Nesta peça, interpreta Peggen Mike, a principal personagem feminina. O que nos pode dizer sobre ela?
A Peggen é a filha do dono da taberna onde decorre a ação da peça. É uma rapariga de “pelo na venta”, como se costuma dizer, muito prática, muito trabalhadora, muito objetiva… Ela está de casamento marcado com um camponês, até que aparece o “campeão”. À semelhança de toda a gente, fica fascinada, acabando por se apaixonar por ele, pela sua poesia, pela sua bravura, pela novidade que ele representa. Mas, o desfecho de tudo isto não irá ser muito feliz…
O que mais a fascinou na Peggen?
Como não gosto de personagens lineares, encontrei na Peggen muito mais do que a dureza que normalmente surge associada a ela. O ser humano é sempre mais do que isto ou aquilo, é muitas coisas. E a Peggen, na forma como se relaciona com a família e com os outros, contem uma multiplicidade fascinante.
Há alguma característica nesta personagem que reconheça facilmente em si?
Há uma frase no texto, dita em relação à Peggen, que responde a essa pergunta: “Ela muda como o vento.”
Estreou-se no teatro, em 2006, precisamente com os Artistas Unidos, na peça A Mata, dirigida por Franzisca Aarflot. No espaço de um ano, voltamos a vê-la nas produções da companhia, nomeadamente em A Morte de Danton, A Estalajadeira e, agora, nesta peça. É uma relação para continuar?
O primeiro trabalho que fiz foi, de facto, um bom começo, e aconteceu com os Artistas Unidos. No ano passado voltei a trabalhar com a companhia no Danton, e correu tudo tão bem que o Jorge Silva Melo me chamou para estes projetos. Aconteceu tudo muito naturalmente, e provavelmente é assim que irá continuar a ser.
Teatro, cinema, televisão. Em qual das áreas prefere trabalhar?
Confesso que não tenho preferência. Tudo depende da equipa e do projeto. Claro que há paixões… adoro cinema! Mas também já fiz trabalhos no cinema onde as coisas não foram propriamente simpáticas.
E o teatro?
O teatro tem a relação com o público e dá-nos uma estrutura e uma bagagem que me preenchem enquanto atriz. Adoro o palco, mas também adoro a câmara… e também já houve trabalhos em televisão que gostei imenso de fazer. Se puder estar nos três, ótimo!
Vê-se que não concorda muito com aquela ideia, partilhada por muitos atores, de que se pudessem só fariam teatro…
Acho que esse discurso é algo presunçoso… É verdade que há trabalhos em televisão porventura pouco gratificantes, sobretudo porque os textos não são bons. Mas isso também acontece no teatro e no cinema. Seria demasiado romântico pensar que só o teatro é que é bom…
De entre os muitos cineastas que a dirigiram constam dois grandes nomes, infelizmente já desaparecidos: Raul Ruiz (Mistérios de Lisboa) e Fernando Lopes (Em Câmara Lenta). Que memória guarda deles?
Eram pessoas muito diferentes e é um privilégio para mim tê-los conhecido e trabalhado com eles. Dos Mistérios tenho memórias extraordinárias. O Raul Ruiz era um senhor encantador, uma criança num corpo adulto, muito sensível e disponível. Havia uma liberdade e um espaço de criação muito, muito agradável. E depois, como adoro filmes de época, com aqueles vestidos e perucas, senti-me sempre tão confortável que o meu trabalho fluía de uma maneira impressionante. Recordo ainda o casting e a empatia que criei desde o primeiro momento com o Raul: o tom de voz dele, o que quis saber na conversa que mantivemos, o modo como me olhava… Era um grande senhor.
E o Fernando Lopes?
Durante a rodagem do Em Câmara Lenta, senti que o Fernando estava muito zangado com a vida, com o cinema, com a cultura em geral… isso custava muito. Percebia-se o quão frágil e debilitado ele estava. Dávamo-nos muito bem… Recordo quando me sentava de joelhos ao lado dele e o via, incessantemente, a acender cigarros, uns atrás dos outros… Foi pena ele estar tão amargurado.
Voltando ao teatro, há alguma personagem que gostaria de inscrever na sua já extensa galeria?
Às vezes leio umas peças e penso: era mesmo esta personagem que gostaria de fazer. Mas, não tenho propriamente nenhuma personagem que ambicionasse interpretar. Isso acontecia-me nos tempos de escola… hoje não.
E projetos para o futuro? Onde a vamos poder ver após O Campeão do Mundo Ocidental?
Espero que não me vejam nas férias [risos]… Provavelmente, irá estrear nas salas um filme do Vítor Gonçalves, que apenas tem título provisório, e que rodámos há dois anos. Quanto a novos projetos, para já não tenho nada em mãos.
Porque o fado também é moda, o MUDE – Museu do Design e da Moda e o Museu do Fado apresentam Com Esta Voz Me Visto – O Fado na Moda, uma mostra que propõe um olhar sobre os trajes e acessórios que vestiram, e vestem, a “canção de Lisboa” desde os anos 40 do século passado. Inevitavelmente, o destaque maior da exposição vai para os vestidos de Amália, a fadista que reuniu à voz espantosa a importância da imagem, derrubando, nas palavras de Bárbara Coutinho, diretora do MUDE, “uma série de estereótipos, enquanto [se] afirma como uma mulher independente e emancipada, moderna e segura de si, atenta às novas modas e detentora de uma sensibilidade inata, elegante e sofisticada, plena de feminilidade.”
