, n.º 57, ao Miradouro da Graça que tem agora o seu nome e o seu busto em bronze de autoria do escultor António Duarte. A realidade confirma os versos de Sophia: “(…) Mesmo que eu morra o poema encontrará/ Uma praia onde quebrar suas ondas.”
Ao longo deste ano, a Comissão das Comemorações do Centenário de Sophia de Mello Breyner Andresen, sediada no Centro Nacional de Cultura, propõe um vasto programa para celebrar o centenário do nascimento dessa “grande poeta e uma exemplar figura moral, cívica e cultural, que nos inspira e desperta, desafia e renova”, como se pode ler no Manifesto subscrito pela Comissão.
Até ao verão, destacam-se: uma evocação de Sophia a propósito das comemorações do 25 de abril, nos Jardins do Palácio de São Bento; uma tarde de mesas-redondas, seguida da leitura dos poemas de Sophia sobre Fernando Pessoa (30 de abril, às 15h, no Museu de Lisboa – Palácio Pimenta); uma exposição de obras de Maria Helena Vieira da Silva e Arpad Szenes presentes na coleção privada de Sophia, nas instalações do museu/fundação dos artistas, no Largo das Amoreiras; um colóquio de dois dias na Fundação Calouste Gulbenkian, com a presença dos maiores especialistas nacionais e internacionais da obra da poeta (16 e 17 de maio); e um concerto da Orquestra Sinfónica Juvenil, que inclui uma obra inédita para coro e orquestra, composta por Christopher Bochmann, a partir de um poema de Sophia.
Toda a programação, e mais detalhes sobre a celebração podem ser encontrados no site oficial do Centenário de Sophia de Mello Breyner Andresen.
Em 2019 comemoram-se 45 anos do 25 de Abril. Se, por um lado, a data celebra o início do processo de democratização do país, é também um momento de reflexão sobre o que ainda falta para que os ideais de Abril sejam plenamente alcançados. É por estes dois caminhos que a programação Abril em Lisboa se desdobra.
Depois dos pianos colocados pela cidade há um ano, um dos principais destaques da programação passa por colocar uma dúzia de músicos à disposição do público para que este os conduza, numa iniciativa chamada Liberdade para Dirigir. Assim, cada um de nós pode ser maestro por momentos no Largo da Graça (dia 19), na Praça do Oriente (dia 20), no Jardim da Estrela (dia 21), no Largo Trindade Coelho (a 22) ou no Aeroporto de Lisboa (dia 23).
Ainda para o grande público, a Praça do Comércio vai acolher Memórias de Abril, um espetáculo de video mapping imersivo a 360º (24 de abril a 1 de maio) e Fausto Bordalo Dias apresenta-se em concerto, acompanhado por banda e orquestra, na noite de 24 de abril.
As comemorações passam ainda por abrir as portas do edifício dos Paços do Concelho (25 de abril), para escutar contos no Parque do Vale Grande, na Ameixoeira (dia 23), ou por festejar com toda a família no Jardim Mário Soares, ao Campo Grande (dia 25, pela manhã). No Museu do Aljube – Resistência e Liberdade durante todo o mês, há um programa intenso de entrada livre que inclui conversas, uma instalação (com concepção plástica de Ambrósio), exposições de fotografia, música, poesia e atividades destinadas aos mais jovens.
No campo do pensamento e da reflexão, destaque para mais uma edição do Festival Política, no Cinema São Jorge (25 a 28 de abril) e para um ciclo de conversas, a decorrer em várias bibliotecas de Lisboa, subordinado ao tema Abril e os direitos LGTBI.
Toda a programação está disponibilizada aqui.
Com estreia mundial agendada para o Espace Cardin, em Paris, a 22 de maio, Mary Said What She Said é um monólogo escrito pelo escritor afroamericano Darryl Pinckney, autor reconhecido no mundo do teatro pelas suas colaborações com Robert Wilson. Aliás, este é um reencontro ainda mais lato, uma vez que a eles se junta a consagrada atriz francesa Isabelle Huppert, mais de 20 anos depois deste “glorioso” trio ter levado a cena outro monólogo: Orlando, a partir do romance de Virginia Woolf.