A marca de Amália nessa rutura acontece precisamente na predominância do negro no vestuário. Mais de uma dezenas de vestidos pretos, com ornamentações subtis e de extrema elegância, caracterizam a maioria das peças da fadista agora expostas, provenientes sobretudo do acervo do Museu Nacional do Teatro e da Fundação Amália Rodrigues.
Como sublinha a diretora do Museu do Fado, Sara Pereira, nos retratos de inícios de quarenta, Amália surgia normalmente “vestida com uma blusa branca, saia e xaile tradicionais”. Posteriormente, a adoção do preto tornou-se imagem de marca da fadista que confessava não ter dúvidas “que o vestido preto com o xaile preto que comecei a usar, deu uma presença mais agradável ao fado.”
A construção dessa imagem, ainda hoje tão vincada como é possível perceber no núcleo dedicado às fadistas da nova geração, deveu-se sobretudo a três mulheres: Anna Maravilhas, Maria-Thereza Mimoso e, mais tarde, Ilda Aleixo, com quem a fadista idealizou inúmeros figurinos. Ao longo das décadas, foram estas mulheres que criaram para Amália uma imagem que tanto contribuiu para fazer dela, citando Sara Pereira, “a Voz mais universal da nossa identidade”.
Mas, não se pense que a cor não tem lugar no espólio de Amália. Na sua versatilidade de intérprete, a fadista atuava muitas vezes, nas primeiras partes dos espetáculos que eram dedicadas ao folclore, com vestidos mais garridos e vivos, como é o caso daquele que encomendou a Pinto de Campos, inspirado em motivos regionais, para uma atuação no Lincoln Center de Nova Iorque, em 1966. A propósito dessa peça magnífica, também presente nesta mostra, Sara Pereira relembra que essa quebra na utilização do negro se deveu a uma sugestão do maestro Andre Kostelanetz “que lhe recomendou que não usasse preto, à frente de uma orquestra com todos os músicos vestidos de preto.”
O renascimento do fado e a sua projeção internacional na década de 1990, acabaria por proporcionar uma reinvenção da sua própria imagem. Mísia, com a sua irreverência e sofisticação, e Paulo Bragança, com uma “transmutação estilística total”, surgem como os primeiros representantes dessa mudança. As fadistas da nova geração, como Mariza, Ana Moura, Carminho ou Aldina Duarte “atestam um cuidado renovado com a imagem”. Ao longo da exposição é possível compreender esse percurso, como se as peças de João Rôlo, José António Tenente, Fátima Lopes, Ana Salazar ou Luís Buchinho para as atuais estrelas do fado se tornassem extensões das suas próprias vozes.
Em Com Esta Voz me Visto expõem-se ainda alguns acessórios marcantes para a história do fado, sublinhando-se a icónica boina e o cachené de Alfredo Marceneiro, o Cristo em ouro e diamantes de Rodrigo ou as chinelas que Tiago Cardoso fez para Raquel Tavares que tinham como referência a iconografia associada a Severa.
O que o atraiu neste filme do realizador Bille August?
Já tinha trabalhado com Billie August no filme Casa dos Espíritos. É um realizador muito gentil, interessante e atencioso. Sabe o caminho a seguir, é alguém em quem podemos confiar. É muito bom poder trabalhar com uma pessoa de quem realmente se gosta.
Adaptar um livro com sucesso ao cinema é sempre uma tarefa difícil. O que acha que os leitores do livro esperam do filme?
Adaptar um livro ao cinema é de facto muito difícil. O filme parece que nunca vai estar ao nível do livro. Claro que há romances, como Anna Karenina ou Dr. Jivago, que os leitores pensam: ainda bem que podemos ver o filme, o livro é tão grande. Acho que no caso do Comboio Noturno para Lisboa, o romance não é tão denso, e é mais fácil de se captar o espírito do livro. Espero que neste caso haja muitos espetadores que vejam o filme e queiram ler o livro.
A sua personagem, Raimund, é um homem solitário. Gabriel García Marquez disse que “a solidão é o contrário de solidariedade”. Acha que a solidão é um problema persistente da nossa sociedade?
Sim, acho que a solidão é um problema, principalmente das grandes cidades. Penso que quanto mais concentrados estamos, quanto mais barulho e informação nos rodeia maior é a necessidade de nos isolarmos. No campo as pessoas respiram de outra forma. As casas têm mais espaço e o meio envolvente é amplo. Isso permite uma maior abertura por parte das pessoas, mais convívio e uma menor necessidade de isolamento.
Já esteve em Lisboa várias vezes. Há algo em particular que o faça gostar da cidade?
Gosto bastante de Lisboa. É uma cidade com história e isso faz dela necessariamente uma cidade interessante. Fascina-me o facto de muita gente, essencialmente idosos, conseguir viver em casas muito antigas e degradadas (desmoronamento), mas muito belas, no centro da cidade por uma renda razoável. Sinto que estas pessoas fazem de Lisboa uma cidade habitada. Desta vez descobri o fado, e gostei bastante. Sou um grande apreciador de música irlandesa e encontrei algumas semelhanças com o fado.
O que pode esperar o público português do filme?
Espero que o filme permita ao público conhecer um pouco melhor determinados aspetos da sua história. Espero que faça com que se sintam orgulhosos por serem portugueses.
Existem novos projetos para breve?
Para já há mais uma série dos Bórgia. Tenho também alguns guiões. No entretanto, espero fazer uma série de coisas como montar a cavalo, passear de barco, arranjar partes da casa que precisam de pintura, viver um pouco.
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