Como o próprio Pinckney sublinha, “o sempre inventivo Robert Wilson oferece à grande Isabelle Huppert o trono da Rainha Maria da Escócia, a soberana que, por causa das suas paixões, perdeu a coroa”. Peça em três atos, Mary Said What She Said é uma história de amor, poder e traição sobre uma mulher que encarnou exemplarmente o desejo irreprimível da liberdade. Adivinha-se, portanto, um papel à medida de todo o talento de Huppert.
Numa produção do Theatre de la Ville (dirigido pelo luso-francês Emmanuel Demarcy-Mota), Wilson assina não só a encenação, como a cenografia e a luz do espetáculo, que conta ainda com música original do famoso compositor Ludovico Einaudi e figurinos de Jacques Reynaud.
O espetáculo integra a programação do 36.º Festival de Almada que decorre de 4 a 18 de julho em Almada e Lisboa. Os bilhetes (com preços entre 10€ e 50€), bem como as assinaturas (75€) que facultam o acesso a todos os espetáculos do festival, serão colocados à venda no decorrer deste mês.
Filipe Homem Fonseca
A Imortal da Graça
Filipe Homem Fonseca (n. 1974) é um veterano da escrita de textos humorísticos para teatro, televisão, rádio, cinema e Internet, atividade que lhe trouxe o reconhecimento do meio e também do público, e que ajudou à personalização de uma escrita que se reflete igualmente nos romances de que é autor. O terceiro chama-se A Imortal da Graça e introduz-nos na Lisboa atual com contornos de distopia. As idosas do bairro da Graça tecem cenários e conspiram para tentarem chegar ao pódio da mais velha de todas. À sua volta outras personagens, igualmente sitiadas pelas obras que não têm fim, levam existências sonhadas, adiando planos, algo que o escritor acentua sublinhando uma estagnação comum que é olhada de vários pontos de vista. As personagens são definidas com eficácia, mordacidade, em poucas linhas. O livro é também fértil em aforismos. Como este: “A felicidade é, também, uma espécie de conveniência dos afectos e das disponibilidades.” Quetzal
Nuno Júdice
O Café de Lenine
Escrever um romance é “um trabalho que nos envolve, mas que, ao mesmo, tempo, nos liberta dessa qualquer coisa que existe algures, dentro de nós, e que temos de materializar para descobrir do que é que se trata”. Nuno Júdice, poeta, ensaísta, e ficcionista, escreve um romance pós moderno cujo tema é justamente a criação de um romance. O que escrever? Como começar? Como criar uma personagem sabendo que “um personagem é um ser incómodo para o escritor. Precisa de um nome de um corpo, de uma psicologia (…) e de um contexto”? Mas, rapidamente surgem desvios e o autor envereda por caminhos secundários: compara com humor a inspiração aos mosquitos, o tabaco às ideologias, as cigarras a Deus. Atravessa várias épocas e cruza personagens literários e figuras históricas, faz-nos conviver com Fabrice del Dongo em Waterloo, com Ema Bovary no Luxemburgo ou testemunhar uma conversa de café entre Guerra Junqueiro e Lenine. São, afinal, esses múltiplos desvios que enformam a matéria de um romance que se repensa, combinando ficção, crónica, memória e reflexão. Dom Quixote
Maya Angelou
Sei Porque Canta o Pássaro na Gaiola
Maya Angelou, figura fundamental da cultura afro-americana e dos direitos civis nos EUA, incentivada pelo seu amigo, o escritor James Baldwin, publicou este seu primeiro volume autobiográfico em 1969. A obra constitui um dos mais impressionantes documentos humanos do século XX, sobre a experiência de uma mulher negra vítima de dupla discriminação, de género e de raça. É também um exemplo notável de capacidade de superação face à adversidade. O título cita um verso de Sympathy, de Paul Laurence Dunbar e recorre à metáfora do “pássaro na gaiola” para representar a condição da escravatura e as suas marcas na identidade negra. O canto do pássaro assume também um duplo significado: simbólico (através do seu primeiro livro, Maya procura “a sua voz” enquanto escritora) e literal (em consequência de ter sido violada em criança, Maya deixou de falar durante cinco anos). Maya Angelou foi um pássaro que, até à data da sua morte, em 2014 aos 86 anos, não parou de cantar, pois “não há maior sofrimento do que guardar uma história por contar dentro de nós.“ Antígona
Thomas Hardy
Tess dos D’Urbervilles
Raros foram os escritores se distinguiram igualmente na poesia e na prosa; Thomas Hardy constituiu uma das mais notáveis excepções. Os seus poemas, longe de preciosismos, escritos numa linguagem próxima do discurso falado, prepararam o caminho para a poesia inglesa moderna. Os seus romances realistas, profundamente pessimistas, recebidos com a maior severidade pela sociedade vitoriana, perspetivam o Homem como refém das duas maiores influências da civilização ocidental: a tragédia grega clássica e a noção de destino, o cristianismo e o conceito de culpa. Nesta obra admirável, Hardy, “o maior escritor trágico entre os romancistas ingleses”, segundo Virginia Woolf, narra a história de Tess, uma jovem camponesa violada por um parente rico que tenta refazer a vida com Angel, por quem sente um amor puro e sincero. Relação que será destruída pelos preconceitos e pelas convenções sociais. Uma vez mais, o autor constrói um romance revelando duas forças em movimento: “a alegria de viver que nos é inerente, e aquilo que se opõe a essa mesma alegria por via das circunstâncias.” Relógio D’Água
José Ramos Tinhorão
Os Negros em Portugal
Os Negros em Portugal – uma presença silenciosa é já uma obra de referência da historiografia portuguesa. Recorrendo a uma vasta gama de fontes, explorando em particular os textos literários e teatrais, José Ramos Tinhorão oferece-nos uma obra sólida, trazendo para a luz do dia uma realidade escassamente conhecida e estudada. Obra rigorosa e de grande erudição, escrita de forma viva e ágil, torna-se por isso acessível a um público muito vasto. O autor nasceu em Santos, no Brasil, a 7 de fevereiro de 1928. Depois de se mudar para o Rio de Janeiro, em 1938, formou-se em Direito e em Filosofia e tem-se dedicado ao jornalismo e, principalmente, à investigação na área da Música e da Etnografia. Autor de uma vasta bibliografia, principalmente da música brasileira, publicou na Editorial Caminho, entre outros, os seguintes títulos: Fado: Dança do Brasil, Cantar de Lisboa, o Fim do Mito; As Origens da Canção Urbana. Caminho
Fernanda Botelho
A Gata e a Fábula
O romance A Gata e a Fábula tem no seu cerne a revisitação das origens, do mundo da infância. Aquando da sua publicação original, em 1960, as suas personagens desvendavam uma geração que, então, se afirmava e questionava no mundo do pós-guerra português. A história desenvolve-se em torno de um grupo de mulheres pertencentes à aristocracia empobrecida, que procuram manter o estatuto através do casamento. Fernanda Botelho traça um apurado retrato social da sua época, trabalhando processos narrativos, que versam sobretudo o monólogo interior das personagens. Escreve Marcelo G. Oliveira no prefácio da presente edição: “Talvez uma das características fundamentais de todo o percurso de Fernanda Botelho seja a forma com a sua obra sempre conseguiu escapar a rótulos e a apreciações convencionais, revelando uma integridade inexcedível na sua constante e pessoalíssima busca por uma expressão justa da condição humana nesse Portugal da segunda metade do século XX.” Abysmo
Anna LLennas
O Monstro das Cores Vai à Escola
O primeiro dia de escola é um dos momentos mais marcantes na vida de uma criança. E o Monstro das Cores está compreensivelmente nervoso porque, afinal, esse dia nunca é fácil. Muitas emoções para explorar e gerir, novos amigos para fazer, muitas aventuras para viver… Como se sentirá o nosso amigo? Neste livro, é possível acompanhá-lo na descoberta de novas rotinas, diferentes espaços e outras dinâmicas e o importante é ele perceber que não está sozinho. Porque por muito difíceis que sejam as mudanças, há sempre a parte boa: as surpresas que elas nos podem trazer. Será que o Monstro das Cores vai gostar da experiência? Nuvem de Letras
Diamantino começa assumindo-se como ficção. No entanto, a personagem principal e o contexto sociopolítico têm uma aparência muito real. Onde encontraram inspiração para esta obra?
O filme parodia bastante o que está mesmo agora a acontecer. Aspirava a satirizar ludicamente a cultura da celebridade, especialmente focada em estrelas dos desportos como Cristiano Ronaldo ou Lance Armstrong, estrelas de reality show como Kim Kardashian, ou mega-celebridades como Madonna e Angelina Jolie. Mas todas essas estrelas foram só inspirações. Diamantino deixa de algum modo ver para além e por detrás da máscara da celebridade superficial, auto-obsessiva e materialista, e permite aceder a um tipo de pessoa completamente diferente, que é apenas inocente, cândida, e cheia de amor.
O filme é uma metáfora de um país, Portugal, mas também do mundo ocidental. Através da comédia são abordadas questões dramáticas: a crise dos refugiados, o populismo que vinga nos EUA e na Europa, e um endeusamento exacerbado de determinadas personalidades. Foi intenção levar o público a reflectir sobre estas questões?
O filme é uma sátira e espero que faça o público rir e pensar sobre as coisas mais ridículas e chocantes que estão hoje a acontecer, como o Brexit, a presidência do Donald Trump, a ascenção da extrema direita ou a crise dos refugiados. Nesse sentido, Diamantino inspira-se na grande tradição da sátira política que vem desde Aristófanes, passa pelo Candide para desembocar em South Park: uma comédia que é suposto fazer rir e pensar ao mesmo tempo.
Podemos dizer que hoje os estádios de futebol são as novas catedrais, que os jogadores são os novos Michelangelo?
O filme começa com o Diamantino a dizer isso mesmo em voz off. E há alguma verdade nessa frase. A beleza dos jogadores mais talentosos pode ser comparada às mais belas obras de arte e os estádios são um centro de devoção, de fé, de superstição. Mas tudo isso talvez esteja um pouco hiper-romantizado. Os estádios são também lugares comparáveis ao Coliseu de Roma, no sentido em que neles se manifesta a mentalidade da horda populista que os tornou possíveis. Penso que o filme joga com essa dupla função do desporto de elite – pode ser belo e inspirador e ao mesmo tempo uma das mais virulentas formas do nacionalismo, do nepotismo, e do pensamento massificado que hoje se espalham rapidamente.
Diamantino foi o filme de abertura do festival Queer, em Lisboa. Em que sentido se pode dizer que esta obra pertence ao universo queer?
Diamantino é um filme sobre ambiguidade e liberdade, sobre a descoberta da sexualidade, sobre a fluidez de género. É também extremamente camp e tonto, e deleita-se no poder intoxicante do mau gosto mais trashy, como por exemplo com uma super estrela do futebol a fantasiar sobre cãezinhos pequineses enormes a saltar através de nuvens cor-de-rosa.
Os atores são todos portugueses. Como foi feito o casting para o filme, foi imediata esta opção em relação aos atores?
O Daniel e eu ficámos muito empolgados por trabalhar com este cast. Já tinha trabalhado três vezes com o Carloto Cotta, e o Daniel e eu escrevemos o guião a pensar nele. Queria também o Filipe Vargas e a Joana Barrios, com quem já tinha colaborado. Não conhecia a Margarida e a Anabela Moreira, a Maria Leite, a Carla Maciel ou a Cleo Tavares, mas foram todas tão brilhantes… São alguns dos atores mais talentosos e foi realmente magnífico trabalhar com eles.
Diamantino recebeu este ano o Grande Prémio da Semana da Crítica no Festival de Cannes. Tem ainda marcado presença em importantes festivais de cinema. Qual o impacto dos prémios e a importância da presença em festivais?
O Daniel e eu ficámos chocados por ganhar o prémio. Já tínhamos ficado surpreendidos por termos sido aceites num festival tão prestigiado. Começámos a trabalhar no Diamantino em 2010 e estamos ainda a trabalhar na distribuição do filme agora em 2019 – por isso pode dizer-se que, do princípio ao fim, levou mais de uma década a fazer esta obra. Durante este tempo houve imensos altos e baixos, chegámos por vezes a perder a perspetiva do filme e do que ele poderia representar para as pessoas. Neste sentido o prémio, bem como a reação dos críticos e público em Cannes, foi arrebatadoramente positiva e uma grande emoção, fazendo-nos sentir que todos estes anos a trabalhar no filme valeram a pena. O mais importante para nós era ouvir as pessoas a rir, senti-las a emocionarem-se com o filme.
O Gabriel tem também formação em artes visuais. De que forma essa vertente influência o seus filmes?
Comecei a pintar quando era muito novo, fui para a escola para pintar e foi então que passei a frequentar as aulas de História do Cinema com o mítico crítico do Village Voice, Jim Hoberman. Aprendi quase tudo o que sei sobre história do cinema nessas aulas. Ele deu-nos a ver Dryer e Griffith juntamente com Anger e Warhol. Penso que foi esse mix de experiências arcaicas no cinema primitivo e de filmes de arte underground que realmente influenciou as minhas primeiras tentativas de fazer cinema.
De que melhor maneira poderíamos definir este objeto enigmático e caricato, grotesco e absurdo, tão excessivamente divertido, mas até trágico, chamado Ballyturk? Jorge Silva Melo, que assume ter sido a peça mais difícil que dirigiu até hoje, considera-a “uma slapstick comedy [em português a referência será o chamado “pastelão”] que faz Beckett sair da academia e entrar numa taberna irlandesa, com Guiness a rodos e serradura no chão.”
Aliás, o teatro de Enda Walsh (n. 1967) desde Acamarrados explora “esse lado voluntariamente rasca” e impregna-o de referências eruditas. Em Ballyturk, uma comédia bem irlandesa, descortinam-se marcas de James Joyce (as paredes que falam sugerem ser conversas de vizinhos num qualquer bairro de Dublin), do galês Dylan Thomas “e do seu belíssimo Sob o Bosque de Leite”, mas, principalmente, de Samuel Beckett e do seu incontornável À Espera de Godot. “Descobri Godot himself naquele misterioso visitante que surge na sala, vindo de algures numa paisagem irlandesa”, sublinha Silva Melo.
A essas referências, Walsh junta o tal universo slaptick das populares comédias britânicas da série Carry On ou dos célebres Três Estarolas. Como se metesse todos os ingredientes numa centrifugadora – tal o ritmo frenético a que, em palco, os atores (no caso, Américo Silva e Pedro Carraca) são sujeitos –, o autor constrói uma “espécie de ritual a dois, aplicando excesso aos gestos quotidianos que, à Beckett, retira às rotinas das vidas normais.”
A peça é “uma loucura” não só pela exigência física das interpretações, como pelos efeitos especiais em cena. “Não imaginava no que me estava a meter quando decidi fazê-la”, confessa o encenador, lembrando que o cuco do relógio se incendeia e até o microondas explode a dada altura.
Aliás, é o tempo, marcado pelos relógios e pelos mais diversos artefactos em palco, que parece ser a chave para descodificar este objeto tão fascinante como enigmático. Porque, no fundo, nunca sabemos onde estão e quem são aqueles homens e que lugar é esse que ressoa, mas não vemos, chamado Ballyturk.
Falámos com Gonçalo Riscado, da Cultural Trend Lisbon – CTL (entidade organizadora do evento), para quem este festival se distingue “por se dedicar à promoção e internacionalização da música popular atual, com especial foco na produção musical vinda dos países de língua portuguesa”. Lisboa torna-se, assim, uma espécie de ponto de encontro de profissionais da indústria da música de vários pontos do mundo, criando “uma ponte entre os mercados da música europeu, africano e sul-americano”, explica.
Ao longo dos três dias do programa, são dados a conhecer mais de 70 novos e entusiasmantes artistas em diversas salas do Cais do Sodré. Que Lisboa está na moda ninguém discute. Há salas para todos os gostos e feitios em diversas zonas da cidade. Segundo um dos fundadores da CTL, a escolha do Cais do Sodré prende-se com a sua importância, mas também com questões logísticas: “este é um bairro central na vida noturna lisboeta que congrega uma diversidade de salas de espetáculos e clubes nocturnos que possibilitam este modelo de programação”.
Programa artístico
Entre os variados nomes que integram o cartaz, destacamos os nacionais A Negra, Blaya, PAUS, Filho da Mãe, Octa Push, Cave Story ou Conan Osiris. Há muitos mais (ver programação integral aqui), escolhidos de forma criteriosa: “os nomes que integram o alinhamento são artistas emergentes que têm potencial de exportação e internacionalização”. A organização procura sempre “propostas musicais que fujam ao circuito de música mainstream e que estes artistas introduzam um fator de novidade dentro das tendências da música popular atual”.
E que dizer, então, do grande boom na produção da música nacional alternativa dos últimos tempos? Gonçalo Riscado é perentório: “nesta última década, a produção de música independente em Portugal desenvolveu-se de forma significativa. Deste crescimento resultaram e continuam a resultar projetos e coletivos muito interessantes que dinamizam um circuito de música que é bastante rico e diversificado”. Por isso mesmo, o MIL ”está de olhos postos nesta realidade e procura fazer a ponte com os circuitos de música internacionais”.
MIL PRO
O festival tem também uma vertente dirigida a profissionais com uma componente de formação: masterclasses e workshops, encontros de networking e debates sobre tópicos relevantes para a indústria da música. Para a CTL, esta vertente funciona como “plataforma de inovação, fornecendo ferramentas teórico-práticas essenciais para as diversas áreas do setor da música”. Este é, aliás, um dos grandes trunfos do MIL, uma vez que proporciona “várias oportunidades de negócio e intercâmbio, possibilitando o contacto entre agentes e profissionais de todo o mundo.”
Na primeira vez que dirige um texto de Brecht, o encenador António Pires admite não o ter feito por razões artísticas. “O que me moveu foram questões sociais”, e releva “a urgência” de trazer para o palco um conjunto de cenas curtas que compõem esta “profunda reflexão para teatro sobre a ascensão do nazismo na Alemanha.”
Terror e Miséria no Terceiro Reich terá sido escrita, na Dinamarca, entre 1935 e 1938. Brecht estava exilado, mas particularmente atento aos ecos que chegavam do seu país natal, onde, e resgatando uma expressão cunhada por Hannah Arendt já após a grande guerra de 1939/1945, a banalidade do mal imperava na sociedade alemã.
Num ambiente de uma certa austeridade cénica, pontuada por uma janela ao fundo do palco onde, recorrendo ao vídeo, surgem paisagens das cidades, dos campos ou das fábricas (consoante a temática da cena), António Pires construiu, a partir da tradução de Fiama Hasse Pais Brandão, um mosaico cronológico que se inicia em 1933, com a chegada ao poder de Hitler, e encerra com a anexação da Áustria em 38, num quadro em que os resistentes se mobilizam, adivinhando que o pior ainda estava por vir.
Mas as 15 cenas que compõem o espetáculo não são, de todo, narrativa histórica. São, isso sim, cenas do quotidiano do povo alemão, que Brecht adapta a partir de notícias de jornal e relatos testemunhais, revelando como o medo se instalou paredes meias com o espírito messiânico nacionalista personificado na figura do Fuhrer. E estas cenas, escolhidas de um total de 24 do texto original de Brecht, evidenciam, nas palavras do encenador, “assustadoras semelhanças com aquilo que se vai passando na atualidade” (chama-se a atenção para um excelente texto do jornalista Daniel Oliveira, que integra a folha de sala, e parte precisamente do caso brasileiro).
Perante o terror e a miséria, é com bastante humor e ironia que a peça convoca a inquietação no espectador. São absolutamente deliciosas cenas como a do casal (Adriano Luz e Inês Castel-Branco excelentes) que teme a denúncia por parte do filho menor, devido a um conjunto de conversas que mantêm muito pouco abonatórias da situação social e política que se vive; ou aquela em que o guião de um programa de rádio, feito em direto de uma fábrica para propagandear a “alegria e infatigável energia” do proletariado no nacional-socialismo, acaba por fugir ao controlo do locutor e do próprio agente das SA, graças às imprevisíveis declarações dos operários.
Mas numa sociedade em que o mal se impregnou, a tragédia só pode mesmo trespassar as vidas dos cidadãos comuns. A cena da judia, casada com um “ariano”, que faz a mala para fugir e vai dando conta da cobardia do marido; ou a do comunista que sai da prisão e procura ajuda junto de um casal de amigos que a negam, são bem demonstrativas da profunda melancolia em que o Brecht exilado se encontrava quando as escreveu.
Reunindo um elenco composto pelos já referidos Adriano Luz e Inês Castel-Branco, mas também por Carolina Serrão, Francisco Vistas, Jaime Beata, João Barbosa João Maria, Mário Sousa, Rafael Fonseca, Sandra Santos e Manuel Encarnação ou Tomás Andrade (crianças), Terror e Miséria conta ainda com a participação do músico e pianista Nicholas MacNair. Um espetáculo em estado de urgência, para ver no Teatro do Bairro, até 14 de abril.
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